terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Desafetos pressionam Chávez

DEU EM O GLOBO

Ex-aliados isolam presidente ao pedirem que deixe o governo, que consideram ilegítimo

CARACAS – Cresce a pressão sobre o governo de Hugo Chávez. Depois do vice-presidente e ministro da Defesa, Ramón Carrizález, ter pedido demissão na semana passada, e de milhares de estudantes oposicionistas irem às ruas por dias seguidos protestar contra as restrições a canais de TV a cabo, ontem foi a vez de um grupo de ex-aliados — incluindo antigos ministros e militares — pedir a renúncia do presidente, alegando que tudo o que Chávez argumentara para chegar ao poder em 1999 “hoje o torna ílegitimo”. Cada vez mais isolado, o governo ampliou ontem o plano de racionamento elétrico na capital, para contornar a crise de energia do país: a obrigatoriedade de diminuir consumo em 20% se estenderá a mais categorias de grandes consumidores, como hotéis, indústrias e escritórios.

Pequenos comércios e residências não seriam afetados.

Segundo o texto de protesto publicado ontem em diversos jornais por ex-chavistas, o presidente “não tem autoridade moral e material para governar, porque não responde à satisfação das exigências do povo”. Entre esses antigos aliados que hoje formam o chamado Polo Constitucional, que assina o documento, destacam-se o ex-chanceler Luis Alfonso Dávila, o exchefe militar e ministro da Defesa Raúl Baduel, e os militares Yoel Acosta e Jesús Urdaneta, que eram do comando das Forças Armadas e participaram, junto com Chávez, da tentativa de golpe de Estado em fevereiro de 1992.

Líderes estudantis denunciam abusos

O grupo cita como argumentos que Chávez usou para chegar ao poder em 1999 os princípios de Simón Bolívar e a luta contra a insegurança, a pobreza e a corrupção.

— Tudo o que o senhor argumentou para chegar ao poder hoje em dia o ilegitima. O povo sofre com a insegurança pessoal, com menos liberdade, com menos segurança jurídica e social. E se aprofunda a pobreza de nossa gente — leu o exchanceler Luis Alfonso Dávila ao apresentar o manifesto.

Ainda segundo o texto opositor, após mais de uma década de governo, os serviços públicos “são um caos”; a economia “vive uma de suas crises mais profundas apesar da abundância de petróleo”, e a corrupção, “que constitui o estigma moral de um governo e foi bandeira de sua proposta política”, favorece “o enriquecimento ilícito mais obsceno já presenciado”.

O texto condena ainda a repressão contra meios de comunicação e jornalistas, tachando-a de “violação descarada e permanente dos direitos humanos”, e contra manifestações de estudantes. Ainda ontem, líderes de três das principais universidades venezuelanas se reuniram para denunciar a repressão que vêm sofrendo, como o ataque de vândalos contra a Universidade Católica Andrés Bello na última sexta.

— A denúncia é que estamos sendo sistematicamente atacados por grupos violentos que não representam opção alguma, que são uma minoria — disse Roberto Patiño, presidente da Federação de Centros Universitários da Universidade Simón Bolívar, ao jornal “El Nacional”, acrescentando que a Promotoria investiga a universidade, sob a acusação de instigar a insurreição, devido a um comunicado em que a reitoria convocava professores a apoiar o movimento oposicionista. — Amanhã (hoje), o movimento estudantil estará na Promotoria para entregar provas de que somos inocentes. Os violentos são os outros.

Um dos líderes do movimento estudantil oposicionista, Roderick Navarro, da Universidade Central da Venezuela, também protestou: — Quanto mais nos reprimirem, mais iremos às ruas. Decidimos nos transformar nos protagonistas da mudança e deixar de ser espectadores da crise. Não podemos criticar, criticar e nada propor.

Presidente da Constituinte de 1999 e ex-chavista, Luis Miquilena também apoiou ontem a onda de protestos estudantis, defendendo que “é necessário enfrentar o poder Executivo e isso só é possível com a união de todas as forças cívicas que existem no país”.

Segundo o jornal local “El Universal”, o Foro Penal Venezuelano (FPV) e outras organizações não governamentais denunciaram ontem que, na última semana, 14 violações diretas dos direitos humanos foram registradas, assim como 85 prisões em sete estados do país — incluindo Mérida, onde dois jovens morreram em protestos na última terçafeira.

Integrante do FPV, o advogado Alfredo Romero afirmou que a semana passada foi de “grave repressão” e de forte perseguição política, e que nas manifestações em repúdio à suspensão do sinal da TV a cabo RCTV, as detenções foram feitas arbitrariamente por policiais e forças de segurança do Estado.

“Quanto mais nos reprimirem, mais iremos às ruas. Decidimos nos transformar nos protagonistas da mudança e deixar de ser espectadores da crise"

Roderick Navarro, líder estudantil

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