sábado, 27 de fevereiro de 2010

Os problemas do amigo de Dilma

DEU NA REVISTA ÉPOCA

Um dos chefes da campanha da ministra da Casa Civil, Fernando Pimentel enfrenta acusações por sua gestão na prefeitura de Belo Horizonte

Ex-prefeito de Belo Horizonte e coordenador da pré-campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, Fernando Pimentel é uma das lideranças emergentes do PT. No final de 2008, ele deixou a prefeitura após sete anos de gestão, com uma aprovação superior a 80%, e elegeu seu sucessor. No PT mineiro, Pimentel leva vantagem no embate contra o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, pelo direito de ser o candidato do PT ao governo de Minas Gerais. Pimentel também é o principal organizador da futura campanha presidencial da amiga Dilma. Os dois militaram juntos em grupos de esquerda que combateram a ditadura militar nos anos 1960 e 1970. Se o passado mais distante explica a ascensão junto a Dilma, o mais recente conspira contra Pimentel.

Uma disputa jurídica entre um grupo de empreiteiras que realiza obras de urbanização de favelas em Belo Horizonte e a prefeitura da capital mineira provocou o afastamento político de Pimentel de seu sucessor, o prefeito Marcio Lacerda (PSB). Lacerda vem se recusando sistematicamente a assinar novos aditamentos contratuais para aumentar o valor de pagamentos por obras de construção de apartamentos para moradores de baixa renda. Segundo aliados do PSB, Lacerda afirma que os valores licitados já superam os preços praticados no mercado. Todas as obras são pagas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), coordenado no governo por Dilma.

Lacerda e Pimentel são, em tese, aliados. Novato na política, Lacerda é do PSB, partido aliado do PT em escala nacional. Sua eleição é um caso raríssimo. Pimentel e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, promoveram uma incomum aliança entre PT e PSDB para eleger Lacerda para a prefeitura. Antes disso, Lacerda foi secretário-executivo de Ciro Gomes no Ministério da Integração Nacional. Hoje, Ciro é o incômodo aliado do PT. Ele se recusa a aceitar o apelo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de desistir de concorrer contra a amiga de Pimentel, Dilma Rousseff, na disputa da Presidência da República. Em troca, Lula e o PT oferecem apoio a Ciro na disputa pelo governo de São Paulo – uma eleição difícil para Ciro por causa do favoritismo dos tucanos. Nas últimas semanas, o aliado adversário Ciro fez vários ataques ao PT. Disse que o partido tem “moral frouxa” e afirmou ter mais chances que Dilma de se eleger para o Palácio do Planalto por ter disputado outras eleições. O embate travado entre o PT e o PSB por causa dos preços das obras em Belo Horizonte aumenta a tensão política entre petistas e socialistas.

As obras que causaram a cizânia entre Lacerda e Pimentel são as de urbanização da Favela do Morro das Pedras, em Belo Horizonte, já visitadas por Dilma. Os empreiteiros afirmam que a atual gestão da prefeitura não conseguiu retirar todos os barracos, onde ainda vivem alguns moradores. Isso estaria aumentando os custos das empresas. “Solicitamos o reequilíbrio econômico-financeiro porque nos preparamos para fazer a obra em determinado tempo e não vamos conseguir, porque as pessoas não foram retiradas da área”, diz Roberto Gianetti de Senna, dono da HAP Engenharia, uma das empresas contratadas. “Teremos de pagar mais salários, e o preço da matéria-prima também aumentou. Mas a prefeitura continua usando a tabela antiga.” Além da HAP, outras cinco empreiteiras entraram na Justiça para conseguir aditamentos no contrato.

Empreiteiro amigo de Pimentel pressiona para receber mais recursos de obra do PAC

Senna é amigo e antigo colaborador das campanhas do ex-prefeito Fernando Pimentel. Na campanha eleitoral de 2004, a HAP Engenharia doou R$ 220 mil, a segunda maior contribuição recebida por Pimentel. Como pessoa física, Senna colaborou com outros R$ 15 mil. Na gestão de Pimentel, a HAP Engenharia ganhou o direito de prestar serviço de varrição das ruas de Belo Horizonte e de limpeza de áreas com acúmulo de lixo. Pimentel nega que exista favorecimento.“O Roberto de Senna é meu amigo e poderia ter dado mais dinheiro para minha campanha”, diz Pimentel. “O registro das doações mostra que ele agiu corretamente.” Segundo ele, o pedido das empreiteiras é normal porque elas reduzem os preços para disputar as licitações e depois têm dificuldades em executá-las. “As obras do PAC começaram aqui em Belo Horizonte. Esse pioneirismo provoca dificuldades”, afirma Pimentel.

Secretário de Políticas Urbanas de Belo Horizonte desde a gestão de Pimentel, Murilo Valadares é o encarregado de negociar com as empreiteiras. Ele afirma que o pedido das empresas é razoável, já que a prefeitura não conseguiu retirar os moradores de áreas onde estão sendo construídas novas unidades habitacionais. “São argumentos excelentes. Não se consegue retirar as pessoas facilmente porque os moradores terminam procurando o padre, o bispo, a advocacia pública e os procuradores”, diz.

O secretário Valadares e o empresário Senna aparecem em outra obra considerada suspeita da gestão de Pimentel. Uma ação civil pública impetrada em dezembro no Tribunal de Justiça de Minas Gerais pelo Ministério Público estadual pede a condenação de Fernando Pimentel por improbidade administrativa. Segundo a ação dos procuradores, em 1999 Pimentel, que ocupava então a Secretaria de Finanças da prefeitura de Belo Horizonte, repassou R$ 26 milhões à Ação Social Arquidiocesana (ASA), uma entidade da Igreja Católica, para a construção de um conjunto habitacional popular no bairro Jatobá. De acordo com o Ministério Público, parte do dinheiro teria sido desviada para pagar despesas de campanha eleitoral da reeleição de Pimentel à prefeitura em 2004. Pimentel nega. “Os procuradores cometem erros, e este é o caso”, diz Pimentel. “As casas estão lá e foram construídas para atender às exigências do mesmo Ministério Público, que obrigou a prefeitura a fazer o conjunto habitacional para retirar as famílias das áreas de risco.”

A ação dos procuradores também pede a condenação de nove dos antigos auxiliares de Pimentel, das empreiteiras Andrade Gutierrez e HAP Engenharia, responsáveis pela construção do conjunto habitacional, e a devolução do dinheiro público liberado em convênio considerado irregular. Entre os acusados estão o secretário de Políticas Urbanas, Murilo Valadares, que ocupava o mesmo cargo na época do convênio, Marco Antônio Teixeira, procurador-geral do município, José Tarcício Caixeta, presidente da empresa de urbanização de Belo Horizonte, e Roberto Gianetti de Senna, o dono da HAP Engenharia. Os padres Cássio Borges e José Januário Moreira, responsáveis pela ASA, também são denunciados como envolvidos na suposta fraude.

De acordo com os procuradores, o dinheiro teria sido passado do Fundo de Habitação municipal para a ASA – que mudou de nome e hoje se chama Providência Nossa Senhora da Conceição. Depois, a ASA contratou sem licitação a HAP Engenharia, que, sem experiência no ramo, subcontratou a Andrade Gutierrez para a construção das casas. Uma perícia feita pelo Ministério Público de Minas também apontou superfaturamento de quase R$ 10 milhões na construção de 678 moradias: o custo efetivo da obra teria sido de R$ 11,6 milhões, mas foram pagos quase R$ 21 milhões. Outros R$ 5,1 milhões teriam sido empréstimos tomados pela HAP Engenharia em bancos privados e pagos pelo mesmo convênio.

Com 64 páginas e assinada por seis procuradores, a ação aguarda manifestação do juiz da 4a Vara da Fazenda Pública municipal em Belo Horizonte. Na ação, os procuradores pedem a indisponibilidade dos bens de Pimentel e de todos os envolvidos no repasse ilegal de dinheiro e na execução da obra, além da anulação do convênio. “Não houve irregularidades. O importante é que o conjunto habitacional foi feito e ficou pronto para atender às pessoas carentes”, diz o secretário Murilo Valadares. Ele também nega a acusação de que parte dos recursos repassados à HAP Engenharia tenha sido desviada para as contas de campanha da reeleição de Pimentel.

As contas de campanha e a gestão na prefeitura causam uma terceira dor de cabeça a Pimentel. Uma ação da Justiça Federal de Minas Gerais, incorporada ao processo sobre o mensalão, conduzido pelo ministro Joaquim Barbosa, no Supremo Tribunal Federal, afirma que Pimentel teria ajudado a construir o caixa dois depois usado pelo PT para a compra de apoio ao governo no Congresso Nacional e o pagamento de dívidas de campanhas eleitorais. De acordo com o Ministério Público de Minas, quando era prefeito de Belo Horizonte, Pimentel teria celebrado um contrato com valores superfaturados com o empresário Glauco Diniz Duarte para a instalação de câmeras de vigilância na cidade. Parte do dinheiro público teria sido desviada.

O Ministério Público afirma que Duarte e seu contador teriam enviado ilegalmente US$ 80 milhões aos Estados Unidos. Uma parte desse dinheiro seria referente ao contrato superfaturado e teria sido usada mais tarde para pagar dívidas do PT com o publicitário Duda Mendonça. As primeiras informações da existência de uma investigação sobre um possível envolvimento de Pimentel em operações irregulares que desviaram dinheiro para o pagamento de contas de campanha surgiram em 2005. Em depoimento à CPI dos Correios, em agosto de 2005, Duda admitiu ter recebido do PT US$ 10 milhões não declarados à Receita Federal em uma conta em nome da Dusseldorf Company. O dinheiro seria referente à campanha eleitoral de 2002, que elegeu o presidente Lula. Duda também foi o marqueteiro da campanha à reeleição de Pimentel como prefeito de Belo Horizonte, em 2004. “Não há e nunca houve nada, rigorosamente nada, que me ligue, direta ou indiretamente, ao chamado mensalão ou a qualquer outro tipo de irregularidade”, afirma Pimentel em nota. Pimentel afirma também que o Ministério Público relacionou a compra das câmeras a envio de dinheiro ao exterior porque um dos dirigentes do Clube de Diretores Lojistas de Belo Horizonte, envolvido no convênio, era doleiro e esteve implicado em operações desse tipo.

“Os procuradores cometem erros, e este é o caso”, afirma Fernando Pimentel

Mineiro de 58 anos, economista, Pimentel foi colega da ministra e candidata do PT, Dilma Rousseff, em organizações de combate à ditadura militar (1964-1985). Eles estiveram juntos no Comando de Libertação Nacional (Colina), uma facção de esquerda que combatia a ditadura militar. Com prisão decretada pelo regime militar, Pimentel migrou para grupos de luta armada, como Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Na VPR, em abril de 1970, participou da tentativa fracassada de sequestrar o cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre. Pimentel foi preso, torturado e, aos 18 anos, pegou três anos e meio de cadeia.

Ao sair, em 1973, estudou economia e entrou para a política como secretário de Finanças do então prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias, hoje seu concorrente pela vaga de candidato ao governo de Minas Gerais. Permaneceu no cargo no mandato seguinte, de Célio Castro (PMDB, depois PSB) e foi seu vice a partir de 2000. Com o afastamento de Castro, por um derrame, em 2001, Pimentel assumiu a prefeitura e foi reeleito em 2004. Entre os petistas, Pimentel é o mais próximo de Dilma. Um abalo em sua vida política é um incômodo para Dilma, que chegou há pouco ao PT e vai encarar uma campanha presidencial. Até agora isolada das questões incômodas relacionadas ao PT, como denúncias de caixa dois e o mensalão, Dilma poderá enfrentar pela primeira vez a situação de ter de explicar coisas relacionadas a pessoas próximas a ela. É o começo da vida de candidata.

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