segunda-feira, 14 de junho de 2010

Fim de jogo - as doze facadas :: Graziela Melo

Não eram gritos. Pareciam mais berros sinistros, desesperados e angustiantes, estridentes, que transpassavam o silêncio da noite e se alojavam nos buracos dos ouvidos dormidos.

A essa hora da madrugada de sábado, o garçon atemorizado se trancara na cosinha quente, sem ar, com medo do cliente-torcedor fanático, violento, truculento que depois da sexta cachaça ameaçava o parceiro e adversário de time, com uma peixeira afiada em punho, brandindo com ela no ar, recortando os arredores.

Cheio de terror, o adversário-parceiro, mãos para cima, pedia, clamava: "calma, compadre, calma, compadre!!!" Mas, a camisa aberta ao meio, barriga de fora, era um convite quase impositivo para a ponta da faca afiada que, impaciente, rodopiava no ar ,para cima e para baixo.

A tentativa de fuga foi frustrada pela primeira investida penetrante que dividiu o estômago em dois, mutilou o fígado e espicaçou o intestino, transformando-o em um quase sarapatel de gente.

Se seguiram mais onze perfurações furiosas que ultrapassaram o abdomen e chegaram às costas por entre costelas.

Os gritos silenciaram. O volume do corpo desabou no chão sobre a poça de sangue que o compadre fizera jorrar e fugira em seguida no cambaleio de suas sete cachaças. Já não respirava. Curiosos se postaram em volta.

- Mas o que foi isso???

- Foi o jogo de ontem. Acabou aqui.



(Graziela Melo, poetisa e autora do livro Crônica, contos e poemas)

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