segunda-feira, 26 de julho de 2010

União abre os cofres às vésperas das eleições

DEU EM O GLOBO

Para evitar as restrições impostas pela legislação eleitoral, a União aumentou este ano os repasses de verbas para os municípios, que, de janeiro ao começo de julho, foram beneficiados com empenhos que chegam a R$ 8,1 bilhões, um crescimento de 238% em relação ao mesmo período de 2009. O período de junho a 3 de julho concentra o maior volume de repasses: 64% do total. O ritmo cresceu porque, nos três meses anteriores às eleições, o repasse é proibido, numa tentativa de coibir o uso da máquina em favor de candidatos governistas.

Em ritmo de eleição

Transferência de recursos da União para municípios este ano aumenta 238%

Regina Alvarez

Os repasses de recursos do Orçamento da União para municípios foram fortemente turbinados às vésperas do início oficial da campanha eleitoral. Levantamento realizado no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra um aumento de 238% nos recursos destinados a investimentos nos primeiros sete meses do ano, na comparação com igual período de 2009. Foram empenhados este ano R$8,1 bilhões, contra R$2,4 bilhões do ano passado. E a concentração maior desses empenhos aconteceu de junho ao início de julho: 64% do total.

Na linguagem do Orçamento, o empenho é a primeira etapa para a realização de uma obra ou serviço financiada com recursos da União. No caso das prefeituras, o empenho antecede os convênios que garantem o repasse efetivo dos recursos para esses investimentos.

A lei eleitoral veda o repasse de verbas a estados e municípios nos três meses que antecedem a eleição, exatamente para coibir o uso da máquina pública em favor dos candidatos que estão no poder ou são apoiados pelo governante. Mas não há restrições em relação ao período anterior à campanha. Assim, é prática comum dos governos concentrar esses repasses nos meses que antecedem a campanha oficial.

Esporte e Turismo no topo de repasses

No caso do Orçamento da União, houve um aumento generalizado dos empenhos em junho e julho, em especial nos ministérios onde estão concentradas as emendas dos parlamentares. Não por acaso, os ministérios do Esporte e do Turismo estão no topo da lista de ministérios que mais aumentaram seus repasses em 2010.

No Ministério do Esporte, a contratação de investimentos pulou de R$8 milhões nos primeiros sete meses de 2009 para R$375,4 milhões no mesmo período de 2010, aumento de 4.563%. No primeiro semestre de 2009, as dotações orçamentárias do Ministério do Esporte estavam bloqueadas. O descontingenciamento permitiu empenho maior neste ano. Do total liberado em 2010, informa o ministério, 94% são recursos de investimentos previstos em emendas parlamentares.

No Turismo, o montante de investimentos contratados passou de R$33,7 milhões em 2009 (janeiro a julho) para R$1,161 bilhão em 2010, crescimento de 3.349%.

Emendas liberadas auxiliam palanques

A liberação das emendas dos parlamentares no ano eleitoral é um importante reforço para as campanhas e pode facilitar acordos para a formação de palanques. Em muitos casos, o recurso para uma quadra de esportes, uma praça ou outra benfeitoria só será liberado no ano que vem (durante os três meses anteriores à eleição, nada pode ser liberado). No entanto, o político já pode, durante a campanha, faturar votos, ao mostrar o carimbo de liberação do recurso para aquela obra.

O uso da máquina pública neste caso não fere a lei, já que a promessa de liberação dos recursos foi feita antes dos três meses que antecedem a eleição. Mas a liberação dos recursos é um ingrediente que põe em evidência o governo e pode favorecer os candidatos que o apoiam.

- No Brasil, quem tem a caneta na mão no ano eleitoral tem muito poder. O governo é mais forte que a sociedade - afirma o cientista político Murilo Aragão, da consultoria Arko Advice.

O uso da máquina é generalizado, destaca, lembrando que estados comandados pela oposição têm praticas semelhantes.

- A liberação de verbas às vésperas da eleição é uma tradição terrível da nossa política, um problema do sistema, não só de governo - diz Aragão, completando: - Quem está no poder acaba sendo beneficiado.

As restrições da lei eleitoral não se referem especificamente à liberação de empenhos, mas a Advogacia Geral da União (AGU) elaborou um parecer que inclui todas as formas de repasses. Assim, a proibição para os três meses anteriores à eleição acaba servindo de justificativa para a concentração dos repasses no período que antecede a campanha oficial.

No Ministério do Turismo, 81,5% dos recursos para investimentos destinados às prefeituras foram empenhados em junho e julho. No Esporte, foram 77%.

Outra justificativa apresentada pelos ministérios para o aumento dos repasses em 2010 é a crise financeira global de 2009, que resultou no contingenciamento de recursos do Orçamento. Argumentos verdadeiros que não anulam a motivação eleitoral dos repasses.

- É um comportamento clássico dos governos no Brasil represar os gastos por um período de tempo para poder deslanchar obras e benesses nos anos de eleição - afirma o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília. - O famoso uso da máquina não precisa ser só de maneira ilegal. Essa é uma maneira esperta de usar a máquina em seu benefício sem ferir a lei.

O fluxo de recursos deveria ser contínuo, no ritmo das demandas, defende Peixoto, mas isso não acontece na prática:

- Se fizer algo de bom perto da eleição, as pessoas vão se lembrar de você e do seu governo. O intuito é eleitoreiro, o que torna mais perversa a ação - afirma.

Para Murilo Aragão, as regras para os repasses de verbas do Orçamento em ano eleitoral deveriam ser mais rígidas, restringindo-os e qualificando-os desde o começo do ano, e não só nos três meses anteriores ao pleito.

- Em ano eleitoral, não poderiam ser iniciados projetos novos. E as transferências deveriam ser apenas para obras em andamento ou investimentos emergenciais - defende Aragão.

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