segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Agora é hora da folia. E depois dela?:: Marco Antonio Rocha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quarta-feira sempre desce o pano.

É o que dizia Chico Buarque de Holanda em Sonho de um Carnaval. Mas nesta quarta-feira, depois de amanhã, no Brasil-2010, o pano sobe: "Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo" - diria Fiori Gigliotti no seu inesquecível bordão. Aliás, dois soberbos espetáculos do ano: eleições para presidente da República e Copa do Mundo. Os brasileiros terão um olho na África do Sul, outro nas urnas de outubro. Torcendo para que o ano não seja um desengano.

Não será, se os candidatos à sucessão de Lula tomarem tento do que realmente é preciso fazer para que a economia brasileira continue surfando na onda de bonança e, sobretudo, se o setor privado brasileiro sair da modorra de só falar de juros ou impostos e se empenhar, de fato, em avanços tecnológicos e da produtividade.

Por enquanto, a sucessão de Lula está emaranhada no passado, mais do que comprometida com o futuro. Na oposição e na situação os discursos são sobre quem teve mais méritos e quem merece mais créditos pelo que já foi feito no País, e não sobre o que se pretende fazer para que as boas perspectivas não se desvaneçam. Pode ser que depois de quarta-feira essa fala entediante ceda lugar a alguma coisa de mais "sustança" - como se diz - para a moderna consciência cidadã. Tomara, pois o momento é crítico e o País não pode perder o foco da oportunidade que a economia mundial está abrindo nem perder tempo com um debate ideológico ultrapassado.

Quem revisar um pouco da história recente da economia brasileira verá que uma oportunidade como essa apareceu no final da 2ª Guerra Mundial, durante a qual as grandes potências em luta disputaram avidamente matérias-primas estratégicas, alimentos e outros fornecimentos brasileiros, o que encheu nossas burras de ricas divisas internacionais - que seriam dilapidadas logo depois pelos governos de um país completamente infantil em termos de planejamento estratégico (que nem existia) e de defesa dos seus próprios interesses. O azar foi que o fim da guerra e a oportunidade por ele oferecida coincidiram com o fim de uma ditadura de cerca de 15 anos num Brasil que se viu, por isso mesmo, mais empenhado em criar uma democracia (que nunca tinha tido) do que em cuidar das suas finanças e do seu futuro. Qualquer semelhança com o período de 1985 para cá deveria ser tema de estudos...

A oportunidade que aparece agora é dupla, vem de fora e de dentro. As grandes economias do mundo não estão em guerra como em 1939-45, mas buscam um lugar estável e promissor para ancorar seus capitais, depois do vendaval financeiro de 2008. Dos quatro Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) - não duvidemos - o Brasil é o mais promissor e o mais estável no que se refere a oportunidades de investimentos. Digam o que disserem e escrevam o que escreverem, é um rematado idiota o investidor institucional ou individual que, em busca de oportunidades, acredite numa Rússia, cheia de máfias estranhas, onde até o governo é mafioso; ou numa Índia, com dezenas de dialetos, de seitas, de castas, de religiões e milhões de famintos; ou numa China, com população maior e quadro cultural ainda pior, além de um governo que pode fuzilar quem lhe aprouver sem dar satisfações ao mundo; e menospreze o Brasil como plataforma de bons negócios...

Mas, ao cenário externo propício, junta-se uma novidade interna importante, que vem sendo identificada por diversos economistas e analisada em publicações especializadas: a rápida ascensão das classes mais baixas de renda para faixas mais altas, causando, na prática, uma expansão inusitada da classe média brasileira, em tempo relativamente curto.

O professor Yoshiaki Nakano, em artigo publicado no jornal Valor (Dinamismo Doméstico, 9/2/2010, página A11), dizia que "a economia brasileira se está convertendo numa economia com mercado de consumo de massa das maiores do mundo". E quantificava sua opinião estimando que a classe "C", nos últimos 15 anos, passou de 32% para 52% da população, o que representa hoje "mais de 90 milhões de consumidores incorporados ao mercado". E, já que estamos em tempo de Copa, basta dizer que isso equivale à população inteira do Brasil na Copa de 1970 - "Noventa milhões em ação, salve a seleção..." era o hino.

Ora, um dos principais fatores entre os que contribuíram para tornar gigantes as economias gigantes do mundo moderno foi a formação de um grande mercado interno de consumo de massa, que atrai investimentos externos, estimula investimentos internos, aumenta a produção, reduz os preços médios e gera empregos, num círculo virtuoso contínuo. O fenômeno que o professor Nakano aponta cresceu sobre dois pilares: o fim da inflação galopante, a partir de 1994, e o início das políticas afirmativas de distribuição de renda, acentuadas a partir de 2003. E teve três instrumentos: disciplina fiscal dos governos (ainda incompleto), câmbio flutuante e metas de inflação - mantidos por FHC e por Lula da Silva.

Há riscos adiante - de ressurgimento da inflação e de crise cambial. Por isso os economistas afirmam que o programa vitorioso precisa ser reforçado para exorcizar os riscos, ainda neste próximo mandato governamental. Mas quem já ouviu os presumíveis candidatos falando disso? Ou seus seguidores? Ou seus partidos? Quem apresentou algum programa antiborrasca?

Só o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem feito advertências. No governo, o PT está para aprovar, depois do carnaval, um programa que, se for o que já se divulgou, é pró-borrasca. E tanto no governo como na oposição o papo é de fofoqueiras de telenovela.

Mais seriedade e debates menos levianos sobre um verdadeiro projeto nacional são o que desejamos para depois do carnaval. E na campanha eleitoral.

Marco Antonio Rocha é jornalista.

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