segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

César Felício:: Quem guiou o Lulécio

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Na manhã de 1º de outubro de 2006, logo depois de votar em São Paulo acompanhado de José Serra, o candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, entrou em um jatinho no aeroporto de Congonhas para acompanhar Aécio Neves às urnas em seu voto em Belo Horizonte. Em que pese as aparências, não era Alckmin que com este gesto apoiava Aécio-reeleito na ocasião com 77% dos votos válidos - mas era o governador mineiro que procurava aparecer como o grande eleitor em Minas para o PSDB, na surpreendente arrancada de Alckmin nos últimos dias de campanha, que tirou a vitória no primeiro turno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Aécio já havia sido o anfitrião da convenção nacional do PSDB que homologou o paulista Alckmin como candidato, em junho. Depois, reuniu-se com os prefeitos de sua enorme base de apoio para pedir empenho na eleição do correligionário. Mas como foi Lula que teve a maioria absoluta dos votos em Minas Gerais tanto no primeiro, como no segundo turno, tornou-se evidente que boa parte dos eleitores mineiros votou no petista para a Presidência e no tucano para governador.

Deduzir daí que houve um caso clássico de traição política na eleição mineira daquele ano é uma manobra arriscada. E mais frágil ainda é imaginar que a história da eleição anterior servirá como advertência a Serra no Estado, em 2010. É bem possível que Serra perca a eleição em Minas Gerais, por motivos que passam longe da falta de apoio das lideranças locais. Aécio fez mais por Alckmin em 2006 do que Serra fez pelo mesmo na candidato na eleição municipal paulistana de 2008 .

A votação do candidato tucano à Presidência praticamente dobrou em Minas Gerais entre 2002 e 2006. Serra há quase oito anos obteve 22,8% dos votos mineiros, enquanto Alckmin alcançou 40,6%. Pensar que faltou então empenho de Aécio para eleger Serra em 2002 é uma construção frágil, uma vez que naquele ano o governador mineiro era Itamar Franco, pelo PMDB, e o capital político e eleitoral de Aécio era consideravelmente menor.

O voto Lulécio existiu pela outra via, como procurou demonstrador o pesquisador Pedro Mundim, doutorando em ciências políticas pelo Iuperj, em um artigo que escreveu sobre a eleição de 2006 disponível na internet. A aliança entre o PT e o PMDB de Minas produziu fissuras nos dois partidos que estimulou o apoio da base lulista à reeleição do governador. A manobra foi conveniente para o Palácio do Planalto e o então coordenador político do governo federal, Walfrido Mares Guia, administrou a adesão de prefeitos, algumas dezenas deles pertencentes ao PT, à candidatura tucana ao governo estadual.

Dentro do PT, a dissidência partiu do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel. Na capital mineira, Aécio tinha tido 44% dos votos em 2002. Quatro anos depois, recebeu 82%. O candidato petista Nilmário Miranda despencou de 42% para 15,8%. Já o voto de Lula não teve variação relevante. O presidente recebeu 53% dos votos mineiros em 2002 e 50,6% em 2006. Em Belo Horizonte, Lula caiu, e muito: desceu de 58,4% em 2002 para 44,5% quatro anos depois. Ou seja: foi maior o contingente de lulistas que votaram em Aécio do que de aecistas que abandonaram Alckmin e sufragaram Lula.

A aliança entre petistas e pemedebistas foi determinante para se entender o funcionamento desta dimensão do Lulécio. Poucos seres humanos são tão odiados em Belo Horizonte como o ex-governador e empresário Newton Cardoso, que foi o candidato de Nilmário ao Senado em 2006. Mundim não conseguiu medir, estatisticamente, até que ponto a chapa com Newton moveu votos de Nilmário para Aécio. Mas o fato é que quando Newton e Nilmário concorreram ao governo em 2002, somaram 36% dos votos. Juntos na mesma chapa, perderam 14 pontos percentuais.

Na base política municipal de Aécio, a maior parte de seus apoiadores ficou com Alckmin, não obstante a ação pelo Lulécio desenvolvida por Mares Guia. "Esperava-se que Aécio fosse um bom cabo eleitoral de Alckmin e os dados mostram que foi isso o que de fato aconteceu", escreveu Mundim. Quem não permaneceu com o tucano para a Presidência foram os eleitores.

Um balanço publicado pelo "Correio de Uberlândia" logo após a eleição, analisou o comportamento dos 20 prefeitos que compõem a sub-região do Alto Paranaíba, parte integrante do Triângulo, no oeste mineiro. Todos os 20 eram da base de sustentação de Aécio. O governador mineiro levou para Alckmin o apoio público de nove deles. Quatro aderiram ao Lulécio e sete permaneceram neutros. Entre os nove prefeitos que apoiaram Alckmin, Lula ganhou em sete municípios e perdeu em dois. Entre as vitórias petistas, esteve Uberlândia, a cidade mais importante. Das quatro governadas por prefeitos apoiadores de Lula, o petista venceu em três.

"Não houve uma eleição casada em termos ideológicos, mas houve uma eleição casada, em preceitos racionais", concluiu Mundim. Em outras palavras, os mineiros estavam em 2006 satisfeitos tanto com o governo Lula quanto com o governo Aécio e quiseram votar pela continuidade.

Em setembro de 2006, Aécio conseguiu 68% de bom e ótimo em uma pesquisa de avaliação do governo feita pelo Ibope. Agora, está com 76%, de acordo com uma sondagem do Vox Populi. Se conseguiu transferir parte desta avaliação para Alckmin em 2006, é razoável supor que possa impulsionar a votação de Serra para um patamar acima de 40% no próximo ano. O problema é que Dilma Rousseff também terá fortes candidatos regionais a impulsioná-la e Lula a carregá-la nos ombros. A última pesquisa Datafolha em Minas mostrou Serra com 39% e Dilma com 20%. A sondagem mostra que Dilma percentualmente já está mais forte em Minas do que em São Paulo, Ceará, Distrito Federal, Paraná e Santa Catarina, em cenários que incluem Ciro Gomes como candidato.

O Lulécio, em 2006, falseou a análise do resultado. Aécio obteve 27 pontos percentuais a mais que Lula, porque boa parte dos votos lulistas não foi para Nilmário Miranda. Criou-se a noção duvidosa de que o governador é o dono dos votos em Minas Gerais. A eleição de 2010 pode mostrar, de maneira mais exata, qual o tamanho da fatia de Lula na mente dos 15 milhões de eleitores mineiros.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte.

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