terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Vice de Chávez deixa o governo

DEU EM O GLOBO

Renúncia de Ramón Carrizález, homem de confiança do presidente, agrava crise na Venezuela

CARACAS - Logo após a polêmica decisão de cortar o sinal de seis canais de TV a cabo no fim de semana, que gerou uma nova onda de protestos da oposição, o governo venezuelano liderado por Hugo Chávez deu ontem outro grave sinal de desgaste. O vice-presidente do país e ministro do Poder Popular para a Defesa, Ramón Carrizález, apresentou sua carta de demissão a ambos os cargos no sábado. A notícia, porém, só chegou ontem à imprensa venezuelana.

Num comunicado oficial, Carrizález disse deixar o governo por motivos estritamente pessoais, assim como sua mulher, Yuvirí Ortega, que estava à frente da pasta do Ambiente e também abriu mão do cargo.

A saída do vice-presidente — militar aposentado considerado um dos homens de confiança do governo — ocorre duas semanas após Chávez ter demitido o ministro de Eletricidade, Ángel Rodríguez, da pasta que acabara de criar para tentar contornar a atual crise de energia, uma das várias que o país atravessa. Chávez culpou-o por novos apagões em Caracas. Para analistas, a demissão do vice-presidente agrava a crise política no país.

— Ao perder Carrizález, o presidente perde um de seus funcionários mais leais. Chávez está encontrando muita rejeição no momento, inclusive no meio militar, no qual nem todos estão de acordo com as pretensões que o presidente vem anunciando para o setor, como a criação das milícias bolivarianas.

E as demissões não devem parar por aí — acredita Manuel Malaver, analista político venezuelano.

Ontem, a emissora de capital estatal Telesur informou em sua página que, “por meio de um comunicado de imprensa, Carrizález esclareceu que sua demissão não se relaciona a divergências com o Executivo, e qualquer outra versão sobre o caso é falsa e tendenciosa”.

Fontes do governo, porém, indicam que desde o começo do ano já havia certa pressão pela retirada de Carrizález dos dois cargos — mas o coronel, nomeado por Chávez, ainda encontrava algum apoio do Executivo.

Para substituir Carrazález na vice-Presidência, dois nomes estariam em estudo: José Vicente Rangel (vice de Chávez de 2002 a 2007) e Luis Reyes Reyes. E, em seu lugar na Defesa, assume o general Carlos Mata Figueroa, que ocupava o cargo de chefe do Comando Estratégico Operacional.

Saída precedida por polêmica

Segundo o jornal venezuelano “El Nacional”, autoridades ligadas ao governo afirmam que frequentes desentendimentos entre Carrizález e o ministro de Obras Públicas e Habitação, Diosdado Cabello, teriam levado ao pedido de demissão. O estopim teria sido a suspensão de sinal do canal a cabo RCTV Internacional neste fim de semana, ato comandado por Cabello.

O vice-presidente discordara da medida, alegando que “um acordo satisfatório para ambas as partes” poderia a ser alcançado. A decisão de tirar a TV e outros cinco canais do ar, porém, teve o aval de Chávez e foi cumprida.

Já segundo Nelson Bocaranda Sardí, colunista do jornal venezuelano “El Universal”, haveria um mal-estar entre Carrizález e seu substituto no Ministério da Defesa. No começo do mês, Chávez divulgara que os EUA haviam invadido o espaço aéreo venezuelano.

A foto apresentada por Chávez como sendo do avião invasor americano teria sido baixada, na verdade, da internet, afirma Sardí, e Carrizález levara a culpa pelo erro. Ao ser repreendido, o vice reagiu indignado e atribuiu a responsabilidade pelo episódio a Carlos Mata Figueroa, dizendo que o general havia entregado a imagem errada ao presidente, como se fosse “uma bomba de nossa inteligência militar”.

A saída de Carrizález é mais um capítulo da instabilidade enfrentada pelo presidente Chávez. A atual crise de energia, disparada por uma longa estiagem que secou represas e ameaça a principal hidrelétrica do país, responsável por 70% do abastecimento, causou reprovação na capital devido às polêmicas medidas de racionamento.

A recente e forçada desvalorização do bolívar e a escalada da inflação — que especialistas acreditam que possa subir a 60% nos próximos meses — afundam a economia. E o aumento da criminalidade, que explode na capital, também ameaça a popularidade do governo, que nunca esteve tão baixa, às vésperas das eleições legislativas, marcadas para setembro.

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