sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Reflexão do dia – Tavares Bastos

Meu ilustre amigo. Conservador e liberal, monarquista e democrata, católico e protestante, eu tenho por base de todas as minhas convições a contradição, não a contradição mais palavrosa do que inteligível das antinomias de Proudhon, porém a contradição entre duas idéias que na aparência se repelem mas na realidade se completam, a contradição, finalmente, que se resolve na harmonia dos contrastes.

Eu declaro francamente que não sacrifico a lógica das teorias extremas. Guio-me pelos fatos, combino os opostos, encadeio as analogias e construo a doutrina. Não tenho um sistema preconcebido. Não idolatro o prejuízo. Aceito o sistema que os acontecimentos me impõem. (...)

As opiniões que professo são exclusivamente minhas. O código das minhas idéias promulgou-o um legislador: a observação. Alimento-as, isento de preocupações históricas; professo-as sem prevenções políticas. Vosso amigo não é um liberal, não é um puritano, não é nada disso, e é tudo isso. É um homem sem afinidades no passado e isolado no presente. É o solitário.

Volvendo os olhos tristes em derredor de si, ele não vê senão o silêncio, e não observa senão as catacumbas em que se enterraram as grandes reputações de outrora. Não vê partidos, porque estes supõem combate, e o combate um sistema de ação. Ora, sobre o campo da batalha está-se neste momento levantando um templo ao VENCIDO. Fez-se a paz, com efeito. Todos adormeceram; os próprios guardas descansam das fadigas do dia.

Não descubro partidos nem campos opostos. Enxergo uma ideia que despertou no horizonte e voa e cresce, brilhante e animadora, nas asas do vento. Salve, deusa!

Apressemo-nos, meu amigo; deixemos o ruído das festas indolentes e estragadoras.
Abandonemos os palácios dos pretores: ao campo! Preparemos as vias do futuro, saudemos a liberdade.

Quaisquer que sejam as tendências de meu espírito desconfiado das verdades absolutas, eu confesso-vos, contudo, que amo apaixonadamente a liberdade. Porquanto ela esmaga o algoz, sabe com lágrimas amorosas amolecer as cadeias da vítima.


(TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido, - em Cartas do Solitário, 3ª Edição, pág. 181/182 – Companhia Editora Nacional 1938, feita sobre a 2ª edição de 1863)

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