quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Jarbas de Holanda:: Do velho esquerdismo no Fórum Social ao prêmio de “estadista global” em Davos

A ambiguidade do comportamento e das relações do presidente Lula tem esta semana mais uma oportunidade de evidenciar-se por inteiro em dois eventos simultâneos, de forte significado simbólico. Ontem, ele estava em Porto Alegre, ao lado de João Pedro Stédile, do MST, e de outros radicais nativos, latino-americanos e da Via Campesina européia, participando do balanço dos dez anos do Fórum Social Mundial. Num contexto em que cobranças de atos e propostas mais esquerdistas ao Palácio do Planalto foram diluídas pela própria retórica do presidente e pelo respaldo por ele recebido de sindicalistas e de militantes e dirigentes do PT, tudo ao final traduzido em manifestações de apoio ao governo e de prévia hostilidade aos adversários “neoliberais” na disputa da presidência da República. Mas enquanto participava desse diálogo “bolivariano”, Lula já tinha provavelmente definido com sua assessoria o conteúdo do discurso que vai proferir no Fórum Econômico Mundial, que se realiza em
Davos, na Suíça, reunindo os representantes das elites políticas e empresariais do Primeiro Mundo, ao receber o primeiro prêmio – de “Estadista Global” – conferido por elas a um governante. Como reconhecimento ao papel dele no combate aos efeitos da crise financeira desencadeada em 2008 e para preservação e garantia da estabilidade e do horizonte de crescimento do país com base na iniciativa privada. O discurso de Lula em Davos – aonde chegará acompanhado do presidente do BC, Henrique Meirelles – procurará certamente vincular e subordinar o realismo da política macroeconômica à redistribuição de renda, de par
com a retomada da proposta de políticas globais contra a fome e a defesa, insistente, de protagonismo do Brasil no cenário internacional.

Externamente, essa ambigüidade tem sido beneficiada pela identificação (por parte de tais elites) do presidente brasileiro como o contraponto possível – insuficiente por suas atitudes conciliatórias, mas mesmo assim importante – ao radicalismo antimercado e autoritário desencadeado na América Latina pelo chavismo e seus petrodólares. Numa onda que se configurou como capaz de espraiar-se por muito países além dos já envolvidos nela (Bolívia, Equador e Nicarágua); que quase afogou Honduras por meio do fracassado golpe reeleitoral tentado por Zelaya; influente na Argentina e no Paraguai; e buscando submeter a Colômbia, em parceria com as Farc. Mas o peso da referida identificação tende a diminuir progressivamente em face da perspectiva de mudança de cenário na região - de esvaziamento dessa onda com o crescente descontrole econômico na matriz dela, a Venezuela, com a erosão do desbragado populismo dos Kirchners, na Argentina, e com a vitória do liberal Sebastião Piñera, no Chile (que propõe uma ampla articulação antichavista (do México ao Chile, passando pelo Peru e pela Colômbia e incluindo o Brasil).

Internamente, porém, segue prevalecente e sem problema ainda visível a capitalização política feita pelo presidente Lula do prestígio e do relacionamento qualificado de que desfruta junto
aos governos e aos círculos financeiros dos países mais desenvolvidos. As quais, num quadro de consistente retomada do crescimento e apesar de tendências e passos centralizadores e dirigistas de vários setores do governo, desdobram-se em muitos negócios próprios e em associações com o Estado também de grandes empresas nacionais. É o mix dessa capitalização e desse jogo microeconômico com a intensificação dos programas
assistencialistas, o aumento real do salário mínimo e o largo empreguismo na máquina estatal, é a soma desses ingredientes, por mais contraditória que ela seja, que propicia, de um lado bons indicadores econômicos de crescimento do PIB, de baixa inflação, de mais empregos e de reforço do crédito corporativo, e, de outro lado, a melhora dos indicadores sociais e do grau de satisfação e confiança da maioria do eleitorado, que propicia os elevados índices de popularidade do presidente.

Tais índices são tão fortes que deverão poupá-lo de ataques diretos na disputa sucessória, até daqueles que se empenhará em provocar agredindo os adversários. Mas poderão ser
insuficientes como resposta ao desafio básico que ele tem pela frente: assegurar alto grau de transferência dessa popularidade para a candidatura de Dilma Rousseff. Cuja fraqueza própria está gerando ou ampliando dois problemas: a tentativa de grupos petistas de vetar a indicação de Michel Temer como candidato do PMDB a vice e a excessiva ideologização da campanha dela através de propostas ultraquerdistas, como a de institucionalização das invasões de terra e a do “controle popular” dos meios de comunicação, com potencial de quebrar a latitude da pragmática ambigüidade do lulismo.

Jarbas de Holanda é jornalista

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