terça-feira, 8 de junho de 2010

No submundo da arapongagem :: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Tem supostos demais e dossiê de menos no "suposto dossiê" encomendado pela campanha de Dilma Rousseff. O que era uma história de espionagem dentro da campanha do PT transformou-se, de uma hora para outra, numa investigação sobre o papel de José Serra nas privatizações, no governo FHC. No submundo da arapongagem brasiliense, um entulho da ditadura, nada é sólido e tudo se desmancha no ar: o que começou no regaço de Dilma, numa reviravolta da trama acabou no colo de Serra.

A surpresa é o candidato do PSDB esquentar um assunto que parecia de vida curta, uma lambança num comitê do PT que não foi adiante. Gato escaldado tem medo de água fria. É possível que Serra, o alvo real dos aloprados de 2006 (pelo menos é assim que ele se considera), talvez tenha resolvido agir preventivamente. Talvez. É certo que um livro sobre as privatizações do PSDB deve ser lançado após a Copa do Mundo. Mas também não há como responsabilizar Dilma por um dossiê que só parece existir no plano do "suposto".

O que há, e não é de hoje, é uma disputa de poder no comitê da campanha do PT que já havia sido contornada por Dilma, no jeito Dilma de ser, quando a história da arapongagem se tornou pública. Dizia que o PT espionava o PT, além dos adversários. Tudo leva a crer que se trata de uma peça de ficção a denúncia segundo a qual havia escuta nos telefones dos coordenadores da campanha com fins preventivos. Mas é evidente que a campanha de Dilma, como outras campanhas, recolhe informações sobre os adversários, sobretudo, para usar no programa de televisão, o que não é ilícito - até agora que sugere que foram adotados métodos ilegais para a obtenção de informações.

"Amigo de 40 anos" de Dilma Rousseff, o fato é que o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel nunca se impôs como o comandante de fato da campanha petista. Pimentel sempre foi uma espécie de "outsider" na nomenclatura petista. E desde que passou a despachar em Brasília, o ex-prefeito sempre teve os olhos mais voltados para a política mineira, dividiu atenção e energia e ficou sob o assédio do grupo do PT paulista no comitê. Formalmente, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, é o coordenador de uma campanha que aos poucos ficou à feição do ex-ministro Antonio Palocci e de outro "amigo de 40 anos" da candidata Dilma, o deputado estadual Rui Falcão (SP).

Falcão entrou na campanha como representante do PT, não como um integrante do grupo de Marta Suplicy, como costuma ser identificado no aparato partidário. Na realidade, em sua nova empreitada eleitoral, candidata ao Senado, Marta renovou o time que costumava acompanhá-la nas eleições que disputou até perder a prefeitura de São Paulo para José Serra (a interlocutores, Falcão disse que de fato não está próximo da atual campanha de Marta, mas que mantém boas relações e fala com alguma frequência, ao telefone, com a ex-prefeita).

Falcão responde, na campanha, por uma área para a qual esteve cotado na composição da nova direção do PT: comunicações. Ao chegar, encontrou todos os espaços preenchidos por Pimentel. Segundo pessoas próximas a Pimentel, o que correu a seguir foi uma tentativa de Falcão para aninhar na campanha empresas do círculo do PT paulista, o que teria deflagrado uma intensa disputa comercial no comitê eleitoral. Internamente, Falcão negou qualquer interesse pessoal em beneficiar alguma empresa e que houvesse motivos para a briga até porque campanha teria espaço suficiente para abrigar a todos. Prova disso seria que a empresa paulista de comunicação que já prestava serviços ao PT também foi contratada.

Nos contatos para contratar uma empresa de segurança, efetivamente, a campanha de Dilma conversou com o escritório de um conhecido serviço de arapongagem de Brasília. À frente, a turma de Pimentel. Agentes ligados ao escritório chegaram a fazer uma inspeção na casa onde funcionam serviços da campanha de Dilma, como aqueles relacionados à internet, pesquisa e imprensa. Detectou vários "furos" na segurança, inclusive dos telefones. A contratação (deste escritório especificamente) não chegou a ser efetivada, mas a movimentação expôs as divergências internas da campanha que levaram Dilma Rousseff a mandar "parar tudo".

No submundo da arapongagem há góndolas ao gosto do freguês. Originariamente, o que Pimentel queria era contratar um serviço de segurança a fim, entre outras coisas, de conter vazamentos de informações da campanha. A conversa evoluiu para uma contraproposta: a montagem de um serviço para neutralizar um suposto (outra vez) esquema de espionagem - e chantagem - que estaria sendo operado pela campanha do PSDB.

Até onde se sabe, a conversa do comitê de Dilma com os arapongas em questão parou por aí - ficaram as histórias de que o deputado e ex-delegado da Polícia Federal Marcelo Itagiba (PMDB) estaria fazendo dossiês sobre a base aliada do governo e que um livro sobre as privatizações chega às lojas depois da Copa do Mundo. Supostamente, com o relato sobre o envolvimento de familiares de Serra com o processo. Uma denúncia que frequenta o noticiário a cada eleição de que Serra participa, desde 2002, sem que nada tenha sido provado.

O episódio dos aloprados sem dúvida dá a Serra razões para prevenção. Naquela época, o que a operação policial mostrou é que um grupo tentava falsificar um dossiê que envolveria os tucanos em irregularidades no Ministério da Saúde - o tucano concorria ao governo de São Paulo contra o hoje senador e novamente candidato Aloizio Mercadante. Alguns milhões de reais foram apreendidos nas operações policiais, mas a PF nunca chegou à origem do dinheiro. Os principais implicados na fase policial também foram exonerados pelo Ministério Público.

Por outro lado, ao transformar em cavalo de batalha uma denúncia que não se sustenta em pé, Serra dá sua contribuição pessoal para uma campanha cujo "trailer" aponta para um nível baixo.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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