quarta-feira, 21 de abril de 2010

Da Brasília de Hipólito e Bonifácio à de nossos dias :: Isabel Lustosa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Até a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, nem a imagem de Brasil unido do Oiapoque ao Chuí nem a consciência de que todos os que aqui nasciam e viviam eram brasileiros tinham se firmado. Quem nascia em Pernambuco, na Bahia, em São Paulo ou em Santa Catarina chamava de pátria apenas aquela parte do Brasil em que vivia. E tudo isso junto era Portugal.

Mas, no ambiente de reformismo ilustrado da corte de D. Maria I, um elenco de brasileiros se aliava a outros tantos intelectuais portugueses para pesar no Brasil - parte integrante e essencial da nação portuguesa, cujas riquezas naturais eram exaltadas, como o lugar para onde, eventualmente, a sede da monarquia podia ser transferida.

Os que sonhavam com esse projeto defendiam que a grandeza e a importância do Brasil estavam diretamente associadas às suas dimensões continentais. Para manter o caráter impressionante daquele patrimônio, era preciso conservar unidas as capitanias de que se compunha a colônia.

Foram esses brasileiros cultos que difundiram, por intermédio de seus escritos e de sua atuação, a ideia de Brasil como unidade. E, dentre esses, pela enorme influência que tiveram sobre os seus contemporâneos, merecem destaque Hipólito José da Costa e José Bonifácio de Andrada.

Protagonizando uma biografia cheia de lances extraordinários, o primeiro jornalista brasileiro, Hipólito da Costa, por meio de seu jornal, o Correio Braziliense - Armazém Literário, publicado em Londres entre 1808 e 1822, produziu uma obra em que analisou de forma profunda a realidade brasileira. Hipólito foi, como destacou Barbosa Lima Sobrinho, quem mais lutou pela permanência de D. João e de sua corte no Rio de Janeiro. Hipólito citava as revoluções que então convulsionavam as colônias espanholas e que no Brasil eram evitadas pela proximidade do soberano. Também ressaltava a distância a que estávamos das intrigas europeias, a que o governo, só forte pelas possessões ultramarinas, não escaparia em Lisboa.

Outro aspecto valorizado pelo jornalista era a circunstância de ser D. João VI o único testa-coroada do Novo Mundo, cuja opinião, aqui valiosa, não pesaria na balança dos gabinetes do Velho Mundo, se ele em Lisboa estivesse.

Desde os primeiros números, Hipólito também insistiu para que a estada da corte no Brasil tivesse como papel primordial a consolidação dos domínios portugueses em um só Império. Para que esse projeto se viabilizasse, seria necessário dar ao Brasil unidade administrativa, estabelecendo em toda a parte as mesmas leis. Nesse sentido era que Hipólito defendia a mudança da capital para o interior.

Já em março de 1813, ele dizia que, se os portugueses tivessem patriotismo e quisessem de fato agradecer ao Brasil que os acolheu, se estabeleceriam numa região central, no interior do País, perto das cabeceiras dos grandes rios e construiriam ali uma nova cidade.

O problema dessa cidade nascida no meio do "deserto" seria resolvido com a construção de estradas que se dirigissem a todos os portos de mar, ligando-a às principais povoações. Dessa maneira, a capital do País serviria de ponto de reunião entres as partes mais distantes do Brasil.

Assim seriam lançados, conclui Hipólito, "os fundamentos do mais extenso, ligado, bem defendido e poderoso império que é possível que exista na superfície do globo, no estado atual das nações que o povoam".

Seu contemporâneo, José Bonifácio de Andrada e Silva, a figura de maior prestígio da elite brasileira nas primeiras décadas do século 19, comungava dessas mesmas ideias.

Andrada voltara ao Brasil, depois de se aposentar, em 1819, ao final de uma carreira em que se notabilizara em Portugal tanto pelos seus conhecimentos científicos quanto por sua atuação na vida pública. No dia 16 de janeiro de 1822, uma semana depois do Dia do Fico, D. Pedro o convidou para liderar seu Ministério, assumindo a pasta do Reino e dos Estrangeiros. José Bonifácio foi quem elaborou o projeto que seu irmão, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, apresentaria nas cortes de Lisboa para servir de base à Constituição da Nação Portuguesa que ali se estava elaborando naquele ano de 1822, poucos meses antes de o Brasil proclamar a sua Independência.

Em seu projeto, além de deixar claramente estabelecido que era indispensável que se conservassem "a integridade e a indivisibilidade do Reino Unido", José Bonifácio propunha que se estabelecesse no Brasil um governo-geral executivo, ao qual estivessem sujeitos os governos provinciais e, tal como Hipólito, propunha que a capital fosse transferida para o interior do País, a fim de estimular o seu povoamento. Ele achava que seria "muito útil, até necessário, que se edifique uma nova capital do Império no interior do Brasil para assento da corte, da assembleia legislativa e dos tribunais superiores, que a Constituição determinar. Essa capital", previu ainda o patriarca da Independência, "poderá chamar-se Petrópolis ou Brasília".

Nesses 50 anos de Brasília, vale a pena lembrar os ideais que motivaram nossos pais fundadores quando pensaram numa capital sertaneja. Sede do governo, lugar de integração dos brasileiros, cidade que teve a árdua missão de substituir o glamouroso Rio de Janeiro, Brasília deveria ser também o lugar em que estariam asseguradas a ordem e a estabilidade necessárias para o bom funcionamento dos principais órgãos do aparelho de Estado.

A crise que a capital do Brasil enfrenta em seu jubileu talvez seja boa para repensar a forma como deve ser administrada. Afinal, será mesmo necessária e indispensável a autonomia do Distrito Federal?

É pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa

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