domingo, 1 de agosto de 2010

Ronda ostensiva :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não adianta a candidata Dilma Rousseff fazer profissão de fé pública em prol da liberdade de imprensa nem será convincente o ato do PT de retirar do programa para o próximo governo a instituição de controles sobre os meios de comunicação, se o presidente do partido gesticula no sentido oposto.

Imagina-se que falando em nome do PT e da campanha da qual é um dos principais coordenadores – integrante do grupo chamado “G-7” para designar os mandachuvas –, José Eduardo Dutra anuncia que está vigilante em relação ao que é publicado ou veiculado em jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão.

Tudo aquilo, avisa, que “extrapolar a liberdade de expressão” será questionado pelo partido na Justiça.

Todos os dias há gente esquadrinhando tudo o que é dito e escrito. Já como fruto do pente-fino, há dois pedidos de direito de resposta à revista Veja e uma solicitação – frustrada – de censura a um vídeo (o que mostra o vice de José Serra dizendo que o PT tem parte com terroristas colombianos) do portal Folha.com.

Causa espécie não o recurso à Justiça.

Este está aí à disposição de quem quiser exatamente para que os ofendidos acorram a ele e a Justiça arbitre quem tem razão.

O que chama atenção é a concepção petista de liberdade de expressão. Pelo que se depreende desta e de outras manifestações de José Eduardo Dutra a respeito do tema, tudo o que fugir do estritamente informativo, tudo o que recender a opinião, interpretação, exercício de discernimento e lógica pode ser enquadrado à categoria do que “extrapola a liberdade de expressão”.

De onde é possível observar também a concepção petista sobre liberdade. É tudo aquilo que não condiz com o interesse do partido. O que sai fora desse limite, extrapola.

O mesmo José Eduardo Dutra, ao defender o ponto de vista da necessidade de se instituir controles sobre os meios de comunicação, disse há 15 dias que as cadeias de rádio e televisão são “pouco afeitas” ao pluralismo. Citou como exemplo a revista Veja, que na visão dele não tem sido “plural”.

Quer dizer, tem externado pontos de vista que desagradam ao PT. Na ocasião, Dutra acrescentou: “Isso é uma constatação. O que vamos fazer, vamos censurar? Claro que não, mas tenho também a liberdade de poder expressar minha opinião. O fato é que a liberdade de imprensa é irrevogável, ponto.”

Sim, é irrevogável não porque o senhor Dutra tenha determinado, mas porque assim garante a Constituição.

Constituição esta vilipendiada quando o presidente da República, filiado ao PT, extrapola e usa o cargo para fazer política partidária.

Pois esse partido que mal consegue se manter na legalidade é que se arvora em patrulheiro dos limites da liberdade de expressão. Diz Dutra sobre sua contrariedade com os que não assentem ao seu partido: “Vamos censurar? Claro que não.”

Se tivessem nas mãos o tal conselho para fiscalizar a imprensa que tentaram instituir no início do primeiro mandato de Luiz Inácio da Silva, claro que sim, certamente iriam restringir a publicação daquilo que, no entendimento do conselho, extrapolasse. Não alguma lei, note-se, mas o conceito petista de liberdade de expressão.

E isso não é uma ilação, é – para usar palavras de José Eduardo Dutra – uma constatação.

Se não, para que a insistência nos controles? Por que ao falar sobre eles o presidente do PT invoca justamente o espírito crítico da imprensa?

Poderia falar a respeito de coisas que deseducam a população, sobre agressões ao idioma, linguagem chula. Ainda que equivocado, mas bem-intencionado, poderia abordar a distorção dos melhores princípios, os excessos do consumismo, o desrespeito ao próximo, mas não.

Ataca apenas um ponto: o senso crítico exercido de maneira contrária ao que seria de interesse do PT.

Não é por acaso. Inclusive porque durante toda a trajetória de Lula e do PT, em especial na campanha presidencial de 2002 e logo após a posse antes dos primeiros escândalos, enquanto a impressa fez vista grossa às peripécias petistas e ajudou a construir e exaltar o mito Lula – depois exportado mundo afora –, o partido nunca reclamou.

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