quinta-feira, 29 de abril de 2010

Última escalada:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Chegou ao fim o ciclo de juros mais baixos da história recente do país. Por mais de um ano, de janeiro de 2009 a abril de 2010, o Banco Central reduziu e manteve a Selic entre 12,75% e 8,75%. Pela primeira vez, tivemos juros nominais de um dígito. Foi em junho de 2009, quando a taxa caiu de 10,25% para 9,25%. Depois, foi a 8,75%, ficou assim por nove meses, até ontem, quando voltou a subir a 9,50%.

Bancos e consultorias estão revendo o crescimento do PIB brasileiro para cima. Os dados mostram que a inflação está se distanciando do centro da meta e o país está bem aquecido. O estranho é que ao mesmo tempo que os juros sobem, o Ministério da Fazenda ainda mantém estímulos fiscais ao consumo, o BNDES aumenta o subsídio embutido nos juros, os bancos oficiais se esforçam para ampliar ainda mais o crédito.

O governo age como se o país ainda estivesse precisando de empurrão, quando o Banco Central já começou a puxar o freio.

O Morgan Stanley revisou a previsão de crescimento do PIB deste ano de 5,8% para 6,8%. O banco americano diz que o ritmo dos três primeiros meses deste ano está tão forte quanto o dos últimos três do ano passado. Com isso, o carregamento estatístico daqui para frente já estaria em 4,8%. Ou seja, se a economia ficasse estagnada a partir de abril — algo que não vai acontecer —, isso já garantiria um crescimento de 4,8% em 2010, na comparação com 2009.

A consultoria Tendências subiu a previsão de 5,2% para 6%. Outros bancos e consultorias têm feito isso nos últimos tempos.

O Itaú Unibanco subiu para 6% e o Bradesco, para 6,4%. Isso eleva o risco inflacionário: numa economia com a inflação subindo, a economia se acelera, o governo dá sinais desencontrados na área fiscal e a eleição criará naturalmente um ambiente de incerteza sobre a manutenção da política monetária. Isso tornou a alta dos juros de ontem inevitável.

Triste foi a coincidência de subir a taxa, quando os Estados Unidos mantiveram os juros em zero.

— O Brasil está crescendo a um ritmo quase chinês, então é normal que a gente comece a subir os juros antes dos países que estão enfrentando problemas — diz o economista Elson Teles, da Máxima Asset.

A última queda da taxa de juros foi motivada pela recessão que chegou ao país abruptamente ao final de 2008. Atingido de frente pela crise bancária internacional, o país teve dois trimestres consecutivos de retração no PIB.

Com menos crescimento, houve também menos inflação.

O Banco Central reduziu a taxa para incentivar a retomada.

Os bancos e consultorias pesquisados pelo boletim Focus do Banco Central apostam em média em um aumento de três pontos percentuais nos juros ao longo desta temporada. A alta de ontem foi só o começo, nas próximas reuniões deve continuar subindo.

A aposta é que os juros ficarão em 11,75%. Isso num ano eleitoral é uma dose suficiente para muita polêmica.

A dúvida é: até quando os juros vão continuar subindo levando-se em conta as eleições? O Morgan Stanley acha que o BC vai dar uma pausa só em outubro. Eu acho que ele vai parar bem antes para não provocar ruídos no momento mais quente do debate político. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que não foi resolvido ainda um problema: os sinais contraditórios da comunicação do Banco Central.

Mais um conflito entre o que o BC diz e o que faz, e o professor acha que ele vai virar biruta de aeroporto.

Mesmo se acontecer esse cenário previsto pelo mercado, de alta até 11,75%, ainda teremos juros menores do que no período anterior à crise, quando a taxa chegou a 13,75%, no dia 10 de setembro de 2008, apenas cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers.

Naquele mês, a inflação acumulada em 12 meses era de 6,25% e a expectativa para a inflação nos próximos 12 meses era de 5,19%.

Hoje, o cenário é melhor: o IPCA acumulado em 12 meses fechou o mês de março com 5,17%, e a expectativa para os próximos 12 meses é de 4,73%.

Esse será o último ciclo de aperto da política monetária do governo Lula.

No início do governo, em 2003, o Banco Central subiu juros para 26,50% para combater a crise detonada pelo medo de mudança na política econômica. Depois disso, voltou a subir juros de setembro de 2004 a maio de 2005. Foram oito aumentos seguidos da Selic, que levaram a taxa de 16,25% para 19,75%. Logo após, houve dois anos inteiros de baixa, entre setembro de 2005 e setembro de 2007, que fizeram a Selic cair para 11,25%. Nada menos que 18 cortes consecutivos.

Depois de oito meses com a taxa nesse patamar de 11,25%, entre setembro de 2007 e abril de 2008, houve nova guinada para o alto. De julho a setembro de 2008, já em plena crise, a Selic saltou de 11,25% para 13,75%.

A conclusão desse histórico é que mesmo em períodos de calmaria, sem crise externa e com inflação contida no Brasil, os juros são espantosamente altos.

Os mais baixos da nossa história são altos demais para qualquer país. Essa agenda é parte do longo processo de estabilização brasileira que precisa ser tocada pelo próximo governo. Não adianta voluntarismo. Há um dever de casa para fazer antes: reduzir gastos, carga tributária, fazer reformas para criar uma folga fiscal e derrubar os juros sem risco inflacionário.

O Brasil será normal quando os juros estiverem em patamares parecidos com o resto do mundo.

Enquanto isso não acontecer, o país vai carregar essa última cicatriz do tempo da inflação alta.

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