quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mercado doméstico e desenvolvimento

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Antonio Corrêa de Lacerda*

O momento atual marca a pujança do mercado interno brasileiro, que foi fator determinante para a rápida saída da crise em 2009, assim como será em 2010 um importante impulsionador do crescimento econômico. Emprego, renda, políticas sociais e crédito são os fomentadores do processo. A recuperação do emprego e o crescimento dos salários reais têm mantido a massa salarial em ascensão - cresceu 24% reais no acumulado dos últimos quatro anos, numa trajetória que passou quase incólume na crise.

A maior confiança do consumidor e a ação dos bancos públicos propiciaram uma rápida recuperação e ampliação do crédito, especialmente à pessoa física, que praticamente dobrou sua participação no PIB nos últimos cinco anos, atingindo 15%, sem que tenha havido aumento da inadimplência. Isso também denota que ainda há muito espaço para continuar crescendo sem grandes riscos.

Com esse quadro o setor industrial, que foi o mais afetado pela crise, mostra forte recuperação. O nível de utilização da capacidade instalada das indústrias tem voltado gradualmente aos padrões observados no período pré-crise. Isso é diferenciado segmento a segmento, mas no cômputo geral a situação tem melhorado, o que deve impulsionar os projetos de novos investimentos. Algo que é fundamental para garantir que não haja descompasso entre demanda e oferta no futuro próximo.

Portanto, o mercado interno é um ativo importante para o crescimento, especialmente no quadro atual, em que a demanda internacional ainda é fraca. No entanto, seria um equívoco concluir que o Brasil pode descuidar do seu setor externo.

Na verdade, o que garantiu nos últimos anos uma maior autonomia da política econômica doméstica foi justamente a tranquilidade proporcionada por uma situação confortável das contas externas, algo inédito nas últimas décadas.

Foi a partir da diminuição da dívida externa; da melhora da qualidade do passivo externo, com o ingresso de capitais de longo prazo, especialmente investimentos; e a redução do déficit em conta corrente, com um saldo comercial robusto, que foi possível atingir um recorde na acumulação de reservas cambiais. Isso permitiu que a economia doméstica pudesse conviver com um quadro de inflação relativamente controlada, uma taxa de juros reais ainda elevada, mas em declínio e com capacidade de expandir o crédito. Não fosse a boa posição do setor externo, o País seria muito mais afetado pela crise e a retomada seria mais lenta e dolorosa.

Mas o "sucesso" no quadro externo - também ajudado pela conjuntura internacional extremamente favorável nos anos 2002-2007, aliada à passividade da política cambial brasileira e à permanência de taxas de juros domésticas elevadas - nos levou a um quadro de valorização cambial.

Por causa do fator câmbio, mas também da ausência de políticas eficazes de incremento das exportações, há uma piora da qualidade da exportação e uma deterioração do superávit comercial, que se reduziu de US$ 46 bilhões, em 2006, para US$ 25 bilhões, no ano passado. Além disso, temos um déficit estrutural na conta de serviços e rendas (US$ 50 bilhões em 2009, basicamente por causa das remessas de lucros e dividendos ao exterior, pagamento de juros sobre a dívida externa, gastos de viagens internacionais, entre outros).

Como consequência, o resultado em transações correntes saiu de um superávit de 1% do PIB, em 2006, para um déficit de 1,3%, em 2009, e que pode mais que dobrar este ano. Mais do que o montante em si, preocupa a rapidez da inversão e o seu crescimento exponencial.

É claro que a situação não é desesperadora. Muito ao contrário, porque o Brasil conta com US$ 241 bilhões de reservas cambais acumuladas, é popstar no mercado internacional e vai continuar a atrair muito capital externo para se financiar. Também não estamos falando de um problema para os próximos dois anos, mas para as próximas décadas. A nossa experiência e a de outros países não emissores de moedas conversíveis já demonstraram que toda vez que descuidamos do setor externo a economia doméstica tem o seu desempenho restringido, a despeito do potencial do seu mercado.

*Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP, doutor em Economia pela Unicamp, é economista-chefe da Siemens e coautor, entre outros livros, de Economia Brasileira (Saraiva)

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