domingo, 24 de janeiro de 2010

Confiança do consumidor se confunde com prestígio de Lula

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Roberto de Toledo*

"É o consumo, estúpido!" Essa parece ser a tradução, para o Brasil de 2010, da famosa frase do estrategista de campanha de Bill Clinton sobre o que define uma eleição: "The economy, stupid." Naquele ano de 1992, o candidato democrata foi eleito presidente graças à recessão em que os republicanos haviam metido os EUA. E James Carville entrou para a história como o marqueteiro que enxergou o ponto fraco do governo Bush (pai) e soube explorá-lo.

A frase virou moda no Brasil porque a economia definiu todas as eleições presidenciais desde então. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso elegeu-se por ser identificado como o pai do Plano Real e do fim da inflação. Em 1998, reelegeu-se na esteira da crise econômica mundial e da "ameaça" que a vitória de Lula representaria à estabilização da economia. Em 2002, desemprego e inflação em alta atrapalharam os tucanos e ajudaram o petista. Em 2006, a inclusão de milhões de pessoas no universo do consumo, graças a programas como Bolsa-Família, asseguraram o segundo mandato de Lula. E em 2010?

O ano da sucessão começa com a aprovação recorde do governo federal (72% de ótimo/bom) e pode terminar, se as previsões se confirmarem, com um crescimento entre 5,5% e 6,1% da economia do País. Mais: o consumo do setor privado, que vem aumentando a uma taxa anual média próxima a 5% desde 2004, deve se elevar ainda mais, e crescer 6,6%, segundo a MCM Consultores.

Popularidade e consumo em alta estão diretamente ligados. A comparação das séries históricas da taxa de aprovação do governo com a do Índice Nacional de Confiança (do consumidor) mostra um alto coeficiente de correlação entre eles: quando os consumidores estão confiantes, a popularidade de Lula cresce, e vice-versa.

Uma hipótese para explicar a oscilação combinada dessas duas variáveis é a ascensão social de nada menos do que 13% da população brasileira às classes econômicas A, B e C durante os seis primeiros anos do governo Lula. São 30 milhões de novos remediados. Essa história começa antes, na gestão tucana, mas quem faturou o resultado foi o petista.

Quando virou ministro da Fazenda, FHC encontrou uma sociedade em que apenas 37% dos brasileiros pertenciam às classes média e alta. Nos dois anos seguintes, o controle da inflação sozinho fez esse porcentual crescer para 45%. O problema é que, nos sete anos que vieram depois, a ascensão social perdeu impulso. Fernando Henrique entregou o governo com 47% de brasileiros nas classes A, B e C.

Após ratear no primeiro ano do governo Lula, a inclusão de mais pessoas ao rol dos consumidores não parou mais de crescer, batendo em 60% em 2008, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (com dados da PNAD, do IBGE). E, nos pisos inferiores da pirâmide, o elevador também funcionou: a classe E foi reduzida quase à metade, de 27% em 2002, para 16% em 2008. Isto é: muitos daqueles que não chegaram à classe média ao menos conseguiram recuar uma letra no alfabeto do consumo e pular da E para a D (que oscilou de 26% para 24% da população). São os pobres que ficaram menos pobres.

É bom que se diga: classe econômica, no caso, é sinônimo de classe de consumo. Nada a ver com nível educacional, por exemplo. Ou seja, a ascensão descrita acima se deve à maior capacidade de compra, seja pelo aumento real do salário mínimo, seja pelos programas de distribuição de renda, seja pelo acesso ao crédito, seja pela redução temporária de impostos sobre bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos.

Na imagem criada pelo filósofo Marcos Nobre, o governo Lula ampliou o diâmetro do círculo da inclusão traçado no governo FHC, mas ainda deixou muita gente de fora, 4 em cada 10 brasileiros. Como explicar então a adesão de tantos excluídos ao lulismo? Pela perspectiva, real ou não, de passar para dentro do círculo. Quando apenas um vizinho seu melhora de vida, você pode sentir admiração ou inveja. Mas quando se dá conta que muitos vizinhos estão melhorando, você passa a sentir esperança de ser o próximo a se dar bem.

A perspectiva de mobilidade pode explicar por que tantas pessoas que ainda estão nas classes D e E apoiem o governo Lula. Otimistas, estão consumindo mais, sem se preocupar com a prestação que terão de pagar depois, pois o futuro promete ser melhor do que o presente. Entre janeiro e setembro de 2009, as compras de bens não-duráveis da classe D/E foram 17% maiores do que em 2008. Pães, iogurte, desodorante, água sanitária, detergente, entre outros produtos, lotaram suas cestas.

Esse otimismo é persistente, como demonstram os vários índices de confiança do consumidor divulgados em dezembro. O INC, um índice nacional elaborado mensalmente pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, fechou 2009 com 146 pontos, numa escala que varia de 0 a 200. Acima de 100, é sinal de confiança. A marca de dezembro é recorde, superando em um ponto a de dezembro de 2008, antes da crise financeira mundial.

É sintomático que os consumidores mais confiantes sejam os emergentes da classe C. Entre eles o índice chegou a 156 pontos, mantendo-se à frente dos das classes A/B (142 pontos) e D/E (136 pontos). Muitos deles trocaram de geladeira e compraram um carro novo. Todas as classes de consumo demonstram desejo de consumir ainda mais em 2010 do que já consumiram em 2009.

Somem-se a esse otimismo os dados frios da economia: população ocupada aumentando, taxa de desemprego caindo, renda subindo, juros em queda e inflação sob controle. Todos são fatores que, aliados à popularização do crédito, estimulam o consumo e, com ele, a inadimplência: ela já atinge 20% dos consumidores paulistanos. Mas não há sinais de que haja uma bolha prestes a estourar antes das eleições.

O mais provável é que a febre consumista continue mantendo aquecida a popularidade do presidente. Não seria surpresa se ela aumentasse ainda mais ao longo de 2010. A disputa será, então, pelo imaginário desse eleitor-consumidor. O presidenciável que demonstrar maior capacidade de manter os carrinhos de supermercado cheios, os impostos sobre bens duráveis reduzidos e a perspectiva de mover mais gente para dentro do círculo de inclusão deverá ser eleito o sucessor de Lula.

*José Roberto de Toledo é jornalista especializado em reportagens com uso de estatísticas e coordenador da Abraji

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