sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O diretor Sílvio Tendler prepara documentário sobre Tancredo Neves

DEU NO JORNAL DO BRASIL / Caderno B

Bernardo Costa

RIO - Autor de documentários como Os anos JK (1980), e Jango (1984), Sílvio Tendler vê com frequência sua arte entrelaçar-se com os fatos políticos e sociais que retrata. Foi assim com o longa sobre o presidente deposto no golpe militar de 1964 que, visto por mais de 1 milhão de pessoas no ano de seu lançamento, teve uma canção de sua trilha sonora, Coração de estudante, de Milton Nascimento e Wagner Tiso, eleita o hino do movimento das Diretas Já. Agora, o cineasta volta-se novamente para o período e seus reflexos na democracia atual, através de uma de suas maiores figuras, o presidente Tancredo Neves, 25 anos depois de sua morte. Tendler espera lançar o longa Tancredo, a travessia em abril – mesmo mês em o político morreu, em 1985, impedindo assim que ele assumisse de fato a presidência, passando o comando da nação ao vice, José Sarney – junto a Utopia e barbárie, um projeto que o documentarista vem desenvolvendo há 19 anos. Mais que revelar a história do político, Tendler quer mostrar os bastidores da transição do poder no Brasil.

– Quero desconstruir as articulações políticas. Mostrar como se dá a política parlamentar, como foi possível a candidatura Tancredo Neves e quais artifícios ele utilizou para se lançar candidato à presidência da república e conseguir se eleger em 1985. Esses mecanismos não mudaram muito de lá pra cá – compara Tendler. – Quem milita politicamente e se acha extremamente importante, percebe que, ao contrário do que gostaria, não é um bispo, mas apenas um peão desse xadrez do poder. Quero mostrar como Tancredo, em plena ditadura militar, consegue convencer os setores de esquerda e de direita de que há uma transição possível para a democracia que não passa pela violência, mas sim pela negociação.

O documentário traz depoimentos de figuras de diferentes esferas políticas do período, para criar um mosaico completo das mudanças pelas quais o país passava.

– Falei com Paulo Maluf, adversário de Tancredo durante as eleições de 1985; fui atrás do general Leônidas, homem do esquema militar. Vou ouvir o Jarbas Vasconcelos, que era do MDB, mas se recusou a votar no Tancredo, e o Airton Soares, que foi expulso do PT por ter votado nele. Colhi depoimentos de jornalistas com pensamentos diferentes como o (articulista do Jornal do Brasil) Mauro Santayana, que era muito próximo ao Tancredo, e Ricardo Kotscho, que está longe de ser tancredista. Cada um desses depoimentos é surpreendente em algum aspecto. Não privilegio ninguém, faço história.

Outra peça política fundamental na sucessão política do período ouvida pelo diretor é José Sarney, o que acabou gerando um boato que o atual presidente do Senado também seria biografado por Tendler.

– Essa é uma besteira que está rolando na internet. Houve um diálogo entre eu e Sarney de que precisávamos fazer algo juntos, pois a entrevista foi uma aula de política. Aí alguém contou para um repórter que me atazanou durante uma semana – revolta-se. – Queriam, que eu destilasse preconceito contra Sarney e isso não vou fazer; até porque eu nunca vi nenhum político ser condenado pela Justiça no Brasil, nem mesmo o Collor. Por que eu vou condená-lo antecipadamente? Não sou preconceituoso nem à esquerda nem à direita.

Junto aos depoimentos, o cineasta realiza um longo trabalho de pesquisa de imagens, processo que Tendler considera mais fácil hoje do que em empreitadas anteriores.

– Nem se compara ao que passei em 1976, quando fiz Os anos JK. Naquela época, consegui imagens na base da amizade, do favor – recorda o diretor. – Desde então, fui montando um acervo particular, que hoje conta com mais de 100 horas em vídeo. Fora isso, pesquisei no CPDoc do Jornal do Brasil, em cujas imagens me concentrei para o filme. Ainda fiz pesquisas na Cinemateca Brasileira, no Arquivo Nacional, nos acervos da TV Globo e TV Bandeirantes, entre outros lugares.

Preparando-se para lançar dois filmes no mesmo período – Utopia e barbárie é um projeto autobiográfico, com os principais fatos que o cineasta presenciou desde o AI-5, em 1968 – Tendler só se mostra descrente do cinema quando o assunto é a distribuição, que, na sua opinião, é precária para a maioria das produções lançadas no Brasil.

– Costumo dizer que a gente não lança filmes, conta segredo. A maioria dos cineastas brasileiros fica espremida em poucas salas diante de um arrasa-quarteirão holywoodiano, filmes que chegam aqui bombardeados pela mídia estrangeira e repercutem massivamente nos meios de comunicação nacionais – indgna-se. – Também não conseguimos dialogar com a nossa realidade no cinema brasileiro, que sempre macaquequeou o que vem de fora. Precisamos encontrar uma linguagem própria.

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