segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Piñera vence no Chile e quebra hegemonia da esquerda

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O candidato da direita, Sebastián Piñera, venceu ontem as eleições presidenciais chilenas e pôs fim a 20 anos de hegemonia da coalizão de centro-esquerda Concertação, relata a enviada especial Ruth Costas. O ex-presidente Eduardo Frei, candidato governista, reconheceu a derrota no fim da tarde. O sucessor de Michelle Bachelet é um dos empresários mais importantes do Chile, com patrimônio de US$ 1,2 bilhão. Há 52 anos, a direita não vencia uma eleição presidencial.

Piñera é eleito e enterra 20 anos de hegemonia da esquerda no Chile

Direitista diz que dias melhores estão chegando para o Chile, pede unidade e oferece diálogo à Concertação

Ruth Costas, enviado especial em Santiago

Após 20 anos de hegemonia da coalizão de centro-esquerda Concertação, o candidato da direita, Sebastián Piñera, venceu ontem as eleições presidenciais chilenas. O candidato governista e ex-presidente, Eduardo Frei, reconheceu a derrota no fim da tarde e, depois de felicitar Piñera, prometeu que o fracasso da Concertação é "apenas uma parada no nosso caminho".

Com 99% das urnas apuradas, o candidato direitista tinha 51, 61% dos votos e o ex-presidente da Concertação, 48,32%. "Continuaremos a ser guardiães da liberdade e das conquistas sociais no Chile", disse Frei depois de confirmada a derrota.

A Concertação estava no poder desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e foi responsável pela consolidação democrática e por uma série de avanços sociais e econômicos. Há 52 anos a direita não ganhava uma eleição presidencial no país.

Para comemorar a vitória, milhares de simpatizantes de Piñera foram para as ruas em todo o Chile. "Estão chegando tempos melhores para o Chile", disse Piñera, após pedir unidade e oferecer diálogo à Concertação. "A democracia chilena deu hoje um novo e grande passo demonstrando sua solidez e maturidade."

Piñera é um dos empresários mais importantes do Chile e tem um patrimônio de US$ 1,2 bilhão, que inclui as ações majoritárias da companhia aérea LAN, uma rede de TV e o time de futebol Colo-Colo. Durante a disputa, ele procurou se distanciar da direita pinochetista, mas sua coalizão também inclui setores conservadores "duros", como a União Democrata Independente (UDI).

Sua campanha prometeu "mudança" para os chilenos, embora as promessas se refiram mais à alternância de poder do que a uma alteração no modelo de desenvolvimento chileno. "A mudança será boa para o Chile: será como abrir uma janela para que o ar fresco possa entrar", disse Piñera ao votar.

Entre os fatores que ajudaram o direitista a subir nas pesquisas estão o desgaste da Concertação, após duas décadas no poder, e os desentendimentos entre os setores governistas. No primeiro turno, por exemplo, Frei conseguiu apenas 29% dos votos (15 pontos a menos que Piñera) porque a esquerda apresentou três candidatos - também concorreram o dissidente Marco Enríquez-Ominami e o comunista Jorge Arrate.

QUADROS PINOCHETISTAS

Nos bastidores, até autoridades do governo reconheciam que a escolha do ex-presidente como candidato foi um erro. Primeiro, por sua falta de carisma. Segundo, porque Frei terminou seu primeiro mandato (1994-2000) muito mal avaliado, após não conseguir conter os efeitos no Chile da crise asiática.

No último debate, Piñera reconheceu que alguns integrantes de seu bloco político cometeram "erros" na ditadura, mas disse que simplesmente ter colaborado com o regime Pinochet, sem ter cometido abusos aos direitos humanos, não era "nenhum pecado". Além disso, ele não descartou a possibilidade de incluir em seu governo autoridades do regime militar, embora tenha dito que isso seria "pouco provável".

Um comentário:

Unknown disse...

Democracia, volver

Soa exagerado interpretar a vitória de Miguel Piñera no Chile como sinal de reação conservadora na América Latina. O equívoco é repetido por apologistas de direita e de esquerda. Os primeiros gostam de trombetear vingança, criando um paralelo com José Serra nas eleições brasileiras; os demais pensam em forças malévolas, necessariamente retrógradas e autoritárias.
Não existe essa onda conservadora no continente. A recente vitória de Pepe Mujica no Uruguai equivaleu, em proporções muito menores, à de Lula no Brasil. E restam ainda Lugo, Morales, Chávez.
“Esquerda”, “centro” e “direita” são simplificações úteis em noticiários e discursos partidários, mas neutralizam uma diversidade humana cada vez mais decisiva num ambiente institucional dominado pelo pragmatismo. Isso vale, especificamente, para o Chile: até que ponto o governo de Michelle Bachelet pode ser rotulado como “de esquerda”? Empresários são inevitáveis crápulas políticos?
A alternância democrática é marcada justamente pelo revezamento cíclico de forças políticas divergentes. Projetos eleitorais se esgotam, pessoas cansam, plataformas caducam. A derrota de candidatos com discursos progressistas, especialmente os que deixam o poder, pode significar a possibilidade de aprender com a experiência administrativa e construir novos consensos.
Tudo depende do contexto político-partidário. Em certas circunstâncias, a renovação é necessária e louvável, mas em outras é apenas aparente. No caso brasileiro, uma vitória de Serra poderia realmente significar um retrocesso histórico do qual demoraríamos décadas para nos recuperar.