quinta-feira, 8 de abril de 2010

Trair e coçar... :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Caminhamos para ter uma eleição para presidente da República não apenas muito disputada, como também com um dos maiores graus de traições políticas já registrados nos últimos tempos. A candidata oficial, Dilma Rousseff, já deu mostras de que não dá muita bola para lealdades políticas, a não ser, é claro, a seu criador, o presidente Lula. Mais espantoso do que a homenagem que prestou a Tancredo Neves ontem em São João Del Rei foi a aceitação pública do voto PT-PSDB em Minas.

Assim como nas eleições de 2002 e 2006 houve por lá o voto Lulécio, que elegeu Lula presidente e Aécio Neves governador, querem repetir a dose com o voto Dilmasia, com a candidata oficial aliada ao candidato do PSDB ao governo, Antonio Anastasia.

Dilma chegou a fazer a gentileza de dizer que preferia que essa modalidade de voto fosse conhecida como Anastadilma, colocando na frente o candidato tucano. Quem não deve ter gostado muito da brincadeira é o candidato do PMDB, Hélio Costa, que aguarda o apoio do PT.

Há um vasto terreno nos dois partidos para a "cristianização" de seus candidatos. O termo, segundo o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro da Fundação Getulio Vargas, define a "traição de um partido político a seu candidato a cargo eletivo".

Passou a ser usado a partir de 1951, depois que o PSD, tendo indicado Cristiano Machado candidato à Presidência, apoiou na verdade a candidatura de Getulio Vargas.

Nas eleições de 1950, Vargas ganhou com cerca de 48% dos votos, contra 29% do segundo colocado, o udenista Eduardo Gomes. Cristiano Machado acabou em terceiro, com 21%.

Outro detalhe importante é que o desempenho geral do PSD foi muito melhor que o de seu candidato à Presidência em vários estados, inclusive nas Minas Gerais de Cristiano Machado.

Por esse critério, Serra foi "cristianizado" por Aécio em 2002 e Alckmin em 2006 com a candidatura Lulécio, que Dilma quer repetir agora.

Ao mesmo tempo em que se oferece para uma dobradinha com o partido de Aécio, jogando para o lado tanto o PT quanto o PMDB mineiros, a ex-ministra Dilma Rousseff tenta unir sua imagem também à de Tancredo Neves, avô de Aécio, e que representa integralmente a mais nobre tradição da política mineira.

Uma homenagem tão estapafúrdia que deve ter provocado náuseas nos que acompanharam a trajetória do presidente que morreu antes de tomar posse.

O partido que Dilma representa hoje não apenas recusou-se a votar em Tancredo no Colégio Eleitoral como expulsou três deputados federais que, tendo visão política menos imediatista, se recusaram a seguir a orientação partidária e deram seus votos para a eleição do primeiro presidente civil de oposição no regime militar.

O mais surpreendente é que o gesto eleitoreiro tenha partido da mesma pessoa que, dias antes, acusara o candidato oposicionista de ser um lobo em pele de cordeiro por não atacar o presidente Lula diretamente.

Dificilmente existirá atitude mais dissimulada do que essa de homenagear um líder político 25 anos depois, no momento em que seu estado é fundamental para o resultado da eleição, sem ao menos uma explicação, muito menos autocrítica.

A mesma atitude dúbia ela tomou no Rio de Janeiro ao afagar Garotinho, o candidato do PR ao governo, para desilusão do governador Sérgio Cabral, do PMDB, que se considera o candidato oficial de Lula.

A relação de Cabral com Dilma não anda boa desde a crise dos royalties do petróleo, cujo cerne está no projeto do novo marco regulatório para exploração do pré-sal, organizado pela então chefe da Casa Civil.

Para Sérgio Cabral, é mais fácil brigar com Dilma do que com o presidente, e por isso ele já andou dando um recado para a candidata oficial de que nem mesmo sua mulher votaria nela caso prevalecesse a disposição de mudar a distribuição dos royalties.

Uma disputa presidencial apertada como se avizinha valorizará cada adesão que um dos lados conseguir. Assim como pode haver o voto Dilmasia ou Anastadilma em Minas, pode haver um voto suprapartidário no Rio que una o tucano José Serra e o governador Sérgio Cabral. Já existem até comitês nesse sentido sendo montados no estado.

Há ainda a situação do ex-prefeito Cesar Maia, rejeitado pelo PSDB e PV locais, que já se aproximou do ex-governador Garotinho e pode perfeitamente ajudar Dilma no interior.

Em vários outros estados a relação do PT com o PMDB está dando margem a negociações paralelas, que vingarão ou não na medida em que as pesquisas eleitorais mostrarem para que lado o vento está soprando.

Também o PSDB tem problemas, e não apenas no Rio. Um estado emblemático é o Ceará do senador Tasso Jereissati, um dos principais líderes tucanos.

Ele é candidato ao Senado em uma aliança branca com o governador Cid Gomes, do PSB, que tenta fazer com que o partido lance seu irmão, o deputado Ciro Gomes, como candidato a presidente da República.

No Rio Grande do Sul, a governadora Yeda Crusius insiste em tentar a reeleição apesar das crise política em que se viu envolvida, mas a direção do partido gostaria de uma aliança com o PMDB do ex-prefeito de Porto Alegre José Fogaça.

Há, como se vê, um vasto terreno para traições de todos os matizes, até mesmo a do próprio PMDB, que, tudo indica, formalizará seu apoio à candidatura Dilma na convenção de junho, mas não lhe dará apoio integral, ficando de fora do acordo seções importantes do partido como algumas do Sul e Sudeste do país.

Isso se, até lá, a disputa continuar emparelhada, com Dilma mostrando ser competitiva. Se a "boca do jacaré" voltar a se abrir, ampliando a diferença a favor de Serra, até mesmo o "amor verdadeiro" do PMDB poderá desaparecer.

Se, ao contrário, a "boca do jacaré" se fechar cada vez mais, será o candidato tucano que será abandonado pelo meio do caminho.

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