sábado, 6 de fevereiro de 2010

O que o PT quer de Dilma - Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A versão preliminar do projeto do PT para um eventual governo Dilma Rousseff, a ser aprovado no 4º Congresso Nacional do partido, logo depois do carnaval, quando a ministra será sagrada herdeira do presidente Lula, é uma espécie de PAC político. Junta alguns dos objetivos clássicos do petismo - a começar da expansão da presença do Estado na economia - com a preocupação de privilegiar a ideologia como força motriz da "grande transformação" que dá título ao documento. Dilma, encarnando o pós-Lula, seria uma presidente mais ortodoxa do que o seu patrono - uma posição que não lhe seria difícil assumir, a julgar por sua formação, trajetória e personalidade.

"O programa é mais à esquerda do presidente Lula, mas não é mais esquerdista", diz o deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT. "Isso significa que poderemos cumprir agora os objetivos sociais mais ambiciosos, porque as grandes questões macroeconômicas, como a dívida interna, ou foram solucionadas ou estão equacionadas." Se o plano fosse além das generalidades, seria mais fácil avaliar se esses objetivos são compatíveis com os fundamentos macroeconômicos mantidos por Lula ou, se não forem, de que lado arrebentará a corda. De qualquer forma, o espírito do novo "projeto nacional de desenvolvimento" não é menos triunfalista do que a retórica do presidente - que só irá se intensificar para converter a sua popularidade em sufrágios para a candidata que pinçou, à falta de alternativas.

"O Brasil deixou de ser o país do futuro", proclama a carta de intenções petista, divulgada por este jornal. "O futuro chegou." Fortalecido por uma "burocracia de alta qualidade", o Estado dirigista teria condições de capitanear um ciclo presumivelmente duradouro de crescimento acelerado, com investimentos públicos pesados e gastos sociais robustos. "A elevação das taxas de crescimento deverá marcar o governo Dilma", prevê o partido, com "mais empregos, renda e bem-estar social". Em consequência, "programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, perderão a importância que têm", ousa o documento, talvez numa tentativa de responder às críticas da oposição segundo as quais esses programas não preveem portas de saída.

O PT não está preocupado em explicar como ocorrerá "a grande transformação" ou de onde virão os recursos para ter um SUS de qualidade e expandir o orçamento da educação, como propõe o texto. Basta-lhe afirmar que, sob Dilma, o Brasil terá tudo isso e o céu também. Não se equivocará quem encontrar nesse palavreado ecos do "ninguém segura este país" da ditadura militar. Como o papel aceita tudo, o programa promete ainda "melhor condição de vida nas grandes cidades" - nome de um dos seus 13 "eixos" -, com mais linhas de metrô, veículos leves sobre trilhos e corredores de ônibus. Pelo visto, Dilma seria presidente, governadora e prefeita.
Mas a invasão retórica das atribuições dos poderes estaduais e municipais tem endereço certo. O PT precisa dos votos da nova classe média.

Nos anos Lula, 31 milhões de brasileiros mudaram de estrato social. Nem por isso se alinharão automaticamente nas urnas com a protegida dele. Fiel da balança da sucessão, são de longe mais conservadores do que os petistas históricos - e julgam os políticos por suas ações.
Prudentemente, o plano para Dilma deixa implícito que a política fiscal e monetária não passará por nenhuma grande transformação. Em princípio, portanto, a candidata ficará dispensada de assinar uma nova versão da Carta aos Brasileiros, de junho de 2002. Com ela, o candidato Lula tratou de exorcizar os receios de que, se eleito, poderia "mudar tudo isso que está aí", como o PT prometia. A plataforma do partido até então vigente, a Carta de Olinda, de dezembro de 2001, falava explicitamente em "ruptura".

Hoje, esse esquerdismo, como diria o presidente petista Berzoini, se tornou anacrônico. Lula não só o renegou na campanha que o levou pela primeira vez ao Planalto, como ignorou as pressões do partido, no início do seu governo, pela mudança da política econômica executada pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mas, na eventualidade de o partido vir a carregar nas tintas, ao ir além dos enunciados genéricos do que quer de Dilma, é de perguntar se ela teria a autoridade de Lula para contrariar os companheiros - se discordasse deles.

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