domingo, 16 de maio de 2010

As prateleiras vazias da aprovação de Chávez

DEU EM O GLOBO

Inflação em alta e escassez de alimentos podem prejudicar presidente da Venezuela nas eleições legislativas

Mariana Timóteo da Costa
Correspondente


CARACAS. Longas filas e prateleiras vazias nos supermercados, preços cada vez mais elevados e a inquietude de nem sempre encontrar o que se precisa para garantir uma boa refeição.

Esta é a atual realidade dos venezuelanos, não importando sua classe social. A inflação hoje a maior da América Latina, batendo 5,2% em abril e o desabastecimento (resultado, segundo especialistas, do mau gerenciamento do setor alimentício por parte do governo), viraram um problema político para o presidente Hugo Chávez a quatro meses das eleições legislativas de setembro.

Uma pesquisa feita em abril pelo instituto Datanálisis mostrou que, em pouco mais de um ano, a popularidade do presidente caiu de 61% para 44,4%. Além disso, quase 70% dos venezuelanos hoje avaliam mal a gestão de Chávez e quase todos citam a alta nos preços e, principalmente, a dificuldade de ter sua demanda por alimentos atendida entre os principais motivos do descontentamento.

Já votei em Chávez. Hoje, não voto mais. Como é possível eu demorar tanto para conseguir comprar farinha de milho para preparar as minhas arepas? reclama o aposentado Benjamin Cornejo Hugarte, de 75 anos, num supermercado no centro de Caracas.

Classes D e E são as mais atingidas A farinha de milho é a base deste que é o alimento mais popular da mesa venezuelana, uma espécie de panqueca recheada.

Além da falta de produtos, o aposentado critica os preços. Diz que há apenas um ano e com 500 bolívares (R$ 430), conseguia fazer um bom mercado para duas semanas.

Hoje, com este mesmo valor, ele dura apenas uma.

Aposentado da estatal de petróleo PDVSA, ele tem uma renda mensal de 4 mil bolívares (R$ 3.400) e acha um absurdo gastar metade de seu salário com comida.

Luis Vicente León, da Datanálisis, lembra que a Venezuela passava por uma situação semelhante em dezembro de 2007, quando Chávez sofreu sua primeira derrota eleitoral, no referendo pela reforma da Constituição.

O desabastecimento atual é menor do que o de 2007, quando 80% dos mercados não tinham leite, por exemplo. Hoje, o item mais em falta é o açúcar, ausente em 52% dos mercados.

Mas não importa, a irregularidade da oferta de comida é a mesma, assim como a insatisfação.

Aí, as pessoas começam a querer mudanças diz León, que lembra, no entanto, que 44% de popularidade é um índice alto, ainda mais para quem está no poder há tanto tempo. Chávez continua se beneficiando por seu carisma, por não ter adversários políticos com boas propostas de governo e pela mão de ferro com que controla a mídia e o aparato estatal.

Assim como o aposentado da PDVSA, o casal Gustavo e Cecília Sosa, de 28 anos, está entre os 18% de venezuelanos (numa população de 28 milhões) que integram a classe média. Ele, analista financeiro; ela, psicóloga.

Juntos, vivem com cerca de 5 mil bolívares (R$ 4.300) por mês, e confirmam que a inflação os vem deixando sem espaço para poupar.

Antes, sobrava mais dinheiro para, por exemplo, viajar.

Hoje, pensamos muito mais no que vamos comer. Sem falar no tempo que perdemos percorrendo mercados. Nunca conseguimos comprar tudo num lugar só, temos que ir a uma média de três. O fornecimento é muito irregular, as prateleiras constantemente estão vazias e, quando há mais produtos num determinado lugar, é batata: as filas são imensas reclama Gustavo.

Cecilia completa, dizendo que nem sempre consegue comprar o que ela quer: As frutas desapareceram.

Quando existem, a variedade é pouca e a qualidade, ruim.

Votar em Chávez? Nunca, a culpa disso tudo é de suas políticas malucas diz Gustavo.

O problema não atinge apenas a classe média, mas sobretudo quem integra as classes D (38% da população) e E (41%), obrigados a destinar uma parte maior de sua renda à comida. Já a classe alta, que abrange somente 3% dos venezuelanos, é a menos afetada pela crise de alimentos, porque, claro, tem muita margem de manobra, como explica o economista Nicolas Toledo, da Consultores XXI. Segundo ele, a crise aparece aliada a vários fatores: o aumento dos preços, claro, é um problema.

Mas o que mais descontenta a população é a irregularidade no abastecimento, resultado da falta de investimentos do governo na indústria alimentícia. Hoje, 70% dos produtos consumidos aqui são importados. Depois da desvalorização do bolívar em relação ao dólar, no início deste ano, a moeda local perdeu valor, obrigando governo e empresários a comprarem menos. Então, temos uma demanda que não está sendo atendida, num país que produz pouca comida explica o economista.

Há ainda, segundo Toledo, a insegurança internacional em vender para um país em que o governo ameaça ou expropria empresas nacionais e estrangeiras, que adota discursos combativos contra seus adversários políticos.

Depois de uma crise entre governo e produtores de carne, ocorrida na semana passada, o vice-presidente, Elías Jaua, deu declarações sobre o combate à especulação que, segundo analistas, apontariam uma intenção do governo de passar a controlar a quantidade de alimentos vendida nos mercados a exemplo de Cuba ou da antiga União Soviética.

Se o governo fizer isso, será seu suicídio político: 86% dos venezuelanos rejeitam que o país adote um modelo de consumo cubano.

Não acredito que Chávez adotará este tipo de medida. O que ele vai fazer é tentar controlar o problema, como fez depois que perdeu o referendo em 2007, até a crise ressurgir, no fim do ano passado. Se o preço do barril do petróleo continuar em US$ 80, ele pode conseguir.

Além disso, podemos esperar que ele continue fazendo o que faz: culpar a burguesia pela crise da comida diz León

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