terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Entrevista :: PSDB não deve temer plebiscito, diz professor

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Flávia Marreiro

Ante a popularidade do governo Lula e a estratégia polarizadora desenhada para catapultar Dilma Roussef, o PSDB deve apostar na personalização: dizer ao eleitor que o "sim" no plebiscito proposto pelo governo petista não significará a segurança de mais uma gestão do atual presidente, mas uma aventura dirigida por sua escolhida sem experiência eleitoral. Em outras palavras, os tucanos devem martelar que não há lulismo sem Lula.

A análise é do brasilianista Timothy Power, diretor do Centro de Estudos Latino-americano de Oxford (Reino Unido). "O PSDB tem de tocar na incoerência dessa ideia de plebiscito. O "sim" seria continuidade de uma maneira muito abstrata sem Lula. Não seria a continuidade de Lula", diz ele.

Power estudou a transição brasileira para o regime democrático e agora segue de perto os consensos gerados por PSDB e PT desde 1995, que permitiram construir o que ele chama de "social democracia pragmática brasileira".

Além de discutir o cenário eleitoral de outubro, o brasilianista defende, na entrevista abaixo, que o aumento da formalização do trabalho no Brasil é uma "revolução silenciosa" --aliada ao aumento real do mínimo, é o que leva o país a reduzir a desigualdade e, finalmente, entregar a uma parte maior da população as conquistas trabalhísticas getulistas e da Constituição de 1988.

FOLHA - Que cenário prevê para as eleições de 2010?

TIMOTHY POWER - Vai ser uma eleição apertada, mais apertada do que as duas últimas, quando Lula venceu com 61%. Mesmo com a inexperiência eleitoral da Dilma Rousseff, há uma série de características a seu favor: a economia vai bem. As pesquisas mostram que os brasileiros pensam que 2010 vai ser melhor que 2009. Esse otimismo e o desempenho do governo Lula são importantes. Eu daria vantagem para a Dilma, neste momento.Temos de ver como ela vai se sair na televisão, o que atualmente é uma incógnita. Mas os fatores estruturais são muito positivos para ela, para qualquer candidato do governo.

FOLHA - Em um artigo seu, o sr. apresenta a era FHC-LULA como um bloco só na construção da social-democracia pragmática brasileira. Mas, ao que parece, o eleitor não tem essa percepção. Dito isso, qual deve ser a estratégia do PSDB?

POWER - Os avanços dos dois governos de FHC nunca foram bem explicitados pelo próprio PSDB. O partido não soube vender os avanços eleitoralmente. Isso foi um grande defeito do Alckmin e também de Serra, em 2002. Vou dar um exemplo trivial: a telefonia celular. A expansão da telefonia só foi possível com a privatização do sistema nacional, em 1995. Mas o PSDB nunca tentou faturar com essa avanço. Se o Serra tivesse sido um candidato populista, ele teria ido à televisão com um celular na mão: "Esse é o celular de Fernando Henrique, foi ele que te deu".

Em segundo lugar, as reformas dos tucanos nos anos 90 foram muito mais estruturais e macroeconômicas. Mas as reformas de Lula tiveram muito mais impacto direto no bolso do cidadão. O aumento do salário mínimo foi positivo no governo FHC, mas foi mais acentuado no governo Lula, da mesma maneira o Bolsa Família. Então, nas questões que afetam o bolso, é óbvio que o governo Lula teve muito mais impacto direto. Recentemente, vi uma pesquisa na qual as pessoas foram perguntadas: qual o melhor governo FHC ou Lula? E foi estrondosa a vitória: 74% disseram que foi Lula, e só 16% disseram que foi FHC. A Dilma está lendo essas pesquisas também e por isso ela propõe uma eleição plebiscitária.

O caminho do PSDB deve ser questionar a preparação da Dilma para assumir a Presidência. Ela coloca a eleição como um plebiscito. Diz que o "sim" no plebiscito vai dar Lula, mas não vai. O PSDB tem de tocar na incoerência dessa ideia de plebiscito. O "sim" seria continuidade de uma maneira muito abstrata sem Lula. Não seria a continuidade de Lula.

O caminho para os tucanos vencerem a eleição tem de ser personalizar, marcando a experiência do Serra, e a relativa inexperiência da Dilma. Mas, no fim das contas, a luta que veremos será entre dois administradores. Ela, sem nenhuma experiência eleitoral, mas com muita experiência nacional. Outro, experiência bastante conhecida São Paulo e ainda a experiência no Ministério da Saúde do Fernando Henrique. Não vai ser a conexão com FHC que ajudará Serra. Serra tem sua própria máquina política. É 2010 ou nunca para Serra. É bem provável que Lula volte a ser candidato em 2014.

FOLHA - Lula, por ora, descarta 2014...

POWER - Não vejo porque Lula não seria candidato. Ele estará com 69 anos, e se ele estiver bem de saúde, é natural que queira voltar. Primeiro, porque ele vai deixar o governo com 80% de aprovação. Esperar oito anos é muito tempo para alguém tão popular. Segundo, ao ganhar as Olimpíadas, ele tem agora o incentivo de ser o presidente que abrirá os Jogos de 2016. Imagina ganhar as Olimpíadas para seu país e ter oportunidade de presidir os jogos. Você diria não? Muito difícil. Minha hipótese é que, se a Dilma for eleita presidente, em 2014 ela vai sentir um incontrolável desejo de ser governadora do Rio Grande do Sul.

A grande contribuição de Lula à política brasileira --não à população em si--, ao sistema político como tal, foi sua capacidade de fazer com que a esquerda fizesse aliança com forças de centro e até de centro-direita. É o grande milagre político de Lula. Não sei se existe outra figura na esquerda brasileira que poderia levar mais uma vez a esse tipo de aliança. Mas a aliança vai existir em 2010 porque Lula ainda é construtor dela. Dilma vai apenas assumir a candidatura. Ela pode assumir a Presidência, a administração do governo, mas, na questão das alianças, será Lula ainda o operador. Porque não vejo nela tanto capital político ou habilidade para fazê-lo.

FOLHA - Como sr. avalia a desistência de Aécio Neves para concorrer à vaga de candidato do PSDB?

POWER - Essa notícia terá muito efeito em Minas Gerais: mais uma vez Minas está fora da corrida da Presidência. No resto do Brasil, não vejo um efeito maior, não. Fora de Minas, o Aécio não teve muito sucesso em aumentar o nível de conhecimento do nome dele, mesmo sendo neto de Tancredo e tudo mais. Nunca chegou a 20% em qualquer simulação. Temos de ver como o eleitorado mineiro reage. Dilma tem raízes mineiras, tentará faturar isso. Hoje, o vice-presidente é de Minas...

FOLHA - No seu artigo, o sr. chama atenção para o apoio dos brasileiros à democracia, que de acordo com pesquisa Latinobarómetro, tem números ainda modestos: 53% dizem que é o melhor sistema, abaixo da média da América Latina, de 57%. Qual a sua hipótese para isso?

POWER - As pessoas tendem a formar suas opiniões sobre qualquer regime democrático novo num período bastante curto após a transição. Não sei dizer qual o período, mas uma experiência de cinco a sete anos parece sedimentar a ideia sobre o regime. Por exemplo, se tomamos os primeiros sete anos de democracia na Rússia, em todos os setes anos houve crescimento negativo. Ou seja, a primeira experiência dos russos com a democracia foi muito negativa. Se compararmos com o Brasil, a situação não é tão grave como foi na Rússia, mas entre 83 e 87 houve recessão e inflação. Nesse período, as altas expectativas que os brasileiros tinham com a democracia, em 1984, com as Diretas Já, no começo do Plano Cruzado, foram trazidas de volta à terra. E essa fase vai do fim do governo Sarney (1985-1990) até os dois primeiros anos do governo Itamar. Então, no trabalho, eu digo que se a transição tivesse acontecido em 1995, quem sabe essa experiência socializadora houvesse sido muito mais positiva, porque o Brasil depois de 1995 é outro país. Essa é a mensagem do meu trabalho.

FOLHA - Qual sua avaliação da política externa de Lula?

POWER - De modo geral, a política externa tem facilitado a emergência do Brasil como um ator no cenário internacional. É claro que quando se faz como Lula que quer estar em cinco lugares ao mesmo tempo, que provocar uma visibilidade intensa do Brasil, vai haver equívocos e erros. Por exemplo, nos últimos meses alguns acontecimentos levaram algumas pessoas a questionar essa intensidade. A presença do Zelaya na embaixada em Honduras, a visita do Ahmadinejad. As críticas que o Brasil vem recebendo de governos e pessoas que geralmente admiram o Brasil e Lula e a política externa brasileira, mostram que pode haver um certo teto, um certo limite nessa projeção.

Ao abrigar o Zelaya em Honduras o Brasil fez simplesmente uma aposta de que ele seria restituído à Presidência. A aposta não deu certo, e o Brasil saiu perdendo um pouco de prestígio. Lula parece ter o toque de Midas, mas nessa história do Zelaya não funcionou. No caso do presidente iraniano, o custo de ter recebido o Ahmadinejad foi alto, e deve ter uma retorno para pagar esse custo. Mas, pessoalmente, eu não vejo qual é. O único benefício é que o Brasil mostrou mais uma vez que quer dialogar com todo mundo. Aceita o diálogo com qualquer governo. Para justificar sua postura com a Venezuela, faz sentido receber o Ahmadinejad.

FOLHA - O sr. acha que, neste caminho de maximizar presença externa, o Brasil entra em rota de colisão com os EUA, como o episódio do presidente iraniano sugere?

POWER - Muitas pessoas querem apresentar essa questão como se fosse um jogo de soma zero. O Brasil ganhando, os EUA perdem. O Brasil tem muitas maneiras de maximizar sua visibilidade e projeção internacional sem entrar em rota de colisão com os EUA. Normalmente, os temas escolhidos por Lula são multilaterais, que goza de apoio de outros países, seja o G20 ou Copenhague. Não é um jogo de soma zero entre os dois países.

FOLHA - A procura de alunos que querem estudar Brasil aumentou em Oxford?

POWER - Muito. É uma tendência que a gente verificava nesta década mesmo antes do boom econômico, antes do Brasil virar assunto quente no noticiário. Estamos percebendo mais interesse pelo Brasil, principalmente em temas como a redução da desigualdade, o Brasil revertendo essa reputação de ser o campeão da desigualdade. As pessoas querem saber como o Brasil está conseguindo isso.

FOLHA - Mas, internamente, há a sensação de alguns modelos exitosos, como o Bolsa Família chegaram no limite da fórmula. O sr. não concorda?

POWER - Os avanços do primeiro mandato de Lula ficaram um pouco estagnados no segundo, porque o Bolsa Família vai ser um programa bastante inercial. Vai ser muito difícil reformar ou desmantelar. Vai se reajustar valores, mexer nas condicionalidades. O que está mudando um pouco é o incremento da formalidade do mercado de trabalho. Isso ajuda muito. Todas as conquistas da Constituição de 1988 e todas as conquistas da legislação trabalhista no Brasil não valem nada se você não tem carteira assinada. Mas em 2008, como eu digo no trabalho, a formalidade passou de 50% pela primeira vez. Isso é uma revolução invisível no Brasil. E ela é acompanhada por essa política de aumento do salário mínimo.

Quando o Collor era candidato, em 1989, ele prometeu um salário mínimo de US$ 300, e naquela época era US$ 30 e US$ 50. As pessoas riram. E em todos esses anos, o Brasil não passou nem perto de chegar a essa proposta. Mas se eu calculei bem, em janeiro, será US$ 294. Demorou 20 anos, mas Lula está cumprindo a promessa do Collor de 89.

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