quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Velhos dogmas petistas revisitados:: Roberto Muylaert

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

E agora, quando ninguém mais tem medo de Lula, eis que o presidente reabre a velha, empoeirada e superada cartilha do PT

Lula conseguiu afastar, desde o início, os temores da sociedade em relação ao respeito aos princípios básicos da governabilidade, para não recuar de um país inserido no século 21 para uma nação retrógrada.

Nesse ponto, o governo não só fez a lição de casa como foi além, sendo fácil elogiar os pontos altos atingidos pelo Brasil de Lula.

Começa pelas importantes conquistas sociais e pela inserção do país no cenário internacional, fruto de infatigáveis viagens e de uma empatia pessoal que abre caminhos internacionais com a mesma facilidade com que influenciou pessoas desde São Bernardo do Campo.

Quem já esteve com Lula sabe que ele é convincente, quase irresistível, ao tratar o interlocutor como se fosse velho amigo. Até Angela Merkel ele conseguiu puxar pelo braço, apesar do estilo não-me-toques alemão.

Sua característica de monoglota, ao contrário do senso comum, facilita a comunicação com gente de todo lugar. Quem se expressa em sua própria língua está sempre em vantagem com relação a alguém que utiliza o idioma do outro, mesmo que fale bem. Em especial nas discussões políticas e de negócios, nas quais a sutileza e a precisão de algumas expressões não admitem interpretações livres.

Os brasileiros sempre acham que devem tomar a iniciativa de quebrar a barreira da comunicação, partindo do princípio, correto, de que ninguém conhece o nosso idioma. Na ONU, há alguns anos, o português não era nem mesmo língua oficial a ser utilizada nas sessões da organização.

Na era Lula, nosso idioma entrou em cena, com os intérpretes cumprindo o seu papel e o presidente descontraído, fazendo piadas à vontade, certo de que a tradução das falas pode até melhorar o seu vernáculo, como acontece com as versões dos livros de Paulo Coelho.Agora, mundo afora, não é mais senso comum que no Brasil se fala espanhol. E já há colegas presidentes de países vizinhos, "cucarachos", tentando ouvir, sem fones no ouvido, as falas do nosso presidente.

Tudo baseado no entusiasmo transmitido ao povo por Lula, num país que só vai em frente se acreditar que tudo pode melhorar, como reza o mantra, às vezes falacioso, do "nunca antes neste país".

Quem tem memória antiga lembra que Juscelino Kubitschek foi o último presidente a fazer o país acreditar de verdade em si próprio, com a indústria automobilística, a construção naval, as hidrelétricas, a vitória na Copa de 1958, além da meta síntese, Brasília, que agora completa 50 anos.

Seu sucessor, Jânio Quadros, destruiu o modelo "50 anos em cinco" de Juscelino em apenas uma noite, com discurso amargo, pesado, transmitido para todo o país, em que bradou contra a inflação catastrófica, as dívidas "impagáveis" do governo, a inviabilidade de Brasília e da "estrada para cobra tomar sol", a Belém-Brasília. Depois desancou os funcionários públicos, ao dizer que o serviço agora seria em tempo integral e terminara a era de "deixar o paletó na cadeira" para fingir que estava trabalhando e sair.

Os corredores das repartições federais ficaram lotados, gente que nunca tinha aparecido, com medo de perder a sinecura, fato inédito para funcionários estáveis sem contrapartida pelo salário recebido.

E agora, quando ninguém mais tem medo de Lula, eis que o presidente reabre a velha, empoeirada e superada cartilha do PT.

A ordem é esquecer reformas essenciais, contratar mais e mais funcionários públicos (100 mil em seu governo), não ver necessidade de economizar, preencher cargos públicos apenas com critério político, tolerar desmandos e considerar intocável a obsoleta CLT, da década de 1940, entre outras coisas. A meta síntese de Lula é estatizar tudo o que for possível, como disse sua candidata, contrariando 9 entre 10 economistas: "o Estado é bom empresário".

Parodiando uma frase do milionário americano Paul Getty, "uma empresa privada mal administrada é melhor que uma estatal bem administrada". Até mesmo a Petrobras, exemplo de estatal imprescindível, melhorou o desempenho depois que foram abertas concessões para empresas privadas abrirem poços de petróleo.

Em princípio, estatal é melhor para o país, já que os resultados ficam para o Estado em vez de ir para o bolso dos capitalistas nacionais ou estrangeiros. O problema é que estatal não tem dono, e os cargos são preenchidos por indicações sujeitas a influências políticas e corrupção. Em vez do lucro, é o prejuízo que fica para o tesouro nacional.

Roberto Muylaert , 74, jornalista, é editor, escritor e presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo FHC).

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