sexta-feira, 14 de maio de 2010

Serra: “ A ditadura matou quem fazia luta armada e quem não fazia”

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sérgio Montenegro Filho

Em sua primeira visita ao Recife após ser lançado pré-candidato a presidente pelo PSDB, o ex-governador José Serra deixou claro, ontem, que não pretende polarizar com o presidente Lula (PT) na campanha. Lula está acima do bem e do mal, afirmou, em entrevista à Rádio Jornal. Descontraído, Serra brincou com os jornalistas e, mesmo queixando-se de dores de garganta, até cantarolou trecho de uma música de Dolores Duran, ao receber do comunicador Geraldo Freire um CD com músicas dela cantadas por Clara Nunes. Serra voltou a elogiar o Bolsa Família, mas criticou o inchaço da máquina no governo do PT e a lentidão de obras e ações. Fez elogios à sua própria gestão em São Paulo e voltou a listar saúde, educação e a criação do Ministério da Segurança como suas prioridades.

LULA

Lula está acima do bem e do mal. Não comparo Lula com nada. Mas não tenho evitado (críticas). É que eu não estou numa disputa Náutico x Sport. Para mim, política não é par ou ímpar. Não tenho dificuldade em dar crédito a quem fez coisa boa, ver o que está faltando e criticar o que está errado. É preciso olhar para a frente. Não podemos deixar a política transformar adversários em inimigos. Temos que unir o Nordeste como um todo, o Brasil como um todo.

ANTI-NORDESTE

Isso é coisa de político que, para catar votos, fala qualquer coisa. É gente com especial vocação para a intriga e a mentira. Quero dizer que, fora do Nordeste, individualmente talvez eu tenha sido quem mais fez pela região. Por exemplo, o Fundo de Desenvolvimento do Norte, Nordeste e Centro Oeste, aplicado a cada ano pelo Banco do Nordeste, fui eu quem tocou na Constituinte, quando era relator. O Prodetur, quando cheguei no governo (FHC) em 1995, estava encalacrado e nós botamos para andar. O Proágua, fui eu quem negociou com o Banco Mundial. Na saúde, aumentamos o dinheiro do SUS e o Programa Saúde na Família. Quando entrei (no ministério), tinha 97 equipes em Pernambuco. Quando saí, deixei 1.158. Esse programa foi feito na minha gestão. Além disso, passei 16 anos no Congresso Nacional, como deputado e senador. Pode pegar tudo o que eu disse, para ver se existe uma vírgula contra o Nordeste.

MIGUEL ARRAES

Conheci o Recife em 1963. Eu só tinha 21 anos de idade e vim convidado por Miguel Arraes. Nós ficamos amigos quando ele era governador e eu era líder estudantil, presidente da UNE.

PROPOSTAS

A popularidade do Lula é merecida aqui. Mas ele não é candidato, nem Collor, nem Sarney, nem Fernando Henrique. O Brasil tem que olhar para o futuro. E Pernambuco pode muito mais. Das obras federais programadas aqui, só se gastou uns 7% até agora. Eu vou tocar tudo isso para frente. Tem o Aeroporto dos Guararapes que precisa ser ajustado, a Transnordestina, que depois de oito anos só andou no final. Tem a BR-101 com trechos ainda para duplicar. Vamos pegar as coisas positivas que já caminharam e acelerar. Minha característica na vida pública é fazer acontecer. Eu, por exemplo, não conhecia os medicamentos genéricos, mas quando assumi o Ministério da Saúde, tomei conhecimento deles e toquei para frente.

BOLSA FAMÍLIA

Quando era ministro, criei o Bolsa Alimentação para mães nutrizes e crianças pequenas. O programa teve sucesso e quando Lula entrou, juntou com o Vale-Gás e o Bolsa Escola, criando o Bolsa Família, um bom programa, que eu vou fortalecer ligando a duas coisas cruciais: ao Programa Saúde na Família e ao treinamento e qualificação para os jovens.

SEGURANÇA

A droga e o contrabando de armas são a base do crime organizado. Por isso, tem que colocar o governo federal na batalha. Não adianta simplesmente responsabilizar os Estados, se solidarizar e dar um negocinho aqui, outro acolá. A coisa vai se agravando. Quero criar o Ministério da Segurança Pública, juntando todos os órgãos de segurança, com o governo federal coordenando e cobrando dos governadores que não trabalharem bem. Porque o crime não tem fronteiras, se não cuidar em um Estado, passa para o outro. Nos últimos dez anos, a taxa de homicídios caiu 70% em São Paulo, porque se equipou a polícia, se fez planejamento, se investiu, proporcionalmente, mais do que os outros Estados em tecnologia, porque o crime é sofisticado. Bandido tem que estar na cadeia, e isso acontece em São Paulo.

LUTA ARMADA

Eu tinha um amigo em Pernambuco chamado Ruy Frazão, que foi morto pela ditadura, sem nunca ter pego em armas. A ditadura matou quem fazia luta armada e quem não fazia. David Capistrano, do PCB, não era pela luta armada, mas foi torturado e morto.

ESQUERDA

A definição de esquerda e de direita, hoje, é mais difícil. Do ponto de vista convencional eu sou de esquerda. Mas isso não diz tudo. Esquerda hoje é dar ênfase à saúde, aos desamparados e deficientes físicos, estimular a indústria, o emprego, a agricultura. Se você critica juros altos, é de esquerda. Quem defende os juros é de direita.

TROCA-TROCA

No meu governo, deputado não nomeia diretor de empresas. Não tem troca-troca. Hoje o Congresso faz isso como nunca, mas no governo passado (FHC), quando eu era ministro da Saúde, não aceitei nenhum troca-troca. Criamos uma agência de vigilância sanitária para cuidar dos remédios, outra para cuidar de planos de saúde, e o pessoal não vinha propor indicações. Hoje está tudo loteado entre os partidos. É claro que não funciona direito. Às vezes, até indicam um bom sujeito, mas ele passa a dever obediência a quem indicou, e não a quem manda. Quando eu era ministro, nomeei gente pelo mérito. Dois deles eram médicos pernambucanos filiados ao PT: Jarbas Barbosa e Cláudio Duarte, que hoje é secretário da Prefeitura do Recife. No ministério eu dizia que não era do PSDB, mas sim do Partido da Saúde.

COMISSIONADOS

Cargo comissionado tem demais (no governo Lula). Sou a favor dos concursados. Em São Paulo, fiz concursos, reduzi de 30% a 40% os cargos comissionados e não fez falta. Tem que ficar só o essencial. E vai diminuir se eu chegar ao governo. Tem que gastar menos com a máquina para gastar mais com o povo. Esse governo (Lula) tem problemas de gestão, tem gordura demais, troca-troca demais. Qualquer empresa estatal tem indicações políticas. Um exemplo: há uma situação de calamidade nos aeroportos brasileiros, todos superlotados, e a Infraero não faz nada, porque está loteada. As pessoas entram por indicação, e não por mérito. Quem deve nomear é o presidente, se o cara for bom.

FHC

Somos amigos, ele é como um irmão mais velho. Agora, nós tínhamos diferenças, às vezes, em questões de governo. Só não me parece lícito falar disso agora para não provocar tititi. É natural ele estar no palanque comigo. É um ex-presidente. Quem vai tocar o governo é quem for eleito, mas não significa deitar e rolar, desconsiderando opiniões. Eu serei o tocador.

EDUCAÇÃO

Uma questão crítica é a qualidade do ensino fundamental. O governo fez bons planos, mas não tirou do papel, porque enfrentou muitos obstáculos. Outra questão é a educação profissional, que para mim é a menina dos olhos. Criar cursos de um ano e meio que deem uma profissão ao jovem. Em São Paulo, eu encontrei setenta e poucos mil alunos e elevei o número para quase 170 mil. Pretendo fazer muito mais escolas técnicas no País, com qualidade, para triplicar o número de alunos. E diversificar os cursos de acordo com as realidades locais. Tem que ser algo massivo, no Brasil inteiro. Coisa para 300 mil alunos. Isso é progresso econômico e futuro. Oportunidade de vida para as pessoas.

VICE

O candidato a vice é uma angústia muito grande, mas para os jornalistas. Primeiro, não sou eu quem organiza isso. É Sérgio Guerra, presidente nacional do partido. Se der certo, é mérito do candidato. Se der errado, Sérgio é o culpado. E o vice dificilmente vai ser do mesmo partido. Não estou descartando nem encartando nada (sobre Aécio Neves). É que qualquer coisa que eu falo dá uma fofoca tremenda. Ainda temos um mês. A eleição se antecipou muito no Brasil, desnecessariamente. Mas certas coisas não se antecipa, como as alianças, o vice. Isso vai ser definido em junho. Ainda vamos virar muitas noites discutindo.

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