quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O Partido do Poder - Editorial

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aos 30, PT abandonou ideia de "mudar a maneira de fazer política" e se tornou uma entidade paraestatal à sombra do lulismo

O vocabulário dos partidos de esquerda sempre foi rico em palavras destinadas a identificar e condenar vícios de conduta. Termos como "obreirismo", "basismo" ou "principismo" costumavam fazer parte do arsenal da militância identificada com os ensinamentos de Marx e Lênin.

Ao longo de seus 30 anos de existência, que se completam na data de hoje, o Partido dos Trabalhadores sofreu, por parte dos agrupamentos de esquerda tradicionais, críticas formuladas em conceitos desse tipo.

Fundado em 1980, na luta contra o regime militar, o PT foi acusado, antes de tudo, de ser "divisionista": o momento, para seus críticos, era o de cerrar fileiras sob o guarda-chuva do PMDB.

Nascido de uma vigorosa mobilização operária, o partido de Lula rejeitava alianças com o empresariado e com políticos tradicionais. O "obreirismo" dessa fase vinha acompanhado do "espontaneísmo": confiava-se mais no potencial autônomo dos movimentos sociais do que nas orientações de uma direção monolítica. A influência da igreja, também decisiva naqueles anos de formação, trazia a forma organizativa das comunidades católicas para o interior do partido; naqueles tempos, nada se fazia sem "consultar as bases".

Uma mistura de descontentamento geral contra "tudo o que está aí" tingia de humor intransigente, e de forte puritanismo, uma ideologia ainda não completamente formulada, mas que sem dúvida buscava se apresentar como algo novo na tradição e na prática política brasileiras.

Não é preciso grande esforço analítico para notar de que modo o PT de hoje se afasta do PT de 1980. Se o escândalo do mensalão implodiu suas últimas pretensões a "mudar a forma de se fazer política no país", foi entretanto longo o caminho da sigla até a desmoralização, o conformismo e a esclerose.

De início, a necessidade de apresentar propostas nítidas fincou o PT como uma espécie de representante anacrônico e radicalizado do estatismo e do nacionalismo da era Vargas, carregando frequentemente as bandeiras da "reforma social na marra", do messianismo e da ilegalidade.

O projeto de poder do PT passava entretanto, e felizmente, pela via eleitoral. Foi a senha para que, dos princípios rígidos de origem, se transitasse para uma prática de acordos e alianças impostos de cima para baixo. O destino do PT não seria diferente do experimentado por seus congêneres social-democratas na Europa, ao longo do século 20.

Mas a democracia brasileira possui suas peculiaridades, dentre as quais o predomínio da oligarquia e do poder de Estado sobre a livre organização da sociedade. Pouco já se falava de "bases" e "princípios" quando estourou o caso do mensalão.

O pragmatismo transformou-se em cinismo, por parte dos envolvidos, e em perplexidade, por parte dos simpatizantes. Manteve-se, incrivelmente, a arrogância de sempre: prevaleceu a pose de indignação enquanto a força gravitacional do Estado tornava ridículas as intenções de "refundação" partidária aventadas no auge da crise.

À sombra do prestígio de Lula, que se sobrepôs à sigla, o PT hoje se resume a uma entidade paraestatal, reproduzindo uma história secular na política brasileira: é, como outros antes dele, meramente o Partido do Poder.

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