sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sujismundos:: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Nos anos 70, o regime militar criou um personagem chamado Sujismundo.

Era uma espécie de antigaroto-propaganda que fazia muito sucesso. Conforme seguíamos na TV as peripécias do porcalhão, o locutor ia narrando em tom cívico e professoral: "Eis de novo o Sujismundo. Está longe de ser um exemplo de limpeza. Não se importa com o bem-estar dos companheiros"... Os filmetes terminavam invariavelmente com o slogan: "Povo desenvolvido é povo limpo!".

A lembrança extemporânea vem a propósito da aprovação do projeto Ficha Limpa. Os políticos se tornaram os Sujismundos do Brasil atual.

O clamor popular por decência não é, a rigor, nenhuma novidade. De tempos em tempos, a pauta moralizante anima a sociedade. Às vezes, serve ao populismo conservador; em outras, se confunde com golpes de marketing -basta lembrar do "varre, varre, vassourinha" ou do "caçador de marajás".

Mas seria injusto negar, por isso, méritos à iniciativa do Ficha Limpa. Sobretudo num país que empilha escândalos em série e cultiva a impunidade, no qual a cultura do patrimonialismo ainda organiza em larga escala o jogo da política.

Romero Jucá (PMDB), líder do governo no Senado, chegou a dizer que o Ficha Limpa era prioritário para a sociedade, mas não para o governo. Seus colegas perceberam a tempo que, neste caso, a desconexão com os anseios do país poderia custar caro -é um ano eleitoral.

Deu-se, então, um jeito de aprovar um projeto, mas de eficácia quase simbólica. Sacia-se o eleitor iludindo a sua boa-fé -eis a mágica. Desidratada cirurgicamente, a lei valerá só para condenações futuras em segunda instância e, segundo consta, não alcança nenhum dos mais notórios Sujismundos em circulação no país. Se depender dela, até Justo Veríssimo está feito.

É bom, portanto, comemorar com moderação. Quando, no ano que vem, o PMDB estiver negociando seu apoio ao governo (qualquer um), lembremos de Sujismundo: povo desenvolvido é povo limpo!

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