quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Carlos Drummond de Andrade :: Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,

Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido

(mal vivido talvez ou sem sentido)

para você ganhar um ano

não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;

novo

até no coração das coisas menos percebidas

(a começar pelo seu interior)

novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,

mas com ele se come, se passeia,

se ama, se compreende, se trabalha,

você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,

não precisa expedir nem receber mensagens

(planta recebe mensagens?

passa telegramas?)


Não precisa

fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.

Não precisa chorar arrependido

pelas besteiras consumidas

nem parvamente acreditar

que por decreto de esperança

a partir de janeiro as coisas mudem

e seja tudo claridade, recompensa,

justiça entre os homens e as nações,

liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,

direitos respeitados, começando

pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo

que mereça este nome,

você, meu caro, tem de merecê-lo,

tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,

mas tente, experimente, consciente.

É dentro de você que o Ano Novo

cochila e espera desde sempre.

PPS condena censura imposta por revista da USP a artigo crítico a Lula

DEU NO PORTAL DO PPS

"O Brasil acaba de conhecer mais um caso de censura", ressalta Freire.

Por: Assessoria de Imprensa

A universidade é um daqueles ambientes onde o debate pressupõe encontrar espaço fértil para sua promoção. Mas não foi o que ocorreu com artigo escrito pelo presidente nacional do PPS, Roberto Freire, para tratar da crise política e do papel das instituições que foi censurado pela Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). O texto, entre outras situações, aborda a censura imposta ao Jornal O Estado de S.Paulo e as práticas ditatoriais que ainda tomam conta de alguns homens públicos no país.

A revista é publicada quadrimestralmente. É editada pelo professor Alfredo Bosi, o responsável pela “canetada vermelha” sobre o texto que também alerta o país sobre as interferências do Chefe do Executivo Federal nas questões internas do poder Legislativo. “Aí se encontra o seu caráter essencialmente político, seu aspecto mais saliente”, destacou Freire em sua extensa análise. O presidente do PPS disse ainda não entender em nome de quem ou de quê o referido professor agiu para impedir que a comunidade acadêmica não tivesse acesso a informações que passam ainda por uma análise profunda dos principais momentos históricos da política brasileira.

O Partido Popular Socialista considera frágil e pueril a justificativa dada pelo editor de que a publicação não poderia divulgar um texto, já que os demais presidentes de partido não tiveram o devido espaço. Para Freire, a resposta dada para não se publicar o texto justificaria uma censura que não se encaixa com o ambiente democrático que cerca o espaço acadêmico e aquela que é uma das mais conceituadas universidades da América Latina.

“O Brasil acaba de conhecer mais um caso de censura”, ressalta Roberto Freire.

O presidente nacional do PPS classificou ainda a decisão de Alfredo Boesi como “avessa” ao ambiente universitário.

Demissão

O PPS também lamenta a demissão do editor executivo, Marco Antônio Coelho, que teria se posicionado contra os mandos e desmandos de Alfredo Bosi em relação aos textos a serem cortados da Revista da USP.

Veja abaixo a íntegra do artigo censurado pela Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.

A crise do Congresso e das instituições

Roberto Freire*

A ampla e generalizada crise das instituições democráticas, sob o presidencialismo imperial que vige em nossa República, da qual a que toca o Senado é tão somente um sintoma, exige dos brasileiros uma profunda reflexão. Pois, o que está em jogo é o próprio desenvolvimento e ampliação do processo democrático no país, tão arduamente conquistado, visto que um dos aspectos mais notórios dessa crise é a depreciação da política como importante elemento civilizatório, e de sua prática, como efetivo instrumento de mudanças.

Se nos cingirmos à crise que domina o Senado, podemos reconhecer duas origens básicas. Uma é interna, de caráter político-administrativo, que tem a ver com sua forma de gestão, envolvendo, no decorrer silencioso de anos, a cristalização do compadrio, do nepotismo, do patrimonialismo, das sedimentadas formas pouco republicanas de administração da coisa pública, “coroada” com a edição de mais de 500 “atos secretos”. Tudo isso configura uma verdadeira afronta ao princípio da lei, da publicização e da transparência de seus atos, ao beneficiar, de maneira sorrateira, vários senadores de diferentes partidos, em um verdadeiro conluio com funcionários responsáveis pela administração das várias diretorias – a maioria delas desnecessárias – da Casa.

Outra origem, e apesar da gravidade das questões internas referidas, diz respeito à indevida intromissão do chefe do Executivo, o presidente Lula, em questões que dizem respeito exclusivamente ao Legislativo, o que conforma o aspecto externo da crise. Aí se encontra o seu caráter essencialmente político, seu aspecto mais saliente.

Mirando, tão somente, seus interesses políticos eleitorais, na perseguição de uma aliança com o PMDB para dar suporte à sua já lançada candidata, a atual ministra da Casa Civil – aliás, em plena campanha ao arrepio da lei –, Lula subordina todo um Poder da República, em seu benefício, sendo o principal sustentáculo do atual presidente do Senado, José Sarney, o político que encarna, lamentavelmente, há algum tempo, inaceitáveis e odiadas práticas políticas, na condução da Câmara Alta. Sendo, inclusive, alvo de várias denúncias de imoralidades e ilícitos investigados pelo Ministério Publico e pela Polícia Federal.

É essa intrusão do presidente da República no Legislativo o elemento político central da crise que a cidadania assiste estarrecida. Pois, por trás dessa diuturna “operação abafa”, no sentido de preservar a todo custo um presidente do Senado agastado e desmoralizado perante a opinião pública, há também, não devemos esquecer, o desejo de subordinar o Senado aos ditames do Executivo, refletido na necessidade de desarticular a CPI da Petrobrás, para a qual o governo tem mobilizado todos os seus esforços. Sem esquecer, ainda, a pedagogicamente nociva declaração presidencial de que “Sarney não é um homem comum”, reveladora de que certas personalidades nacionais podem fazer as ilegalidades que bem desejarem.

Podemos ainda levantar dois outros aspectos que devem sem lembrados, para termos uma idéia mais precisa do fenômeno que estamos observando. Um de caráter histórico, e outro geopolítico. Primeiro, o aspecto histórico. Como se sabe, o Senado brasileiro foi criado, segundo o modelo inglês, quando de nossa 1ª Constituição, em 1824, inclusive, com seus senadores vitalícios... Com o advento da República, em 1889, adotou-se o modelo inspirado nos Estados Unidos. Nesses dois períodos históricos, independentemente do regime político e do sistema de governo, a característica marcante do Senado sempre foi o de ser espaço das forças conservadoras, ligadas ao latifúndio, prioritariamente, e à burguesia mercantil.

Esse mesmo traço característico é perceptível em todos os países latino-americanos, quando de seus processos de independência, momento em que se consolidaram seus parlamentos nacionais. O Senado era o espaço dos setores mais conservadores, os representantes da velha aristocracia, dos latifundiários e de velhos próceres do antigo regime... Padecemos, assim de uma característica comum, a de uma Câmara Alta infensa aos anseios e aspirações populares, desde quando nos constituímos como Estados-nação...

Com a consolidação da República, a partir da Constituição de 1891, e a mudança do regime, agora presidencialista, como o modelo norte-americano, sedimentamos uma concepção de República Federativa, em que as velhas forças dominantes encontraram no Senado seu /locus/ de influência política, durante o período, que se convencionou chamar de “República Velha”.

E é nesse período, que mais claramente isso pode ser observado, com a ação política de figuras como o senador Pinheiro Machado, então líder da bancada gaúcha, e presidente do Senado e da Comissão de Verificação de Poderes, ao constituir-se no mais poderoso e influente chefe político brasileiro, com ascendência, inclusive, sobre o próprio presidente da República. E o Senado, que é o que mais de perto nos interessa, destacou-se por ser um instrumento de consolidação de interesses regionais e estruturas de poder assentadas no latifúndio, nas oligarquias que comandavam, desde os estados, a política nacional.

Essa característica, aliás, será um dos aspectos que os tenentistas de 1922 irão atacar, denunciando seu caráter retrógrado, em linguagem da época, em suas agitações, com grande acolhida no Brasil urbano e industrial, do período, até culminar na Revolução de 30, movimento civil e militar, que estabeleceu todo um novo horizonte de perspectivas, buscando superar a “política dos favores” e dos “conchavos” que marcaram essa quadra de nossa História republicana.

Com a Revolução de 30, e a ascensão de Getúlio Vargas ao Governo Provisório, inicia-se um processo de funda agitação política - revolução constitucionalista de 32, Constituinte de 1934, Aliança Nacional Libertadora e o movimento comunista de 35, manifestações integralistas – tudo calado, em 1937, pela instituição da ditadura do Estado Novo getulista, de caráter claramente fascista. Foi um longo período que deixou um pouquíssimo tempo para a existência de um Parlamento e da liberdade.

Apenas com a redemocratização, em 1945, o Poder Legislativo vai poder resgatar seu papel de mediador das aspirações difusas da cidadania junto ao Estado, no processo de construção de uma nova ordem institucional que a Assembléia Constituinte iria efetivar.

O Senado volta a funcionar, com três representantes por estado, uma semana depois de promulgada a Constituição de 1946, em 24 de setembro. Voltamos, contudo, rapidamente à excepcionalidade, pois em 1947 um de seus senadores, Luis Carlos Prestes, é cassado junto com todos os deputados federais comunistas, quando o Partido Comunista Brasileiro perde seu registro, e é empurrado para a clandestinidade.

O fato é que até o golpe militar de 1º de abril de 1964, o Senado, mesmo com uma forte presença dos conservadores, torna-se uma arena das lutas políticas que agitavam o Brasil, mormente no período pós-JK, quando o movimento dos trabalhadores da cidade e do campo lastreava o profundo anseio nacional pelas “reformas de base”, e sua extensa pauta mudancista, em que se destacava a reforma agrária, histórica aspiração das massas camponesas, e maior intervenção do Estado na economia, com a luta pela estatização de importantes empresas estrangeiras.

Com o golpe e a implantação da ditadura militar, o Senado foi um dos espaços de apoio do regime de exceção, na fase mais negra da repressão, inaugurado com o AI-5, em dezembro de 1968. Porém, foi também o Senado, depois de 1974, um espaço privilegiado para a luta de redemocratização. Não por outro motivo, a ditadura militar teve que fechá-lo com o “pacote de abril”, de 1977, no governo Geisel que, entre outros instrumentos e práticas discricionárias, adotou a escolha de senadores “biônicos”, escolhidos pelo regime militar, para garantir a maioria no Senado, visto que, na Câmara Federal, estava em vias de perdê-la.

Por esta ligeira digressão histórica é possível perceber que o Senado foi fechado em épocas ditatoriais, como na implantação e vigência do Estado Novo getulista, em 1937, e no período da ditadura militar, 40 anos depois. Fechado, note-se bem, mas não desmoralizado! Infelizmente, hoje, a desmoralização é quase uma realidade por meio de uma série de ações comandadas pelo presidente da Republica, com o beneplácito de muitos de seus membros – famosa tropa de choque liderada por Renan Calheiros e Fernando Collor – que, na prática, ajudam a anular a ação do Legislativo e o torna refém dos interesses do Executivo.

Outro aspecto que gostaria de referir diz respeito à conjuntura política do nosso continente que, após a assunção ao poder do coronel Hugo Chávez, na Venezuela, tem se evidenciado uma pressão cada vez maior dos Executivos de alguns países sobre as outras instituições republicanas, tanto os Legislativos como os Judiciários. Essa pressão a que me refiro é função do esvaziamento dos outros poderes em benefício dos interesses dos chefes dos Executivos.

Assim, depois de várias tentativas, o coronel Chávez conseguiu, finalmente, arrancar de um Legislativo submisso, a possibilidade de se reeleger quantas vezes quiser. O mesmo caminho trilhado pela Bolívia, com Evo Morales, pelo Equador, de Rafael Corrêa, pela Colômbia, de Álvaro Uribe, pela Argentina, sob Cristina Kirchner, sem esquecermos que a matriz desse movimento antidemocrático remonta a Fujimori, no Peru, no século passado.

Não credito tal movimento a uma ação do acaso... Sabemos, desde Montesquieu que, em sua obra fundamental, /O Espírito das Leis /(1748), defendeu a repartição e autonomia dos poderes, que a idéia de república é indissociável desse preceito. E que todas as vezes que ele é ferido, como sabemos na própria carne, abrimos as portas para todo tipo de autocracia.

O mais grave é que não apenas estamos assistindo a uma clara tentativa de hegemonização do Executivo frente ao Legislativo, em que é perceptível o traço comum de uma postura voluntarista, de caráter bonapartista que, em sua adulação às massas, por meio de uma política clientelista e um discurso que se tinge de um nacionalismo primário, de caráter estatizante, busca consolidar formas cada vez mais sutis e autoritárias de governo. Não por outro motivo, depois da submissão dos Legislativos, o alvo desses governos é dirigido contra os meios de comunicação e a opinião pública. Estamos, aqui no Brasil, testemunhando a volta da censura, como a que está sofrendo o jornal Estado de São Paulo... Esse o percurso clássico de todas as ditaduras...

Nesse aspecto, em particular, também não é fruto do acaso o apoio, velado ou não, de nosso presidente a essas ações que, em última instância, ameaçam a consolidação e o aprofundamento do processo democrático no continente. Agravado agora, com um sensível aumento da possibilidade de confrontação entre alguns países, fruto da crescente instabilidade desses processos políticos, e do preocupante de gastos com armamentos, como ora estamos assistindo. Se levarmos em consideração esses dois aspectos aqui destacados, fica evidente que a submissão do Legislativo faz parte de um contexto maior, com implicações que não podem ser negligenciadas.

Essa crise do Senado, hoje, teve como preâmbulo a tentativa de captura da Câmara Federal por meio do que se convencionou chamar de “mensalão”. Ali estava o germe da intervenção do Executivo sobre o Legislativo, no primeiro mandato do governo Lula. A prática fisiológica e o aparelhamento do Estado, como formas de se estabelecer “maioria”, têm nos causado, entre outras coisas, a crescente desmoralização da política e o desprezo do Parlamento como instância de representação da sociedade.

A prática levada a cabo pelo governo Lula de cooptação de parlamentares para sua base, a qualquer custo, a partir de ações não republicanas, e o enorme número de Medidas Provisórias (MPs) para apreciação e deliberação do Congresso, fazem com que o Executivo, na prática, determine a pauta do Legislativo, impedindo esse Poder de exercer sua missão precípua de elaboração de leis e fiscalização dos atos do Executivo.

Assim sendo, se considerarmos os interesses do governo Lula, no exato momento em que o mesmo não apenas atropela o calendário eleitoral, ao definir, à revelia de seu próprio partido, a candidata à sua sucessão, e a busca em consolidar uma aliança política com o PMDB, partido com a maior bancada no Congresso, fica claro que sua intervenção no Senado transforma uma crise eminentemente político-administrativa em séria crise política.

Porque ao subordinar sua base política, nessa Casa, na desesperada defesa de seu presidente e principal aliado para a possibilidade da referida aliança política, entre seus respectivos partidos, estabelece uma intervenção “branca”, por meio do controle que exerce sobre sua base, o que a impediu de aceitar denúncia no Conselho de Ética contra José Sarney.

Em todo caso, todas as forças comprometidas com o avanço do processo democrático, no país, devem também ter muito claro o significado da oportunidade que essa crise no Senado nos propicia. Pois está cada vez mais evidente que temos que superar as mazelas de nosso Legislativo. E tal movimento só será possível com uma ampla mobilização da opinião pública e pressão da sociedade, e um consistente esforço desses poderes no sentido da transparência e publicização de seus atos.

Em termos práticos, está claro que o Senado, dada sua importância para a consolidação do princípio federativo de nossa República, não pode funcionar sem a necessária transparência administrativa, que se exige de todo órgão público. Muito menos continuar sendo a Casa de mandatários sem votos, apreciando matérias importantíssimas sem ter que prestar contas a ninguém de seus atos e posicionamentos.

Parlamentaristas que somos temos absoluta clareza da necessidade de redefinição do papel do Senado, quando do estabelecimento desse sistema de governo no país, como defendemos.

Até lá, contudo, temos que nos debruçar sobre sua representatividade, adotando sempre o critério do voto como elemento decisivo da representação. Nesse sentido a figura do suplente seria episódica. Por nossa proposta, os senadores não poderiam assumir qualquer cargo no executivo, sem perda do mandato.

Declarada a vacância do cargo, assumiria o suplente até a próxima eleição – temos eleições a cada dois anos – quando seria eleito um novo senador.

Outro aspecto relevante para refrear a fúria legiferante do Executivo diz respeito à questão das Medidas Provisórias que o Executivo pode enviar para o Legislativo. Nesse sentido, parece-nos correta a interpretação que adotou o atual presidente da Câmara, Michel Temer, ao estabelecer que todo projeto de lei ordinária que não possuir poder conclusivo, havendo sobrestamento de pauta, só será apreciado pelo Plenário se o projeto versar sobre matéria relacionada no art. 62 da Constituição Federal. Sob esta ótica serão apreciados também as PEC’s, PLP’s, PDC’s e PRC’s. De acordo com sua decisão, havendo MP trancando a pauta, as sessões ordinárias ficam reservadas para apreciação de Medidas Provisórias e as sessões extraordinárias examinam as outras proposições, desde que não concorrentes com as passíveis de MP.

Diante desta decisão estão excluídos do trancamento de pauta e, portanto, passíveis de apreciação em sessões extraordinárias, o Projeto de Resolução, Projeto de Lei Complementar, Projeto de Decreto Legislativo, Proposta de Emenda à Constituição e Projetos de Lei Ordinária que versem sobre as matérias relacionadas no art. 62, §1º, I, visto que estas matérias não podem ser objeto de Medida Provisória.

Uma conseqüência dessa postura que já se pode perceber é que os trabalhos nas comissões serão de suma importância, pois projetos de forte apelo popular, como os já descritos, só serão votados pela Casa, enquanto houver MP sobrestando a pauta, se for mantido o poder conclusivo. As MP’s perderão sua eficácia, mas suas relações jurídicas serão mantidas. O conceito de ato jurídico perfeito, que é: “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (Decreto-Lei nº 4657/42), resguarda os atos praticados durante a vigência da Medida. Aqueles que cumpriram os requisitos exigidos estariam assegurados. No entanto, a maioria das MP’s preveem efeitos de longo prazo que podem gerar instabilidade ou mesmo insegurança jurídica visto que, findo o prazo de vigência, a Medida perderia sua eficácia.

Um fato é certo, enquanto o Executivo puder editar quantas MPs quiser maior será a dificuldade de o Legislativo assumir suas prerrogativas constitucionais.

Quanto às CPIs, instrumento fundamental de fiscalização dos atos do Executivo por parte do Legislativo, é fundamental que a oposição dela participe, seja na presidência, seja na relatoria. No governo do presidente Lula, por um acordo tecido nas sombras, a oposição foi alijada da CPI da Petrobrás! Se não se garante à oposição as condições mínimas para que ela possa exercer sua função fiscalizadora, não é possível se falar na vigência da democracia. A CPI, que se constitui um instrumento de minoria, é desrespeitado pelas maiorias, o que se constitui um desserviço ao nosso sempre delicado processo democrático.

Por fim, quanto ao arremedo de “reforma” política levada a cabo no Congresso, somos favoráveis que cidadãos condenados em segunda instância – onde o mérito da denúncia já foi apreciado – sejam proibidos de se candidatar. Acreditamos que seria uma sinalização importante do Poder Legislativo para a sociedade, no momento em que há uma generalizada desconfiança da cidadania quanto ao acobertamento de mal feitos de muitos, levado a cabo pelos parlamentares, qualquer que seja a instância. Talvez assim se evitasse que a política continue sendo albergue de certos meliantes.

A crise institucional, ora vivida no país, tem que ser considerada como fonte de inspiração para que possamos enfrentar o desafio de construir uma democracia mais forte e mais representativa dos anseios do povo brasileiro.


* Roberto Freire é presidente nacional do PPS

Rosângela Bittar :: Mudança em continuidade

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Num eventual governo Dilma Rousseff, é quase certo que será retomada a chamada agenda perdida do início do governo Lula, preparada pelo economista Marcos Lisboa no Ministério da Fazenda, à época de Antonio Palocci. Do conjunto de ideias ali reunidas, destacam-se, na atual reflexão que o governo faz sobre o futuro próximo, a ampliação dos mecanismos de garantia de crédito, o barateamento do mercado de seguros, o alargamento do acesso ao sistema bancário - levando os juros a patamares bem baixos para o pequeno tomador. "A questão microeconômica é a partir de agora a mais importante, a macroeconômica tem que ser cada vez mais um pano de fundo", afirma um ministro que participa das discussões.

A ministra Dilma Rousseff, candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou ao Valor, em entrevista há 20 dias sobre a organização de sua campanha e programa de governo, que dará continuidade aos programas até agora executados mas buscará aprofundá-los. Na ampliação do crédito, por exemplo, um dos programas estelares desta administração que passariam a constar da nova agenda, avançar seria criar mecanismos capazes de melhorar a capacidade de as empresas oferecerem garantias. "Precisamos ter um ambiente microeconômico facilitador de negócios", afirma o ministro consultado.

O acesso barato à Internet, o investimento forte em infraestrutura urbana e a tenaz decisão de ampliar o serviço público são caminhos de um mesmo plano para manter o país em movimento a partir de 2010, caso Dilma seja eleita.

Tanto o presidente Lula quanto o grupo que faz prospecções para um eventual governo Dilma reconhecem que há um gargalo na administração pública atual: a elaboração de projetos de qualidade.

Mesmo com a destinação de R$ 1 bilhão no PAC para a formulação de projetos, avaliações de hoje mostram que passaram-se dois anos sem que o governo tivesse projeto consistente a financiar.

Este diagnóstico levou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a submeter à aprovação do presidente Lula e conseguir aprovação para a criação de uma unidade para gerência de produção de projetos, com sede no Ministério do Planejamento.

Elaborar os projetos, todos, dentro do governo, não é possível, seriam necessários pelo menos mil engenheiros trabalhando de forma continuada, e bem pagos, para realizar a tarefa.

Ao longo de 2010, no entanto, poderá ser montado um serviço de gerência com o objetivo de coordenar isto, seja por intermédio da Secretaria de Planejamento e Investimento seja como uma unidade autônoma.

O governo pretende fazer licitação para a escolha de uma empresa a ser encarregada da execução e quer acompanhar o trabalho de perto.

Muitas das dificuldades que o Executivo enfrenta no Tribunal de Contas da União, segundo o diagnóstico feito pelo governo, derivam de projetos mal feitos. A criação do sistema será em 2010, mas seu funcionamento pleno só ocorrerá no próximo governo.

Universalização do serviço público, investimentos maciços, principalmente se funcionar bem a unidade de montagem de projetos, estão no topo das prioridades do projeto de governo em fase de discussão por grupo ligado a Dilma. "Não vai haver reviravolta na economia, nenhum cavalo de pau", diz um integrante desse staff mais próximo à ministra-chefe da Casa Civil e candidata, "mas vai ter diferença". Inclusive na economia que, nesta discussão, não tem um desenho imutável.

Isto significa que, em linhas gerais, vai-se procurar manter a inflação sob controle e fazer um superavit primário justo mas, num governo Dilma, haveria plenas condições de levar o juro real a 3%, baixar a menos de 30% a relação dívida/PIB e manter a inflação em 3% ao ano, além de buscar taxas de crescimento entre 5 e 6%, é o que prevê o grupo de estudos.

A diferença, ainda, poderia ser produzida pelo peso a ser dado aos diferentes fundamentos econômicos. Como define um dos principais formuladores do futuro governo na eventualidade de vitória da ministra Dilma Rousseff: " Nenhum governo é igual ao outro, o segundo governo Lula é diferente do primeiro, o (Henrique) Meirelles do segundo mandato é diferente do primeiro, os fundamentos vão se manter mas o seu peso será diferente porque a economia estará diferente. O governo da Dilma será diferente, indo no mesmo rumo".

O raciocínio que orienta esta definição considera, como se ouve neste grupo, que Dilma "não será pau mandado", no sentido de que não será "marionete" ou "ventríloquo" de idéias alheias. Quando tiver posições diferentes das do atual governo, vai manifestá-las e dar as guinadas em seu programa.

"Nenhum governo é continuidade do outro no sentido de ser absolutamente igual, nenhum governo é continuidade nem de si mesmo", assinala um ministro com gabinete na Presidência.

"Se olharmos o segundo governo Lula, muito do que foi feito no primeiro mandato está tendo continuidade, muita coisa mudou. E mudou porque as circunstâncias são outras, o governo é outro, amadureceu, não tem mais certas contradições de início, aprendeu com a primeira experiência", diz o interlocutor da ministra e do presidente.

É neste sentido que se prepara um governo de continuidade, com diferenças. Não há dúvidas, entre os que participam destas conversas iniciais, que o governo Dilma será diferente do governo Lula, "indo no mesmo caminho, na mesma direção".

Coadjuvante

Uma das apostas mais frequentes nessas conversas do grupo mais próximo à candidata Dilma sobre os cenários possíveis para uma definição de prioridades é a redução da importância do Banco Central. Com estabilidade econômica, o BC, nessas atuais conjecturas dos formuladores das futuras políticas, ganha papel de coadjuvante.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

CHARGE

Serra vai priorizar pequeno credor em 2010

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

De R$ 2 bi destinados a pagamento de precatórios em SP, 50% obedecerão a critério crescente de valores

Catia Seabra

Em 2010, o governo de São Paulo vai priorizar os pequenos credores no pagamento das dívidas determinadas por decisões judiciais, os precatórios.

O Estado destinará R$ 2 bilhões ao pagamento de precatórios no ano que vem. Desses, 50% obedecerão ao critério crescente de valores.

O Estado de São Paulo publica amanhã um decreto pelo qual passa a aderir, a partir de 1º de janeiro, ao novo modelo de pagamento de precatórios.

Aprovado em dezembro pelo Congresso, o sistema estabelece que 50% dos recursos reservados sejam pagos segundo a ordem cronológica.

Cabe ao Estado, ou município, definir o critério de pagamento da outra metade entre três hipóteses: ordem crescente de valor, leilão (quem oferecer o maior desconto recebe antes) ou por acordo em câmara de conciliação.

O secretário de Fazenda de São Paulo, Mauro Ricardo Costa, diz que a tendência do governo é adotar a ordem crescente, ainda que adie em um ano o cronograma idealizado para quitação do estoque da dívida, que é de R$ 20 bilhões.

Pelos cálculos do governo, o estoque de precatórios -e fluxo anual- estaria zerado em 13 anos, caso optasse já a partir do ano que vem pelo sistema de leilão. "É mais justo pagar primeiro os de menor valor ainda que retarde em um ano [a quitação do estoque]", justificou.

Em 2008, dez precatórios pagos pelo Estado somaram R$ 892 milhões. Segundo a secretaria, esse mesmo valor seria suficiente pra para pagar a 75% dos credores, caso fosse adotada a lista por ordem crescente.

Antes da nova regra, que reduziu de 24% para 6% os juros aplicados às dívidas, o prazo para pagamento era estimado em 45 anos.

Seguindo a nova regra, o governo deverá depositar mensalmente o equivalente a 1,5% de sua receita corrente líquida numa conta do Tribunal de Justiça do Estado.

Todos os recursos serão centralizados numa conta do Tribunal de Justiça, independentemente da origem da decisão (se da Justiça do Trabalho ou da Justiça comum).

Segundo Mauro Ricardo, o governo Serra deverá criar um sistema para registro das diferentes filas de credores (valor, natureza do crédito e idade do credor). Pela nova regra, no pagamento por ordem cronológica, serão priorizados créditos alimentares para precatórios do mesmo ano e idosos.

A opção do governo Serra pelos pequenos credores se dá num momento em que petistas investem na estratégia de que, no Brasil, só o PT se dedica aos menos favorecidos.

Projeto revoga Lei de Anistia e Jobim ameaça se demitir

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lula recua após mobilização de militares, que consideram texto "revanchista"

O Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, para entregar sua carta de demissão, informam as repórteres Christiane Samarco e Eugênia Lopes. Os três comandantes das Forças Armadas decidiram que também deixariam os cargos. Para os militares, o programa, lançado no dia 21 e proposto pelo ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, tem trechos "revanchistas e provocativos". Eles reclamam do "ambiente de constantes provocações" criado pela secretaria. Ao final de três dias de tensão, Lula e Jobim fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas de lei a serem enviadas ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas.

Jobim faz carta de demissão após ameaça de mudar a Lei de Anistia

Lula fecha acordo com ministro, que seria seguido por comandantes das Forças e vê "revanchismo" em Vannuchi

Christiane Samarco e Eugênia Lopes, BRASÍLIA

A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que propõe a criação de uma comissão especial para revogar a Lei de Anistia de 1979, provocou uma crise militar na véspera do Natal e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a escrever uma carta de demissão e a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo. Solidários a Jobim, os três comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) decidiram que também deixariam os cargos, se a saída de Jobim fosse consumada.

Na avaliação dos militares e do ministro Jobim, o PNDH-3, proposto pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, e lançado no dia 21 passado, tem trechos "revanchistas e provocativos". Ao final de três dias de tensão, o presidente da República e o ministro da Defesa fizeram um acordo político: não se reescreve o texto do programa, mas as propostas da lei a serem enviadas ao Congresso não afrontarão as Forças Armadas e, se for preciso, a base governista será mobilizada para não aprovar textos de caráter revanchista.

Os comandantes militares transformaram Jobim em fiador desse acordo, mas disseram que a manutenção da Lei de Anistia é "ponto de honra". As Forças Armadas tratam com "naturalidade institucional" o fato de os benefícios da lei e sua amplitude estarem hoje sob análise do Supremo Tribunal Federal - isso é decorrente de um processo legal que foi aberto na Justiça Federal de São Paulo contra os ex-coronéis e torturadores Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel.

Além da proposta para revogar a Lei de Anistia, que está na diretriz que fala em acabar com "as leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos", outro ponto irritou os militares e, em especial, o ministro Jobim. Ele reclamou com Lula da quebra do "acordo tácito" para que os textos do PNDH-3 citassem as Forças Armadas e os movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos "para examinar as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política no período 1964-1985".

Jobim foi surpreendido com um texto sem referências aos grupos da esquerda armada. Os militares dizem que se essas investigações vão ficar a cargo de uma Comissão da Verdade, todos os fatos referentes ao regime militar devem ser investigados. "Se querem por coronel e general no banco dos réus, então também vamos botar a Dilma e o Franklin Martins", disse um general da ativa ao Estado, referindo-se à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao ministro de Comunicação Social, que participaram da luta armada. "Não me venham falar em processo para militar pois a maioria nem está mais nos quartéis de hoje", acrescentou o general.

Os militares também consideram "picuinha" e "provocação" a proposta de Vannuchi de uma lei "proibindo que logradouros, atos e próprios nacionais e prédios públicos recebam nomes de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade". "Estamos engolindo sapo atrás de sapo", resumiu o general, que pediu anonimato por não poder se manifestar.

SOLIDARIEDADE

A decisão de Jobim entregar o cargo foi tomada no dia 21 e teve, inicialmente, o apoio dos comandantes Juniti Saito (Aeronáutica) e Enzo Peri (Exército). Consultado por telefone, porque estava no Rio, o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, também aderiu. Diante da tensão, Lula acertou que se encontraria com Jobim em Brasília, na volta da viagem que havia feito ao Rio, para inaugurar casas populares no complexo do Alemão e visitar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Na conversa, Lula rejeitou a entrega da carta de demissão e disse que contornaria politicamente o problema. Pediu que o ministro garantisse aos comandantes militares que o Planalto não seria porta-voz de medidas que revogassem a Lei de Anistia. Os militares acataram a decisão, mas reclamaram da posição "vacilante" do Planalto e do "ambiente de constantes provocações" criado pela secretaria de Vannuchi e o ministro da Justiça, Tarso Genro. Incomodaram-se também com o que avaliaram como "empenho eleitoral excessivo" da ministra Dilma no apoio a Vannuchi.
"Lula age assim: empurra a crise com a barriga e a gente nunca sai desse ambiente de ameaça", protestou um brigadeiro em entrevista ao Estado.

Para as Forças Armadas, a cerimônia de premiação de vítimas da ditadura, no dia 21, foi "uma armação" para constranger militares, tendo Dilma como figura central, não só por ter sido torturada, mas por ter chorado e escolhido a ocasião para exibir o novo visual de cabelos curtíssimos, depois da quimioterapia para tratamento de um câncer linfático.

Colaborou Rui Nogueira
ENTENDA O CASO
As divergências entre os ministros em torno da Comissão da Verdade arrastam-se há um ano

Dezembro/2008: A 11.ª Conferência Nacional de Direitos Humanos encaminha ao governo orientação para que seja criada a Comissão da Verdade e Justiça. No encontro, os enviados do Ministério da Defesa votam contra

Janeiro/2009: Vannuchi estimula a sociedade a discutir a comissão e começa a redigir uma proposta. Acreditava-se que seria criada por decreto presidencial

Julho: Começa o debate com a Defesa. Jobim quer uma comissão de reconciliação

Outubro: Vannuchi deixa de lado o tom judiciário, mas insiste na abertura de arquivos que estariam poder dos militares

Novembro: O impasse leva o Planalto a adiar o anúncio do Programa de Direitos Humanos

Dezembro: O termo reconciliação é incluído na proposta e anuncia-se que o governo encaminhará ao Congresso um projeto de lei propondo a criação da comissão

Governo prevê a saída de ministro na campanha

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em alguns setores do governo federal já é dada como mais que provável a saída de Nelson Jobim (PMDB) do cargo de titular do Ministério da Defesa. O motivo seria a forte amizade dele com o governador paulista e virtual candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. O que se comenta é que essa proximidade o deixaria pouco à vontade no governo quando a campanha eleitoral entrasse na esperada fase de fogo cerrado.

Serra e Jobim são amigos desde a segunda metade da década de 80, quando foram eleitos para a Câmara e acabaram dividindo um apartamento funcional em Brasília. Até hoje, quando visitam São Paulo, o ministro da Defesa e sua mulher costumam reunir-se com o casal Serra.

Em 2007, quando deixou o Palácio do Planalto, logo após receber o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir a pasta da Defesa, um dos primeiros telefonemas que Jobim disparou foi para o amigo Serra. Para contar que havia decidido aceitar o convite.

Jobim entrou para o ministério de Lula como parte da quota do PMDB. Substituiu Waldir Pires, que se desgastara e arrastara com ele o governo durante a crise aérea. Assumiu desde o início um tom de aproximação com os militares, procurando melhorar o diálogo com chefes das tropas. Isso provocou críticas em setores do governo, especialmente aqueles ligados à área de defesa dos Direitos Humanos - interessados em rever questões relacionadas ao período da ditadura, deflagrada com o golpe militar de 1964.

Mas sua atuação também sido elogiada. Comenta-se que, desde a criação do ministério, em 1999, nenhum outro titular da vaga teria atraído para a pasta o prestígio que Jobim conquistou. No governo Lula, ele foi antecedido no cargo por José Viegas Filho, diplomata de carreira, e pelo vice-presidente, José Alencar, além de Waldir Pires.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, Jobim foi ministro da Justiça durante um período de dois anos. Deixou o cargo em 1997 para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Zander Navarro :: Treze teses para entender o MST

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Enredado em laranjais, desmatamentos ilegais, a ameaça de uma CPI e infindáveis ações, muitas conduzidas sob impressionante primarismo político, talvez seja oportuno um sucinto balanço sobre o MST, um quarto de século após a sua fundação. Como estudo a organização antes mesmo de ser formada, em 1984, ofereço algumas teses para aqueles que têm interesse nos processos sociais rurais e, particularmente, curiosidade sobre o movimento.

Sobre a sua natureza: não obstante o nome, o MST deixou de ser um movimento social há muitos anos, pois logo se estruturou como uma organização, centralizada no essencial (as formas de luta política e as principais bandeiras), mas descentralizada no varejo, ou seja, liberando a criatividade local.

Sociologicamente, movimentos sociais supõem algum grau de espontaneidade na ação e uma liderança flexível, o que o MST não apresenta desde os anos 80. Já as organizações, entre outros aspectos, criam carreiras, e atualmente o Movimento mobiliza centenas de militantes que não sabem desenvolver outra atividade, senão a agitação social.

Os "tempos do MST": a organização nasceu, de fato, na segunda metade dos anos 90, quando passou a frequentar a agenda nacional. Antes era sulista e menos conhecida.

Na mesma época, alterou o seu mecanismo principal de financiamento, até então provido pela generosidade de igrejas europeias, pois descobriu os furos das burras do Estado, com o início do processo de reforma agrária e a constituição do MDA, entre outras fontes estatais, das quais extrai os fundos, via entidades fantasia.

Mas continua recebendo recursos externos. A chance perdida: a "Marcha a Brasília", em abril de 1997, foi o único momento em que uma organização popular encurralou o governo de Fernando Henrique Cardoso, forçado a receber os sem-terra no Planalto. Seria o momento ideal da institucionalização, pois foi o auge da influência e do prestígio do MST. Poderia se transformar em agremiação sindical dos mais pobres do campo.

Seus líderes, contudo, preferiram a semiclandestinidade, contra uma sociedade que afirmava, cada vez mais, a sua natureza democrática. Sem surpresa, desde então os impasses se multiplicaram, pois esta esquizofrenia política não teria como prosperar.

As alianças na sociedade: cresceram no final da década passada, mas vêm estiolando nos anos recentes. Parece que a população foi cansando de tantas estrepolias não democráticas.

Nascido no campo petista, onde está firmemente enraizado, mesmo o PT parece enfastiado com uma organização autoritária que perdeu a sua razão de existência e atira a esmo, enfraquecida porque não tem mais uma agenda própria.

Atualmente, apoiam-no setores do catolicismo radical, pequenos grupos em universidades públicas, notadamente cientistas sociais, algumas facções partidárias e, especialmente, estudantes. Demanda social pela reforma agrária: embora voz isolada, sustento que não existe mais demanda significativa, em quase nenhuma região, que justifique um programa nacional de reforma agrária.

Quando muito projetos regionais teriam alguma inteligibilidade, como no Nordeste, por exemplo. É preciso ter a coragem de mudar tudo nesta área, sob pena de manter um surrealismo institucional que desperdiça recursos públicos acintosamente, pois movido unicamente pela inércia e o corporativismo.

Ilusões públicas: o tamanho aparente do MST é muito maior do que a sua expressão real, sendo esta uma de suas armas decisivas para se manter à tona. Usando aliados e espaços da sociedade, amplifica fatos menores e eventos sem expressão, sugerindo ter uma força desmedida. Estrangeiros se confundem com esta paralaxe política, e no exterior se lê com frequência a risível afirmação sobre o "maior movimento social do planeta".

Não apenas parece maior do que é, mas o MST tem, na realidade, reduzido sua capacidade de recrutamento e mobilização. Se observadas criteriosamente, as ocupações de terra e outras ações têm diminuído, em número e tamanho. Fosse viável apurar, se concluiria, além disto, que a maior parte daqueles que nelas participam não são sem-terra, mas assentados e seus familiares, recrutados frequentemente sob formas variadas de intimidação.

O poder da propaganda: no melhor estilo "agit-prop" dos antigos partidos comunistas, o MST se apropriou de parte da sociedade civil, a quem domina e usa os recursos a seu favor.

Como é uma "organização dos pobres", somente uma minoria contesta o autoritarismo do movimento, desgostosos com posturas que algumas vezes beiram o protofascismo. Existindo um fio capilar que perpassa o MST, o campo petista e, mais genericamente, "a esquerda", poucos confrontam aqueles comportamentos, temendo a represália política.

O entrave principal: o MST não se moderniza porque é preso à visão neolítica de seu dirigente maior, que é, de fato, o dono da organização, para usar um termo apropriado, embora deselegante. Egresso do antigo MR-8, nos anos 70, o leninismo de João Pedro Stédile é que tem impedido o MST de se tornar um ator social relevante.

Formou à sua volta uma claque cuja lealdade cultua seu líder e não admite dissidentes. Que o diga José Rainha, o dirigente que afrontou Stédile e acabou exilado no Pontal do Paranapanema, juntamente com o seu MST do B.

"Demonização do MST": são tolas as afirmações sobre iniciativas que supostamente pretenderiam criminalizar a organização. É certo que há setores do empresariado rural que gostariam de liquidar o MST, refletindo sua histórica truculência, mas são irrelevantes em sua expressão social. Denúncias sobre criminalização soam ridículas, em face dos inúmeros atos de óbvia ilicitude. O argumento ignora a democratização e seus imperativos, sendo um absurdo lógico. Ou almejamos uma democracia sob a qual os preceitos legais não valeriam para alguns?

O maior desafio: qual a legitimidade do MST? Ninguém sabe, embora tantas vozes arvorem sua existência. Seus supostos líderes foram escolhidos quando e por quem? E sob qual espaço público, como seria esperado em uma sociedade democrática? Sem legitimação, por que se curvar às suas imposições? Qual é a base social do movimento, alguém saberia dizer?

Aqueles que seguem suas ações, militantes ou simpatizantes, fazem-no voluntariamente, porque acreditam no MST, ou porque não têm outra escolha, pois recrutados em assentamentos sob seu domínio, onde controla recursos (públicos) e seleciona politicamente os assentados?

A grande pergunta: é um enigma que as autoridades não exijam a institucionalização do MST. Sobrevivendo primordialmente dos fundos públicos, o Estado tem o direito, senão o dever, de impor tal exigência.

Os requerimentos da transparência e publicização são repetidos monotonamente para todos os outros atores políticos, mas, estranhamente, ao movimento é permitido permanecer alheio à mesma institucionalidade. Se integrado, seriam legítimos seus líderes e as reivindicações, e suas disputas sociais se tornariam parte do ordenamento democrático, obtendo alguma tolerância pública. Se o movimento se recusa a esta mudança, preso a um bizarro fetiche ideológico de origem, somente o governo poderá impô-la, bastando ameaçar o acesso aos fundos públicos.

A vitória principal: na realidade, não tem sido manter viva a reforma agrária, ainda que sob crescente esgarçar. A maior vitória do MST é essencialmente política. Qual seja, mudar a correlação de forças no campo, o que é evidenciado por fato incontornável: não existe hoje nenhuma propriedade rural protegida, caso o MST decida conquistá-la. Com a democratização, a Justiça se tornou mais compreensiva e mesmo a repressão policial foi abrandada, deixando de registrar a inominável violência do passado.

Sob tais condições, a organização conquista o imóvel que ambicionar. A ironia, contudo, é que esta virada vem ocorrendo quando a demanda pelo acesso à terra desaba em todos os rincões rurais, erodida pela urbanização. Uma vitória pírrica, pois quando finalmente viável, a reforma agrária estancou, já que os interessados debandaram.

E o futuro? O MST se defronta hoje com o seu ocaso e tem apenas um caminho à sua frente.

Qual seja, a sua institucionalização, organizando-se a favor do desenvolvimento rural e privilegiando os mais pobres das áreas rurais. Mantendo-se como é atualmente, apenas acentua sua lenta agonia, ainda que tantos cientistas sociais ingênuos propaguem manifestações de inacreditável desconhecimento sobre o mundo rural brasileiro. Nascido para defender a reforma agrária, esta viu passar o seu tempo histórico. Avançou o que foi possível, mas encontra em nossos dias os seus limites de necessidade.

Ainda sem sucesso, o MST tem procurado afirmar uma nova agenda ("ódio à ciência, ódio à agricultura moderna, ódio ao empresariado rural"), em nítido desespero demonstrado por tantas iniciativas delirantes, seja por se manter sob um não democrático anacronismo organizacional, seja por defender uma ideologia antimoderna. Se persistir neste rumo, apenas apressará o seu desaparecimento.

Zander Navarro, 58, mestre e doutor em sociologia, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra). Atualmente integra a Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

(Publicado em 5/12/2009)

Plínio De Arruda Sampaio :: As duas novas reformas agrárias

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Reforma-Se algo que não está funcionando a contento. Altera-se então a forma de alguma coisa, sem alterar sua substância. Por isso mesmo, uma mesma coisa pode ser reformada várias vezes. Com a estrutura agrária acontece exatamente o mesmo.

Todas as vezes em que ela emperra a realização do projeto de algum grupo social importante, esse grupo propõe uma reforma agrária.

Na época moderna, o motivo principal das reformas agrárias foi a rigidez da estrutura agrária herdada da Idade Média porque impedia o pleno funcionamento do mercado capitalista e das instituições capitalistas no campo. De modo geral, essas reformas agrárias foram distributivistas -promoviam a desapropriação de grandes latifúndios e seu parcelamento em lotes familiares.

Nos anos 50 do século passado foi esse tipo de reforma agrária que entrou na agenda política do país, proposta apresentada pelas demais forças progressistas, racionalizada pela Cepal, sob o argumento do atraso do setor agrícola e dos seus efeitos no processo inflacionário, e incorporada pelos governos que "compraram" a ideia do presidente Kennedy, o qual viu a possibilidade de evitar a propagação da Revolução Cubana num processo moderado de distribuição das terras dos latifúndios latino-americanos.

A proposta de reforma agrária deu ensejo a um intenso debate teórico em torno do problema da terra. O golpe de 1964 encerrou o debate, o qual só foi reaberto 20 anos depois, agora sustentado por novas organizações populares e novos partidos de esquerda. Muitos intelectuais -inclusive os que hoje a renegam- encarregaram-se de justificá-la teoricamente.

Não se tratava mais da reforma de 1964, porque os militares, nos seus 20 anos de governo, haviam realizado a modernização do campo sem distribuição massiva de terra, porém a um preço social e ecológico altíssimo. Tratava-se de corrigir essas distorções. Portanto, tratava-se agora de reforma agrária social, destinada a humanizar o capitalismo agrícola e a preservar o meio ambiente.

Hoje o governo Lula praticamente enterrou esse tipo de reforma agrária. Por isso os movimentos populares foram levados a radicalizar sua pressão sobre a terra. Além das ocupações, promoveram marchas, fechamento de estradas, danificação de pedágios e, ultimamente, danificação de instalações e plantações de propriedade de grandes agronegócios. Em uma sociedade anestesiada, incapaz de sensibilizar-se por argumentos racionais, que se move unicamente pressionada por gestos ostensivos, tais atitudes se justificam pelo estado de necessidade, pois não há outra forma de chamar a atenção para o descaso criminoso do governo com a população rural.

Qual a leitura a ser feita então a respeito de fatos como a derrubada de laranjais da fazenda Cutrale; a danificação das mudas de transgênicos na Syngenta; a ocupação dos latifúndios do banqueiro Dantas no Pará?

Esses e outros gestos publicitários visam bloquear um processo de reforma agrária atualmente em plena marcha e, ao mesmo tempo, propor um projeto alternativo de reforma.

O processo de reforma a ser bloqueado está sendo executado aceleradamente.

Origina-se na contrarrevolução neoliberal dos anos 90 e na nova divisão internacional do trabalho que dela decorreu.

Essa nova divisão alterou o lugar da economia brasileira no mercado capitalista internacional e isto está a exigir a transformação rápida da sua atual estrutura agrária, a fim de que os grandes agronegócios internacionais montem uma formidável economia exportadora de quatro produtos altamente demandados pelas economias que lideram a nova fase do capitalismo -soja, álcool de cana de açúcar, carne e madeiras.

O grande capital internacional assumiu por conta própria a realização dessa reforma e a está implementando, mediante a compra de terras e de empresas agrícolas, de que é exemplo a compra da Usina Santa Elisa pelo grupo Dreiffyus.

Por ação e por omissão, o governo Lula apoia entusiasticamente essa nova reforma agrária.

Por omissão, quando paralisa o raquítico programa de assentamentos da "reforma agrária social"; por ação: quando edita leis que permitem legalizar 67 milhões de hectares de terras griladas na Amazônia, a fim de que os grileiros (convertidos em proprietários legais) as vendam aos grandes agronegócios para produção de soja e para criação de gado nessas terras; quando realiza pesados investimentos na transposição das águas do rio São Francisco, a fim de criar uma economia exportadora de frutas tropicais, comandada pelos grandes agronegócios e destinada a países do hemisfério norte; quando prorroga a entrada em vigor de leis que protegem as florestas.

Requisito indispensável para o êxito dessa reforma agrária dos ricos é calar os movimentos sociais do campo, especialmente aquele que, aqui e no exterior, simboliza a luta da população pobre pela terra: o MST. O capital transnacional não vai aonde pode correr riscos.

O serviço que os intelectuais hoje dedicados a desmoralizar o MST prestam a essa nova reforma agrária consiste em fornecer argumentos pseudamente racionais para justificar a criminalização desse movimento.

A outra reforma agrária -a dos movimentos autênticos do campo e das forças sociais progressistas- visa contrarrestar a reforma concentradora dos agronegócios e atender às necessidades de 6 milhões de famílias pobres do campo. Trata-se de consolidar a agricultura familiar -que responde tanto pela maior porcentagem da produção de alimentos quanto da oferta de empregos no campo e de desapropriar todos os imóveis de tamanho superior a 1.000 hectares, a fim de redistribuir essas terras à população rural sem terra.

O MST e a CPT (órgão da CNBB) levantaram essa bandeira, cabendo às forças progressistas que ainda restam na nação empunhá-la e levá-la adiante.

A estrutura agrária que se formará nesse processo criará a base material requerida para viabilizar um rigoroso processo de zoneamento agroecológico da produção e um programa de descentralização do abastecimento alimentar da população. A prioridade que deverá ser dada a esses objetivos não é incompatível com o aproveitamento da demanda externa pelas "commodities" agrícolas porque o país possui uma enorme quantidade de terras.

Os desertores da reforma agrária, que hoje se ocupam de intrigar a opinião pública contra o MST, não conseguem separar o fato social do movimento político: o MST é um movimento político socialista que, diante do fato social representado pelo conflito fundiário, organiza a luta de uma das partes do conflito -a população rural sem terra- do mesmíssimo modo que a CNA; a bancada ruralista; os partidos da direita; a grande mídia (com matérias escandalosamente facciosas); e os intelectuais a serviço desses interesses organizam a luta da outra parte no conflito: o agronegócio.
Para que o debate sobre as duas reformas agrárias seja racional, é preciso pôr de lado a impostura da imparcialidade.

Este analista toma partido -está do lado dos sem-terra- e é deste ponto de vista que interpreta racionalmente a realidade do campo. Quem diz não estar de lado nenhum, mas do lado do Brasil, não está dizendo a verdade: o Brasil não tem lado no conflito agrário, porque é impossível realizar uma reforma que atenda ao mesmo tempo quem quer a concentração e quem quer a desconcentração da propriedade rural.

Contudo há uma crítica a ser feita à ocupação da fazenda da Cutrale. Segundo a empresa, os ocupantes destruíram 7.000 pés de laranja. Erraram: deviam ter destruído 70 mil (o que nem seria muito notado numa fazenda de 1 milhão de pés) a fim de chamar mais a atenção para o fato de que essa fazenda ocupa ilegalmente terras públicas com a conivência do Poder Judiciário.

Muito mais do que 70 mil são as vidas de crianças estão sendo destruídas pelo desemprego agrícola; pelos salários escandalosamente baixos dos trabalhadores rurais; pela precariedade das habitações rurais -fonte de doenças que destroem vidas.

O MST está certíssimo na sua tática de luta. Só lhe falta proclamar com maior vigor e clareza a cumplicidade de Lula na reforma agrária do agronegócio e cobrar mais apoio dos partidos de esquerda, das igrejas, da universidade, dos ecologistas (que precisam sair de cima do muro e assumir a luta camponesa), bem como exigir do Poder Judiciário e do Ministério Público, cujos juízes e promotores permitem o protelamento indefinido ações de desapropriação e não fiscalizam as violências policiais cometidas contra os lavradores nas reintegrações de posse, o cumprimento de suas obrigações.

O MST deve cobrar: a população rural é credora e não devedora.

Plínio de Arruda Sampaio, 79, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária) e ex-consultor da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Foi deputado federal constituinte pelo PT-SP e candidato a governador de São Paulo pelo mesmo partido em 1990. Em 2005, filiou-se ao PSOL, partido pelo qual concorreu ao governo de São Paulo em 2006.

(Publicado em 5/12/2009)

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Míriam Leitão :: Um ano, dois medos

DEU EM O GLOBO

O ano trafegou entre dois medos: no início, de a economia repetir a depressão de 1929; no fim, de não se conseguir evitar a tragédia climática. Contra o primeiro, os governos despejaram um volume nunca visto de dinheiro. Para o segundo, nenhum dinheiro foi possível. Parece ser o ano em que o mundo salvou a economia e condenou o planeta.

O presidente do FED, Ben Bernanke, foi a “Person of the year” da Time. Bernanke não pode ser culpado pela crise que explodiu em 2008. A bolha se formou no período Alan Greenspan.

Bernanke era membro da diretoria de Greenspan e nunca discordou do então chefe, mas se pode dizer que o atual presidente do FED não fez a crise, apenas não a viu a tempo.

Como reação, Bernanke afogou a crise num mar de liquidez nunca visto e ainda não demonstrou saber como vai sair dos excessos de estímulos monetários que produziu. Se demorar muito pode contratar uma nova bolha, e nova crise. Em 2010 é que Bernanke terá que mostrar seu valor. Até agora, tudo o que fez foi distribuir dinheiro. O resgate das instituições financeiras, iniciada no ano passado e completada em 2009, não puniu ninguém.

Os bancos tomaram decisões insensatas, emprestaram indevidamente, tiveram lucros exorbitantes e, quando quebraram, foram socorridos com dinheiro público e seus executivos receberam bônus. A nova lei da reforma bancária, aprovada na Câmara no dia 11 de dezembro sem um único voto republicano, pode ser que impeça novos casos como esse no futuro.

Quando cheguei a Copenhague achei divertido o anúncio dos líderes políticos atuais envelhecidos avisando que poderiam ter protegido o planeta, mas não o fizeram.

Parecia só uma boa sacada de marketing. Quando saí, duas semanas depois, as fotos ainda estavam espalhadas pela cidade, e nas paredes do aeroporto, mas eu as vi com outros olhos.

Pareciam proféticas.

Eles realmente poderiam ter feito e não fizeram o Acordo de Copenhague.

Os líderes falharam.

O presidente Barack Obama ganhou o Nobel da Paz entre duas guerras, no meio de uma escalada no Afeganistão e um pouco antes de bombardear as chances de um acordo climático. Talvez ele o mereça algum dia, mas certamente não em 2009. Dos Estados Unidos que rejeitaram Kioto — e que são os maiores emissores históricos dos gases de efeito estufa — se pedia apenas que dissessem: sim, nós podemos fazer um novo acordo geral do clima. Ele chegou a Copenhague para dizer: talvez algum dia. Foi o maior teste da sua liderança internacional e ele falhou. A China também foi responsável, mas de Obama se esperava mais.

A crise econômica afetou milhões e continua afetando.

Se 2008 foi o da ameaça da crise sistêmica, 2009 foi o da perda de emprego. O ano começou com o PIB encolhendo. Se aqui os empregos foram sendo recuperados, em outros países ainda não. Em Dillon, uma pequena cidade na Carolina do Sul onde Ben Bernanke nasceu, o desemprego é de 17%. Nos Estados Unidos, como um todo, o desemprego subiu de 7% para 10%.

Apesar desses números, Bernanke continua dizendo que tudo o que fez foi para salvar Main Street e não Wall Street. O cruzamento das duas ruas é usado como metáfora das escolhas entre o mercado financeiro e a população comum.

O risco sistêmico tem que ser combatido pelo Banco Central no seu papel principal de emprestador de última instância. Mas o FED de Ben Bernanke virou o emprestador de primeira instância. A oferta de dinheiro foi para todos: bancos de investimento, hedge funds, fundos mútuos, bancos estrangeiros, empresas industriais, seguradoras. A história desse resgate ainda não contada é a de uma grosseira operação de dar dinheiro a todas as criaturas do mercado financeiro sem fazer perguntas. Ao contrário do Proer, no Brasil, em que houve uma separação entre as contas do público, que foram garantidas, e os banqueiros que perderam seus bancos, o resgate americano manteve todos os interesses. Os donos continuaram donos, os executivos continuaram executivos, e com dinheiro público foram poupados.

Os trilhões distribuídos tornaram ainda mais intrigante a pergunta: por que o Lehman foi o único a quebrar? A explicação da Time para dar o prêmio de Pessoa do Ano a Ben Bernanke é que tudo poderia ser muito pior sem as medidas que ele tomou, mas a própria revista admite as falhas do premiado como a de que ele não tinha ideia de que a bolha estava se formando.

Em março de 2007 Bernanke garantiu ao Congresso que o problema dos títulos podres, conhecidos como “subprime”, estava sendo contido e que os fundamentos da economia eram fortes.

Meses depois tudo desabou e o subprime contaminou a economia global.

Na questão climática, nunca se viu o que se viu em 2009. Milhões se mobilizaram pensando em uma cidade: Copenhague.

Pelo mundo afora foram feitas campanhas e contagens regressivas. Nunca uma reunião da ONU foi tão popular e provocou tantas emoções.

O ano termina sem o medo de uma depressão, mas com a sensação de que dilemas da crise foram apenas adiados e que o resgate à moda Bernanke confirmou a ideia de que no mercado financeiro os lucros são privados, os prejuízos, públicos. Na questão climática, o ano termina com a sensação de que era vã a esperança de que com Obama os Estados Unidos se sentariam à mesa em Copenhague para fazer o acordo.

E são os dois, Bernanke e Obama, os grandes premiados do ano. Ainda não fizeram para merecer. Tomara que façam.

Paulo Rabello de Castro :: 2010: um país para Kamila

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Kamila é desenvolvimentista, à procura de uma agenda para crescer. Pede apenas que o governo funcione

Encerro nossas conversas deste ano reproduzindo o apelo da Kamila Umbelino Paiva, estudante do 2º ano do Colégio QI, no Rio de Janeiro, ao concluir sua redação sobre "Uma nova forma de governo", dedicada ao futuro presidente (ele ou ela), e publicada no jornalzinho do Instituto Rogério Steinberg, entidade beneficente: "A verdade é esta", diz Kamila, "o Brasil precisa de um governo que funcione". Mais direto, impossível.

Kamila é muito nova para lembrar que padecemos de males detectados há mais tempo do que ela tem de vida. Mas a garota intui, como milhões de outros jovens, quanto será difícil competir e vencer no mundo. Percebe que suas chances não dependem só dela, mas do conjunto chamado Brasil. Seria bom se o recente surto de crescimento acelerado virasse realidade sustentada. Bom para Kamila e melhor para todos. Mas como podemos almejar 6% de crescimento e dobrar a renda das pessoas nesta década se o país onde Kamila nasceu ainda não conseguiu:

- elevar o investimento, como proporção do PIB, para 24%, na média, de modo a garantir as infraestruturas do progresso almejado;

- "choque de eficiência" na gestão pública de modo a assegurar serviços públicos eficazes sem onerar o cidadão (meta de 5% ao ano de ganho de produtividade no governo);

- reduzir a carga tributária dos quase 40% do PIB que, afinal, vão direto para o custo dos produtos, onerando o trabalhador e eliminando a margem competitiva dos empresários ante os importados (meta seria rebaixar para 30% do PIB até 2020);

- rebaixar os atuais 5% do PIB pagos em juros sobre a dívida pública, que sobe a 70% do PIB em termos brutos, verdadeiro tendão de aquiles da estabilidade;

- controlar melhor os 12% do PIB gastos na rubrica previdenciária pública e do INSS, o dobro da média de países em estágio de renda e idade semelhantes ao nosso (meta seria conter em 10% do PIB, até 2020);

- por último, sair do topo da lista das nações mais burocratizadas do mundo (dados do Banco Mundial), o que duplica o custo de tarefas como pagar impostos e se livrar de multas, notificações e intimações.

Kamila provavelmente nunca ouviu falar de taxa de investimento nem de carga tributária nem de gestão pública nem de impasses burocráticos. Mas provavelmente conhece bem alguns dos efeitos dessa imensa e surda ineficiência, na qualidade da educação, na prestação da saúde, na segurança ausente, na justiça lenta. A próxima geração estará mais atenta do que antes à relação entre promessa de político e resultado de governo. E cobrará mais desenvolvimento efetivo, e não a continuação da prosa solta que disfarça a ineficácia da gestão pública.

Entramos no último ano da era Lula, que melhor se chamaria de "duplo ciclo de estabilização (FHC) e inclusão (Lula)". Foram 16 anos, a provável idade de Kamila. Entramos numa década que pede desenvolvimento mais acelerado, num regime de mais criatividade e menos desperdício, incluídos menos roubos e corrupção. Embora não mentalize, Kamila será capaz de vasculhar, nas promessas de candidatos, quem terá mais capacidade de virar o disco da estabilidade com juro alto e o da inclusão social com ênfase no assistencialismo, para começar a tocar a música do "desenvolvimentismo", termo hoje quase profano que o ministro Mantega teve a coragem de resgatar em recente entrevista. Kamila não sabe, mas é desenvolvimentista, como o resto do país, à procura de uma agenda para crescer. Pede só que o governo funcione.

Paulo Rabello de Castro , 60, doutor em economia pela Universidade de Chicago, é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

Vinicius Torres Freire:: Banca privada volta à retranca

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dinheiro emprestado à indústria é inferior ao de 2008; após 3 meses, bancos voltam a segurar crédito

O dinheiro emprestado pelos bancos privados às indústrias encolheu de 2008 para 2009, segundo os dados sobre crédito divulgados ontem pelo Banco Central. Os números relativos a dezembro serão divulgados apenas no mês que vem. Mas o balanço do crédito da banca privada para o setor industrial não deve mudar com os resultados deste último mês do ano.

Até novembro de 2008, o total dos empréstimos do setor financeiro privado para as indústrias havia crescido uns 34% no ano, o equivalente a R$ 44 bilhões. Até novembro deste ano, o estoque de crédito foi reduzido em quase R$ 13 bilhões (queda de uns 7%).

A retranca dos bancos privados parece notícia velha. Bem, pareciam, até ontem. Como se sabe, desde o início da crise as instituições privadas se recolheram, temendo calotes de tomadores de empréstimos em tempos recessivos -trata-se aqui não só dos empréstimos à indústria, mas do total de financiamentos. Os bancos estatais chegaram a responder por mais de 80% do aumento do estoque de crédito em alguns meses entre setembro de 2008 e junho de 2008. Na verdade, o saldo de crédito na banca privada chegou a encolher em janeiro e fevereiro. Ou seja, o valor dos empréstimos que concederam foi inferior ao dos empréstimos quitados.

Desde julho, parecia que a banca privada retomava aos poucos o caminho para a atividade normal. Em julho, responderam por pouco mais de 50% do aumento do estoque de crédito desse mês (antes da crise, ficavam com dois terços). No mês passado, o número caiu de novo, para 37%. Note-se, porém, que Itaú Unibanco e Bradesco parecem destoar um tanto de seus pares privados, pelo menos segundo os dados disponíveis de balanços (isto é, até setembro).

Um dos desempenhos mais notavelmente ruins é o dos bancos privados estrangeiros, que neste ano terão menos dinheiro emprestado ao público do que em 2008. Segundo dois executivos desses bancos, que obviamente não querem aparecer, a ordem veio das matrizes (Europa e, em muito menor escala, EUA).

Coisa parecida com o crédito à industria ocorreu com os financiamentos para a habitação, embora em escala menos dramática. Os bancos privados haviam entrado firmes nesse negócio em 2007, quando foram responsáveis por 36% do aumento de crédito habitacional.

Nos dois anos anteriores, por exemplo, os bancos públicos respondiam por quase 90% do crescimento do saldo de crédito para a habitação (que, é verdade, andava estagnado).

Neste 2009, os bancos públicos voltaram a tomar o mercado. Foram responsáveis por quase 80% do aumento de crédito para habitação.

Decerto o crédito imobiliário é um setor especialmente difícil. Os bancos captam dinheiro no curto prazo e emprestam em 10, 15, 20 anos. No caso de pessoas físicas, trata-se de um financiamento caro e sujeito a trovoadas em períodos de aumento de desemprego.

Mas está difícil de entender o quadro geral. A recessão brasileira, além de ter sido relativamente suave, já está no retrovisor faz meses. Alguns banqueiros dizem, em privado, que a situação vai logo voltar ao normal. Também disseram isso em maio.

Bom dia! - Maria Rita / Caminho das Águas