sexta-feira, 12 de março de 2010

Dentro do zero:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

É a primeira vez que há um resultado negativo no PIB desde o começo da série em 1996; o primeiro negativo em duas décadas. O Brasil é duro na queda, custa a ter recessão, mas não tem autonomia de voo: o crescimento não se mantém. Sustentar o crescimento é o nosso desafio. OPIB do quarto trimestre anualizado aponta 8,4%, mas o Brasil não pode crescer tanto.
Para a China essa taxa é de crescimento baixo. Foi o que ela teve no mau ano de 2009, mas para o Brasil faltam taxas de poupança e de investimento para segurar um crescimento neste ritmo, sem produzir um enorme déficit na conta de transações correntes e alta da inflação.

A equipe econômica do Itaú Unibanco foi a que acertou na mosca a previsão do que ia acontecer: -0,2% no PIB de 2009; 2% de crescimento do quarto trimestre em relação ao terceiro. No texto enviado ontem para seus investidores, o banco alerta que como o crescimento anualizado está em 8,4%, o país terá que reduzir o ritmo para chegar no final do ano numa taxa de 6%, que é a previsão do banco.

O número tem um carregamento estatístico de 2,7%. Esse fenômeno acontece porque a base de comparação é baixa. É mais ou menos assim:como o ano de 2009 começou em queda e se recuperou, mesmo se ficasse na prática estagnado em 2010, a comparação da média de um ano contra a média do ano anterior daria 2,7%. Então é praticamente impossível o país não crescer este ano.

Em 2009, a indústria caiu 5,5% apesar de todas as transferências que recebeu em termos de redução de impostos e empréstimos subsidiados.A agricultura teve queda de 5,2% porque teve quebra de safra. O setor de serviços cresceu 2,6%. O comércio, de varejo e atacado, caiu. O resultado positivo se deve em parte ao setor financeiro, que cresce mesmo na crise. Desta vez, subiu 6,5%. Serviços de informação foi outro subsetor que cresceu 4,9%, e a administração pública, que também entra em serviços, aumentou 3,2%.

A participação da administração pública no PIB subiu de 15,7% para16,7%. Já a participação da administração pública no setor de serviços foi de 23,5% para 24,3%. O que explica essa alta é, em grande parte, o aumento da contratação de funcionários públicos.

O economista Luis Otávio Leal, do banco ABC Brasil, lembra que os dados do quarto trimestre mostram claramente que a economia estava crescendo no final de 2009 acima do que sua estrutura suporta.

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, lembra que a inflação pelo IPCA acumulada em dois meses de 2010 foi igual à taxa prevista pelo relatório de inflação do Banco Central, em dezembro, para o trimestre inteiro. Ou seja, o BC achava que aconteceria no trimestre o que aconteceu em apenas dois meses.

- Nos IGPs, simplesmente houve uma reversão completa. O que era a deflação do ano passado virou a inflação de dois meses.

A inflação está subindo, e o déficit externo, crescendo. Hora de se preocupar, de fato. Ou de enfrentar problemas que nos impedem decrescer acima de um determinado nível sem voltar a enfrentar os velhos dilemas: déficit externo e inflação. E esse é um dos piores resultados de 2009, o Brasil andou para trás em termos das condições decrescimento sustentado. A participação dos investimentos no PIB caiu de18,7% para 16,7%; a taxa de poupança foi de 18% para 14,6%.

Mas o melhor retrato da natureza do crescimento brasileiro está no gráfico abaixo, de desempenho do PIB acumulado em quatro trimestres desde 1996. Parece uma montanha-russa.
O país resiste a cair abaixo de zero. Teve uma pequena recessão que chegou a 0,8% em 1999, que no entanto fechou o ano no resultado positivo, de 0,3%; e teve outra agora que chegou a -1% no começo de 2009, mas fechou o ano em -0,2%. O primeiro baque foi na crise cambial, que na Coreia, por exemplo,provocou recessão de 5%. O segundo, na crise global, que derrubou o México e a Rússia em 7%. Nosso negativo é pequeno, o país levanta, dá a volta por cima, mas não se sustenta e volta a cair. Impressionante é que o melhor número da série foi o terceiro trimestre de 2008, 6,6%. Na véspera de despencar. Foi um grande tombo o da crise, mas já começamos a subir a rampa. O que mais incomoda é a incapacidade de manter o ritmo de crescimento.

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