quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quando o assunto é sucessão:: Wilson Figueiredo

DEU EM OPINIÃO & NOTICIA

O presidente gosta que os jornalistas, que não passam um dia sem estar com ele (ou vice-versa ), levantem a bola para ele cortar.

Quando o assunto é a candidatura Dilma Rousseff, o presidente Lula não perde oportunidade de ceder-lhe a precedência e se situar no segundo plano, como uma variante de porta-voz do futuro governo. Quando o sujeito da sucessão é o candidato oposicionista José Serra, o presidente enche os pulmões e admite disputar mais adiante o terceiro mandato, e se sente mais à vontade para preparar o terreno e se anunciar. Não é por acaso que ele se considera mais bem sucedido do que os demais presidentes que entenderam de modo diferente o Brasil. Deve ser por alguma razão que só se saberá oportunamente. Mais dia, menos dia. A culpa, se assim se considerar, é das pesquisas. Mais que uma pergunta recorrente, um cacoete o leva a fazer concessão à modéstia, com a qual rompeu desde que foi eleito e as pesquisas dizem dele, no bom sentido, o que nenhum outro ouviu antes. Reserva-se para se declarar e agir como candidato depois que seu sucessor tomar posse. Não ficaria bem admitir tal coisa antes de sua candidata passar pelo crivo das urnas.

O presidente gosta que os jornalistas, que não passam um dia sem estar com ele (ou vice-versa ), levantem a bola para ele cortar. Gosta de se aplaudir. Daí que, usando o velho argumento do lobo que se plantou do lado de cima do rio, Lula se queixa de que a oposição, na parte mais baixa, está turvando seu governo com dossiês. E se sai com a declaração de que as circunstâncias dirão a última palavra a respeito de ser ou não ser candidato em 2014. Passamos, eleitoralmente, à idade da pedra polida. Dá para esperar. O presidente mantém com as circunstâncias uma relação de velhos compadres que se comunicam num dialeto que as pessoas não alcançam. Entendem-se por intermédio de carta enigmática, que em vez de letras se vale de sinais, desenhos, ilustrações óbvias e recursos universais, que valem tanto – desde Adão e Eva – quanto palavras no mundo da comunicação virtual.

Não há semana em que os jornais, na falta de pior, não se lembrem de botar em circulação as intenções do presidente em relação ao que lhe couber depois de deixar o governo, do qual insiste em dizer que está se despedindo, embora com aquele jeito de quem vai ali na esquina mas logo estará de volta. Lula ainda não se refez do desencontro do grande público com a versão parcial da sua vida contada para explicar, mas para confundir em linguagem cinematográfica. Não repetiu na telona o sucesso que alcança na telinha.

Para preencher o ocioso e perturbador hiato de tempo, o Brasil vive o fim da pré-campanha dos pré-candidatos, tendo ao fundo a era do pré-sal numa pré-democracia que ainda não decolou. O presidente não se limita a presidir em tese. O presidencialismo autoriza sempre mais, é uma carta em branco para um presidente que não disfarça a disposição de voltar, e opera como se desconfiasse de que pode não voltar. E daí? Esta é a atmosfera em que se respiram arranjos eleitorais e se desconfia de muito mais. Lula dá apartes, provoca a oposição, passa por cima do petismo, tropeça nas palavras, opina sobre futebol, dá passos desajeitados na política externa, bloqueia a interna e bem poderia dizer, com o velho Chacrinha, que avisava, ao entrar em cena, que viera ao mundo para confundir, e não para explicar nada.

Antes que o hábito dialético de admitir, num dia, que vai ser candidato e, no outro, que ainda não sabe, pois a síntese não depende dele mas das circunstâncias que não o deixam em paz, Lula vive perigosamente o risco de levar outra vaia como aquela que, no primeiro mandato, o pegou de surpresa no Rio e ele, por tão pouco, ficou de mal com os cariocas. As pesquisas não o imunizaram contra manifestações contundentes, embora democráticas e francamente populares, que reboam nos seus ouvidos como coro de tragédia grega. Mas, se não guarda rancor, guarda distância de multidão quando vem à ex-capital de briosas tradições republicanas, entre as quais as vaias se destacam (e cujo efeito o presidente Sarney também provou). Nada de pessoal, apenas funcional.

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