quarta-feira, 31 de março de 2010

Reflexão do dia - Luiz Werneck Vianna

Nessa operação, o Estado traz a sociedade para dentro de si, convertendo-se num "parlamento" onde se tomam as decisões a serem legitimadas por um Poder Legislativo enredado, por meio das práticas do chamado presidencialismo de coalizão, ao Executivo. Tal estratégia, audaciosa em seus fins, é conservadora quanto a seus meios: ela não procura a mobilização dos seres subalternos, salvo quando sob seu estrito controle, e se limita a procurar soluções institucionais, conceitos e motivações ideais no baú dos ossos da tradição autoritária brasileira.


Luiz Werneck Vianna, no artigo, O fim da História ou um novo começo, ontem, em O Estado de S. Paulo

Palanques abalados:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A campanha presidencial de José Serra se defronta com uma crise política de razoáveis proporções no Rio de Janeiro, um dos suportes do tripé da Região Sudeste, que reúne 43% do eleitorado brasileiro e é a com o maior número de eleitores, 55.718.468. Nela, o candidato do PSDB, José Serra, tem 40% das intenções de voto contra 24% da candidata oficial, Dilma Rousseff, vencendo em São Paulo e em Minas e empatando com ela no Rio.

Questões de política regional envolvendo a candidatura ao Senado do ex-prefeito Cesar Maia estão levando a que o candidato a governador Fernando Gabeira, do Partido Verde, que seria sustentado a princípio pela coligação oposicionista PSDB, PPS e DEM, realize um processo de reavaliação da coligação montada que pode levá-lo a só aceitar se candidatar com a repetição da coligação que quase o levou à vitória na disputa pela Prefeitura do Rio em 2008.

Se efetivar essa decisão, a coligação regional excluiria o DEM, o que criaria uma dificuldade política para a direção nacional do PSDB, que não gostaria de desfazer a aliança com o DEM no Rio.

Não que exista a possibilidade de a crise local repercutir na aliança nacional, mas é um desacordo considerado desnecessário pela direção nacional, e prejudicial à candidatura de José Serra.

Ao contrário, o Partido Verde e setores do PSDB do Rio consideram que a presença do ex-prefeito Cesar Maia na chapa oficial tiraria de Gabeira toda força política de renovação, enfraquecendo sua candidatura em setores da classe média e da intelectualidade do estado, o que poderia inviabilizar a disputa do segundo turno na eleição para o governo, provavelmente contra o governador Sérgio Cabral, do PMDB.

O vereador do PV Alfredo Sirkis, que já foi secretário de Cesar Maia, hoje é talvez o seu maior crítico e foi quem iniciou o movimento contra sua inclusão na coligação oficial.

A melhor solução para os que não querem ver Cesar Maia na chapa oficial seria o DEM lançar uma candidatura ao governo para sustentar a candidatura do partido ao Senado, mas essa não é uma solução que esteja na cogitação do partido.

Também a possibilidade de o DEM indicar outro candidato ao Senado, ficando Cesar Maia para disputar uma cadeira de deputado federal não parece razoável, já que o ex-prefeito do Rio é uma de suas maiores lideranças e está muito bem posicionado na disputa por uma das duas vagas para o Senado.

O presidente nacional do DEM, o deputado federal Rodrigo Maia, se recusa a especular sobre outra hipótese que não seja a reprodução da aliança nacional no Estado do Rio, e considera que as resistências ao nome de seu pai são localizadas, e não refletem o sentimento generalizado nos partidos da coligação.

Ele alega também que, se eventualmente o candidato Fernando Gabeira encontra resistências a Cesar Maia em seu eleitorado, também o ex-prefeito tem dificuldades para fazer com que seus eleitores mais conservadores aceitem a candidatura de Gabeira.

Com empenho político, alega o DEM, a sinergia entre as duas candidaturas poderia ampliar ambos os eleitorados, em vez de resultar em prejuízo.

Gabeira, no entanto, está se convencendo de que a rejeição a Cesar Maia é muito forte em setores vitais para a sua candidatura.

A repercussão que causou nesse público específico uma declaração de posição em seu blog contra a candidatura de Cesar Maia da vereadora Andrea Gouvêa Vieira, do PSDB, registrada na coluna de Zuenir Ventura no GLOBO, só confirmou o que Gabeira vinha sentindo nas suas incursões pelas ruas do Rio.

Por outras razões, e representando outro espectro do eleitorado tucano no Estado do Rio, o prefeito de Caxias, Zito, presidente regional do PSDB, anunciou que não apoia nem Gabeira nem Cesar Maia, e parece inclinado pelo candidato do PMDB ao Senado, Jorge Picciani, ampliando mais ainda a confusão.

A direção nacional do DEM não acredita que esses setores representem a maioria do partido, e lembra que o único político com expressão popular da coligação oposicionista é o ex-prefeito.

De fato, como Gabeira apoiará a candidatura à Presidência da senadora Marina Silva, do PV, não dará seu palanque ao candidato tucano, José Serra, que ficaria sem um suporte político no Rio caso o DEM fosse alijado da coligação.

E Gabeira também não aceita se candidatar a governador sem o apoio formal da coligação de oposição formada pelo PSDB e pelo PPS, pois, isolado com o PV, não teria nem tempo de televisão nem capilaridade política para sua campanha.

Ele chegou a decidir se candidatar a deputado federal, para prescindir do apoio partidário, mas foi convencido pela direção nacional do PSDB a se candidatar ao governo do estado para que Serra tivesse um palanque forte no estado.

O ex-deputado Marcio Fortes, o vice do PSDB na chapa de Gabeira, foi o fiador dessa montagem e agora está empenhado em desfazer a crise política.

Por outro lado, fazendo parte da coligação oficial, Cesar Maia seria o seu político com mais apelo popular, e poderia dar o suporte de que Serra precisa no interior do estado.

Ele aparece sempre como um dos dois candidatos a senador mais votados do Rio, demonstrando uma força política grande no interior do estado e na Zona Oeste, regiões onde também a candidatura de Fernando Gabeira precisaria de apoio.

Gabeira, no entanto, está avaliando que talvez a relação custo/benefício de ter o apoio de Cesar Maia seja ruim para a sua candidatura, e considera que é possível fazer uma campanha no interior do estado sem os tradicionais apoios dos caciques da política.

Tudo parece caminhar para um impasse, mas Gabeira pretende conversar com Serra pessoalmente antes de anunciar sua decisão.

Falha da gerência:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo federal tem sido indiscutivelmente transparente no uso da máquina pública e competente em suas ações eleitorais em prol da candidatura Dilma Rousseff.

Por isso mesmo foi surpreendente a imperícia exibida na concepção e principalmente na execução do último evento da ministra no governo, para efeito de comunicação política.Dilma foi apresentada ao País como candidata em fevereiro de 2008, como a "mãe do PAC". Dois anos, muita propaganda, visitas a obras e inaugurações depois, a ideia óbvia era reforçar a dose da imagem da boa gestora com um patrimônio de execuções a ser apresentado ao eleitorado, contra programas de promessas da oposição. Daí o PAC 2 para marcar a saída de Dilma do governo e sua entrada na campanha eleitoral.Como tese, perfeito. Na prática, deu errado.

Senão tudo, mas o principal, aquela parte em que Dilma Rousseff deveria ser consagrada como a grande e competente gestora, gerente inigualável, mulher de personalidade forte que faz as coisas andarem sem outras preocupações a não ser a eficácia dos resultados.Pois na hora de colher as honrarias, o presidente Luiz Inácio da Silva foi o primeiro a dizer que não estava satisfeito com o andamento das obras. Cancelou visitas, reclamou, ficou irritado e não apresentou um balanço daquele programa sensacional lançado há três anos.O governo não divulgou os dados da primeira versão do PAC. Apenas disse genericamente que 40% das ações foram concluídas.

Ainda assim, Lula duplicou a aposta, falou muito em dinheiro que ninguém sabe direito de onde sairá, em compromissos a serem honrados por outrem, e nada disse a respeito das obrigações que ele mesmo assumiu, cuja execução delegou à ministra Dilma Rousseff.

A solenidade de segunda-feira poderia ter sido um momento de excelência para Dilma. A apresentação de um bom balanço, parcial que fosse, poderia dar à população uma ideia de como a ministra trabalhou bem e, portanto, de como seria capaz de trabalhar melhor ainda na condição de presidente.

Evidentemente que o governo não escondeu os resultados do PAC porque quis. Escondeu porque não tinha o que mostrar. E se não tinha o que mostrar é de se supor que a gerente do projeto não tenha cumprido a contento a sua missão.

Ou pelo menos é esta a conclusão lógica, à falta de uma explicação por parte do governo para o fato de ter optado por anunciar uma segunda versão de um programa sem ter concluído a primeira etapa e sem ter fornecido ao público informações corretas e detalhadas a respeito de cada ação.

Enquanto o governo diz que 40% delas foram concluídas, o site Contas Abertas, que acompanha desde o início as execuções do PAC, afirma que foram 11% sem sofrer contestação.

A ideia de lançar o PAC 2 apenas para aproveitar a marca original da candidatura Dilma acabou se revelando contraproducente. O tipo do truque malfeito porque as deficiências da primeira versão chamaram mais atenção que os presumidos benefícios da anunciada segunda etapa.

Os profissionais da área de comunicação da Presidência deveriam ser os primeiros a compreender que não há comparação entre um programa existente, coordenado por uma ministra que deixa o cargo e, portanto, deve prestação de contas, e o anúncio de uma abstração longínqua chamada de continuidade de algo que ainda não se completou.

Vida ou morte. Uma coisa é a fidelidade do PT ao presidente Lula em âmbito nacional, outra coisa é a prática do partido no campo regional. A vaia dos petistas ao ministro Geddel Vieira Lima outro dia na Bahia, a recusa do partido em apoiar a reeleição de Roseana Sarney no Maranhão, a resistência em fechar acordo com o PMDB em Minas prenunciam na campanha uma parceria diferente da convivência em Brasília.

Pelo simples fato de que na província, perto do eleitorado, os quinhentos são outros.

Se não preservar minimamente sua identidade e tentar enquadrar a militância, o partido põe em risco a própria sobrevivência, porque o eleitor não obedece a ordens da direção.

As rosas não falam(Cartola) - Beth Carvalho

Brasil, entre o passado e o futuro::Fernando Perlatto

DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Interpretar o país tem sido uma prática constante da inteligência brasileira, desde o momento da nossa hora inaugural. Basta pensar, para tanto, nas análises dos construtores do império — como José Bonifácio e Visconde do Uruguai —, que, mais do que elaborarem estudos pormenorizados sobre o país, construíram análises que buscavam compreender nossa realidade para uma intervenção política. Essa forma de interpretar o país tornou-se uma marca da inteligência brasileira no decorrer da história. Atuando em Academias e Institutos, na universidade, nos partidos, ou inseridos no aparelho de Estado, a intelectualidade brasileira buscou se inscrever na esfera pública, formulando e disputando interpretações, análises e projetos sobre o futuro da nação, desempenhando papel de destaque na nossa modernização. Essa forma de interpretação sobre o país foi aqui mobilizada, historicamente, sobretudo como um exercício normativo, visto que buscou não apenas compreender, mas produzir inspiração para intervir e modelar a nossa sociedade.

Não se trata de uma tarefa fácil esta de construir uma análise da conjuntura política do momento que se preocupe não somente com os acontecimentos comezinhos do dia a dia político, mas conjugue a investigação dos mesmos com a interpretação do movimento mais amplo das estruturas. O desafio se coloca no sentido de inserir os fatos habituais em uma linha explicativa alargada, que ultrapasse o cotidiano da política e suas disputas menores. A análise de conjuntura, dessa maneira, não é um exercício de menor relevância, mesmo que não exija um aparato metodológico tão complexo quanto exigiriam os padrões positivistas, o que se por um lado é sua fraqueza, dirão os empiricistas, por outro acaba sendo uma vantagem para aqueles que se aventuram nesta seara, justamente por permitir a realização de voos analíticos mais amplos, sem as amarras colocadas pelos rigores “científicos”.

O principal desafio para uma análise de conjuntura consiste na tarefa de pensar e analisar o fato ao mesmo tempo em que ocorre, de tentar conciliar a reflexão com o que pari passu se dá no “mundo real”. A análise de conjuntura traz em seu bojo alguns problemas complexos, como, por exemplo, o da articulação entre o papel do ator — seja ele individual ou coletivo — e a estrutura. O velho problema da capacidade ou incapacidade de o sujeito intervir nos fatos, a despeito das forças estruturais que regem a sociedade. Uma boa análise de conjuntura tem de dar conta de inserir os desafios daquele momento específico, os acontecimentos, em uma perspectiva de “longa duração”, na linguagem do historiador Fernand Braudel (1976), atenta ao movimento mais geral que rege a sociedade, percebendo aquilo que permanece e aquilo que se transforma.

A análise de conjuntura quando bem realizada torna-se capaz de permitir a explicação para a intervenção política, na medida em que, ao organizar analiticamente o fluxo dos acontecimentos, logra aumentar as potencialidades de êxito da ação daqueles que desejam alterar determinada ordem ou conservar o status quo. Ela permite mapear o terreno no qual as forças sociais travam as disputas políticas, bem como enfrentam os nós górdios que atravancam o andamento da mudança. Assim, abre possibilidades para a atuação dos sujeitos da transformação naqueles movimentos que Gramsci denominou de “grande política”, que compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, defesa ou conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais, em contraposição à “pequena política”, relacionada às questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida, em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política (GRAMSCI, 2000: 21-2).

A despeito dessa importância conferida à análise de conjuntura e não obstante o fato de ela se configurar como uma marca característica da inteligência brasileira, fato é que os últimos anos foram caracterizados por uma escassez relativa desta forma de análise. Não se trata aqui de procurar uma explicação para isso e não pretendo entrar no mérito da tão propalada polêmica do “silêncio dos intelectuais”, que ganhou espaço significativo na imprensa brasileira em 2005, quando dos escândalos relacionados aos esquemas de corrupção, comumente conhecidos como “mensalão”. O que se quer ressaltar aqui é que ao movimento dos fatos não houve uma correspondência de análises capazes de darem conta da complexidade do movimento de conservação-transformação que teve curso no Brasil nos últimos oito anos. A impressão que se tem é a de que o movimento conjuntural, impulsionado pela realização de uma política — com seus erros e acertos — movida muito mais pela percepção, pelo instinto e pela habilidade, não foi acompanhado por uma mediação reflexiva, o que teve claras consequências para a própria execução desta ação política.

Seria injusto, contudo, generalizar esse quadro. Não é possível adentrar nesse campo sem que mencionemos determinas análises conjunturais realizadas nos últimos anos, a partir de diferentes posições políticas, fundamentais para uma compreensão mais pormenorizada do que vêm representando os oito anos do Governo Lula para a história do país. Desde já é importante ressaltar que não pretendo esgotar a enumeração das mesmas, mas apenas destacar algumas que, a meu ver, parecem interessantes, no sentido de desvendar diferentes possibilidades de leitura de um período intrinsecamente marcado pela contradição. Para tanto, vale destacar as análises de conjuntura realizadas por Francisco de Oliveira, cuja caracterização do governo Lula como uma “hegemonia às avessas” (OLIVEIRA, 2007) — na medida em que a classe dominante aceitaria ceder o discurso político aos dominados, que Lula, em tese, representaria, sob condição de que os fundamentos da sua dominação não fossem questionados — foi radicalizada recentemente, alcunhada de “avesso do avesso” (OLIVEIRA, 2009), em decorrência da negação da política, que, cada vez mais administrativa e espetacularizada, não mais passaria pelo conflito de classes. O “lulismo”, dessa forma, seria a “vanguarda do atraso” e o “atraso da vanguarda”.

Luiz Werneck Vianna, por sua vez, vem desenvolvendo algumas análises nos últimos anos, que podem ser sintetizadas em sua caracterização do governo do PT como uma espécie de “viagem quase redonda”, pelo fato de o partido ter realizado uma releitura da sua própria história ao chegar ao governo, revalorizando o nacional-desenvolvimentismo, que antes tanto criticara, sem, contudo, reinventá-lo em uma chave progressista (WERNECK VIANNA, 2009a). As forças que deveriam apresentar a descontinuidade se tornaram as portadoras da continuidade, trazendo de volta a lógica política dos processos de modernização, com as mudanças sendo processadas pelo alto, tendo a consequência da subsunção do social ao Estado, que passa a processar e arbitrar os conflitos entre classes e frações de classes no interior do governo. Mais recentemente, Werneck Vianna retomou sua crítica à ordem grã-burguesa hoje vigente no país, que, embora contemplando os interesses de diversos segmentos da sociedade, tem sido marcada pela captura da política pelo Estado, sob a liderança de um chefe carismático, e pela condução de um processo de modernização a partir do alto, que, a despeito da retórica fraterna, não traz consigo o moderno, que suporia autonomia dos sujeitos na trama do social (WERNECK VIANNA, 2009b).

No campo da oposição, vale lembrar a análise de conjuntura realizada recentemente por Fernando Henrique Cardoso, publicada em diversos jornais do país, em artigo intitulado “Para onde vamos?”, que, não obstante vários equívocos, teve o mérito de superar o recorrente silêncio da oposição. O ex-presidente acusa o DNA do “autoritarismo popular” do atual governo por ir minando progressivamente o espírito da democracia constitucional, que suporia regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Cardoso retoma a crítica realizada outrora por Francisco de Oliveira (2003) à “nova classe” da burocracia sindical aninhada no Estado, tendo como base os fundos de pensão, todos fundidos nos altos-fornos do Tesouro, para proceder à sua crítica ao bloco que denomina como “subperonismo lulista”, do qual participariam partidos fracos, sindicatos fortes e fundos de pensão em convergência com os interesses de um partido no governo; um bloco para o qual atrairiam sócios privados privilegiados (CARDOSO, 2009).

Outras análises de conjuntura têm optado por encarar o Governo Lula a partir de um viés mais positivo, destacando os avanços que ocorreram nos últimos anos, não obstante apontem as contradições e os desafios no sentido de aprofundar as transformações ora em curso. Em um instigante artigo intitulado “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”, publicado na revista Novos Estudos, o cientista político e ex-porta voz da presidência, André Singer, apontou o “lulismo” como a execução de um projeto político marcado pela redistribuição de renda ao setor mais pobre da população, que não ameaça, contudo, a ordem vigente, devido à ausência da confrontação política e dos componentes clássicos das propostas de mudanças mais à esquerda (SINGER, 2009). A política macroeconômica mais conservadora executada nos últimos anos — sustentada nos juros elevados, austeridade fiscal e câmbio flutuante —, somada a uma ação distributiva do Estado, teriam conduzido a uma nova configuração ideológica, provocando um realinhamento da camada de baixa renda, denominada como “subproletariado”, em direção ao presidente Lula. Singer aponta, por um lado, para a possibilidade de o “lulismo” se consolidar para além do PT, ou, por outro lado, de o partido conseguir fazer convergir para a sua política esse segmento do subproletariado, que se somaria ao setor do proletariado organizado, dominante no partido.

Recentemente, uma nova obra, Brasil, entre o passado e o futuro, organizada por Emir Sader e Marco Aurélio Garcia (Ed. Boitempo & Fundação Perseu Abramo), veio se somar a este cenário de análises conjunturais. Diante do atual quadro de escassez destas formas de análise mais sistematizadas sobre o Governo Lula, é meritória a aparição desta obra. Dividida em seis capítulos escritos por intelectuais próximos ou pertencentes ao governo Lula e ao Partido dos Trabalhadores, além de uma entrevista com a ministra-chefe da Casa Civil e candidata Dilma Rousseff, esta obra busca mapear a experiência do governo Lula em diferentes áreas. Como não poderia deixar de resultar em um livro com este objetivo e com o elenco que o conduz, mesclam-se artigos bons, marcados por uma análise mais detalhada dos últimos anos, com outros que atingem resultados menos satisfatórios, sobretudo quando ao papel do analista se substitui o personagem ufanista. Mas, no quadro geral, o resultado é interessante e permite vislumbrar de que maneira setores da intelectualidade próximos ao Governo encaram a dialética conservação-transformação, que teve curso nos últimos oito anos no Brasil.

Emir Sader abre o livro com um artigo intitulado “Brasil, de Getúlio a Lula”, no qual discute algumas similaridades entre estes dois governos, principalmente em relação à prioridade conferida às políticas sociais, à construção de um projeto nacional-desenvolvimentista e à formulação de um discurso popular. Este artigo é curioso, na medida em que mostra uma leitura de um intelectual vinculado ao PT valorizadora da obra de Getúlio Vargas, quando, paradoxalmente, o PT nasce rejeitando o varguismo e sua política populista e nacionalista, que se sobreporia aos interesses classistas vigentes na sociedade. Não obstante esta observação e também um tom demasiadamente otimista, o artigo de Sader tem o mérito de destacar o fato de o governo Lula ser marcado por rupturas e continuidades, caracterizando o que ele denomina como uma “era híbrida”, abrindo novas possibilidades de conquistas caso o projeto ora em curso tenha continuidade.

Nos artigos “O Brasil herdado”, de Jorge Matoso, e “A sociedade pela qual se luta”, de Marcio Pochmann e Guilherme Dias, confere-se maior destaque à comparação entre os governos de FHC e de Lula, buscando destacar, sobretudo no caso do segundo, alguns desafios colocados para os próximos anos no sentido da construção de um novo padrão civilizatório. Matoso se esforça por traçar uma comparação com os anos de FHC, enfatizando as transformações ocorridas nas áreas do emprego, renda e desigualdade, na política habitacional e na questão das privatizações. Já Pochmann e Dias destacam que o recente processo de reconstrução do Estado, acompanhado de políticas macroeconômicas de viabilização da expansão produtiva e de inclusão social, tem permitido ao país voltar a se constituir como fruto de um projeto novo de desenvolvimento de sociedade para todos e, também, como liderança no contexto global. O valor deste artigo diz respeito às sugestões relativas à construção de uma agenda civilizatória nesta “sociedade pós-industrial”, relacionadas à adequação do fundo público para políticas sociais e às transformações no mercado de trabalho, com foco no ingresso mais tardio por parte da juventude no emprego, na educação ao longo da vida, na redução da jornada de trabalho e na expansão das atividades ocupacionais socialmente úteis à sociabilidade.

No artigo “A inflexão do Governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda”, Nelson Barbosa e José Antonio Pereira de Souza escrevem talvez a melhor análise do livro, buscando demonstrar o fato de o Brasil ter iniciado no Governo Lula uma nova fase de desenvolvimento econômico e social, em que se combinam crescimento econômico e redução nas desigualdades sociais, tendo como característica principal a retomada do Estado no estímulo ao desenvolvimento e no planejamento de longo prazo. Os autores discutem os embates existentes no interior do Governo, procurando enfatizar de que forma, a partir do segundo mandato, passa a prevalecer uma política desenvolvimentista, pautada na adoção de medidas temporárias de estímulo fiscal e monetário para acelerar o crescimento e elevar o potencial produtivo da economia, na aceleração do desenvolvimento social por intermédio da ampliação das transferências de renda e elevação do salário mínimo, bem como no aumento do investimento público e recuperação do papel do Estado no planejamento de longo prazo.

Os outros dois artigos que compõem o livro são escritos pelo ministro Luis Dulci, “Participação e mudança social no Governo Lula”, e pelo­­­­­ assessor de política externa do Presidente da República, Marco Aurélio Garcia, “O lugar do Brasil no mundo: a política externa em um momento de transição”. No primeiro texto, Dulci discute a ampliação da participação popular que teve curso recentemente no país. Para tanto, ele destaca o fato de terem ocorrido no Governo Lula 63 conferências nacionais, que mobilizaram diretamente, em suas várias etapas, mais de 4,5 milhões de pessoas em cerca de 5 mil municípios, além da criação de diversos canais institucionais, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Todas essas modificações teriam aberto caminho para a garantia tanto dos direitos econômicos e sociais “clássicos” — emprego, salário, proteção social, educação e saúde públicas —, quanto dos chamados “novos direitos”, relacionados à igualdade étnica e de gênero, respeito à diversidade sexual, reconhecimento das demandas próprias da juventude, dos idosos e das pessoas com deficiências.

Marco Aurélio Garcia, por sua vez, se detém na análise da política externa do Governo Lula, cuja prioridade, de acordo com ele, foi a aproximação com os países da América do Sul — que permitiu o fortalecimento do Mercosul e a criação de organismos como a Unasul e o Banco do Sul — e o foco na construção de um mundo multipolar. O autor enfatiza os aspectos positivos dessa política — que, ao fim e ao cabo, talvez tenha, de fato, se configurado como uma das áreas de atuação mais progressista do governo —, deixando de lado, contudo, a problematização de assuntos polêmicos, como a questão da repressão dos dissidentes em Cuba.

Para finalizar, há uma entrevista com a ministra Dilma Rousseff, “Um país para 190 milhões de brasileiros”, na qual a candidata tece comparações com o período anterior, destacando quatro movimentos estruturais que teriam diferenciado o Governo Lula, vinculados ao crescimento da economia com estabilidade, à expansão do mercado interno, à reinserção internacional do país e à redefinição das prioridades do gasto público.

Não é nossa pretensão realizar aqui uma análise detalhada e crítica de cada artigo do livro, até mesmo porque ele abarca assuntos diversos, indo desde a política econômica e social, até a política externa, passando pelas mudanças sociais no sentido do aperfeiçoamento dos canais democráticos. O que importa ressaltar é que, a despeito dos méritos existentes na obra, a grande parte dos artigos nela contidos, incluída a entrevista de Dilma Rousseff, ao colocarem ênfase excessiva sobre os aspectos positivos do governo, não tiveram tanto êxito na compreensão deste governo composto por contrários, marcado pela dialética conservação-transformação, que consegue caminhar na corda bamba, sobretudo devido à capacidade de Lula de se equilibrar entre os extremos, arbitrando os conflitos de interesses que emergem na sociedade. Dessa forma, os aspectos positivos que foram transformados sobressaem com maior destaque, ficando para segundo plano a problematização daquilo que permanece estruturalmente e que contribui para manter o país ainda como uma das nações mais desiguais do mundo.

É importante destacar que não se pretende, de forma alguma, negar aqui os avanços significativos que ocorreram nos últimos anos no Brasil, sobretudo a partir do segundo mandato do presidente Lula, no que tange às questões relativas às políticas sociais, à expansão do mercado interno e ao fortalecimento do Estado, com o estabelecimento de programas como, por exemplo, o PAC, o PDE e o Pronasci. Entretanto, a política executada não foi capaz de enfrentar talvez uma das principais tarefas de um governo de esquerda, qual seja, a de oferecer possibilidades concretas de empoderamento da sociedade — sobretudo daqueles setores beneficiados pelos programas sociais e que se identificam com o “lulismo” —, promovendo um efetivo processo de socialização da política e politização da sociedade. Não temos espaço para problematizar este ponto, mas basta, por ora, assinalar o pouco empenho por parte do Executivo na realização de uma reforma política capaz não apenas de moralizar o jogo político, mas de ampliar os mecanismos democráticos de deliberação. Nos últimos anos, a despeito do aumento de canais institucionais de participação — como demonstrando no artigo de Luis Dulci —, da ascensão social de milhares de pessoas em decorrência das políticas sociais e do fortalecimento de alguns movimentos sociais — em especial, dos sindicatos —, não ocorreu um processo contínuo de organização e animação da vida associativa e popular, de modo que os temas e atores emergentes de baixo pudessem pressionar e disputar os rumos políticos do país na esfera pública.

Apesar desses aspectos, é importante que este livro tenha vindo à tona, sobretudo para que sejam estimuladas a elaboração de novas análises conjunturais mais sistemáticas que sejam capazes de compreender com maior clareza o que representou não apenas o “lulismo”, mas também a experiência do maior partido de esquerda do país no poder, e qual o legado de ambos para o país, para a esquerda, em geral, e para os movimentos sociais e o Partido dos Trabalhadores, em particular. Ademais, é fundamental que essas análises tragam como pano de fundo a investigação sobre o que significa um projeto de esquerda no mundo contemporâneo e quais foram os avanços ocorridos nos últimos anos que devem ser aprofundados e o que ainda necessita ser transformado.

Nesse sentido, fica aqui uma provocação: apesar da necessidade do fortalecimento do Estado, como decorrência da execução das políticas neoliberais da década de 1990, os setores da esquerda estariam condenados ad eternum a um discurso “estatista”, cuja agenda máxima se encerra em um programa nacional-desenvolvimentista construído por cima? Por mais importante e avançada que seja esta agenda — como o comprovou a recente crise financeira —, ela não dá conta de oferecer o caminho possível para uma sociedade socialista. Esse debate acerca do projeto, das táticas e estratégias para a construção de uma política que implique não apenas o robustecimento do Estado, mas também a mobilização da vida associativa no país, ainda necessita de uma maior expansão não apenas por parte da esquerda agora no poder, mas dos setores progressistas da sociedade como um todo.

As eleições estão se aproximando. As candidaturas colocadas até o presente momento, em especial aquelas favoritas, representadas por Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), não apontaram ainda para esse caminho. Elaborando seus discursos do ponto de vista único e exclusivo do plano do desenvolvimento nacional — o que, reitero, é ainda de suma importância —, até agora não foram capazes de apresentar uma plataforma política que, sem abdicar do fortalecimento do Estado e do combate intenso às desigualdades sociais ainda vigentes, seja capaz de ampliar os espaços para o exercício da soberania popular, implicando uma extensão cada vez mais progressiva da democracia política e social no país.

Fernando Perlatto é doutorando em Sociologia no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e Pesquisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (Cedes/Iuperj).


Bibliografia

BRAUDEL, Fernand (1976). “A longa duração”. In: ---------. História e ciências sociais. 2. ed. Lisboa: Presença, p. 7-70.

CARDOSO, Fernando Henrique (2009). “Para onde vamos?”. O Globo, 02/11/2009.

GRAMSCI, Antonio (2000). Cadernos do cárcere – V. 3: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

OLIVEIRA, Francisco (2003). Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo.

---------- (2007). “Hegemonia às avessas”. Revista Piauí, n. 4, janeiro, p. 56-7.

---------- (2009). “Avesso do avesso”. Revista Piauí, n. 37, outubro, p. 60-2.

WERNECK VIANNA, Luiz (2009a). “A viagem (quase) redonda do PT”. Jornal de Resenhas, jul., p. 12-4.

---------- (2009b). “Tópicos para um debate sobre conjuntura”. Política Democrática, n. 25, p. 16-9.

Os maus conselhos que as pesquisas dão :: José Nêumanne

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Diante dessa constatação, convém guardar alguns cuidados quanto à utilização sem critério das pesquisas de opinião pública sobre a preferência do eleitor em relação às opções que lhe são apresentadas nas disputas por cargos e mandatos no Executivo. Essas pesquisas são um importante instrumento de informação dos cidadãos sobre as tendências de alguma eleição, mas podem também vir a representar um perigoso meio de distorcer a verdadeira natureza do confronto entre plataformas e ideias dos candidatos.

Um episódio em evidência neste instante demonstra com clareza a necessidade de proteger a higidez das instituições democráticas e o funcionamento adequado da máquina pública da influência negativa que os índices de popularidade ou desprestígio podem provocar. Contra tudo o que demonstra a experiência histórica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se aproxima do último meio ano de seu segundo governo tendo batido um recorde inimaginável de popularidade de 76% (segundo o Instituto Datafolha). Não é o caso de discutir seus méritos para tanto e tampouco de procurar as razões desse fenômeno. O caso aqui é flagrar o efeito maléfico que isso está provocando na postura do chefe de governo na gestão dos negócios públicos.

Gozando de prestígio popular nunca antes usufruído na História deste país, noço impermeável guia dos povos da floresta tropical, do cerrado e da periferia urbana age como se fosse sócio de Deus e imune a reparos, até mesmo quando os próprios enganos são devidamente comprovados. Nem ao papa, nestes tempos de contestação da autoridade religiosa, é atribuída a premissa da infalibilidade absoluta que Lula quer ter. Sua reação à decisão da Justiça Eleitoral de repreendê-lo pela óbvia violação da igualdade de oportunidades por sua candidata, lançada em campanha não iniciada, é uma evidência de seu menosprezo à definição clássica de que a democracia é o império da lei. A letra fria da norma tem de prevalecer sobre emoções e ambições de qualquer um, a dele também.

As multas aplicadas para sancionar suas faltas, primeiro, de R$ 5 mil e, depois, de R$ 10 mil, são ínfimas, se comparadas com a fortuna que o Partido dos Trabalhadores (PT) se dispõe a gastar para levar Dilma Rousseff a subir a rampa do Planalto. Mas têm o valor simbólico de mostrar à Nação que o chefe de governo não pode tudo e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se esforça para assegurar uma disputa limpa, sem abuso de poder econômico de nenhuma parte. O presidente recorreu contra a decisão e mofou dela em público. Entre a primeira e a segunda, provocou a gargalhada dos áulicos que o aplaudem nos ambientes controlados por seus fiéis prosélitos ao lamentar que não possa citar o nome de ninguém para não ser multado. E, depois da reincidência flagrada, perguntou a outros devotos fãs quem dentre eles se disporia a pagar a sanção em seu lugar. Houve até quem lembrasse que o presidente se acostumou mal quando seu amigo Paulo Okamoto, então tesoureiro do PT, pagou, no lugar dele, outra multa dessas. O garante da manutenção da ordem constitucional violar a lei é falta grave. Debochar da Justiça montado em índices de popularidade, um acinte imperdoável.

Se o sucesso turva o bom senso de Lula, o pavor do fiasco leva o PSDB a cometer, a pretexto das pesquisas, outro erro crasso. Ao responder "esquece Fernando Henrique" à pergunta de repórter da Folha de S. Paulo sobre a ausência do ex-presidente entre os oradores da convenção em que os tucanos ungirão o governador de São Paulo, José Serra, seu candidato ao posto de Lula, o presidente nacional do partido, Sérgio Guerra, cometeu uma grosseria, uma ingratidão e uma estupidez, de uma vez.

Sua vítima entrou na História do Brasil ao pilotar o Plano Real, que dizimou a inflação, o rato que roía a roupa e o prato do povo pobre, e este, grato por isso, o elegeu duas vezes para o poder máximo no País. A recente impopularidade do ex-presidente nas pesquisas que chegam ao conhecimento da cúpula tucana em nada muda isso nem o fato inquestionável de que a privatização que ele realizou inseriu a população carente no universo de consumo nunca antes sequer ambicionado por ela. O ofuscante prestígio eleitoral de seu sucessor o afastou do topo da preferência popular, mas não elimina o fato histórico de que foi em sua gestão que se plantaram as bases sobre as quais Lula construiu sua obra aplaudida e de êxito indiscutível. Cabe ao PSDB resgatar a História, mostrando ao eleitor a relação de causa e efeito entre a herança bendita que Lula administrou bem e a paz gozada pelo brasileiro, hoje capacitado a planejar seu orçamento doméstico sem temer o fantasma dos índices inflacionários. Ao ocultar a própria história, o alto tucanato comete suicídio estulto, pois é estúpido imaginar que um eleitor vote em Dilma só porque Fernando Henrique apoia Serra.

Jornalista e escritor, é editorialista do "Jornal da Tarde"

Três embaraços para Dilma:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Embora cresça na aceitação do eleitorado à medida que vai se tornando conhecida e tenha seu nome associado ao do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a candidata Dilma Rousseff vê sua campanha embrenhar-se, na atual fase, em problemas políticos profundos e muito precoces para uma jornada que nem sequer começou oficialmente.

Um dos obstáculos de transposição mais difícil é a definição do candidato a vice-presidente, a ser buscado no PMDB, segundo garantem os assessores políticos, a partir da real possibilidade de aliança formal desse partido com o PT. Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, queria demais o cargo e trabalhou durante os últimos meses para viabilizar-se. Ingressou no PMDB para credenciar-se melhor à tarefa, mas o partido não abriu mão da indicação do presidente da Câmara, Michel Temer, para compor a chapa com Dilma caso a aliança seja formalizada. Deu espaços para Meirelles - senador ou governador por Goiás, por exemplo - mas ele não os aceitou.

Diante disso e, principalmente, por ter personalidade pouco afeita à subjetividade da política, sem querer arriscar-se e sem nenhuma garantia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua candidata de que terá o apoio para realizar seus desejos, Meirelles deve anunciar hoje que fica no BC para atender ao "apelo" do presidente e ir com ele até o fim do mandato.

O problema maior da campanha de Dilma nesse quesito do vice, porém, não foi descontentar Meirelles, mas fazer uma desfeita, que está prestes a sacramentar, ao próprio Lula. A solução "Temer na vice" desagrada em gênero, número e grau ao presidente e único fiador da candidatura Dilma.

Lula se reaproximou do PMDB, é verdade - depois do rompimento no primeiro mandato -, e fez de Temer o canal formal das negociações com o partido. Mas nunca se deu, não se dá hoje, e não emite sinais de que estabelecerá no futuro um canal político de confiança com o presidente da Câmara.

Temer, como vice, se vier a ser o nome da aliança PT-PMDB, terá que ser empurrado goela abaixo do presidente. E não é uma fissura de hoje. Em 2003, quando José Dirceu tentou acertar a aliança com o PMDB e levar o partido para dentro do governo petista, Lula perguntou-lhe se era todo o PMDB, ou só uma parte, e se Temer estava no acordo. Diante da resposta positiva, o presidente decidiu que teriam que procurar outros partidos.

De lá para cá, a trajetória de Temer avançou na aproximação com o presidente porque ele fundiu melhor sua imagem com a do PMDB, unificando as correntes. Mas há pouquíssimo tempo, quando teve oportunidade, Lula voltou a alfinetá-lo, pedindo uma lista tríplice para escolha do candidato a vice. Não é mesmo, está mais do que claro, uma convivência desejada.

Outro nó a ser dasatado por Lula é a candidatura presidencial de Ciro Gomes, em cujo pescoço o PSB ainda não pendurou o guizo da não candidatura a presidente. Enquanto não o faz, assiste aos sobressaltos o candidato atacar Dilma Rousseff e o PT, prováveis aliados, com grande desenvoltura. Nenhuma surpresa, pois foi exatamente para evitar isto que PSB e PCdoB levaram a Lula a ideia de transferir Ciro para a disputa de São Paulo. O problema é que esta fase de resistência na disputa nacional se torna longa e os ataques ao PT estão chegando a um ponto em que, se Dilma vencer, Ciro não terá mais condições nem de integrar o seu ministério.

Um outro obstáculo de peso à fluência e distensão política na campanha do PT tem sido a solução para o palanque de Dilma Rousseff em Minas Gerais. Há problemas para unificar o PT no Estado, que persistem, mesmo com a aparente solução a partir da desincompatibilização de Patrus Ananias, anunciada ontem. O grupo que faz assessoria política a Dilma está apreensivo com a demora das definições. Mesmo que as candidaturas se acomodem como nos melhores devaneios desses assessores - Hélio Costa candidato ao governo, Fernando Pimentel ao Senado e Patrus Ananias à Câmara - o que o governo mais quer é ter um palanque muito forte para segurar o governador Aécio Neves na disputa em Minas. Aécio longe da disputa nacional e da chapa presidencial do PSDB, preso à campanha em Minas para fazer o seu sucessor, é tudo o que deseja a campanha de Dilma, e não há uma garantia de que isso vá ocorrer agora.

"Com um só palanque, temos chances não só de ganhar no primeiro turno como de segurar o Aécio em Minas. Se tivermos dois palanques, um do PMDB e um do PT, a eleição se decidirá no segundo turno", avalia um dos coordenadores da campanha petista.

As soluções para a Vice, para a dupla candidatura governista à Presidência, e para Minas, não têm prazo esgotando-se agora com a desincompatibilização, o que pode levar mais tensão ao staff político da ministra. São questões que podem ser empurradas para junho.

Nonsense

Os candidatos podem se deparar com absurdos legais em cada uma das etapas da campanha mas o que a lei marca para esta semana é um dos maiores. Esgota-se praticamente hoje, tendo em vista os feriados da Páscoa, o prazo de desincompatibilização dos cargos executivos para quem vai disputar as eleições de outubro.

A lei obriga a demissão seis meses antes do pleito porque, supostamente, o candidato deve iniciar sua campanha e não pode misturá-la com a atividade pública que exerce. Mas as campanhas estão proibidas, pela lei, até julho, o que joga todos eles, e seus eleitores, no território da hipocrisia que já vinham frequentando até aqui.

O candidato deve sair porque está começando a campanha e seus aliados desejam que se entregue a ela, mas está proibido pela lei de fazê-la.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Serra fará balanço em tom emotivo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não vai ter "numeralha", afirma o tucano sobre a cerimônia em que vai se despedir do governo de São Paulo

Christiane Samarco, Julia Duailibi

Pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra quer se despedir do governo falando diretamente ao eleitor paulista. O discurso que fará hoje, no Palácio dos Bandeirantes, não será um balanço recheado de números, mas uma prestação de contas em tom político, que lhe permita falar com emoção.

"Eu não vou fazer balanço. Numeralha não vai ter", afirmou ao Estado o governador. O PSDB mobilizou 5 mil militantes para prestigiar a cerimônia em que ele anunciará a saída do governo e, por tabela, assumirá a candidatura presidencial. A ideia é mostrar que, no cenário nacional, ele "fará acontecer" muito mais por São Paulo e pelo Brasil.

Ontem, em evento para anunciar a liberação de R$ 53 milhões em convênios com 221 municípios, Serra deu o tom do que deverá ser sua despedida. "Saio triste. Não estou contente de deixar o governo de São Paulo. Me dei bem no governo. Fiz muita coisa, sempre com muita dedicação. Sempre fui caxias", disse.

Acompanhado dos principais assessores, homenageou a equipe com um autoelogio. "Tenho defeitos e virtudes, como todo mundo. Mas uma virtude é que eu sei montar equipe." Afirmou que ele é o "marechal" e que os secretários Francisco Luna (Planejamento) e Aloysio Nunes Ferreira (Casa Civil) são os "generais".

Hoje, tal como o fez na solenidade da véspera, deve repetir que está tranquilo porque assumirá o governo o vice, Alberto Goldman, que é para ele "mais que o braço direito".

Evento. Ontem o Palácio dos Bandeirantes já se preparava para o evento, com a chegada de TVs de plasma, banheiros químicos e telões por onde o discurso será retransmitido para outros ambientes do palácio. Dentro, no Auditório Ulysses Guimarães, são esperadas cerca de 2.000 autoridades, como prefeitos, presidentes das Câmaras municipais e líderes tucanos e de partidos aliados ? foram enviados 4.000 convites pelo Palácio dos Bandeirantes.

A programação inicial era um discurso de Serra no auditório e outro para o público que o estará no jardim. O Palácio dos Bandeirantes não forneceu o custo do evento de despedida.

Anteontem, o diretório estadual expediu aviso aos militantes para que evitem ir com bandeiras e símbolos do partido ao evento para não caracterizar campanha eleitoral antecipada. "O desejo da militância é compartilhar desse momento excepcional", disse o secretário-geral do PSDB paulista, César Gontijo. O partido, que não tem uma tradição de militância como o maior adversário, o PT, conta com 170 mil filiados no Estado.

Serra lança marca de que "faz acontecer"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Catia Seabra

O governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência, José Serra, deu ontem, na vistoria que fez ao trecho Sul do Rodoanel, mostra do que deve ser o mote de sua campanha: "fazer acontecer".

Na véspera do ato de despedida no Palácio dos Bandeirantes, Serra explorou uma queixa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - de que é "um transtorno" fazer grandes obras no país - para tentar passar uma imagem de empreendedor e dar uma alfinetada na adversária, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT).

"Ontem, o presidente Lula falava na dificuldade de fazer obra no Brasil, no número de anos que demora. Não basta só ter dinheiro. A gente sabe disso. Pois aqui, foi dada uma demonstração no nosso governo de competência para fazer acontecer", ironizou Serra, acrescentando que a obra fora aprovada "por todos os órgãos de controladoria do Brasil".

Ao dizer que concorda com Lula, Serra criticou, indiretamente, o ritmo do PAC, contrapondo-se à ministra. "O problema que o Lula apontou é real. Isso valoriza ainda mais a realização que hoje mostramos à nossa população".

No discurso, Serra descreveu sua trajetória para afirmar que está na vida pública para melhorar a vida das pessoas. Segundo aliados, esse deve ser o tom da despedida.Serra diz que hoje não fará um balanço exaustivo, mas usar os investimentos - na área de infraestrutura, meio ambiente e qualificação profissional - como exemplo de capacidade empreendedora em favor dos desfavorecidos.

Buscando um tom informal, deverá fazer um agradecimento, falar da tristeza da saída e investir na ideia do "dever cumprido". "Saio melhor do que entrei. Com mais energia".No discurso - que será exibido pelo portal do governo - Metrô e vicinais surgirão como prova do esforço para que o trabalhador ganhe tempo.

O ajuste fiscal, como instrumento para que se façam mais obras. Serra enfatizará educação profissionalizante como ferramenta de emancipação.

Além das obras realizadas, Serra pediu aos secretários uma lista de ações em andamento. "O governo não acaba agora".

Vannuchi afirma que imprensa age como "partido de oposição"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Presidente da ANJ rebate críticas e diz que jornalismo deve ser livre e pluralista
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, criticou ontem a imprensa ao dizer que, no Brasil, ela vem agindo "como uma espécie de partido de oposição". "[A imprensa] vem confundindo um papel que é dela -informar, cobrar e denunciar- com o papel do protagonismo partidário, que é transformar isso em ações de conteúdo unilateral", disse, durante apresentação do 3º PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos) na Procuradoria Geral da República.

Vannuchi citou associações ligadas a jornais, revistas e TVs e também a presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Judith Brito, que é diretora-superintendente da Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha

. Ele fez uma referência à participação da presidente da ANJ durante um evento realizado em São Paulo, há duas semanas, para discutir o plano de direitos humanos.

"A presidente da ANJ, Judith Brito, fala exatamente o que eu vinha dizendo como crítica. Ela fala: "Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos. Por isso estamos fazendo [isso]"", disse Vannuchi.

Desde o início deste ano, o Plano Nacional de Direitos Humanos é alvo de críticas de diversos segmentos, inclusive da imprensa. Entidades ligadas a jornais, revistas e TVs questionaram itens do plano que poderiam colocar em risco a liberdade de imprensa.

Apesar das críticas, o ministro declarou que a liberdade de imprensa precisa ser "ampla, plena e completa" e negou que o plano vise limitá-la.

A presidente da ANJ, Judith Brito, respondeu às críticas dizendo que o que a entidade tem feito é "defender a liberdade de expressão, frente às seguidas tentativas do governo de criar regras para controlar os veículos de imprensa e os jornalistas". "Nos últimos anos, foram vários os projetos nesta direção, como o Conselho Nacional de Jornalismo, medidas da Confecom e tópicos polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos", afirmou.

"O jornalismo sério num país democrático precisa ser livre, porque sem liberdade não há investigação, nem opinião. Deve também ser pluralista. Esse papel da imprensa é exercido igualmente em relação ao governo e à oposição", disse a presidente da ANJ.

Substituta de Dilma terá de depor sobre dossiê anti-FHC

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Erenice Guerra, que assume a Casa Civil, mandou fazer pesquisa sobre gastos de tucanos


Planilha foi confeccionada para defender o governo em CPI que investigou os gastos de ministros do governo Lula com cartões corporativos



Fernanda Odilla e Andreza Matais


Da sucursal de Brasília


A nova ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, será convocada a prestar esclarecimentos no processo que investiga a confecção e vazamento de um dossiê com gastos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Erenice, que assume hoje no lugar de Dilma Rousseff, e outras seis pessoas serão ouvidas pela Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal. Depois de um ano e três meses suspensa, a investigação será retomada com acareação e novos depoimentos.

Como a Folha revelou em 2008, foi Erenice, como secretária-executiva da Casa Civil, quem mandou confeccionar o dossiê que reuniu informações sigilosas de gastos do casal FHC e Ruth Cardoso com cartões corporativos. Ela sempre negou se tratar de um dossiê, classificando o documento como "banco de dados".

O arquivo com observações políticas foi montado para municiar congressistas aliados do governo na CPI dos Cartões Corporativos, criada para apurar irregularidades no governo Lula. O dossiê era uma resposta às denúncias envolvendo ministros que usaram dinheiro público para gastos pessoais.

O escândalo derrubou a ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), que usou o cartão corporativo num free shop. O ministro Orlando Silva (Esportes) utilizou dinheiro público para comprar tapioca. Depois da revelação, devolveu a verba.Na sexta passada, o Ministério Público Federal encaminhou ofício à Justiça, pedindo que, em 90 dias, a polícia faça acareação entre duas pessoas que já prestaram depoimento e interrogue sete, entre elas, Erenice. Ontem, a Justiça remeteu o inquérito à PF para que sejam feitos os interrogatórios.

As investigações da PF estavam suspensas desde julho de 2008, quando o juiz José Aírton de Aguiar Portela (12ª Vara Federal) decidiu remeter o inquérito ao STF (Supremo Tribunal Federal), por achar que havia indícios para incluir ministros entre os investigados.

Em junho de 2009, o STF devolveu o inquérito sigiloso à primeira instância por entender que não havia elementos para incluir entre os suspeitos nem Dilma nem os ministros Tarso Genro (Justiça), Paulo Bernardo (Planejamento) e Jorge Hage (Controladoria-Geral da União). Desde então, o inquérito estava parado no Ministério Público Federal.

Como Erenice deverá assumir o ministério amanhã, o processo pode retornar ao STF caso a Justiça entenda que ela teve participação.

Até agora, 16 testemunhas depuseram. O único indiciado foi o então secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Pires, por quebra de sigilo funcional. Segundo a polícia, foi ele quem repassou o dossiê por e-mail ao Senado. À PF Pires reconheceu que o e-mail saiu da máquina dele "sem dolo ou má-fé".

Ao delegado Sérgio Menezes, promovido e transferido no meio do caso de Brasília para São Paulo, Pires disse que não dispunha da informação de que a ordem para fazer o levantamento partiu de Erenice.

A declaração contradiz o depoimento de André Fernandes, o funcionário do Senado que recebeu o e-mail com a planilha. Fernandes contou à PF que, num almoço, Pires disse ter sido Erenice a responsável pelo dossiê. A acareação será entre Pires e Fernandes.

Serra entrega obra que 'passou por crivo do TCU'

DEU EM O GLOBO

Tucano inaugura Rodoanel com críticas indiretas a Lula e Dilma, que têm reagido às fiscalizações do tribunal

Flávio Freire


SÃO PAULO. Numa inauguração antecipada do trecho sul do Rodoanel, que será aberto amanhã de manhã ao tráfego, o governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, deu estocadas no governo federal e na petista Dilma Rousseff, sua adversária. Em cima de um palanque montado sobre a ponte que atravessa a Represa Billings, Serra criticou indiretamente o governo Lula, ao citar a situação jurídica da obra.

Esta obra passou pelo crivo do TCU, do TCE e do MP, o que prova que nós temos competência disse ele.

O presidente Lula recebeu críticas da oposição por ter inaugurado obras que estariam inacabadas e que estão sob investigação do TCU por suspeita de irregularidades como a Refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná. Lula também já criticou os tribunais de contas por interromperem projetos sob suspeita de sobrepreço, entre outros problemas.

Serra também alfinetou indiretamente o governo Lula, que vem sendo acusado de usar a máquina pública com fins eleitorais, na série de inaugurações e visitas feitas por Lula e Dilma. Ontem, do alto do palanque, ele pediu aos trabalhadores da obra para que deixassem de gritar o slogan Brasil urgente; Serra presidente e que fosse evitado o clima de campanha antecipada.

Aqui não queremos campanha eleitoral antecipada, nem de um lado, nem do outro.

Se o outro faz, a gente fica quieto disse ele.

A cerimônia reuniu dezenas de assessores, secretários de estado e prefeitos da região, entre eles o ex-ministro Luiz Marinho (PT), de São Bernardo do Campo.

A festa teve ainda lançamento de bolas de gás, desfiles de caminhões da Formula Truck.

Hoje, o PSDB promete reunir no Palácio dos Bandeirantes cerca de 6 mil pessoas no evento em que Serra prestará contas de sua gestão, da qual se afastará para disputar a Presidência.

Numa prévia do que acontecerá hoje no Palácio dos Bandeirantes, ontem, no palanque do evento do Rodoanel, Serra lembrou de sua trajetória política.

O trecho sul do Rodoanel custou R$ 5,03 bilhões. O governo federal participou com 24% do investimento. A conclusão dessa obra (que inclui134 pontes, túneis ou viadutos) deve desafogar o trânsito da capital paulista, desviando o tráfego de caminhões que vem do interior rumo ao Porto de Santos. São 61,4 quilômetros de extensão; a previsão é que16,5 mil caminhões e 55,5 mil veículos de passeio devam passar no local diariamente.

Serra agradeceu o governo federal pelo aporte de dinheiro.

O governo federal investiu R$ 1,2 bilhão nessa obra. É um valor substantivo.

Serra fez questão de elogiar a sua equipe. Disse que a obra só foi possível porque o ex-governador Geraldo Alckmin deixou a casa arrumada. Afirmou que tem no vice-governador, Alberto Goldman, mais que um braço direito.

Ele é o lado direito do cérebro elogiou, referindo-se a Goldman, que assumirá o governo de São Paulo hoje.

Serra ainda destacou o trabalho do chefe da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira, que ficou à frente de todas negociações com os prefeitos e a base de deputados da Assembleia Legislativa. Aloysio deverá ser um dos coordenadores da campanha de Serra.

Um horário nada gratuito:: Stepan Nercessian

DEU EM O GLOBO

Costurar alianças talvez seja uma das expressões mais usadas na política.

Em tempos de eleição então nem se fala. Depois, costuram se alianças para garantir a governabilidade e a ingovernabilidade também. As alianças nem sempre são feitas de um mesmo metal. Tem ouro e lata. A arte da ourivesaria política é conseguir fazer dar liga entre materiais incompatíveis e de preferência que o resultado final guarde características de tudo que foi usado na confecção da obra, sem deixar que a lata destrua o ouro e vice-versa.

É bastante simples fazer política não estando na política. De fora, tudo é nítido. O conservador, o esquerda, o direita e o volver. Verde que te quero verde, o corrupto, o canalha, o idealista, o padre sem batina, o pastor do dízimo com quem andas que eu te direi quanto vales. De perto é que o foco começa a perder a nitidez.

Ganha um doce qualquer político ou eleitor do Brasil que conseguir dizer em dez minutos o nome de todos os partidos existentes na atualidade. Se conseguir decifrar a ideologia de cada um aí tem direito a passar 24 horas sendo o Eike Batista.

Aqui vai uma mostra para quem estiver interessado:
panpcopcdobpcbpdtdemphsprpmdbpmnpppronappsprtbprpprbpsbpscpsdcpslpsdb... e por aí vai.

Essa lista é de 2006. A esta hora alguns já podem ter sido abduzidos e outros criados. Mas se quer ganhar o prêmio vá pesquisar.

Pois bem. É com essa matéria prima que se constroem as alianças políticas no Brasil. E, também com ela, a governabilidade.

Todos têm em comum uma preciosidade que é o tempo de televisão.

Cada segundo vale ouro e muitas vezes a secretaria de saúde ou segurança pública.

Um minuto no horário eleitoral equivale, por exemplo, ao Ministério da Agricultura. Quem entrar com cinco minutos pra trocar leva Furnas, Petrobras, Banco do Brasil e uma mariola de gorjeta. E o bom é que ninguém fica de fora.

Se tiver mais partido do que cargos, criam-se mais e mais ministérios, secretarias, autarquias. As alianças não podem deixar nada de fora.

Trabalhando como ator há quarenta e dois anos, dirigindo uma coisa ou outra, aprendi que um dos mistérios do sucesso em TV, cinema, teatro é saber escolher o elenco, escalar o elenco. Quando isso acontece, a gente diz que deu liga, pintou a química.

Pois bem, assistindo a um programa eleitoral, com as escalações atuais, o diretor seria demitido. Fica incompreensível para o espectador, não dá para entender a trama.

Tem de tudo um “porco”.

Que mera bucha vira canhão, o mocinho abraça o bandido, a mocinha beija o vilão, o vilão é amado, o herói vaiado e nem Janete Clair daria jeito na trama.

Só que desta vez o espectador é eleitor também. Ele precisa escolher entre tantos produtos o que vai levar pra casa. Casas legislativas, palácios, mensalões. Mas, pobre eleitor consumidor, a trama está confusa, tá difícil de escolher. E pior: muitos dos produtos oferecidos sequer têm garantia de quatro anos.

Tal qual em um BigBrother ele é chamado a participar, opinar, escolher e para por aí. O vencedor leva um mandato, os eliminados serão recompensados. Um carguinho aqui, um carguinho acolá.

Infelizmente o horário eleitoral virou moeda de troca. Nada de alianças programáticas, nada de coerência ideológica e de princípios. O importante é garantir audiência. E ainda há quem tenha coragem de chamar este horário de gratuito! Ele custa caro, muito caro. Mas neste mundo de celebridades o importante é aparecer.

Quanto às alianças, cuidado, geralmente se transformam em algemas quando o casamento não é feito por amor.

Stepan Nercessian é ator, vereador (PPS) e vice-presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Gabeira hesita sobre apoio à candidatura de Maia ao Senado

DEU EM O VALOR ECONÔMICO

Paola de Moura, do Rio

Depois de quase sacramentada a aliança entre PV, DEM, PSDB e PPS, o candidato a governador na coligação, deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), ameaça roer a corda. Gabeira disse ao Valor que ainda está estudando se vai apoiar a candidatura do ex-prefeito Cesar Maia (DEM) ao Senado.

Ancorado na última pesquisa do Instituto Vox Populi, encomendada pelo jornal carioca "O Dia" e divulgada na sexta-feira, que o mostra com 18%, contra 38% do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e 20% do ex-governador Anthony Garotinho (PR), Gabeira agora diz que seus eleitores têm um forte sentimento negativo em relação ao ex-prefeito. Em janeiro, para aceitar a candidatura a governador impôs a condição de ter uma coligação ampla, que daria mais tempo de televisão.

Gabeira disse, na segunda-feira, não gostar de comentar pesquisas, mas admitiu que "começar com 18% já é bastante animador". Isso sem fazer qualquer propaganda, ressaltou. "No momento, o espaço todo é do governador". Quanto à aliança com o DEM, Gabeira diz que vai conversar com mais políticos e partidários na Páscoa.

No meio da discussão, está o PSDB, grande interessado em dar palanque forte no Rio ao seu pré-candidato à Presidência, José Serra. O partido trabalha para que a aliança leve Gabeira ao segundo turno. No Rio, os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas - Cabral e Garotinho - apoiam Dilma Rousseff, pré- candidata do PT.

O deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB) diz que, desde o início das conversas para a coligação, estava explícito que o PV daria o candidato a governador, o PSDB, o vice, o PPS, um senador e o DEM, o outro. "E alguns nomes já estavam fechados: Gabeira para governador e Maia para senador". Para vice, fala-se no diretor-presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), Márcio Fortes (PSDB), e para senador, no ex-deputado Marcelo Cerqueira (PPS).

O deputado lembra que, desde o início das negociações, houve a oposição do presidente do PV, Alfredo Sirkis. "Mas partido é assim, não é necessário que todos pensem o mesmo. É uma democracia, temos que fazer acordos e ver o que é melhor para todos", conclui. "A aliança tripla deu um excelente resultado na campanha para prefeito", lembra Correa da Rocha, referindo-se à eleição à Prefeitura do Rio, em 2008, quando Eduardo Paes (PMDB) venceu Gabeira por uma margem muito apertada: 50,83% dos votos válidos contra 49,17%.

Tarifa de serviço bancário sobe até 33 vezes acima da inflação, diz Idec

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Levantamento do Instituto aponta alta de até 328% entre abril de 2008, quando BC apertou regras do segmento, e março deste ano

Leandro Modé,

SÃO PAULO - As tarifas avulsas de serviços bancários subiram até 328% entre abril de 2008, quando o Banco Central (BC) instituiu novas regras para o segmento, e fevereiro deste ano. O porcentual supera em 33 vezes a inflação do período (9,88%). No caso dos pacotes de serviços, a maior variação foi de 65,8%, sete vezes superior à inflação.

Os números integram estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), obtido com exclusividade pelo Estado. O levantamento, realizado pela economista Ione Amorim, foi feito com base nas informações que as instituições publicam em seus sites na internet. Participaram da amostra os dez bancos brasileiros que têm mais de 1 milhão de clientes.

"A principal conclusão que tiramos é de que as maiores variações são explicadas pelo realinhamento das tarifas com a média do setor", diz Ione. "Isso mostra que os bancos não trabalham pela menor tarifa, mas sim para estar junto dos outros, o que demonstra pouca concorrência."

Campeões

No ranking de tarifas avulsas, o campeão do reajuste é o Banrisul, que pertence ao Estado do Rio Grande do Sul. Das dez primeiras posições, seis são ocupadas pelo banco estatal. Em primeiro lugar, com variação de 328,6%, ficou o fornecimento de folhas avulsas de cheques. Em abril de 2008, cada folha custava R$ 0,35. Em 28 de fevereiro deste ano, R$ 1,50.

No ranking de pacotes de serviços, o resultado foi mais pulverizado, mas também com preponderância do Banrisul – dono de cinco das dez colocações. Nesse levantamento, o campeão do reajuste foi o Banco Real, com o pacote Real Serviços Simples. A tarifa, que custava R$ 12,00 em abril de 2008, passou para R$ 19,90 no dia 5 de março deste ano – variação de 65,8%.

Os altos ganhos com tarifas e a falta de um padrão de cobrança levaram o BC a reorganizar as normas do segmento. A principal mudança se deu pela Resolução 3.518, que entrou em vigor em 30 de abril de 2008.

Padrão

Entre outros pontos, a nova regra definiu a padronização das tarifas, de modo a facilitar o entendimento dos clientes. Além disso, todos os bancos são obrigados a divulgar em seus sites os valores que cobram pelos serviços – tanto avulsos quanto pacotes.

A economista do Idec ressalta que é impossível calcular o impacto das tarifas sobre os ganhos gerais do setor, pois cada instituição adota critério próprio nas demonstrações financeiras.

Um dos que discriminam as tarifas no balanço é o Banrisul. Segundo Ione, essas receitas cresceram 13% entre 2008 e 2009, para R$ 226 milhões. O lucro no período foi de R$ 541 milhões.

Marina: PAC-2 é 'colagem de obras eleitoreiras'

DEU EM O GLOBO

Em Recife, ela critica uso eleitoral de inaugurações por Lula e Dilma e lembra que presidente já foi multado duas vezes

Letícia Lins

RECIFE. Um dia após o lançamento do PAC-2, a senadora Marina Silva(PV-AC), pré-candidata a presidente, classificou ontem o programa como uma colagem de obras com finalidade político eleitoreira. Ela disseque o PAC é uma marmita com muitas coisas requentadas. Ao lembrar que o PT, partido ao qual foi filiada, sempre reclamou muito desse tipo de conduta, Marina disse que o presidente Lula deveria dar o exemplo, para que isso não ocorresse.

Em meu entendimento, a Justiça já demonstrou que há o uso político dessas inaugurações, uma vez que o presidente já foi multado duas vezes por ter tratado a ministra Dilma Rousseff como candidata nesses eventos disse Marina, durante entrevista na sede da Federação das Indústrias de Pernambuco.

Os poderes da nação têm que cumprir a lei. É muito negativo ter, ao tempo todo, essa sensação de extrapolação do cumprimento da legislação eleitoral.

O PT sempre reclamou muito desse tipo de conduta e é lamentável que aconteça.Marina foi recebida no aeroporto dos Guararapes, em Recife, por militantes do PV que agitavam bandeiras. Hoje, ela vai a cidades da região agreste de Pernambuco, como Garanhuns e Brejo da Madre de Deus. Em Brejo, vai ao vilarejo de Fazenda Nova, onde assiste ao espetáculo sacro da Paixão de Cristo, encenado na Nova Jerusalém.

Em Recife, ela cumpriu uma agenda carregada, que incluiu palestras, visitas a entidades culturais e empresariais, e ainda a participação no seminário Pós-Cop 15, sobremudanças climáticas, onde foi aplaudida de pé, depois de fazer críticas à atuação de Dilma Rousseff, durante a COP-15, a conferência mundial, que aconteceu em Copenhague.

Marina disse que Dilma perdeu uma boa oportunidade de lutar contra a agenda suja dos países ricos, e que a atuação da ministra chegou a deixar Lula preocupado: Se o Brasil, que é um país emergente, tivesse doado US$ 1 bilhão, teria provocado um constrangimento ético nos demais, que poderiam aumentar a contribuição lembrou, referindo-se ao fato de Dilma ter se negado a contribuir com o fundo internacional de US$ 10 bilhões, proposto pela União Europeia, para financiar iniciativas que possam minorar o aquecimento global.

Ela poupou outro adversário na eleição presidencial, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Até elogiou a proposta ousada com relação às mudanças climáticas, já que o Estado de São Paulo assumiu a meta de reduzir em 20% as emissões efetivas de gases poluentes.

Em encontro com a imprensa, ela voltou a criticar o PAC: Um programa voltado para a infraestrutura há de ser algo mais abrangente. Boa parte do que vem sendo feito é colocado legitimamente por governos e prefeituras, mas muitas vezes são obras que não ligam lé com cré. Na minha região, a BR 319 é uma estrada mais de cunho político eleitoreiro do que uma necessidade.

Investimento no PAC é visto com ceticismo

DEU EM O GLOBO

Analistas não creem que o Brasil conseguirá atingir a taxa de investimento de 21,5% do PIB em 2014, como prevê o PAC-2. Hoje, está em 16,7%. Para dar esse salto, seria preciso que a taxa de poupança subisse também quase 5 pontos.

Poupança empaca investimentos

Analistas duvidam da capacidade do país de poupar para alcançar metas do PAC-2

Cássia Almeida e Flávia Barbosa

RIO e BRASÍLIA
- As projeções econômicas do governo que amparam a nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2), lançado anteontem, nãoencontramrespaldo nas contas do mercado financeiro. Analistas alertam que não há poupança suficiente no país para financiar o volume de investimentos previsto pelo PAC-2. Ao divulgar os números do programa, o governo se baseou em projeções de que o país vá ter uma taxa de investimentos de21,5% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pela economia) em 2014. Na conta dos analistas, para isso, seria preciso ter um nível de poupança de 19% do PIB ou seja, um salto de quase cinco pontos percentuais frente ao patamar atual, de 14,6%.

Economistas destacam ainda que o principal entrave para ampliar a poupança no Brasil são os gastos públicos enquanto famílias e empresas poupam mais do que gastam, a poupança do governo é negativa. No resultado final, o governo retira 15,9% do total poupado pelo país. Ou seja, para chegar ao crescimento econômico estimado pelo governo de 5,5% até 2014, o país precisará investir e poupar mais com o governo gastando menos. Como chegaremos lá é a pergunta que o economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero, fez ao olhar as projeções do PAC-2: A apresentação oficial desfilou uma economia com mais investimento e crescimento, inflação na meta, divida pública caindo, juros menores e superávit fiscal. Faltou o slide que aborda a poupança por trás desse feliz cenário. Se não temos essa perna, o resto cai como castelo de cartas: os juros serão maiores, o investimento e o PIB, menores, e a dívida menos benigna.

Nas contas de Montero, para atingir o nível de investimento previsto (21,5%do PIB, ou R$ 525,8 bilhões em valores de hoje), a poupança precisaria ser de 19% do PIB. E isso já considerando o ingresso de poupança externa.

O professor da PUC São Paulo Antonio Corrêa de Lacerda destaca que enquanto alguns veem a poupança doméstica como pré-requisito para a expansão da economia, outros acreditam que a poupança é resultado do crescimento. Esta é a sua opinião, que não vê empecilhos para o país atingir o investimento projetado no PAC-2. O financiamento pelo BNDES, pelo mercado de capitais e pelos bancos públicos funcionaria como uma antecipação da poupança, afirma.

A poupança baixa é um problema estrutural do Brasil. A renda muito concentrada dificulta a acumulação de poupança.

O mundo quer financiar o Brasil, diz secretário

Para Montero, o caminho é reduzir os gastos públicos para aumentar a poupança do país.

Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que o governo precisa elevar a parcela do investimento no gasto público.

A poupança é pró-cíclica. Se a economia cresce, aumenta também a poupança. Quem poupa mais são as empresas e, com o país crescendo, a rentabilidade delas aumenta. Já o governo é despoupador explica Levy.

Para o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, o que parte dos analistas está questionando é se o Brasil nãoterá de recorrer a muita poupança externa para catapultar o investimento. Isso significa ponderar o tamanho do déficit externo que é saudável para a economia. Barbosa desconversa sobre os números, mas a equipe econômica projetou uma taxa de investimento de21,5% levando em consideração um déficit em conta corrente (trocas como exterior) de 3%do PIB em 2014. Confirmado, este cenário produziria uma taxa de poupança de 18,5% em 2014, igual ao alcançado em 2004, que foi o pico dos últimos anos. Parte dos analistas, porém, acredita que este cenário não é factível e que o déficit externo chegará a 6% ou 7%do PIB. Barbosa considera exagerada esta projeção: Todo economista sabe, ou deveria saber, que investimento gera poupança. É absolutamente sustentável que parte desta poupança venha de fora. O mundo quer financiar o Brasil.

Debate com Fernando Henrique Cardoso

aliás, debate

Por ocasião do lançamento do livro Relembrando o que escrevi, de Fernando Henrique Cardoso, o jornal O Estado de S. Paulo, o Caderno Aliás e a Editora Civilização Brasileira convidam três acadêmicos para entrevistar o ex-presidente e debater com ele a trajetória do “intelectual público”.


Autor:

Fernando Henrique Cardoso



Debatedores :

José de Souza Martins (sociólogo, USP)

Renato Janine Ribeiro (professor de Ética e Filosofia Política , USP)

Renato Lessa (cientista político, (UFF e IUPERJ)



31 de março de 2010, às 20h

19h – Café de boas vindas

Centro Universitário Maria Antonio da USP

Rua Maria Antonia, 294 – Vila Buarque







Realização Parceria


O Estado de S. Paulo Editora Civilização Brasileira

West Side Story (1ª parte) - Orquestra Sinfônica Rio de Janeiro

O QUE PENSA A MÍDIA

EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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Morte e vida Severina (Auto de Natal Pernambucano) – parte 8::João Cabral de Melo Neto

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO


— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.

— Viverás, e para sempre,
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
— Será de terra tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
— Será de terra e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.

— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).
— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).

— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.
— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.
— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.
— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.
— Já não tens força na perna:
deixa-te semear na coveta.
— Já não tens força na mão:
deixa-te semear no leirão.

— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.
— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.
— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.
— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.

— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.
— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.
— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha.
— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.

— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito a viração.
— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com quem se dorme.

terça-feira, 30 de março de 2010

O fim da História do Brasil ou um novo começo para ela:: Luiz Werneck Vianna

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A sucessão presidencial já está na linha do horizonte. Na superfície dos fatos, nenhuma indicação de que ela venha apontar para contrastes duros nos programas das candidaturas envolvidas na disputa, nem sinalizar para mudanças relevantes nos rumos da política. Afinal, o País conhece nestes quase 16 anos de governos paulistas do PSDB e do PT uma forte linha de continuidade em termos de política macroeconômica e de políticas sociais e, entre as candidaturas concorrentes, duas delas, as mais credenciadas eleitoralmente, têm sua origem nesses partidos.

A continuidade na condução dessas políticas passou pelo teste severo da grande crise internacional, que abalou mercados e a própria economia capitalista, suportada pelo País sem maiores traumas. Passada a crise, consagrou-se, com razão, o diagnóstico de que seus piores efeitos teriam sido evitados graças aos "sólidos fundamentos da nossa economia" e do que seria o padrão de excelência vigente na regulação do nosso sistema financeiro, frutos, sem dúvida, de uma obra comum do PSDB e do PT, formatada e aperfeiçoada no curso dos seus governos.

Para essa impressão concorre também o estilo das duas principais candidaturas, Dilma Rousseff e José Serra, quadros com perfil forjado nas altas tarefas da administração pública, mais do que nos debates político-ideológicos. Nada surpreendente, portanto, que venham a ser, em boa medida, fiéis a esse estilo em suas campanhas eleitorais, impróprio, por sua natureza, às paixões. Vale dizer, nessa sucessão não se terá nem Jânio, nem Collor, nem Lula.

De modo mais geral, essa expectativa de uma disputa eleitoral destituída de agonística se alimenta, sobretudo, da difusa percepção de que os êxitos recentes na expansão do capitalismo brasileiro estariam a significar que a História do País, afinal, encontrou uma solução feliz. As conquistas econômicas e sociais teriam serenado o campo da política, cujas controvérsias girariam em torno de temas da administração e da gestão da coisa pública. Caberia, agora, escolher entre os candidatos o mais preparado para continuar o script consagrado no sentido do seu aprofundamento e, uma vez que o País já se acharia com suas instituições estabilizadas e assentado o seu caminho futuro, lançar-se na aventura da sua imposição no cenário internacional.

A marca forte desse script estaria no reconhecimento de que a tarefa imediata imposta pelas circunstâncias seria a de completar a longa revolução burguesa no País, cuja mais forte indicação estaria na penetração do moderno capitalismo no mundo agrário, sede tradicional dos protestos sociais mais virulentos, de caráter moderno ou não, contra o sistema da ordem da propriedade. O sucesso econômico do agronegócio, sua elevação à arena política constituída, em particular, no Norte e no Centro-Oeste do País, sua presença no governo - federal e de Estados - teriam removido de vez as tensões que antes ameaçavam o campo, como nos idos de 1960, com o fantasma da revolução.

Sob essa nova marcação da conjuntura, em que o tema agrário teria sido deslocado da sua antiga centralidade nos conflitos de classes no País, os trabalhadores urbanos estariam circunscritos a uma agenda de reformas, personagens plenos do moderno, restando incorporar ao sistema da ordem, por meio de políticas públicas, as grandes massas sujeitas, no campo e nas cidades, a trabalhos precários e intermitentes e a uma vida sem direitos. Posto nessa plataforma segura, caberia ao capitalismo brasileiro reestruturar-se, sob a liderança do Estado e de suas agências, num processo audacioso de concentração e de centralização de capitais, transitando para uma forma superior de organização.

No governo Lula, o impulso nessa direção foi intensificado, instituindo-se numa estratégia definida, principalmente, a partir da crise financeira mundial de 2008. Vencido seu teste de resistência sob condições extremas, o que era apenas um esboço, ainda um experimento de ensaio e erro, uma estratégia ainda inominada, ganha corpo e alma. O que vinha sendo uma navegação numa linha quase reta, na rota traçada pelos governos do PSDB e do PT, mudou o seu sentido e já percorre outro caminho.

Nessa reorientação, fixa-se para o capitalismo brasileiro o objetivo de transbordar suas fronteiras nacionais, num esforço conjunto do Estado e das grandes empresas de capital nacional, na tentativa de exercer uma vocação conquistadora de tipo grão-burguês. Outra característica está na abertura do repertório da tradição brasileira de Vargas a Geisel, recuperando a fórmula do nacional-desenvolvimentismo como via de uma modernização conduzida "por cima".

Nessa operação, o Estado traz a sociedade para dentro de si, convertendo-se num "parlamento" onde se tomam as decisões a serem legitimadas por um Poder Legislativo enredado, por meio das práticas do chamado presidencialismo de coalizão, ao Executivo. Tal estratégia, audaciosa em seus fins, é conservadora quanto a seus meios: ela não procura a mobilização dos seres subalternos, salvo quando sob seu estrito controle, e se limita a procurar soluções institucionais, conceitos e motivações ideais no baú dos ossos da tradição autoritária brasileira.

Assim, ela é enérgica e criativa, quando se trata de perseguir os seus fins de uma ordem grão-burguesa, e passadista e conformista na política, como na sua patética mimetização do Estado Novo e da ressurgência que promove, em nome da realização de fins "substantivos" de justiça, da "democracia social". Vista dessa perspectiva crítica, que recusa à nossa História o papel de prisioneiro passivo das fabulações que nos vêm do seu passado autoritário, a presente sucessão presidencial, longe do quietismo que tantos auguram para ela, pode datar um promissor recomeço.

Professor-pesquisador do IUPERJ, ex-presidente da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, é membro do departamento de pesquisa judiciária do Conselho Nacional de Justiça

Joao Gilberto & Tom Jobim - Corcovado

A boca do jacaré:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Um dado relevante da mais recente pesquisa Datafolha é a confirmação de que o candidato do PSDB, José Serra, mantém-se na faixa dos 40% da preferência do eleitorado quando o deputado Ciro Gomes não está na disputa, o que faz com que tenha possibilidade de vencer a eleição já no primeiro turno.

No jargão das pesquisas, a boca do jacaré estava se fechando, com a diminuição da diferença entre Serra e Dilma para quatro pontos na pesquisa Datafolha anterior. No entanto, a pesquisa seguinte, do Ibope, já mostrava a boca do jacaré abrindo mais um pouco, aumentando para 5 pontos a diferença a favor de Serra.

Esse movimento continuou, e a diferença agora foi para 9 pontos.

Ninguém em seu perfeito juízo poderia imaginar que, com o presidente Lula popular no nível em que está, sua candidata não entraria na disputa com pelo menos os 30% do eleitorado de esquerda garantidos.

Em nenhum momento, no entanto, mesmo tendo a diferença a seu favor reduzida, o tucano José Serra saiu da faixa dos 40% nos mais diversos institutos de pesquisa, e deixou de ter a possibilidade de vencer no primeiro turno.

Como exemplo, apenas nas pesquisas de 2010: 41% no Sensus de janeiro; 38% no Vox Populi de janeiro; 41% no Ibope de fevereiro; 38% no Datafolha de fevereiro; 38% no Ibope de março; e 40% no Datafolha de março.

Desde o segundo turno de 2002, quando teve 38% dos votos e perdeu a eleição para Lula, que Serra aparece à frente das pesquisas com uma média entre 35% e 40% de preferências.

Quando abandonou a disputa em 2006 dentro do PSDB para deixar Alckmin perder para Lula, estava na frente das pesquisas, mas já com Lula nos seus calcanhares.

Fica claro que essa marca é muito mais do que o simples recall ( lembrança), fenômeno que as pesquisas eleitorais registram para os candidatos que, tendo disputado eleições anteriormente, permanecem no inconsciente do eleitor e são lembrados numa primeira reação nas pesquisas.

O simples recall, no entanto, não é suficiente para manter um candidato à frente das pesquisas se a lembrança não for acompanha da de algo mais substancial.

O deputado Ciro Gomes, por exemplo, já foi candidato a presidente da República várias vezes e, no entanto, seu recall junto aos eleitores é muito fraco, está em queda permanente na casa dos 11% das preferências.

Embora tenha perdido a imagem de candidato competitivo, o que dificulta uma decisão do PSB a favor de sua candidatura contra a opinião do presidente Lula, o deputado Ciro Gomes ganhou novo fôlego com essa pesquisa recente do Datafolha, que o coloca mais uma vez como uma barreira à possibilidade de Serra vencer a eleição no primeiro turno.

Com sua saída, quem mais se beneficia é justamente Serra, que herda 4 pontos percentuais, indo a 40%. A candidata oficial, Dilma, ganha 3 pontos, indo a 30%. E a senadora Marina Silva ganha 2 pontos, chegando a 10%.

Como a margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos, continua sendo uma possibilidade a vitória de Serra já no primeiro turno no caso de Ciro não aparecer na tela da máquina de votar.

A explicação, dada por alguns marqueteiros, de que o eleitor de Ciro escolheria preferencialmente Serra devido ao seu conhecimento, perde a força diante da constatação de que a ministra Dilma Rousseff já é conhecida por 87% dos pesquisados, que já dizem conhecê-la de alguma forma, ainda que apenas de ter ouvido falar.

Serra tem um percentual de 97% de conhecimento dos eleitores, e Ciro tem 93%. Só a senadora Marina Silva pode alegar que seu índice de preferência pode aumentar, pois o nível de conhecimento dela por parte do eleitor é de apenas 52%.

Agora, a explicação para a estagnação da candidatura oficial é que, embora conhecida do eleitorado, só 58% dos eleitores sabem que Dilma é a candidata de Lula.

E entre os eleitores que querem votar no candidato apoiado por Lula, ainda existiriam, segundo Mauro Paulino, diretor do Datafolha, 14% que não votam em Dilma por ainda não saberem que ela é a escolhida do presidente.

Um eleitorado de baixa escolaridade, baixa renda e de grande concentração na região Nordeste, que teoricamente seguiria as palavras do líder.

A questão é saber se, estando o presidente em campanha aberta há mais de dois anos, esse tipo de eleitor não identificou Dilma como a candidata oficial por incapacidade de entender a mensagem do presidente, ou se não encontra na candidata oficial capacidades que vê em Lula.

Essa segunda hipótese seria uma explicação mais política, que reduz a importância das análises técnicas das pesquisas.

É o caso da preferência por Serra de parte ponderável dos eleitores que consideram o governo de Lula ótimo ou bom. Dos que aprovam Lula, 33% votam na petista Dilma, e 32%, no tucano Serra.

Ao contrário, o desempenho de Dilma entre os 20% de eleitores que consideram o governo Lula apenas regular, é muito fraco: Serra recebe 51% das intenções de voto desse grupo, contra apenas 9% da petista, que tem menos do que Ciro e Marina, cada um com 10%.

Entre os 4% que consideram o governo Lula ruim ou péssimo, Serra tem 48% de preferência, enquanto Dilma tem apenas 5%, mais uma vez atrás de Ciro e Marina.

Esses números demonstram claramente a dependência de Lula que a candidatura de Dilma tem.

Mesmo entre os que gostam do governo, ela não consegue se impor como a escolha natural.