domingo, 30 de maio de 2010

Nova geografia econômica :: José Roberto Mendonça de Barros

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O crescimento brasileiro após 2000 mostrou, como se sabe, a expansão vigorosa de uma nova classe média, aqui definida como composta por famílias com renda mensal de 3 a 10 salários mínimos, e mais comumente chamada de classe C. Ao mesmo tempo, as categorias mais pobres (classes D e E, com rendas de até 3 salários mínimos) apresentaram elevações nos ganhos médios e redução de seu tamanho relativo, por efeito de promoção de muitas pessoas para a categoria superior. Como consequência, os indicadores de distribuição de renda e de consumo apresentaram melhorias sistemáticas, fazendo deste último a grande alavanca do crescimento no período.

Para a melhoria da posição real e relativa das categorias E, D e C, é também sabido que a regulação e as transferências governamentais foram as variáveis mais importantes, até porque a demanda por trabalho só se acelerou recentemente.

A evolução das rendas mais baixas da economia tem muito mais a ver com três eventos: os ganhos reais do salário mínimo (que acumularam 78% entre dezembro de 2000 e maio de 2010); o vertiginoso crescimento nas despesas da previdência, tanto em cobertura como no valor real dos benefícios (as despesas reais da previdência cresceram 90 % entre 2000 e 2009) e a enorme expansão dos programas de transferência de renda, inclusive estaduais e municipais, onde o Bolsa-Família (que sucedeu o Bolsa-Educação) é o caso mais conhecido.

Finalmente, também sabemos que a melhora na posição das classes E, D e C impactou de forma diferenciada as diversas regiões do país. A região nordeste foi grande ganhadora neste processo, dado que ali se concentram os maiores volumes de pobreza do país. É largamente conhecido o fato que a vida econômica de inúmeras comunidades só se move quando chegam os pagamentos das bolsas e das aposentadorias.

Olhando para o futuro, tenho a impressão de que este quadro não se manterá, isto é, a dinâmica regional deverá ser diferente a partir do próximo ano. Certamente o Brasil deverá continuar a crescer, e com ele todas as regiões: projetamos uma expansão 4,0 e 4,5% nos próximos anos, que representa , em nossa opinião, o potencial ajustado à nossa taxa de investimento, ainda inferior a 20% do PIB. Entretanto, por diversas razões, a Região Sudeste (e São Paulo em particular) deverá puxar o crescimento. No resto deste artigo tentamos mostrar o porquê da proposição.

Em primeiro lugar, é pouco provável que as transferências governamentais continuem a crescer, em termos reais, na velocidade do passado recente. A razão maior é que o Tesouro Nacional está gastando numa velocidade evidentemente insustentável. Pior que isso, o nosso regime fiscal está sendo deteriorado sistematicamente, como é prova a verdadeira árvore de natal desta MP 487, na qual, inclusive, se concede um explícito afrouxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Além da menor oferta de recursos, devemos considerar que a política de elevação real do salário mínimo terá de ser moderada pela piora forte na situação da Previdência Social, ampliada pela liberalidade legislativa recente. Ademais, a cobertura dos programas distributivos já é quase total, tudo se somando para justificar a projeção de menor expansão nas transferências públicas, independentemente do resultado das eleições. Nessas condições, o Nordeste deve perder parte de sua alavanca de crescimento rápido.

Ao mesmo tempo, não percebo que tenha se desenvolvido nenhum polo novo de crescimento que venha compensar a redução relativa do gasto público. Os polos tradicionais maturaram (frutas no São Francisco, polo petroquímico, produção automotiva, indústrias tradicionais, como calçados e têxtil, produção de petróleo, etc.), e nada grande apareceu no lugar, exceto o complexo econômico em torno do Porto de Suape, em Pernambuco. Neste Estado também existe um centro de empresas de tecnologia da informação e um importante polo na área da saúde. A nosso ver, boa parte de outros grandes projetos, como refinarias, siderúrgicas, ferrovias e a transposição do Rio São Francisco, ou estão muito atrasados ou simplesmente não acontecerão.

Na Região Sudeste, ao contrário, o crescimento deverá ser positivamente impactado por, pelo menos, três fatores: a exploração do pré-sal, os gastos na preparação das disputas esportivas (Copa e Olimpíada) e a expansão de investimentos em áreas de elevada produtividade, no agronegócio, indústria e, especialmente, serviços.

A exploração do pré-sal é bastante conhecida, e nos próximos dez anos serão investidos, segundo a Petrobrás, algo como 110 bilhões de dólares no Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Existem algumas dúvidas se a Petrobrás conseguirá realizar todo seu ambicioso programa de investimentos, especialmente nas circunstâncias atuais dos mercados de capitais no mundo; mesmo neste caso parece certo que os investimentos no pré-sal serão prioritários, ao contrário das refinarias projetadas. Ademais, serão muito importantes seus efeitos sobre fornecedores de bens e serviços. Embora estes estejam espalhados pelo Brasil (como os estaleiros), é certo que estão muito mais concentrados na Região Sudeste.

Também no caso dos eventos esportivos a concentração de gastos na região é bastante óbvia, especialmente no Rio de Janeiro. Os números são ainda incertos, mas parece razoável dizer que será elevado.

O Rio de Janeiro tem hoje uma oportunidade que não pode perder, de transformar e dar nova vitalidade para sua economia.

A terceira razão para suportar a ideia que o Sudeste vai liderar o crescimento nos próximos anos é que os investimentos na produção de outros bens e serviços também estarão aqui concentrados. Chamo a atenção tanto para setores já existentes como para áreas novas, com maior densidade tecnológica. No primeiro caso estão as indústrias automobilísticas, químicas e de bens de capital. No caso de áreas menos conhecidas, gostaria de destacar a forte expansão do "cluster" da saúde (que inclui a indústria farmacêutica, de equipamentos médicos e odontológicos, serviços hospitalares e diagnósticos, inclusive voltados para clientes de outros países, construção civil especializada, etc.), a biotecnologia (especialmente os biocombustíveis de segunda geração), os serviços financeiros e de suporte para os negócios e a economia criativa, que inclui uma multiplicidade de segmentos, como publicidade, arquitetura, engenharia, moda, design, atividades culturais, filmes artes, áudio visual, serviços de internet, etc. Todas estas áreas estão em processo de internacionalização e a região está se tornando um centro de toda a América Latina. Todas estas atividades também agregam elevado valor adicionado e demonstram uma razoável geração de inovações.

O Estado de São Paulo é o epicentro destes movimentos, pois conta ademais com a única rede de estradas decentes do País e tem grande destaque no suporte à pesquisa tanto quanto concentra inúmeros institutos científicos e muitos parques tecnológicos, alem da indústria aeronáutica.

Quanto às demais regiões, gostaria de destacar que o Norte não consegue encaminhar algo consistente entre desenvolvimento e preservação, o Centro-Oeste está emparedado pelas limitações da infraestrutura de transporte e o Sul segue com pouco dinamismo. Estas duas últimas regiões vêm perdendo participação no PIB nacional.

Um comentário:

Ítalo de Paula Pinto disse...

Bela análise. Parabéns.