segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Lula deixa atritos diplomáticos para o seu sucessor

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Substituto do presidente terá ao menos 8 imbróglios na política externa, entre eles a relação com os EUA

Denise Chrispim Marin, BRASÍLIA

O sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva herdará na política externa brasileira uma agenda tão ativa que camuflou omissões, como nas relações com os Estados Unidos e no aprofundamento do Mercosul. Lula deixará de herança pelo menos oito imbróglios que tendem a piorar ao longo deste último ano de mandato.

Observador atento da política externa, o embaixador Rubens Ricupero avalia que, no terreno internacional, Lula foi favorecido por sua personalidade carismática e por sua história de vida. Mas o presidente igualmente teve a sorte de atuar em um período de escassez de figurantes emblemáticos na cena global. O quadro, entretanto, tende a mudar especialmente no caso de eleição de José Serra (PSDB) ou de Dilma Rousseff, pré-candidatos considerados mais tocadores de obras que Lula e menos dotados do gosto retórico e do protagonismo que o atual presidente.

"Sem desconhecer seu mérito pessoal, Lula tem jogado sozinho. Todos os atores da cena internacional, inclusive no Oriente Médio, são meia-tinta", afirma Ricupero, que atuou como embaixador do Brasil em Washington e Genebra e hoje dirige a Faap. "Qualquer que seja seu sucessor, o pêndulo voltará a pender para uma política externa mais normal. Ou seja, menos ativista", completou.

A possível normalização da política externa, porém, não eliminará a tarefa do futuro governo de lidar com o espólio deixado por Lula. O embaixador José Botafogo Gonçalves, diretor do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, acredita que o principal desafio será a afirmação do Brasil como principal país da América do Sul. Ele avalia que Lula abandonou o Mercosul para apostar nos acertos bilaterais com seus sócios, errou na dose da reação à Bolívia e, agora, se omite diante das recentes iniciativas do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, de restringir a liberdade de imprensa. "Nesse sentido, a herança deste governo é ruim. Mas não é catastrófica nem irrecuperável."

Ricupero acentua que as apostas do Brasil de Lula na América Latina não prosperaram, e o País se omitiu em atuar em conflitos nos quais poderia ter papel mediador - Argentina-Uruguai, no caso da fábrica de celulose, Colômbia-Equador, no caso do abrigo à guerrilha. O panorama tende a se complicar, com a eleição do candidato de direita para a Presidência do Chile, o desgaste interno de Chávez e o fiasco da posição brasileira em Honduras. O ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul tende a piorar o cenário. "Se Chávez continuar no Poder, o Mercosul será cada vez menos operacional. Se Chávez deixar o Poder, a Venezuela sairá do Mercosul, e isso será um desastre para o bloco", avalia o embaixador.

AMADURECIMENTO

Nos círculos diplomáticos de Brasília, a aposta está em uma atuação mais madura do futuro governo na área externa. Para o economista Renato Baumann, diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) no Brasil, a pretensão brasileira de atuar em conflitos de outras regiões, como na mediação dos conflitos Israel-Palestina, é algo totalmente novo.

Mas o pior desafio do sucessor de Lula, avaliam os especialistas, será dar um rumo positivo à relação Brasil-EUA, cuja estagnação é frequentemente disfarçada no Itamaraty com retórica de que foi construída a "cooperação mais densa da história". Para Ricupero, a relação bilateral foi prejudicada e estressada por provocações gratuitas do governo brasileiro que, muitas vezes, tiveram terceiros países como causas. Entre elas, a recente disputa do Brasil pelo comando da reconstrução do Haiti, o embate sobre a crise política em Honduras e a reação ao acordo de cooperação militar entre Colômbia-EUA.

A decisão do governo Lula de preterir os caças F-18 da americana Boeing e de optar pelos Rafale, da francesa Dassault, tenderá a engrossar esse passivo, uma vez que estão em jogo alianças mais amplas na área de defesa. Mas, dentre todas as rusgas alimentadas, até mesmo diplomatas brasileiros reconhecem que a aproximação do Brasil com o Irã terá um preço grande, que deve ser cobrado especialmente pelos EUA. Deverá ainda repercutir na posição brasileira no Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o País detém uma cadeira não-permanente, e na Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), em maio.

"Haverá algum movimento em direção ao Irã em 2010. O Irã representa para Israel uma ameaça infinitamente mais grave que o Iraque de Saddam Hussein", avalia Ricupero. "O Brasil se colocou na pior posição possível. Esse é um problema concreto. Não é uma bobagem platônica." Baumann argumenta que a posição do Brasil sobre questões de ordem multilateral devam ser separadas dos temas de sua relação com os Estados Unidos.

Mas há pouca evidência de que a Casa Branca será pragmática a tal ponto, especialmente neste momento em que perdeu a maioria dos votos no Senado para o Partido Republicano. Ainda pendentes, as visitas do presidente Barack Obama e da secretária de Estado, Hillary Clinton, neste semestre, podem dar alguma luz sobre essa reação.

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