terça-feira, 16 de março de 2010

Lula no papel de Pigmalião:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL
Depois de emplacar a candidatura Dilma Rousseff, o presidente Lula passou a emitir sinais de satisfação por ter preenchido sozinho o vazio deixado pela desistência ao terceiro mandato que alvoroçou os áulicos. Poderia até assobiar os temas do musical My Fair Lady, pelas razões a serem esclarecidas em seguida. O tempo disponível do presidente se esgota sem a apoteose com que ele contava. Faltou-lhe também paciência para esperar o que a História não teve pressa de digerir. Mas o último ano de mandato passa depressa. O ex-presidente será reavaliado a partir do primeiro dia em que não acordar mais presidente. Tudo à seu tempo.

Entre os vários Lulas que se sucederam desde que deixou de se ver no espelho, pode-se dizer que o atual sucumbiu à síndrome do escultor Pigmalião que, no tempo em que a Grécia produzia mitologia para consumir e exportar, optou pelo celibato ( por entender que as mulheres não eram dignas do amor dos homens). E, para marcar a diferença, Pigmalião se animou a esculpir em marfim a figura feminina perfeita, representada por ninguém menos que a própria deusa Afrodite.

Não deu outra. Diz a mitologia que o trabalho foi tão competente que Pigmalião se apaixonou perdidamente pela obra-prima e rogou a Afrodite, que se reconheceu na perfeição da escultura, para insuflar-lhe vida. Atendido, renunciou ao celibato, e o criador então se casou com a criatura. Mas não termina aí. O legado de Pigmalião tem-se reproduzido ao longo do tempo com variedade de soluções criativas. Voltaire, Rousseau e Bernard Shaw também se valeram do acidental para refazer com arte o essencial, de acordo com a época e a variedade artística adaptável às circunstâncias do tempo.

No modesto Brasil republicano, o primeiro escultor de uma candidata a presidente veio a ser Luiz Inácio Lula da Silva, por motivos dispensáveis de figurar aqui. Antes que se fizesse o vácuo político, com um governo apressado em equacionar a sucessão e uma oposição modorrenta, o presidente percebeu ao seu lado a figura de Dilma Roussseff, com antecedentes revolucionários eleitoralmente valiosos (antes da campanha propriamente dita) que a deixavam imune às primeiras pedras. Já é, por natureza, uma petista zangada.

Quem ainda diz que a História não se repete? Lula foi salvo, em cima da hora, pelo eterno precedente de Pigmalião, e já está mais perto da mitologia grega do que das páginas virtuais da História do Brasil. O resto pode ficar por conta de Lula mesmo e da internet, com margem de surpresa inevitável em ambos. Mais do que o ideal da perfeição, Lula se limitou a lisongear, como forma de se elogiar por tabela, a candidatura que a ninguém ocorreu antes dele. E já está repassando a Dilma Rousseff os truques que Henry Higgins, professor de fonética, ensinou à pobre Eliza Doolittle, a moça que vendia flores nas ruas de Londres com uma abominável pronúncia e veio, depois de longo aprendizado, a fazer sucesso na alta sociedade londrina.
Qualquer semelhança com o Brasil novo rico não passa de intriga da oposição. Por onde se apresente em campanha, o escultor da candidata Dilma Rousseff vibra e se reabastece com a própria pigmalionice, que acaba de receber das pesquisas de opinião (que os gregos não conheceram) o que proclamaram: a candidata já encosta, salvo seja, na vantagem de que desfrutava José Serra (enquanto esperava às margens do Ipiranga, do qual não mais se ouve falar).

Lula repudiou o terceiro mandato e esculpiu, politicamente, a candidatura eqüidistante de todas as tendências que se entrechocam ao seu redor, e criou um fato consumado com a imprudência política a que o PAC e as pesquisas de opinião o induziram. Só falta definir se a repetição se dará como tragédia ou, como a história prefere, comédia mesmo.

Wilson Figueiredo, é jornalista

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