terça-feira, 24 de agosto de 2010

Com todo respeito a qualquer dos dois :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Se Barack Obama chegou lá com a senha “nós podemos”, Lula não se contenta com o que lhe coube, e insiste em ficar por perto, ou dentro, o tempo necessário para calibrar o Brasil e ensinar democracia ao vivo, e não só em livros, aos brasileiros que, pela leitura das pesquisas e eleitoralmente falando, estão ao seu dispor. E lascou: “Queremos continuar governando este país”. Tanto que nem cita, por supérfluo, o nome da candidata que escolheu como era costume social na Primeira República (estender um lenço na cadeira ao lado, para guardar lugar em salas de espetáculo).

O Brasil do presidente Lula é outro, e a História dirá se por culpa ou mérito pessoal dele, sem desrespeito a qualquer dos dois. Foi Lula quem se considerou o presidente pelo qual o Brasil esperava, mas demorou em se dar conta de que não podia ter testemunhas por perto. Assim, permite-se, folgazão, excepcionalmente na primeira pessoa do plural, coisa rara, citar Barack Obama e ganhar tempo, dizer que não apenas podemos como gostamos e queremos continuar governando este país. Passou despercebido, sem ser ouvido nem lido, mas dá para pensar quando, referindo-se à oposição em outra oportunidade, com voz roufenha, gritou – “querem continuar governando este país”, esquecendo-se de se incluir no plural. Quem, mais do que ele, quer e não esconde? Sendo um de cada vez, e por eleição lisa e limpa, dispensa-se a veemência. O queremismo não dá duas safras, e a primeira foi suficiente com Getulio Vargas.

No começo deste ano, cuja página eleitoral está sendo por ele virada na marra, diz o presidente – que não se lembra de que não o é apenas do petismo e associados no uso do poder, mas de todos os brasileiros – vocalizou o que já vinha atropelando: “Vou fazer força para eleger a minha sucessora” e “não vou mais dar palpites”. Honrou a primeira e nem se lembrou da segunda ressalva. Bem que avisou, mas ninguém prestou atenção. Quem não pode se queixar, pois ainda é toda agradecimentos, é Dilma Rousseff, que não sabe o que pode estar à sua espreita. Não pode se descuidar de quem diz que já governou “este país por oito anos” e recomenda a Dilma um estilo pessoal, dela, porque o dele é exclusivo, e o original vale mais do que a cópia. Já fala por conta do cargo de ministro ventríloquo do governo que pretende ter à mão.

Modéstia à parte, coisa rara, o presidente esbanja charme ao ressalvar que “me contentarei em ser um bom ex-presidente” (melhor do que o presidente que foi ao antecipar o processo eleitoral) numa situação que não o livrará do desconforto de ser visto pelas costas. Não poderá contar com a plenitude de poder de que parece insaciável, à luz de ensinamentos que a História põe à disposição dos interessados, que não terão como alegar mais tarde que não sabiam de tudo que a democracia subentende e dispensa explicações.

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