sábado, 21 de agosto de 2010

Ao decênio de Castro Alves:: Cruz e Sousa

Quem sempre vence é o porvir!
No espadanar das espumas
Que vão à praia saltar!
Nos ecos das tempestades
Da bela aurora ao raiar,
Um brado enorme, profundo,
Que faz tremer todo o mundo
Se deixa logo sentir!
É como o brado solene,
Ingente, Celso, perene,
É como o brado: - Porvir!

Pergunta a onda: - Quem é?..,
Responde o brado: - Sou eu!
Eu sou a Fama, que venho
C'roar o vate, o Criseu!
Dormi, meu Deus, por dez anos
E da natura os arcanos

Não posso todos saber!
Mas como ouvisse louvores
De glória, gritos, clamores,
Também vim louros trazer.

Fatalidade! - Desgraça!
Fatalidade, meu Deus!
Passou-se um gênio tão cedo,
Sumiu-se um astro nos céus!
As catadupas d'idéias,
De pensamento epopéias
Rolaram todas no chão!
Saindo a alma pra glória
Bradou pra pátria - vitória!
Já sou de vultos irmãos!

Foi Deus que disse: - Poeta,
Vem decantar a meus pés.
Na eternidade há mais luz,
Dão mais valor ao que és.
Se lá na terra tens louros,
Receberás cá tesouros
De muitas glórias até!
Terás a lira adorada
C'o divo plectro afinada
De Dante, Tasso e Garret!

Então na terra sentiu-se
UM grande acorde final!
O belo vate brasílio
Pendeu a fronte imortal!
O negro espaço rasgou-se
E aquele gênio internou-se
Na sempiterna mansão.
A sua fronte brilhava
E o áureo livro apertava
Sereno e ledo na mão...

E o mundo então sobre os eixos
Ouviu-se logo rodar!
É que ele mesmo estremece
A ver um vulto tombar.

É que na queda dos entes
Que são na vida potentes,
Que têm nas veias ardor,
Há cataclismos medonhos
Que só sentimos em sonhos
Mas que nos causam terror!...

E o coração s'estortega
E s'entibia a razão!
No peito o sangue enregela
E logo a história diz: - Não!
Não chore a pátria esse filho,
Se procurou outro trilho
Também mais glória me deu!
E quando os séculos passarem
Se hão de tristes curvarem
Enquanto alegre só eu?...

Oh! Basta! Basta! Silêncio!
Repousa, vate, nos Céus!
Que muito além dos espaços
Os cantos subam dos teus!
Se nesta vida d'enganos
Não são bastante os humanos
Pra te render ovações!
Perdoa os fracos, ó gênio,
Que pra cantar teu decênio
Somente Elmano ou Camões!




BIOGRAFIA (1861 - 1898)

João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, atual Florianópolis. Filho de escravos alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa, seria acolhido pelo Marechal e sua esposa como o filho que não tinham. Foi educado na melhor escola secundária da região, mas com a morte dos protetores foi obrigado a largar os estudos e trabalhar.

Sofre uma série de perseguições raciais, culminando com a proibição de assumir o cargo de promotor público em Laguna, por ser negro. Em 1890 vai para o Rio de Janeiro, onde entra em contato com a poesia simbolista francesa e seus admiradores cariocas. Colabora em alguns jornais e, mesmo já bastante conhecido após a publicação de Missal e Broquéis (1893), só consegue arrumar um emprego miserável na Estrada de Ferro Central.

Casa-se com Gavita, também negra, com quem tem quatro filhos, dois dos quais vêm a falecer. Sua mulher enlouquece e passa vários períodos em hospitais psiquiátricos. O poeta contrai tuberculose e vai para a cidade mineira de Sítio se tratar. Morre aos 36 anos de idade, vítima da tuberculose, da pobreza e, principalmente, do racismo e da incompreensão.

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