domingo, 25 de julho de 2010

Antonio Ledezma, prefeito de Caracas: ‘Chávez tenta desviar a atenção’

DEU NA ZERO HORA

Ele se apresenta, no contato com Zero Hora, como Antonio Ledezma, prefeito de Caracas, contra o vento e a maré. As circunstâncias transformaram Ledezma em líder da oposição na Venezuela.
As adversidades o forjaram como um símbolo. E é assim, também, que ele se define nesta entrevista. Por quê? Porque o oposicionista Ledezma, 55 anos, teve seus poderes como prefeito do Distrito Metropolitano de Caracas (o equivalente a prefeito da região da Grande Caracas) esvaziados por Hugo Chávez. O presidente criou a Autoridade Única do Distrito Capital e assumiu atribuições locais. Na prática, uma intervenção (leia o texto o desabafo do prefeito nesta página), que levou Ledezma a uma greve de fome um ano atrás.

A entrevista seria concedida por telefone, quinta-feira à noite. Mas um assessor, Antonio Sánchez, desculpou-se: com a ruptura das relações entre Venezuela e Colômbia, a oposição venezuelana entrou em reunião permanente para analisar o episódio. Ledezma, então, escreveria as respostas de madrugada e as enviaria por e-mail.

Na manhã de sexta-feira, tudo certo: ali, no computador, dormiam as ácidas respostas do prefeito. Confira a seguir os principais trechos da entrevista, na qual ele diz que a Venezuela tem 1,5 mil integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em seu território a acusação do presidente colombiano, Álvaro Uribe, foi o motivo do rompimento diplomático por parte de Chávez, na tarde de quinta. Mais: que Chávez usa o rompimento como cortina de fumaça para encobrir seu pior momento.

Zero Hora O que Chávez pretende ao romper relações com a Colômbia?

Antonio Ledezma - Jogar uma espessa cortina de fumaça sobre um problema real: a existência de acampamentos das Farc em território venezuelano, com tropas de combatentes da narcoguerrilha, na ordem de 1,5 mil guerrilheiros, o que a Mesa da Unidade Democrática, que reúne todos os partidos democráticos, denunciara em diversas ocasiões. As Farc estão na Venezuela. As andanças de seus altos dirigentes em nosso país e suas prováveis relações com Hugo Chávez são motivo de preocupação na Venezuela faz muitos anos. Há quem pense que, por trás dessas andanças, está o sonho da Grande Colômbia, de Simón Bolívar, de construir uma só nação entre os dois países. Por isso, a permanente ingerência de Chávez nos assuntos internos da Colômbia. Sem mistérios para nós, venezuelanos, que sofremos com centenas de sequestros e assassinatos, sobretudo na fronteira entre os dois países, mas também no coração da república. As denúncias da Colômbia na OEA (quinta-feira passada) não nos surpreendem. Que a região abra os olhos ante o grave perigo que representa um autocrata armado até os dentes.

ZH - Chávez tem tomado iniciativas cada vez mais polêmicas, como a exumação dos restos de Simón Bolívar e o próprio rompimento com a Colômbia. O que ele pretende?

Ledezma - O governo de Chávez passa pelo pior momento desde que chegou ao poder, faz 11 anos. A crise econômica, social e política é gravíssima. Temos a mais alta inflação da região e uma das três mais altas do mundo. O desemprego, o alto custo de vida, o colapso dos serviços públicos com escassez de água e cortes de energia elétrica , a crise hospitalar e a insegurança são açoites para uma população que depositou suas esperanças em promessas e que hoje está desencantada. Em vez de solucionados, problemas foram agravados. Foi descoberto um escândalo pavoroso: 160 mil toneladas de alimentos podres, abandonados. Tudo isso resultado da voracidade dos funcionários do governo, que importaram os alimentos com o objetivo de cobrar comissões. Essa crise explode em meio a um processo eleitoral importante: em 26 de setembro, haverá eleições para renovar a Assembleia Nacional (Congresso), na qual hoje predominam os representantes do governo, sem qualquer contrapeso. É uma Assembleia que atua como escritório particular do presidente, com o objetivo de montar uma legalidade ditatorial. As pesquisas mostram maioria clara e categórica para os setores democráticos (a oposição, segundo Ledezma). Chávez acredita que poderá encobrir seu desastre, desviar a atenção das pessoas, levantando o fantasma da guerra, exumando os restos de Bolívar com fins inconfessáveis.

ZH - A oposição mudará sua estratégia, que permitiu o domínio chavista na Assembleia?

Ledezma - Temos A (em maiúscula) estratégia. A oposição venezuelana aposta em uma saída constitucional, pacífica e eleitoral para a crise que vivemos, em um paciente trabalho de reconstrução. Vamos avançando até culminar com a derrota eleitoral de Chávez em 2012.

ZH O preço mais baixo do petróleo pode ser um problema para o chavismo, que tanto se aproveitou dos preços altos para convertê-los em ações sociais?

Ledezma - Com US$ 990 bilhões, ele enriqueceu seu entorno, promoveu sua egolatria, comprou consciências, alimentou a voracidade de seus aliados e correu o mundo comprando armas. Não é casual que Lula tenha dito textualmente: Chávez é um pouco louco, mas muito generoso. E lhe devolveu o favor dizendo que o seu era o melhor governo dos últimos cem anos de história venezuelana. Chávez presenteou seus aliados com US$ 57 bilhões. Só a Cuba são presenteados mais de US$ 5 bilhões anuais. Agora, acabaram as vacas gordas, e o país é um pântano apocalíptico. Os venezuelanos despertam com a sensação de um porre homérico, de uma festa que não lhes deixou nada nas mãos. O melhor governo dos últimos cem anos é um desastre.

ZH Ao permitir o ingresso da Venezuela no Mercosul, o bloco respalda Chávez?

Ledezma - Já não há nada que possa respaldá-lo. Uma coisa é seu governo, fracassado e a ponto de cair, e outra é a Venezuela. Ao Mercosul, não entra Chávez. Entra a Venezuela.

ZH - Como o sr. vê Chávez ser aliado do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad?

Ledezma - ... E de Robert Mugabe (do Zimbábue) e muitos outros ditadores. Megalomaníaco, quer conjugar seu projeto com o delírio de uma aliança antiamericana em nível planetário.

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