terça-feira, 15 de junho de 2010

Era uma vez uma Copa, no exílio, na prisão, no seringal

DEU EM O GLOBO

Presidenciáveis relembram onde estavam em outros campeonatos mundiais

Silvia Amorim, Maria Lima e Catarina Alencastro

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Estádio Nacional do Chile, palco da conquista da Copa de 1962 pelo Brasil. Esse é o endereço de um episódio que o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, não esquece. Foi para lá, 11 anos depois da conquista do bicampeonato pela seleção brasileira, que ele, exilado político, foi levado pela ditadura de Augusto Pinochet. No lugar onde Garrincha e Vavá hipnotizaram o mundo, e que em 1973 havia se transformado em campo de prisioneiros, torturas e assassinatos, Serra passou um dia preso, acusado de atitude subversiva.

O tucano estava exilado no Chile quando o Brasil foi tricampeão mundial em 1970, no México. No campeonato seguinte, dois meses antes do início da disputa, o ex-líder estudantil teve que deixar às pressas o território chileno, fugindo do governo de Pinochet. Anos depois, Copas do Mundo trouxeram outras lembranças a Serra.

A primeira Copa de que tem lembrança é a de 1950, quando tinha 8 anos. Da final com o Uruguai, guarda a imagem do pai, Francesco, comemorando aos gritos o primeiro gol do Brasil e, depois, abandonando o rádio para caminhar na rua de tão nervoso, até a derrota da seleção no "Maracanazo". O filho saiu ao pai na paixão pelo futebol. E não gosta de ver pênaltis.

- Saio para outro lugar e fecho os olhos - diz.

Torcer para o Brasil em 1970 não foi simples. Serra não tinha TV e assistiu aos jogos na companhia dos amigos exilados, comportamento que era alvo de crítica da militância de esquerda.

- Alguns torciam contra o Brasil numa postura de enfrentamento da ditadura. Outros deixaram a paixão pelo país e pelo futebol falar mais alto. Eu e Serra estávamos no grupo - conta Almino Affonso, secretário de Relações Institucionais do governo de São Paulo e companheiro de exílio de Serra.

A Copa do México foi a primeira do tucano como pai. Como os televisores eram pequenos, ele e os amigos se dividiam em grupos em várias casas para ver a seleção. Foram duas Copas no Chile (1966 e 1970). Serra é um torcedor fanático, que xinga e grita durante todo o jogo.

- Um torcedor comum, nada calado - define-se o presidenciável, palmeirense roxo.

- Quando o Palmeiras perde, não quer conversa. Se eu tinha algo para despachar com ele, fazia antes ou deixava para outro dia - revela José Luiz Portella, secretário estadual e amigo de estádio.

Serra também já chorou por futebol.

- Estávamos assistindo a Palmeiras e Corinthians, no Morumbi, em 2008. Quando o Palmeiras fez o terceiro gol, ele chorou. Ganhamos de 3 a 0 - diz Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras e amigo de Serra há mais de 30 anos.

Quando Serra era governador, no pacote de jornais que recebia em sua mesa diariamente não podia faltar um especializado em esportes. Uma vez, durante reunião como governador, Serra saiu da sala e voltou minutos depois com as mãos na cabeça e semblante preocupado. Um dos presentes conta que chegou a pensar numa tragédia. Nada. Ele havia acabado de receber no celular uma notícia sobre o Palmeiras. O pai de Serra também era palmeirense fanático.

- O pai dele atirava o rádio na parede quando o time perdia - conta Belluzzo.

Em 2008, em seu discurso na inauguração do Museu do Futebol, Serra se lembrou do pai:

- Bem criança, eu vinha com meu pai nos domingos à tarde assistir aos jogos do Palmeiras. Era da inocência: enquanto jogavam aspirantes, os craques da partida principal ficavam assistindo, sentados no alto das arquibancadas, e eu em volta.

Nos jogos de rua com os amigos, Serra era zagueiro. Nunca foi a uma Copa, mas tem uma camisa da seleção de 2002 - ano em que perdeu a eleição presidencial para Lula - com autógrafo de todos os jogadores. Avisou que vai assistir aos jogos do Brasil, apesar da campanha:

- Vejo todos os jogos. Se eu estiver viajando, vejo onde estiver, porque qualquer lugar no Brasil para.

Nos idos dos anos 1960 e 1970, mesmo quando se dizia que futebol era coisa de menino, as meninas Maria Osmarina - a verde Marina Silva - e Dilma Vana - a petista Dilma Rousseff - se entusiasmavam com os jogos da Copa do Mundo. Entre uma distração e outra, prestavam atenção no que ouviam e diziam os homens da casa. E participavam das comemorações. Guardam até hoje as lembranças, algumas não tão boas, dos jogos que fizeram a história do Brasil no mundo do futebol.

Quando a seleção brasileira estrear hoje contra a Coreia do Norte, na Copa da África do Sul, a presidenciável Dilma Rousseff estará na capital francesa, por onde inicia agenda de cinco dias por países da Europa. Antes da viagem, ela relatou ao GLOBO histórias que guarda na memória. Revelou que achava Rivelino "maravilhoso". Mas a Copa de 1970, que deu ao Brasil o tricampeonato, não teve grande destaque em suas lembranças.

- Também me lembro muito da Copa de 70, a Copa do "Pra frente Brasil", porque eu estava na cadeia (presa pela ditadura) - diz a presidenciável petista, por último, depois de contar que já se interessava pelo assunto quando tinha cerca de 10 anos de idade. - Despertei para o mundo das copas de futebol por volta de 10 anos, com a Copa da Suécia (1958). Eu me lembro também da Copa do Chile, mas a que mais me marcou foi a da Suécia. E me lembro da imagem do Pelé disparado pelo campo, com todos os outros jogadores correndo atrás.

Dilma, que morava em Belo Horizonte nesse período, lembra também que a família se reunia para assistir aos jogos. Corriam soltos a tietagem das mulheres e o ciúme dos homens.

- Os filmes chegavam depois dos jogos, em preto e branco, e assistíamos em grande festa. As mulheres da família, minhas tias, primas, ficavam maravilhadas com o Rivelino, que era maravilhoso! Isso gerou ciúmes. Os homens da família tomaram uma certa antipatia do Rivelino.

O tricampeonato brasileiro em 70 traz lembranças mais vivas, e as melhores, para a senadora Marina Silva, que tinha 12 anos naquela época, e morava no seringal Bagaço, no interior do Acre, com seus pais e suas seis irmãs. Ela contou ao GLOBO que sua principal lembrança é mesmo a do jogo em que o Brasil derrotou a Itália por 4 a 1, conquistando a Taça, em 1970.

Lembra que os jogos eram acompanhados pelo radinho de pilha do pai, que a cada vitória dava tiros de espingarda para comemorar.

- Os vizinhos, em loteamentos próximos, também respondiam com tiros. Ao ouvirmos a notícia de que o Brasil era campeão, todos saímos correndo para fora de casa - conta Marina, recordando as brincadeiras da criançada com uma bola improvisada, feita pelo pai com o látex das seringueiras.

Mas a bola dava muito trabalho, lembra Marina, dando a receita de como fazer uma bola de látex:

- Você defuma o látex em cima de um pequeno vidro, põe para secar no sol, depois tira do vidro, sopra e passa numa capa de látex também várias vezes até que ela fica uma bola encorpada, mas ela quica muito. Você chuta a bola e ela parece que tem asas. Então é uma dificuldade, porque ela quase não toca no chão. Mas era com isso que a gente jogava. Meu pai jogava com uma goleira contra nós, que éramos todas meninas.

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