sexta-feira, 16 de abril de 2010

Fora da curva:: Miriam Leitão



DEU EM O GLOBO


Um ponto fora da curva causou espanto nos analistas. A Fiesp divulgou dias atrás uma queda forte no Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci), que não foi registrado pela FGV, e que entra em contradição com outros indicadores industriais do IBGE e da própria Fiesp. Ninguém entendeu. A se levar a sério, a capacidade ociosa voltou a níveis próximos do auge da crise. Assim, sem mais nem menos.

Os dados da Fiesp mostram que o Nuci caiu de 82,05% em novembro para 78,45% em fevereiro. Recuo de 3,6 pontos em três meses, puxado por uma revisão nos dados de dezembro e janeiro: queda de 0,8 ponto em dezembro; de 2,3 pontos, em janeiro; e de 0,5 ponto em fevereiro.

Quando divulgou o indicador, a Fiesp explicou que chegaram novas informações das empresas, que houve ganhos de produtividade e maturação de investimentos, que permitiam à economia crescer sem o aumento do Nuci. Ou seja, as empresas teriam investido em aumento de capacidade de produção e isso estaria aparecendo agora.

Mas os dados do IBGE mostram que a crise reduziu os investimentos. Com as incertezas, os empresários seguraram os projetos. A Formação Bruta de Capital Fixo, foi de 18,7% do PIB, em 2008, para 16,7%, em 2009.

A discrepância dos dados salta aos olhos no gráfico abaixo, que mostra indicadores de três entidades: da própria Fiesp, da FGV, e CNI.

Até novembro, eram compatíveis.

Neste início de ano, os dados de São Paulo estão destoando.

Nos números da FGV, o uso da capacidade de produção está em alta: em janeiro, era 83,8%; saltou para 84%, em fevereiro; e 84,3%, em março.

Já os dados da CNI refletem os da Fiesp, é uma média das informações das federações, e São Paulo representa 40% do indicador da CNI. De dezembro para janeiro, houve queda de 0,8 ponto, e estabilidade no mês de fevereiro, em 80,4%. O resultado pegou economistas de surpresa.

A LCA consultoria apostava em alta de 1,4 ponto percentual, para 81,8%. A mediana das projeções da Bloomberg era de alta para 81,7%. Mas ele não subiu pelo peso da queda de São Paulo.

— Estamos tentando entender o que houve com a informação da Fiesp. Justificar com maturação de investimentos não é razoável.

Queda na produção não houve, e também é difícil apostar em choque de produtividade.

Não queremos acreditar em influência política — disse um analista.

Olhando por dentro dos dados se vê que o aumento da ociosidade aconteceu no setor de alimentos e bebidas: uma queda de surpreendentes 18,5 pontos em janeiro.

Mas na FGV o uso da capacidade do setor de alimentos não para de subir este ano: foi de 80,3%, em janeiro; para 81,1%, em fevereiro; e 81,7%, em março.

— Na nossa pesquisa, não captamos nenhum tipo de comportamento diferenciado no Nuci dos setores de alimentos e bebidas — disse o superintendente de Ciclos Econômicos da FGV, Aloisio Campelo.

A Abia (Associação das Indústrias de Alimentação) também não tem informações de eventos extraordinários em São Paulo. Já o economista da coordenação de indústria do IBGE, André Macedo, diz que nacionalmente o setor de bebidas está operando com uma produção 16,3% acima do nível de setembro de 2008.

O diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Paulo Francini, admitiu que essa queda tem características de ponto fora da curva. Diz que foi motivada pelas indústrias de álcool e açúcar, que interromperam a produção por questões sazonais: — Geralmente, no início do ano há uma paralisação no setor de açúcar e álcool.

Certamente o Nuci voltará a subir nos próximos meses.

Pode ser. Mas os dados do setor dos últimos três anos não mostram quedas tão abruptas como a de janeiro.

Além disso, em fevereiro, houve nova queda.

O economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco, disse que é preciso esperar mais alguns meses para ver o que está acontecendo.

Essa discussão é importante porque a utilização da capacidade instalada, o tal Nuci, é um dos itens analisados pelo Banco Central na definição dos juros. Se a ociosidade está alta, é sinal de que a indústria pode aumentar a produção e segurar preços.

Se está baixa, mostra que a indústria não tem fôlego para acompanhar o consumo. Prenúncio de inflação.

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