domingo, 20 de dezembro de 2009

Reflexão do dia - FELIZ NATAL


"...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."

(Morte e Vida Severina)
João Cabral de Melo Neto

A hora de Serra

VEJA

O governador de Minas, Aécio Neves, abre caminho para que seu colega paulista seja o candidato do PSDB à Presidência em 2010. Mas o mineiro ainda pode aparecer nessa chapa
Cor do texto
Fábio Portela

O PSDB, de Aécio e Serra, se dividiu na última eleição, mas deverá marchar unido em 2010

Faltam dez meses e meio para que os eleitores brasileiros escolham o próximo presidente da República. A base aliada do governo Lula já sabe há algum tempo que irá para a disputa tendo à frente a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A oposição, no entanto, resistia a definir o seu representante no pleito. Essa dúvida acabou na quinta-feira passada. O candidato que enfrentará Dilma nas urnas será o tucano José Serra, atual governador de São Paulo. O caminho dele ficou livre por uma decisão tomada em Belo Horizonte pelo governador mineiro, Aécio Neves. Muitíssimo bem avaliado em seu estado e festejado por políticos de todo o país, Aécio era o único que ameaçava disputar com Serra a cabeça da chapa presidencial do PSDB, mas decidiu retirar sua pré-candidatura. A partir de agora, todo o campo oposicionista, que além do PSDB abarca o DEM e o PPS, voltará integralmente sua atenção para o Palácio dos Bandeirantes, sede do Executivo paulista. Serra personifica a esperança de alternância de poder no Brasil. É a melhor aposta para romper com a hegemonia alcançada pelo PT na política brasileira durante os últimos sete anos.

Serra não anunciará oficialmente sua candidatura agora. Ele avalia que, se fizesse isso, teria a perder. Afinal, já está muito bem posicionado para 2010, pois aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto. Na visão de Serra, se assumir a candidatura neste momento, ele só estará se expondo à intensificação dos ataques adversários. O governador pretende provar que não estava brincando quando disse, recentemente, que tem "nervos de aço na política". Vai deixar o anúncio oficial para a última hora, em março, quando expira o prazo legal para que os candidatos renunciem aos cargos públicos e se dediquem exclusivamente à campanha. Enquanto isso, deixará nas mãos do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, a missão de negociar por ele as formações de palanques estaduais com aliados fora de São Paulo.

Aécio, por seu lado, cresceu em admiração dentro do PSDB. A decisão de abrir espaço para Serra foi muito bem recebida pelos tucanos, que atribuem a divisões internas - entre outras questões - a derrota do partido para o PT em 2006. A movida de peças de Aécio pode significar que o PSDB, enfim, marchará unido. Como Serra se tornou o candidato natural, todos os grupos do partido - além do DEM e do PPS, que também integram a oposição ao governo Lula - deverão trabalhar com afinco por sua candidatura. Dessa vez, afirmam tucanos graúdos, não haverá fissuras.

Conhecido pelo bom relacionamento que mantém com os mais diversos grupos políticos, Aécio vem cumprindo à risca o roteiro que planejou para si próprio. Embora cortejado por outras siglas, permaneceu no PSDB. Propôs a realização de prévias para escolher o candidato do partido, mas não fez disso um cavalo de batalha. Por fim, tomou sua decisão em dezembro, dentro do prazo que estabeleceu caso o partido deixasse a decisão por um nome em suspenso. Isso porque essa indefinição no âmbito nacional estava atrapalhando a amarração política em Minas Gerais. Se passasse mais tempo indeciso, Aécio poderia perder o controle de sua própria sucessão. Agora, sem a expectativa de ser candidato a presidente - e sem a consequente obrigação de formar uma aliança ampla também em seu estado -, está livre para fazer campanha para que seu vice, Antonio Anastasia, seja o próximo governador mineiro, mesmo que isso desagrade a outros políticos locais.

Aécio ainda não revelou o que será de seu próprio futuro político. Até agora, a opção mais certa é disputar uma eleição assegurada para uma vaga de senador por Minas Gerais. Talvez seja muito pouco para ele. Dez entre dez tucanos querem que Aécio seja candidato a vice-presidente na chapa de Serra. É o que eles chamam de chapa puro-sangue. Os aliados DEM e PPS também vibram com a ideia, e a razão é simples. Serra governa o estado mais populoso do país, e Aécio, o segundo. Só em São Paulo e em Minas Gerais vivem 33% dos eleitores brasileiros. São quase 44 milhões de votos. Como ambos os governadores têm índices de aprovação muito elevados, imagina-se que uma coligação Serra-Aécio seria arrasadora nesses dois estados, abrindo uma vantagem numérica virtualmente impossível de ser superada pela chapa governista no restante do país. Embora não admitam em público, os tucanos acreditam que, sozinho, Serra tem boas chances de vencer Dilma, mas com Aécio a seu lado a fatura estaria praticamente liquidada.

Antes de tornar pública sua decisão, o governador mineiro reuniu-se várias vezes com o presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Definido o tom do anúncio, Aécio telefonou para Serra, que estava embarcando de volta de Copenhague, na Dinamarca, onde havia participado da conferência mundial sobre o clima. Avisou-o de que sairia da disputa e ambos chegaram a cogitar fazer um anúncio conjunto em Belo Horizonte. Desistiram logo da ideia. Na quinta-feira, o governador paulista divulgou uma nota oficial com elogios ao colega. Nela, já se percebem o namoro com vistas a fazer de Aécio seu vice e o antídoto ao caráter plebiscitário que o PT tentará imprimir à campanha do ano que vem: "Não me surpreendem a grandeza e desprendimento que ele demonstra neste momento (...) Não somos semeadores da discórdia e do ressentimento. Nem estimuladores de disputas de brasileiros contra brasileiros, de classes contra classes, de moradores de uma região contra moradores de outra região. Trabalhamos, ambos, sempre, pela soma, não pela divisão. Somos brasileiros que apostam na construção e não no conflito. Temos o sonho de um país melhor, unido e progressista, com oportunidades iguais para todos. E é nesse sentido que vamos continuar trabalhando. Juntos".

O PT insiste em discordar da avaliação de que a desistência de Aécio foi positiva para o PSDB. Os cardeais do partido passaram a dizer, inclusive, que estavam "animadíssimos" com a decisão de Aécio, pois o consideravam um adversário potencialmente mais perigoso do que Serra. Eles sustentam que, com a definição tucana, a tal estratégia do plebiscito bolada pelos marqueteiros de Dilma - de transformar a eleição do ano que vem num duelo entre as gestões de Lula e a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - poderá ganhar mais sentido. Os petistas apostam que a enorme identificação de Serra com FHC, de quem foi ministro do Planejamento e da Sáude, garante o tom plebiscitário do pleito. Eles também viram positivamente o fato de o figurino de candidato ter sido empurrado para cima de Serra antes da virada do ano. Acham que o tucano, até março, passará a dividir com Dilma Rousseff um peso que ela carregava sozinha: a suspeita de que todos os seus atos no governo sempre ocultam uma motivação eleitoral.

Dilma, que assim como Serra resiste a admitir oficialmente sua candidatura, não disse uma palavra sobre a movimentação tucana. Passou a semana preocupada em apagar um incêndio criado pelo presidente Lula. Ele ofereceu ao PMDB a vaga de vice na chapa da ministra. O partido topou, e decidiu indicar o presidente da Câmara, Michel Temer. Lula não gostou. Ele não nutre simpatia pelo deputado e acha que uma chapa Dilma-Temer teria pouco apelo. Sugeriu então que o PMDB apresentasse três nomes para que a própria Dilma escolhesse o vice. Soprou que via com bons olhos os nomes dos ministros Hélio Costa (Comunicações) e Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) e até o do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Os peemedebistas estrilaram. Em política, esse tipo de interferência é um tremendo desaforo. Peemedebistas mais escaldados passaram a desconfiar que Lula semeia a discórdia no partido para tentar dominar integralmente a aliança governista.

Dilma correu para avisar à cúpula do PMDB que a definição do vice é questão interna do partido, e que a decisão tomada será respeitada. O PMDB é vital para as pretensões presidenciais da ministra por ser o mais capilarizado dos partidos brasileiros. Seus caciques regionais podem carregar Dilma de votos em regiões onde ela é pouco conhecida. Além disso, a enorme participação da legenda no horário eleitoral gratuito é estratégica. Juntos, PT e PMDB ficarão com 50% do tempo da propaganda política no rádio e na TV, contra menos de 30% da chapa do PSDB, com DEM e PPS. O ano político, então, termina assim: enquanto Serra tentará fazer de Aécio o vice dos sonhos, Dilma precisa cuidar para que a definição do seu companheiro de chapa não se transforme em pesadelo.

Com reportagem de Sophia Krause

Serra nem precisa decidir

ÉPOCA

A desistência de Aécio Neves transforma José Serra no que ele menos queria: candidato da oposição à Presidência, antes da hora marcada

Leandro Loyola e Paulo Moreira Leite

ESCOLHIDO

O governador de São Paulo, José Serra, estava de saída de Copenhague, na Dinamarca, na semana passada, quando soube que seria tratado como candidato à Presidência da República ao chegar ao Brasil. Pouco antes de embarcar, Serra recebeu uma ligação de Aécio Neves, governador de Minas Gerais. Aécio avisava que estava definitivamente fora da disputa pela vaga de candidato do PSDB à Presidência. Ao desembarcar, Serra foi direto a um compromisso no interior de São Paulo. Chegou mal-humorado e, mais tarde, cancelou uma entrevista coletiva marcada para falar sobre um programa do governo paulista. A um amigo, Serra reclamou do modo repentino como Aécio fez seu anúncio. Mas ele também estava contrariado porque deixara de ser o condutor da presença do PSDB na sucessão presidencial para se transformar em refém da dinâmica da eleição de 2010. Aécio anunciou, na tarde da quinta-feira, que não insistiria na disputa para ser o candidato tucano à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Busco contribuir, dessa forma, para que o PSDB e nossos aliados possam, da maneira que compreenderem mais apropriada, com serenidade e sem tensões, construir o caminho que nos levará à vitória em 2010”, disse, ao lado do presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Aécio anunciou a decisão numa carta de 1.000 palavras. A principal informação no texto era uma ausência. Em nenhum momento ele menciona o nome de José Serra.

A decisão colocou Serra na posição que ele procurava evitar havia meses. A presença de Aécio na disputa servia como uma espécie de proteção a sua candidatura. Na intimidade, Serra jamais acreditou que o concorrente de Minas Gerais pudesse ameaçá-lo, nem mesmo quando a direção do PSDB fingiu que levaria a sério a ideia de escolher o candidato ao Planalto em prévias eleitorais. Com a sombra de Aécio, Serra podia inaugurar obras, percorrer o país e comparecer a programas de TV sem responder a questões desgastantes sobre a disputa presidencial. Líder nas pesquisas, seu principal cuidado sempre tem sido evitar situações que possam lhe trazer qualquer tipo de prejuízo eleitoral. Horas depois de Aécio anunciar a decisão, Serra se dizia disposto a manter a mesma estratégia silenciosa – até março de 2010.

Observador atento dos costumes políticos, Serra considera que alimentar o suspense sobre sua decisão é a melhor forma de manter a fidelidade e o bom comportamento do PSDB e das legendas aliadas, que serão obrigados a multiplicar gestos de simpatia para garantir a candidatura. No momento em que anunciar a decisão de concorrer, porém, a situação se inverterá. É o candidato quem vai precisar andar atrás dos aliados em busca de todo tipo de apoio. O raciocínio faz sentido. Mas a saída de Aécio criou um fato novo. Serra torna-se candidato até por eliminação. “Serra agora é o candidato à Presidência pelo PSDB. E será tratado como tal.

Ele estava tentando evitar isso”, afirma o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e colunista de ÉPOCA. Mantidas as atuais condições, a simples hipótese de Serra desistir de concorrer ao Planalto pode ser um golpe equivalente a destruir o PSDB.


“Na política, tudo pode mudar“

(AÉCIO NEVES, governador de Minas)

A decisão de Aécio sepultou, por ora, a ideia de uma “chapa puro-sangue” só com peessedebistas em 2010. Nem todos os tucanos desistiram da ideia, porém, até porque Aécio anunciou que zelaria pelo futuro de Minas e dos mineiros, mas não entrou em detalhes sobre seu próprio futuro. Nem sequer falou de seu projeto mais provável: disputar o Senado, cadeira para a qual seria eleito sem sair de casa. Questionado pelos jornalistas, Aécio lembrou que, “na política, tudo pode mudar.” “O modo como Aécio anunciou sua decisão não prejudica a possibilidade de o PSDB formar uma chapa pura”, afirma o deputado José Aníbal (PSDB-SP).

Num esforço para seduzir Aécio, até o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, aliado de Serra, já entrou em campo. Há meses, Quércia vem tratando com Aécio de uma alternativa. Ele propõe uma grande operação. Aécio assume a vaga de vice de Serra, enquanto o PMDB entra na campanha do candidato de Aécio à sucessão, o vice Antonio Anastasia, que tem apenas 6% das intenções de voto. É um projeto tão engenhoso como complicado. O candidato a governador do PMDB é o ministro das Comunicações, Hélio Costa, que há anos batalha para concorrer. Para o plano sair do papel, seria preciso convencer Costa a rebaixar suas ambições e disputar o senado mais uma vez.

Apesar dos encontros pessoais e constantes conversas pelo telefone, nos últimos tempos o convívio entre Serra e Aécio já deixara de ser cordial. Aécio dava sinais de impaciência ao participar de um ritual que se transformou numa armadilha para retirá-lo da disputa no momento conveniente para Serra. A decisão de Aécio não foi uma surpresa em si. Surpresa foi o momento do anúncio. Os aliados de Serra sonhavam com uma cerimônia grandiosa, em que um concorrente levanta o braço do outro e faz juras de apoio eterno até a contagem do último voto.

“Uma coisa é uma decisão em janeiro, com todo o partido, o Sérgio Guerra e talvez até o Serra presentes”, diz um deputado tucano. “Outra é fazer de repente, pela imprensa, antes do que se esperava.” Informados da decisão na última hora, aliados de Serra chegaram a referir-se a Aécio com palavrões, na semana passada. De olho nos próximos meses, a principal dúvida dos aliados de Serra envolve a postura de Aécio diante do eleitorado mineiro, o segundo maior do país, indispensável em qualquer plano de vitória tucana. Serra fará tudo, mas tudo mesmo, para não perder um aliado tão precioso.

Cai diferença entre Serra e Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, rompeu a barreira dos 20% e reduziu para 14 pontos sua diferença ante o primeiro colocado, o governador José Serra (PSDB). Na pesquisa Datafolha com 11.429 entrevistas de 14 a 18 deste mês, Serra tem 37%, Dilma, 23%, Ciro Gomes (PSB), 13%, e Marina Silva (PV), 8%. A margem de erro é de dois pontos.


Dilma se consolida em 2º e reduz diferença para Serra

Tucano é líder isolado, com 37%, enquanto petista chega a 23% e se descola de Ciro

Sem Ciro, governador de SP tende a vencer no 1º turno; com saída de Heloísa Helena da disputa, a candidata de Lula e Marina crescem mais

Fernando Rodrigues
Brasília

A pré-candidata do PT a presidente da República, Dilma Rousseff, consolidou-se como segunda colocada, rompeu a barreira dos 20 pontos percentuais em todos os cenários e reduziu para 14 pontos sua diferença em relação ao primeiro colocado isolado na disputa, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Em agosto, a diferença a favor do tucano variava de 19 a 25 pontos.

Esses são os principais resultados da pesquisa Datafolha realizada de 14 a 18 deste mês, com 11.429 entrevistas em todo o país. No cenário no qual quatro candidatos são apresentados como possíveis concorrentes, Serra fica com 37%, Dilma está com 23%, seguida de Ciro Gomes (PSB), com 13%, e de Marina Silva (PV), com 8%. Há 9% dos entrevistados que vão votar em branco ou nulo; 10% dizem estar indecisos.

Com esses quatro candidatos na disputa, haveria segundo turno se a eleição fosse hoje. A soma de Dilma, Ciro e Marina resulta em 44%. Ou seja, mais do que os 37% de Serra. Para ser eleito no primeiro turno, um candidato tem de ter pelo menos 50% mais um dos votos válidos (os dados aos candidatos, excluídos brancos e nulos).

Quando Ciro é retirado do processo, as coisas ficam mais fáceis para Serra. O tucano vai a 40%. Como Dilma pontua 26% e Marina atinge 11% (as duas somam 37%), haveria uma tendência de vitória do tucano na primeira rodada, marcada para 3 de outubro de 2010.

A última pesquisa Datafolha havia sido em agosto. Heloísa Helena (PSOL) aparecia em todos os cenários, mas ela anunciou que ficará fora da disputa para apoiar Marina. Em um dos cenários de então, Heloísa tinha 12%. Serra pontuava 36%, Dilma tinha 17%, Ciro estava com 14% e Marina com 3%.

É errado comparar o levantamento deste mês com o de agosto. Os cenários apresentados ao eleitor são diferentes. Feita a ressalva, é necessário registrar que Dilma melhorou seu desempenho acima da margem de erro em qualquer combinação de candidatos.

Em agosto, a petista pontuava de 16% a 24%, conforme o cenário pesquisado. Agora, seus percentuais vão de 23% a 31%. Serra variava de 36% a 44%. Agora, de 37% a 40%.

Com a saída de Heloísa, quem mais cresceu foram Dilma e Marina (5 pontos), que deve ter seu apoio. Mas não é possível aferir exatamente para quem se deu a transferência dos votos da ex-senadora. Ciro Gomes oscilou um ponto para baixo e Serra, um ponto para cima. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Também deve ser considerado o fato de a pesquisa Datafolha ter sido realizada em seguida a uma bateria de comerciais no rádio e na TV do PSDB e do PT. Os tucanos apresentaram seu programa partidário no dia 3. Os petistas apareceram no dia 10. Os dois partidos também tiveram inserções curtas neste mês.

"A diferença é que o PT apresentou sua candidata, Dilma Rousseff, explicitando o apoio a ela por parte do presidente Lula. Já o PSDB dividiu seu programa entre dois pré-candidatos, José Serra e Aécio Neves", diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha.

Na semana passada, depois de ter usado metade das propagandas do PSDB, Aécio Neves anunciou que estava deixando a disputa. Como o Datafolha foi a campo antes do anúncio, o nome do mineiro aparece em dois dos quatro cenários.

Num cenário com Ciro, Aécio fica em terceiro, com 16%. Sem ele, Dilma lidera com 31% e Aécio vem em segundo, com 19%, mas empatado na margem de erro com Marina (16%).

Em agosto, quando o Datafolha indagava aos pesquisados para que respondessem de maneira espontânea _sem ver uma lista de nomes_ em quem desejavam votar em 2010, o presidente Lula liderava com folga: 27%. Serra era citado por 6%. Dilma por apenas 3%.

Agora, houve uma mudança. Mesmo impedido pela Constituição de ser candidato (já disputou uma reeleição e está no segundo mandato), Lula ainda lidera, mas sua taxa é de 20%. Serra tem 8%, exatamente o mesmo percentual de Dilma.

"Esse dado é relevante porque mostra que o eleitor talvez esteja percebendo que Lula não é candidato. E como Dilma mais do que dobrou o seu percentual, saindo de 3% para 8%, talvez muitos já a identifiquem como sendo o nome apoiado por Lula", diz Mauro Paulino.

Quando se observa um corte da pesquisa nos Estados, nota-se que Serra tem seu melhor desempenho no Estado que governa: em São Paulo, tem 47%, contra 18% de Dilma. Já a petista é mais forte na Bahia, onde aparece à frente do tucano, com 34% contra 30%.

Numa análise combinada sobre voto e renda do eleitor, Dilma ainda não consegue replicar a força histórica de Lula entre os mais pobres. No grupo de eleitores que ganham até dois salários mínimos, a petista tem 23% das preferências. Já entre os com renda acima de dez mínimos, é a preferida por 30%. Para Serra, os percentuais são 35% e 38%, respectivamente.

Serra vence Dilma e Ciro no 2º turno

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tucano derrota petista por 49% a 35%; contra deputado, placar é de 51% a 28%

Em cenário hoje improvável, de disputa final entre Dilma e Ciro, resultado é apertado em favor da ministra, com 40% a 35% em favor dela

Da Sucursal de Brasília


Pela primeira vez o Datafolha testou cenários possíveis para um segundo turno na eleição presidencial de 2010. José Serra, do PSDB, é o que atinge os percentuais mais altos.

Na principal hipótese segundo as pesquisas, num segundo turno entre Serra e Dilma Rousseff (PT), o tucano pontua 49% contra 34% da petista.

Esse confronto Serra x Dilma é o mais desejado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na opinião de Lula, a melhor forma de vencer a disputa pelo Planalto seria a polarização entre uma petista e um tucano que foi duas vezes ministro no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), fazendo uma comparação entre as duas administrações.

O Datafolha mostra que a primeira parte da estratégia lulista está dando certo _há uma crescente polarização, pois Dilma está isolada em segundo.

Mas mesmo com a comparação entre FHC e Lula presente em centenas de exibições de comerciais do PT nas últimas semanas, a maioria dos eleitores ainda prefere votar em Serra numa eventual disputa de segundo turno contra Dilma.

Apesar de perder nas simulações atuais, a petista é, entretanto, a que mais bem se posiciona num embate direto contra Serra. Quando o Datafolha testou um possível segundo turno entre o governador e Ciro Gomes (PSB), o tucano ganha com 51% contra 28%.

Na eventualidade de nenhum tucano passar ao segundo turno e Dilma disputar contra Ciro Gomes, a ministra venceria a disputa hoje. Ela teria 40% contra 35% de seu adversário do PSB. Uma diferença de cinco pontos apenas, pouco acima do limite da margem de erro combinada de ambos.

Os outros dois cenários de segundo turno testados pelo Datafolha confirmam como era frágil a pré-candidatura presidencial _agora abortada_ do governador mineiro, Aécio Neves. O tucano perde tanto para Dilma como para Ciro, sempre por larga diferença de pontos.

Um embate Dilma x Aécio terminaria hoje, de acordo com o Datafolha, em uma vitória da petista com 44% contra apenas 28% do tucano. Se o segundo turno se desse entre Aécio e Ciro, o mineiro manteria seus 28% e o postulante do PSB venceria com 42%. (FR)

Gaudêncio Torquato :: O jogo de Aécio Neves

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Tancredo Neves era ás na arte de dizer um sim puxando as letras do não. Depois de entrevista a um repórter, pediu para ler o texto. Lá estava: "Não pretendo ser governador de Minas." Pediu licença, pegou a caneta e emendou: "Não pretendo ser candidato a governador de Minas."

Aécio Neves herdou a matreirice do avô. Anuncia, em nota, sua desistência do páreo presidencial de 2010. Antes que a leitura sugira fechamento de portas, é mais que oportuno o esclarecimento. Aécio, como a raposa Tancredo, quer dizer: "Quero ser presidente da República, mas reconheço que José Serra tem preferência. Cedo a vez para ele."

O gesto do governador mineiro, bem pensado, terá implicações na frente política com vista à disputa do próximo ano. Ao deixar José Serra entre a cruz e a caldeirinha - o governador paulista é tolhido na alternativa de recuo -, Aécio contribui para acelerar o processo eleitoral, ajustar o foco do discurso dos contendores, definir as alianças eleitorais e clarear os horizontes, que até o momento se mostram nebulosos. Com sua decisão o mineiro também demonstra preferência pela hipótese bastante utilizada no enfrentamento de circunstâncias adversas: nem sempre a menor distância entre dois pontos é uma reta, pode ser uma curva.

O desvio momentâneo poderá ser-lhe útil para galgar, no futuro, meta mais ambiciosa que a vaga do Senado por Minas Gerais.

A retirada de Aécio da arena presidencial estreita o espaço de articulação do PSDB. A observação ampara-se no perfil de um governador que transita com facilidade na esfera partidária, colecionando amigos e simpatizantes nas grandes agremiações. Trata-se de um político de centro, identificado com um escopo pontuado por conceitos como modernização, eficiência e eficácia, desburocratização e integração de estruturas. Não se veste da coloração ideológica pesada que se impregna em bolsões de partidos, inclusive do PT, identificando-se como tucano defensor do ideário da social-democracia, cuja balança ajusta os pesos de uma economia aberta e plural com controles do Estado para evitar excessos. Por isso mesmo Aécio Neves se recusa a entrar no jogo do "a favor ou contra" o governo Lula. Tanto apoia programas como critica desvios.

O selo que inventou - "pós-lulismo" - lhe conferiria, enquanto candidato, boa condição para escapar da armadilha que o PT seguramente vai arrumar para capturar as oposições. A armadilha chama-se plebiscito. O petismo/lulismo anuncia a todo momento que a comparação entre os oito anos de FHC e os dois mandatos de Lula será objeto central da campanha. Aécio, de maneira cordial, sem arengas, fugiria à emboscada. Como?

Reconhecendo pontos positivos, sem louvações exageradas, e pontuando sobre áreas que estão a merecer ajustes. Já o governador Serra terá dificuldades para enveredar por essa trilha, eis que simboliza o oposicionismo dos embates históricos entre PSDB e PT. Ademais, agrega valores, ideias e atitudes mais próximas ao perfil técnico de Dilma Rousseff. A verdade é que o ideário de ambos não parece tão diferente, havendo quem garanta ter o paulista visão até mais estatizante que a pré-candidata de Lula. As divergências dão-se mais na esfera de abordagens formais e detalhes do que no plano substantivo.

Sob o prisma partidário, diminuem as chances de amplo leque de alianças em torno da chapa oposicionista. O PSDB poderá atrair boa fatia do PMDB, por exemplo, mas essa parcela poderia ser mais larga caso Aécio fosse o candidato. O mesmo poderia ocorrer com outros partidos, entre eles o PDT, que chegaram a acenar simpatia pelo candidato mineiro. O estreitamento do espaço de articulação na seara oposicionista poderia ser compensado com a chapa puro-sangue. Serra e Aécio formariam uma dupla de peso e respeito. Mas esse é o busílis do tucanato. O risco é alto. Se ambos perderem a campanha, ficariam sem palanque.

Passariam boa temporada em limbo político exatamente no ciclo em que se começa a enxergar a aura de um Brasil potente no contexto das nações. Ora, a viabilidade de derrota conta com certa lógica aritmética, fácil de recitar. Vejamos os grandes números que cercam a base da pirâmide: a Previdência Social beneficia cerca de 75 milhões de brasileiros, o salário mínimo laça 43 milhões e o Bolsa-Família, distribuído a 12 milhões de famílias, atinge 46 milhões de pessoas. Se considerarmos que os maiores contingentes desses programas tendem a votar pensando no bolso (leia-se também estômago), deduz-se que será dado um voto de agradecimento aos patrocinadores. Núcleos insatisfeitos - que se localizam nos estratos médios - poderão fazer contraponto ao discurso emotivo das margens, sem condições, porém, de abalar a avalanche que delas virá.

As oposições terão de achar um verbo para desconstruir espaços sociais pulverizados de programas, ações e benesses. Mudar? Se a palavra for essa, a candidata governista alçará voo.

Melhorar, ajustar, aperfeiçoar? Soariam como promessas nas nuvens da abstração. A desconstrução dessa arquitetura seria possível sob um perfil que não assumisse o papel de cavaleiro do tropel da desarrumação. Essa seria a jornada de Aécio Neves. Que, ao ver o caminho tomado por obstáculos, não teve dúvidas. Imitou o gesto de Júlio Cesar ao atravessar o Rio Rubicão: "Alea iacta est" - a sorte está lançada. Mas a dúvida que aflige tanto a oposição quanto a situação persiste: e se José Serra desistir mais adiante, Aécio toparia entrar no lugar dele? Em política não existe ponte quebrada que torne inviável a volta de um cavaleiro andante. Os momentos fazem as circunstâncias. O que era impossível ontem poderá acontecer amanhã. Os timoneiros, os guerreiros, os estrategistas, os vencedores costumam se valer da audácia. Valor que T. S. Elliot brindou com a frase "somente aqueles que se arriscam a ir longe conseguem saber até onde podem chegar".

Resta saber o que Tancredo Neves, com seu indecifrável sorriso, andou cochichando aos ouvidos do neto nestes dias pré-natalinos.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação

Eliane Cantanhêde:: Serra e seus múltiplos adversários

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Pelo Datafolha, Serra chega ao fim do ano com sólidos 37%, mas Dilma sobe bem e vai para 23%. A rejeição é equivalente, de 19% e 21%, e a eleição esquenta.

Na espontânea, quando o pesquisado pode chutar o nome que bem entender para presidente, Lula é o grande vencedor, com 20%, deixando os dois reais candidatos empatados em 8%. Excluída a chance de citar Lula, o resultado é significativo. Serra tem 8%, concorrendo com dois adversários: Dilma, com 10%, e o "candidato do Lula", com 8%.

Faça a conta de somar. Agora, subtraia: muitos acham que Serra é o candidato do Lula, mas um dia vão parar de achar.

Logo, a oposição tem um candidato forte, mas o governo reúne condições bem favoráveis. Mais ainda considerando-se discurso, numeralha, a estrutura, a penca de partidos e, a depender do PMDB, cerca do dobro de tempo na TV.

A oposição, pois, tem de preservar e ampliar o seu principal capital: o candidato. Não dá para brincar, nem para se dividir e menos ainda para errar. O cenário é difícil.

Já o governo precisa equilibrar o apoio a Lula com o voto a sua candidata. Persiste uma enorme distância entre eles, mesmo Dilma tendo suplantado mais um obstáculo: Ciro Gomes. Em todos os cenários, ela está à frente dele, que tende a esfarelar caso entre em campanha sem Lula, sem força partidária, sem aliados e sem suporte.

Não há dados sobre a consequência da saída de cena de Aécio no quadro eleitoral, mas fica claro que os votos de Ciro, se ele trocar a eleição nacional pela paulista, vão se pulverizar.

Serra, Dilma e Marina Silva lucram exatamente a mesma coisa: três pontos cada um. Ciro fica ou sai, e não muda nada.

O governo não pode errar, e a oposição, além disso, precisa acertar. O próximo passo crucial é a definição dos vices, que andou para trás no caso de Dilma e está bloqueada para Serra enquanto Aécio não vem. Se é que virá.

Sequer cogito essa hipótese', diz Aécio, sobre ser vice

DEU EM O GLOBO

Governador descarta possibilidade de chapa puro-sangue com Serra

Fábio Fabrini

BELO HORIZONTE.O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), descartou ontem a possibilidade de ser vice do governador de São Paulo, o tucano José Serra, na disputa presidencial de 2010. Questionado sobre a pressão de setores da oposição pela chapa purosangue e sobre declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que disse ser possível um acordo que viabilize a composição, o mineiro foi categórico: — Sobre essa questão específica, a minha resposta é muito simples: sequer cogito essa hipótese.

A declaração foi feita em visita a Bonito de Minas (MG), dois dias após Aécio informar que desistiu de disputar a indicação do partido à vaga de candidato ao Planalto, abrindo caminho para o concorrente interno. O desempenho de Serra junto ao eleitorado de Minas agora preocupa a cúpula tucana.

O governador mineiro prometeu empenho numa eventual candidatura do paulista, mas ponderou que lealdade não é garantia de votos: — Estarei sempre ao lado dos meus compa nheiros .

Quando o partido definir seu candidato, serei aqui mais um soldado, entre tantos

Marina confirma pré-candidatura e critica Dilma

DEU EM O GLOBO

Senadora diz que ministra não tinha experiência para participar da Cop 15

SÃO PAULO.A senadora Marina Silva confirmou ontem que a decisão de se lançar candidata à Presidência da República pelo PV, no ano que vem, já está tomada.

Ela afirmou que está na fase “laboriosa de construir uma candidatura”.

— Essa decisão política já existe, agora o processo legal, formal, se dará no ano que vem — disse a senadora, que afirmou não ter se surpreendido com a decisão do governador de Minas, Aécio Neves, de desistir de se candidatar à Presidência: — Sabíamos que mais hora, menos hora, isso ia acontecer.

Ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, voltou a criticar ontem a decisão do governo brasileiro de indicar a chefe da Casa Civil, a ministra Dilma Rousseff, para representar o país nas negociações da Cop 15, semana passada em Copenhague.

Segundo Marina, a pré-candidata do governo não tinha a experiência necessária para comandar a delegação brasileira e sua indicação teve finalidade puramente eleitoral.

— Quando vi a posição da ministra, pensei: tomara que o presidente Lula venha aqui para colocar as coisas no seu devido eixo — disse.

Cresce exigência para apoiar Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Após o PMDB, que se disse ofendido com a lista tríplice, é a vez de o PP querer dote para aceitar o casamento

Vera Rosa

Com a nova arrumação no ninho tucano, aliados do governo Lula já começam a fazer "exigências" para apoiar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao Palácio do Planalto, em 2010. Depois de dirigentes do PMDB dizerem-se ofendidos com declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que sugeriu ao partido a apresentação de uma lista tríplice para Dilma escolher o vice de sua chapa -, agora é a vez do PP de querer um dote para aceitar o casamento.

"Aprecio a Dilma e acho que ela é uma mulher de valor, mas não faremos acordo federal sem São Paulo", afirmou o deputado Paulo Maluf (PP-SP), que não foi ao jantar da ministra com a bancada do PP, há 53 dias, em Brasília. "A definição do nosso apoio tem de passar por uma conversa sobre o maior colégio eleitoral do País."

Presidente do PP paulista, Maluf gostaria que o PT avalizasse a candidatura do deputado Celso Russomanno (SP) à sucessão do governador José Serra (PSDB). Na prática, sabe que essa hipótese é impossível, mas quer o compromisso de que o PT não hostilizará Russomanno.

"Temos de deixar definido já como ficam as coisas e se vão nos apoiar lá na frente, pois temos um candidato que tem votos e discurso", insistiu Maluf. "Quem o PT tem em São Paulo?", perguntou Russomanno, que também não bateu ponto no jantar de outubro, no qual Dilma caprichou nos elogios ao PP.

Para arrepio de petistas mais radicais, a ministra chegou a dizer, naquele jantar, que não sabe distinguir entre as "realizações" do PP e do PT no governo Lula, tamanha a "afinidade" entre os dois partidos, ex-rivais históricos. "É possível ter acordo com o PP em São Paulo", disse o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), informado sobre a imposição de Maluf. "Se o candidato deles apoiar a Dilma, podemos firmar acordo para estarmos juntos no segundo turno." Cauteloso, o senador Francisco Dornelles (RJ), presidente nacional do PP, disse que é cedo para a legenda resolver com quem ficará em 2010. "Política e pressa não combinam", resumiu. Nem mesmo a desistência do governador de Minas, Aécio Neves (PSDB) - que retirou sua pré-candidatura, deixando o caminho livre para Serra -, fez Dornelles antecipar a decisão do PP. O senador é tio de Aécio e estava numa saia-justa, aguardando o desfecho da novela na seara tucana.

FATOR CIRO

Além da indefinição de muitos aliados, há o "fator Ciro". O PT não definiu quem será seu representante na disputa ao Palácio dos Bandeirantes porque está à espera do deputado Ciro Gomes (PSB-SP). Defensor de uma eleição polarizada entre Dilma e Serra - para investir numa campanha plebiscitária, de comparação entre os projetos do petismo e do tucanato -, Lula quer que o PT desista da candidatura própria e apoie Ciro.

O deputado continua de olho na Presidência e jura que, se não tiver apoio suficiente para a empreitada, não concorrerá a nada. Pior: tem dado fortes estocadas no PMDB do presidente da Câmara, Michel Temer (SP), cotado para vice de Dilma.

Os últimos protestos de Ciro, para quem a coalizão entre o PT e o PMDB faz "mal ao Brasil", entornaram o caldo da aliança. "Ele quer a vaga de vice (de Dilma) e eu faço gosto", rebateu Temer. Berzoini saiu em defesa da parceria peemedebista. "O PMDB está presente em várias alianças com o PSB, inclusive no Ceará de Ciro, e acho que ele não precisa brigar com os aliados", afirmou. A cúpula petista já decidiu que, se Ciro não entrar na corrida ao Bandeirantes, o candidato será do PT. Nesse caso, o nome mais cotado é o do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.

O PTB do deputado cassado Roberto Jefferson - que denunciou o mensalão, em 2005 - é outra legenda que enfrenta divergências internas em relação ao apoio a Dilma. Motivo: fatia considerável da sigla defende dobradinha com Serra. Após a transferência de José Múcio Monteiro da Secretaria de Relações Institucionais para o Tribunal de Contas da União (TCU), o PTB de Jefferson ficou sem assento na Esplanada dos Ministérios.

"O ideal é não ter ninguém no governo, para ficar com mais liberdade", afirmou Jefferson. Se depender de Múcio e do líder do PTB no Senado, Gim Argello (DF), o casamento petebista com Dilma será de papel passado.

"Darei palanque para a ministra no Distrito Federal", garantiu Argello, pré-candidato do PTB a governador. Diante das divergências, a tendência do PTB é liberar diretórios estaduais para agirem como bem entenderem em 2010.

Ministra tem dificuldade com eleitores pró-governo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Roberto de Toledo

Mesmo após sua candidatura ter sido lançada extraoficialmente pelo programa do PT no horário gratuito de TV, Dilma Rousseff patina eleitoralmente. Aparentemente, não avança nem entre aqueles que, em tese, estariam mais propensos a votar nela.

Segundo a pesquisa Vox Populi/IstoÉ, só 1 em cada 4 dos que avaliam o governo Lula como "ótimo" ou "bom" pretende votar em Dilma. Ao mesmo tempo, uma fatia maior declara voto no principal candidato da oposição, José Serra (PSDB): 36%.

Esse porcentual é idêntico ao obtido nesse segmento pelo tucano duas semanas antes, na pesquisa CNI/Ibope. Do mesmo modo, os 24% de intenção de voto de Dilma entre os pró-governo na pesquisa Vox Populi estão muito próximos aos 21% registrados no fim de novembro pelo Ibope. Considerada a margem de erro, são estatisticamente equivalentes.

Por que, então, a popularidade de Dilma não acompanha a do governo? Algumas hipóteses.

Em primeiro lugar, a maioria ainda não está preocupada com a eleição de 2010. Metade dos eleitores não sabe indicar um candidato espontaneamente. Outros 15% dizem "Lula" (que é inelegível) e 9% preferem anular ou votar em branco. Ou seja, em dezembro, assim como era em novembro, só 1 em cada 4 eleitores tem seu presidenciável na ponta da língua.

Há também um problema de comunicação: 45% do eleitorado desconhecem que Dilma é a candidata apoiada por Lula. Segundo o Vox Populi, a maioria desses eleitores que não associam a ministra a seu chefe é formada por pessoas de baixa renda e baixa escolaridade, justamente os principais beneficiários dos programas assistenciais do governo.

Para completar, Dilma enfrenta resistência maior em alguns estratos do eleitorado: aqueles com nível superior, os de maior renda e os moradores do Sul do País. São os segmentos onde ela tem alto grau de conhecimento e baixa intenção de voto e/ou rejeição acima da média.

Até agora, nada menos do que 92% da intenção de voto na ministra vêm daqueles que consideram o governo "bom" ou "ótimo". Ou seja, suas chances de vencer dependem exclusivamente dos pró-Lula. É neles que a ministra vai precisar focar seus esforços. Eles serão o termômetro da eleição 2010.

* É jornalista especializado em reportagens com uso de estatísticas e coordenador da Abraji

Dora Kramer :: Dedo na ferida

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O procurador-geral da República, Roberto Rangel, tomou uma atitude que pode fazer pelo País o que nenhuma reforma política seria capaz.

Na quinta-feira, ele pediu ao Supremo Tribunal Federal autorização para investigar as atividades do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, sem autorização da Câmara Distrital, a Assembleia Legislativa de Brasília.

Roberto Gurgel apresentou o STF uma ação direta de inconstitucionalidade contra uma lei aprovada pela própria Câmara do DF que vincula a abertura de ações contra o governador à decisão dos deputados distritais (estaduais).

O argumento do procurador é meridiano: considerando a maioria da "base aliada" ao governador, é obviamente inviável qualquer possibilidade de se obter o aval da Câmara para a investigação pretendida pelo Ministério Público.

"Todos sabemos que não apenas no Distrito Federal, mas na grande maioria dos Estados, senão na totalidade deles, o governador sempre tem maioria na Assembleia Legislativa e essa maioria recusa a licença ou simplesmente não examina, não aprecia, o pedido de licença formulado pelo Judiciário. Os anos se passam, nada acontece e se assegura a impunidade do agente político", justificou o procurador-geral.

Tocou num ponto essencial da deformação do sistema, das relações entre Poderes Executivo e Legislativo e da degradação da política, decorrente das infrações escancaradas sob a proteção de instituições que deveriam resguardar o cumprimento da lei e guardar o decoro nos procedimentos.

O procurador-geral deu ao Supremo a oportunidade de desmontar um dos pilares da impunidade: a conivência por conveniência. Além disso, expôs a natureza do problema: a servidão das maiorias parlamentares formadas a partir do critério da troca de favores.

Se conseguir ganhar a causa, Roberto Rangel terá ido além do caso específico da Câmara Distrital, que aprovou uma lei concedendo a si direitos superiores aos conferidos pela Constituição. Pela Carta, a competência para processar e julgar governadores é do Superior Tribunal de Justiça.

Se julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, o STF estará mandando um recado de atenção a vários tipos de abusos que, por repetidos, já vão se incorporando à rotina de transgressões como se fossem atos muito naturais.

Não é apenas a Câmara Distrital do DF que adotou como prática a edição de leis que transgridem a Constituição e a subserviência de resultados, em nome de seus interesses imediatos.

No Congresso Nacional, nas Assembleias e Câmaras Municipais Brasil afora ocorre o mesmo. A maioria que se comporta como mercadoria - em todos os governos - impede investigações, produz artificialmente resultados convenientes à chefia e está sempre disposta a prestar quaisquer serviços mediante a distribuição de benesses.

O gesto do procurador não soluciona o problema, mas joga luz sobre a questão.

Deslustre

Depois de 140 dias de imposição de censura ao Estado, o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado desistiu da ação contra o jornal, a fim de reafirmar, com o gesto, seu apreço pela liberdade de imprensa.

Pena que o Poder Judiciário tenha deixado passar a oportunidade de condenar a agressão ao Estado de Direito e com isso evitado o regozijo do cinismo.

O limbo

Enquanto puder, José Serra esticará a oficialização da candidatura ao máximo. Pelas razões já expostas - não quer antecipar o confronto com Lula, quer completar o período regulamentar de governo até o prazo de desincompatibilização etc. -, mas também por um motivo de caráter prático.

Serra argumenta que até a convenção oficial do partido não há nada de objetivo que um candidato possa fazer. A campanha é proibida pela legislação eleitoral e o eleitorado ainda não está devidamente engajado na disputa.

As articulações políticas não contam, porque essas já estão sendo feitas há muito tempo e ocorrem longe dos olhos do público.

Em 2006, quando deixou a prefeitura em abril para ser candidato ao governo do Estado, Serra operou o estômago e passou um mês de molho sem que isso tivesse qualquer efeito sobre a campanha.

Máscaras

Aécio Neves assumiu a desistência alegando que não estava mais disposto a sustentar uma "falsa candidatura".

José Serra, em sua resistência de assumir, sustenta agora uma falsa não-candidatura.

Gato escaldado

Desde o estouro do escândalo, o governador José Roberto Arruda só faz reuniões na ausência de telefones celulares.

Todos os assessores e secretários são obrigados a deixar os aparelhos do lado de fora da sala, aos cuidados de um guardião.

Merval Pereira :: O Supremo na berlinda

DEU EM O GLOBO

O Supremo Tribunal Federal (STF) esteve no centro dos debates políticos nos últimos dias, na situação incomum de ver suas decisões serem questionadas ao vivo pelos próprios membros, no caso da censura judicial ao jornal “O Estado de S. Paulo”, ou por um governo estrangeiro, no caso o da Itália, que pediu esclarecimentos sobre o voto do ministro Eros Grau no processo da extradição do terrorista Cesare Battisti

Na discussão sobre se a decisão judicial de proibir o jornal “O Estado de S. Paulo” de publicar uma reportagem feria o que o Tribunal havia decidido sobre liberdade de imprensa, ao se definir pelo fim da Lei de Imprensa, uma questão técnica se sobrepôs à discussão conceitual sobre o tema.

Segundo o jurista Sérgio Bermudes, considerado um dos maiores constitucionalistas do país, “não cabia a reclamação, que só vale quando num determinado processo há o descumprimento de uma decisão proferida. Por exemplo, o Supremo anulou um determinado contrato, e os tribunais inferiores decidem dar execução a esse contrato. A parte lesada pode reclamar ao Supremo”.

No caso do “Estadão”, explica Bermudes, tecnicamente a decisão do ministro Cezar Peluso estava certa, por que não houve um descumprimento de decisão no caso específico. “O Supremo se pronunciou contra a Lei de Imprensa, mas não se pronunciou naquele processo específico, se pronunciou genericamente.

Se o Supremo tivesse declarado a Lei de Imprensa inconstitucional em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), aí sim a reclamação valeria. Mas nesse caso não vale”, diz.

Nos bastidores do STF, corre que o voto do ministro Ayres Britto sobre a Lei de Imprensa teria sido muito mais amplo do que a maioria da Corte queria, e agora os juízes estariam começando a modelar a liberdade de imprensa, que teria sido excessiva para muitos deles.

A tendência do Supremo é reafirmar o princípio a favor da liberdade de imprensa, mas agora querem ver caso a caso como se aplica. E eventualmente uma interpretação mais restrita pode surgir.

No caso da extradição de Cesare Battisti, a polêmica começou logo no dia seguinte à votação, quando o relator, o mesmo Cezar Peluso, disse que não tinha condições intelectuais para redigir a decisão do Supremo, ressaltando pela ironia o que considerava incongruência da decisão de extraditar o italiano, mas permitir que o presidente da República não cumpra os acordos internacionais firmados pelo país.

A palavra-chave na votação foi “discricionário”. Os ministros que votaram a favor de que cabia ao presidente da República a decisão final sobre a extradição consideraram que ele tinha poderes “discricionários” para decidir, o que na ocasião foi discutido em plenário e transmitido ao vivo pela TV Justiça.

O ministro Eros Grau se recusou, na ocasião, mesmo instado pelo presidente do Supremo, Gilmar Mendes, a incluir no seu voto a definição de que o presidente deveria seguir o tratado de extradição firmado com o governo italiano.

Dias depois, questionado pelo governo italiano por uma “questão de ordem”, Eros Grau admitiu que seu voto não dava poderes “discricionários” ao presidente da República.

O jurista Joaquim Falcão, diretor da Faculdade de Direito da FGV do Rio, diz que o Supremo “é o local das interpretações conflitivas, e isso não chamo de divisão. Não há divisão em termos políticos ou doutrinariamente ideológica. A tendência do Supremo não é previsível, o que é bom. Mas a imprevisibilidade gera insegurança”.

Para Joaquim Falcão, televisionar a reunião do Supremo “antecipa interpretações sobre o voto e permite esse vai e vem”. A publicidade, com a natural divergência, estaria criando uma situação de insegurança. “Não se faz Supremo sem a comunicação das decisões”.

As dúvidas sobre o voto do ministro Grau não existiriam se os procedimentos do Supremo Tribunal Federal fossem semelhantes aos da Suprema Corte dos Estados Unidos, lembra Falcão.

Lá, os juízes ouvem as partes sem que discutam entre si, apenas arguem os advogados.
Depois, se trancam em uma sala que não tem nem secretária, e discutem, às vezes vigorosamente, até chegarem a um acordo.

Falcão diz que, quando nos Estados Unidos se anuncia o voto do Supremo, “já se anuncia a ementa, que palavra por palavra é discutida antes da divulgação da decisão.

O debate não é público.

Também o voto derrotado é divulgado”.

O jogo de poder está na formulação da ementa, que é o anúncio oficial da Corte sobre o resultado final do julgamento.

No caso da Lei de Imprensa, por exemplo, a ementa de Carlos Ayres Britto dizia a certa altura:

“Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive procedente do Poder Judiciário, sob pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.” Os juízes do Supremo que discordam dessa afirmação tão ampla deveriam ter impedido que a ementa fosse publicada nesses termos, para deixar claro que, em outros julgamentos, a questão seria retomada.

Um dos sucessos do Supremo dos Estados Unidos, segundo Falcão, é ir moldando suas decisões ao longo do tempo. Ele exemplifica com o conceito de pena de morte, que nestes últimos anos foi sendo afinado.

Primeiro aprovaram sua legalidade, anos depois disseram que não pode ser aplicada em menores, e mais adiante, ao aprofundar o que seria “punição cruel e fora do comum”, a Suprema Corte definiu que determinado tipo de injeção não pode ser aplicada, por ser “cruel”. “Esse processo de refinamento é natural”.

Para Joaquim Falcão, o que está em jogo é qual o nível de pressão que o Supremo pode aceitar.

“Quando o Supremo aceita pressões que podem mudar votos já dados, ou nuançar votos já dados, é um problema gravíssimo para o país”, adverte.

Celso Lafer :: Partidarização da política externa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A política externa tende a ser, no Brasil e em outras nações, uma política de Estado, e não de governo ou de partido - como vem ocorrendo na Presidência Lula -, em função de certas regularidades da inserção internacional de um país. Essas regularidades contribuem para dar, com as adaptações devidas à mudança das circunstâncias, uma dimensão de continuidade à ação diplomática. É isso que explica por que a política externa tende a ser uma política de Estado.

No caso do Brasil são exemplos esclarecedores de regularidades: a localização geográfica na América do Sul; a menor proximidade dos focos de tensão presentes no cenário internacional; a escala continental que dá relevância ao nosso país na vida internacional; a importância de um pacífico relacionamento com dez vizinhos; a natureza do contexto regional latino-americano, que é distinto de outros; os cuidados no gerenciamento da forte presença dos EUA nas Américas e no mundo; as realidades das assimetrias de poder; o desafio do desenvolvimento.

A dimensão de continuidade confere coerência à ação diplomática e contribui para a credibilidade da política externa do Estado. Continuidade, no entanto, não é imobilismo, pois o objetivo da política externa como política pública é traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Mudanças assim ocorrem seja em função da identificação de novas necessidades internas, seja por conta da avaliação de novas possibilidades ou dificuldades externas, provenientes das transformações do sistema internacional. A construtiva interação continuidade/mudança tem feito, no correr dos tempos, da política externa brasileira, como política de Estado, uma "obra aberta", continuamente enriquecida no seu repertório por aquilo que cada governo e cada chanceler, em distintas conjunturas, acrescentam de relevante à inserção internacional do País.

É natural que a política externa leve em conta, na sua execução, além da avaliação do cenário internacional, os dados da política interna de um governo. No caso, por exemplo, das mudanças promovidas na Presidência Geisel, uma dimensão importante foi a de fazer dela um componente do processo de distensão e de encaminhamento da redemocratização. Esta dimensão, aperfeiçoada na gestão do chanceler Saraiva Guerreiro, propiciou, com a redemocratização, um consenso em torno da política externa como política de Estado. À existência deste consenso referiu-se Tancredo Neves em novembro de 1984. Evidentemente, ele pretendia acrescentar uma nota própria à diplomacia brasileira. Por isso, na sua viagem ao exterior, como presidente eleito, no começo de 1985, indicou que ia inserir na agenda externa brasileira a democracia e os direitos humanos em consonância com os dados internos, provenientes da redemocratização.

O empenho na manutenção de um consenso em torno da política externa como política de Estado foi uma das notas dos governos dos presidentes do Brasil democrático - de Sarney a FHC. Hoje esse consenso não existe mais, como vem apontando Rubens Ricupero. O esgarçamento crescente desse consenso é fruto da inédita partidarização da política externa promovida pelo governo Lula. Explicita-se pela desconsideração do que foi feito antes, por meio da asserção de um marco zero diplomático. É o tema do recorrente "nunca jamais em tempo algum na História desse país", denegador dos méritos da política externa como política de Estado.

A partidarização tem como um dos seus componentes a indicação do professor Marco Aurélio Garcia como assessor diplomático do presidente. Com efeito, este, como prócer do PT, que sempre cuidou das relações externas do partido, se incumbiu de zelar por essa partidarização, que a cúpula do Itamaraty incorporou nas suas práticas diplomáticas, a elas atribuindo, com preponderância, a nota de uma política de governo.

A partidarização vem crescendo, nos últimos tempos, facilitada pelas boas condições da presença do Brasil no cenário internacional e pela positiva imagem do presidente no mundo. Um símbolo da partidarização é a recente filiação do chanceler Celso Amorim ao PT.

A partidarização responde a três objetivos. O primeiro e o mais óbvio, desde o início, foi e é o de dar uma satisfação ideológica aos segmentos mais radicais da base de apoio do presidente para compensá-los pelos elementos de continuidade da responsável política econômica do governo FHC. O segundo foi e é o de identificar no PSDB o inimigo político com o qual cabe travar, ao modo de Carl Schmitt, em todos os campos, uma guerra pública. O terceiro, que se vincula ao anterior, é o de glorificar o presidente Lula, desconstruindo politicamente FHC, conferindo também ao seu significativo legado diplomático a característica de uma "herança maldita".

A consequência dessa postura instigará, no debate eleitoral que se inicia, um forte componente partidário no campo da política externa, em detrimento da sua dimensão de política de Estado.

Do ponto de vista da condução da política externa, a partidarização vem levando a equívocos da gestão diplomática. O mais clamoroso é a desmedida de uma ilusão voluntarista empenhada em realçar o papel da liderança do presidente no mundo e a sua capacidade de encaminhar, a partir do Brasil, todos os grandes problemas da vida internacional - da paz no Oriente Médio à não-proliferação nuclear militar do Irã, passando pelos problemas de Honduras, pela alteração da geografia econômica do mundo e pelo término planetário da fome. O ativismo voluntarista contribuiu, inter alia, para os insucessos das candidaturas brasileiras a postos internacionais.

Os antigos diziam que a diferença entre o remédio e o veneno é a medida. A falta de medida é o veneno da atual partidarização da política externa. Propicia, na incessante busca de prestígio, a inconsequência de muita agitação para poucos resultados.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

Ferreira Gullar :: Cabra safado não se ama

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

A crise que atingiu os partidos e o Congresso criou condições para mudanças radicais

Os graves escândalos que têm abalado a vida política nacional não podem ser explicados como resultado apenas de desvios de conduta de alguns políticos, mas, sim, como resultado de causas mais complexas, de um processo de deterioração dos valores políticos e éticos que vem de longe.

Na verdade, a conjunção de diversos fatores, somados ao baixo nível moral dos atores da cena política, levou ao afrouxamento de certos princípios fundamentais que devem nortear a ação daqueles que se pretendem representantes do povo. As causas desse afrouxamento serão muitas, tantas que não me acho capaz de identificá-las, mas é inegável que elas atuaram e atuam não apenas no Congresso mas igualmente em todas as áreas em que se desenvolve a ação política. A sensação é de que os políticos, na sua maioria, em vez de servirem à sociedade, optaram por dela se servirem para granjear poder e riqueza.

A perda de valores e princípios, que devem reger a atividade dos políticos, levou-os a apagar os limites entre o interesse público e o privado, tornando-se uma espécie de casta que se apossou da máquina do Estado e a pôs a funcionar em seu próprio benefício.

Essa perda da consciência ética, do compromisso com o povo -que deve nortear toda a atividade política-, contaminou em maior ou menor grau todos os partidos, como o demonstram as denúncias feitas, comprovadas e até mesmo admitidas por quem tergiversou. Das altas falcatruas aos pequenos deslizes, tudo indica que a perda dos valores é mais ampla e grave do que poderia parecer inicialmente.

Como disse, diagnosticar todas as causas desse fenômeno é praticamente impossível, mas uma delas, certamente, é o financiamento das campanhas eleitorais por empresas ou empresários, que passam a influir diretamente nas decisões do legislador e do governante, em detrimento do interesse público. Em lugar de voltar-se para a solução dos problemas, o que determinaria a melhora nas condições de vida da população, o político atua para atender aos interesses da empresa que lhe financiou a campanha. Isso quando não transforma o próprio empresário em seu vice -quando se trata de um governador ou senador-, que, depois, lhe ocupa o lugar, sem ter recebido nem um voto sequer, sem que ninguém o conheça.

Mas há exemplos mais graves, como a aprovação de leis que beneficiam grupos econômicos em prejuízo do interesse da grande maioria do povo. Isso é coisa sabida e já houve mesmo quem tentasse mudar essas leis, o que é praticamente impossível, já que quem poderia fazê-lo são exatamente aqueles que se beneficiam dessa situação. Esses problemas, como muitos outros que exigem a reforma da legislação, não serão resolvidos se a cidadania não obrigar os políticos a resolvê-los.

A coisa, como se vê, não é simples, porque, como disse aquele deputado pilantra que estava se lixando para a opinião pública, pode a imprensa dizer dele o que disser, e seu eleitorado continuará a elegê-lo. Sim, porque, no Brasil, o nível de consciência política ainda é muito baixo, e isso facilita a ação dos demagogos.

De qualquer modo, é preciso fazer alguma coisa, e este é o momento certo para fazê-lo.

Se há políticos safados, há também os honestos, conscientes de seu compromisso com a cidadania. E há de havê-los em todos os partidos. E, se isso é verdade, por que não se unem, por cima dos partidos, se for o caso, para mudar a situação e reorientar a vida política?

Estou certo de que a própria crise que vivemos torna possível a mudança. E os políticos, com raras exceções, desejam e necessitam do respeito e da confiança do eleitor.

Dialeticamente, a crise moral que atingiu os partidos e o próprio Congresso Nacional criou, ao mesmo tempo, as condições propícias a mudanças radicais. Paremos para refletir: se nada for feito, continuaremos todos nas mãos dos pilantras, já que a democracia não pode existir sem a atividade política, nem a própria sociedade sem legisladores e governantes que a ela se dediquem.

É hora de os políticos honestos e idealistas despertarem para esta verdade: uma grande causa nos ajuda a viver porque dá sentido a nossa vida. Ninguém perde nada em lutar por um país melhor, e o sacrifício que faça pouco significará diante da felicidade de respeitar-se a si mesmo e de ter o respeito dos demais. Só os calhordas não entendem isso.

Ih, desconfio que escrevi um manifesto!

*****

Lula já usa palavrão nos discursos. Quanto mais sobe no Ibope, mais à vontade ele se sente para mostrar quem de fato é.

FHC: “No Chile, eu estaria com Bachelet. Não votaria em Piñera”

DEU NO JORNAL DO BRASIL
Entrevista : Fernando Henrique Cardoso


Joana Duarte


Da Redação - Os candidatos ao governo chileno, Sebastián Piñera e Eduardo Frei, já começaram a montar suas estratégias para conseguir apoio majoritário dos chilenos no segundo turno das eleições presidenciais, no próximo 17 de janeiro. Do alto de sua experiência, o sociólogo e ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso acredita que renovações são sempre saudáveis, apesar de admitir que, se estivesse no Chile, onde viveu exilado por quase cinco anos, votaria em Eduardo Frei, candidato governista de centro-esquerda da coalizão Concertación – no poder há 20 anos: “As pessoas, de vez em quando, querem renovar, mesmo sem um motivo maior do que a simples renovação em si”, afirma.

No Chile de hoje, o preço do desgaste da coalizão governista está sendo posto na conta de Frei.
Apesar dos altos índices de aprovação do governo de Michelle Bachelet, que chegou a 80% em outubro – a maior popularidade de um presidente chileno desde a redemocratização – Bachelet não consegue converter seu carisma em votos para seu candidato. Em um paralelo com as eleições brasileiras de 2010, Fernando Henrique, do PSDB, sugere que seria a hora de o PT também ceder a vez. Apesar da popularidade de Lula, o resultado das últimas pesquisas de intenção de voto mostram sua pré-candidata, a ministra Dilma Rousseff (PT), bem atrás do governador de São Paulo, José Serra (PSDB). Para FHC, isso mostra que não há transferência automática de votos, seja no Chile ou no Brasil. Dilma, assim como os outros candidatos, afirma, terá que demonstrar desempenho pessoal acima de tudo, pois na hora das eleições, “as pessoas não vão votar apenas em função de quem apoia quem. Vão olhar quem está sintonizado com o sentimento do momento e quem abre o horizonte de esperança e de confiança, para que diga:
"Com esse eu vou. Esse é fundamental"”.

JB - O candidato da oposição chilena, Sebastián Piñera, é favorito para vencer as eleições chilenas no segundo turno, em janeiro. Como se explica sua liderança nas pesquisas de intenção de votos, apesar da popularidade da presidente Michelle Bachelet, que apoia o governista Eduardo Frei?

Não é a primeira vez que Sebastián Piñera é candidato. Ele já é um nome conhecido. Além disso, embora a presidente Bachelet esteja muito bem avaliada, e eu gosto dela e do governo dela, não é fácil transferir votos. Isso não acontece automaticamente, não é um processo mecânico. Lá no Chile, a coalizão de centro-esquerda Concertación já está governando há muito tempo. Chega um momento em que há uma espécie de cansaço material e é mais fácil renovar. Mas é cedo para saber quem vai ser o vencedor no segundo turno.

JB - O senhor considera que a aprovação de Bachelet está bastante vinculada a características pessoais da presidente?

Eu não tenho dúvida. Em nossos sistemas políticos, não só aqui, mas nas sociedades de massa de um modo geral, que dependem muito de televisão, de rádio, disso tudo, o desempenho pessoal conta muito. Uma candidatura é julgada através de comparação. Por razões que desconheço, é provável que na comparação entre Sebastián Piñera e Eduardo Frei, Piñera tenha se saído melhor no primeiro turno. O Frei já foi presidente e isso sempre tem o efeito de causar um certo cansaço.

JB - Dá para fazer um paralelo com o Brasil, no sentido de que o presidente Lula, apesar de sua grande popularidade, também não tem conseguido transferir sua aprovação para a ministra Dilma Rousseff, sua candidata à Presidência em 2010?

Eu não acho que ele não tenha transferido seus votos. Todos os votos que a candidata Dilma Rousseff tem até agora vieram do Lula. O problema é outro: até que ponto vai haver essa transferência. No caso do Chile é diferente, porque Eduardo Frei já foi presidente, é bastante conhecido, seu partido Concertación tem tradição, e por isso não se contava tanto com a transferência de votos da atual presidente. No caso do Brasil, a candidata do PT não é uma pessoa conhecida, nunca foi às urnas, então, aí sim, se espera muito que haja transferência de votos. Eu acho que, provavelmente, vai haver essa transferência, mas isso tudo, a meu ver, vai depender do desempenho dos candidatos. O eleitorado não vota automaticamente só porque fulano apoiou ou deixou de apoiar. Na hora do voto, as pessoas não vão principalmente por aí. Vão olhar quem está sintonizado com o sentimento do momento e quem abre o horizonte de esperança e confiança, para que digam: “Com esse eu vou. Esse é o candidato que é fundamental”.

JB - É a primeira vez em vinte anos que a Concertación corre o risco de ser derrotada. O que explica essa mudança na direção política do Chile?

Eu acho que o Chile é um país onde as instituições são muito consolidadas, depois do Pinochet, naturalmente. E lá, elegendo-se um ou outro, as mudanças não serão dramáticas. Eu acho que existe o fenômeno que as pessoas precisam renovar de vez em quando, mesmo sem que haja um motivo muito mais forte. Eu não sei ainda se Frei vai perder, pois o candidato independente Ominami teve muitos votos e o partido comunista também. Então, não sabemos se estes votos serão transferidos para Frei. Não sei se ele vai perder, mas que está mais difícil, está. E vou dizer mais: isso é bom para a democracia. Pode ser ruim para quem está no poder, para o partido que vai sair do governo, mas para o país é saudável renovar de vez em quando. E olha que lá no Chile eu estaria ao lado da Bachelet. Não votaria em Piñera. Mas acho que, independentemente da minha opinião pessoal e da opinião que eu acho que muitos têm no Chile, arejar, de vez em quando, é útil para as instituições.

JB - Como o PSDB deve se colocar no debate eleitoral do Brasil? No Chile, Piñera tem sido apresentado como um candidato que vai fazer um governo de continuidade, e ao mesmo tempo propor avanços. O senhor acha que essa é uma estratégia que pode ser adotada pelo PSDB nas eleições?

Eu não sei se o PSDB deve fazer uso dessa ou daquela estratégia, mas eu sei o seguinte: o quê foi que Lula fez? Apesar de negar, não deu continuidade ao que eu tinha feito? Então, quando os países vão avançando e amadurecendo, certas questões vão indo para um lado mais consensual. Evidentemente que muita coisa no Brasil vem se abrindo e se consolidando, coisas que vieram do meu governo, e até mesmo do governo anterior ao meu, continuaram com Lula, que melhorou algumas e regrediu outras. Na hora da campanha, as pessoas vão apresentar isso de outra maneira, dizendo; “Eu fui contra tudo”. Bom, eu não acho que o Brasil esteja num momento em que se você disser “eu sou contra tudo”, isso dê certo, porque não precisa. O Brasil não está indo para o buraco, está indo bem. O que for bom tem que continuar e é preciso poder dizer, tranquilamente: “Vou continuar e vou melhorar ainda mais”. Eu não creio numa tática de um para um lado, outro para o outro, ou um contra o outro. Isso não vai funcionar. Nem de um lado, nem de outro.

JB - O PT promete insistir na comparação entre a sua gestão e a de Lula. O que acha disso?


Eles estão comparando com o passado e distorcendo o passado. É tática política. Ma, de qualquer maneira, eu não acho que as pessoas julguem desta forma. Ninguém vai votar em alguém pelo passado. Vai votar pelo futuro.

JB - Caso Piñera se eleja, podemos dizer que haverá um realinhamento do Chile na América Latina, como, por exemplo, uma aproximação com a Colômbia?

Não acredito em um maior alinhamento com a Colômbia. Cada país tem sua história, suas ligações. O Chile é um país democrático. Tanto o ex-presidente Frei quanto o ex-presidente Lagos, e a presidente Bachelet, embora distintos, têm um comprometimento fundamental com a democracia e com as boas regras de convivência no hemisfério. Nenhum deles endossou, digamos, a posição venezuelana. Nem mesmo o Uruguai, que é um país de democracia estabilizada. Foi eleito lá agora o José Mujica, antes foi o Tabaré Vázquez. Como é que o Vázquez governou? Muito bem, com muita propriedade. Não embarcou em nenhuma destas bandeiras demagógicas. Eu acho que nem Piñera nem Frei vão mudar sensivelmente o comportamento do Chile, porque nessa matéria, sobretudo em política externa, um país como o Chile tem um comportamento de longo prazo mais ou menos definido .

JB - Quais seriam os maiores desafios de Piñera na Presidência?

Eu acho que o maior desafio de um governo liderado por Piñera, como em qualquer outro lugar no mundo de hoje, é decidir o que vai ser o país no futuro. Como é que vamos enfrentar a competição da China, que vai ser grande. Como é que vamos nos colocar diante de uma economia baseada em energia de baixas emissões de CO2. Que outro tipo de matriz energética deve haver. Como é que nós vamos aumentar e aperfeiçoar os processo de integração social. Esses são os desafios que estão aí. O Chile conseguiu não só fortalecer a democracia, como se integrar razoavelmente bem na economia global. Mas a economia global está balançando, e não se sabe que rumo irá tomar. O Chile vai ter que se posicionar diante destes problemas. No caso da América Latina, eu acho que a relação do Chile com o Brasil vai continuar boa. É do nosso interesse haver uma convergência de posições na América Latina. Nós não temos nenhum choque maior. O meu governo não teve e o do Lula tampouco. O Chile nunca teve uma tendência de gerência estatal muito forte, embora tenha um estado muito organizado. E o Piñera, seguramente, vai seguir na mesma linha. O Chile teve um avanço social enorme, foi o país que mais progrediu com um sistema de bolsas, foi o que conseguiu fazer com que mais famílias fossem beneficiadas com acesso a educação e saúde, e isso deve continuar. Eu duvido que o Piñera vá mudar isso.

JB - Como seria a convivência de Piñera com seus aliados da União Democrata Independente (UDI), da extrema direita – inclusive vários que colaboraram com a ditadura de Pinochet e têm posições ideológicas muito conservadoras?

Aqui no Brasil está cheio de gente que colaborou com a ditadura e que está no governo do Lula. Tem ministros que foram sustentáculos ativos da ditadura militar, não é?

JB - O deputado Marco Enríquez-Ominami, a grande novidade eleitoral, escolhido por 20,1% dos eleitores chilenos, decidiu não apoiar nenhum dos candidatos no segundo turno. O senhor acha que esse eleitorado apoiará Eduardo Frei, ou pode haver alguma surpresa?

Ominami disse que não apoiaria ninguém, mas eu acho que o eleitorado dele penderá para o Frei porque ele é uma divergência da esquerda. Então, é difícil o eleitorado apoiar o Piñera, de centro-direita.

JB - Como o senhor vê a postura do novo governo americano com relação à América Latina? Muitos analistas sugerem que, nesse quesito, Obama não difere muito de Bush.

Eu não acho que ele seja a mesma coisa. Acho que Obama tem dado sinais de querer mudar. Ele tem tido dificuldades internas, ele pegou o governo no pior momento possível. Mas não é a mesma coisa. O novo secretário de Estado adjunto dos EUA para a região, Arturo Valenzuela, meu amigo, não tem uma posição iracunda. Na questão de Honduras por exemplo, concordo com ele, de que deve haver um jeito de pacificação. Com relação ao uso das bases na Colômbia, acho que quanto menos bases aqui melhor. Entendo a luta do presidente Álvaro Uribe com o narcotráfico, mas quanto mais paz, melhor.

Suely Caldas :: Brasil, Chile e suas diferenças

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A socialista chilena Michelle Bachelet vai encerrar seu mandato, em 2010, com 85% de popularidade, a mais alta entre todos os presidentes da América Latina (AL), e com o convite, recebido na terça-feira, para ingressar no seleto clube de 30 países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Enquanto o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva persegue obsessivamente poder e prestígio político em busca de um assento para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, a presidente chilena segue outra linha: a de levar para o Chile progresso econômico e social integrando seu país a um organismo voltado para elevar o nível de vida da população, aperfeiçoar a democracia, garantir estabilidade econômica, fomentar o comércio e desenvolver o emprego.

Criada em 1961 por um grupo de países europeus, a OCDE tem hoje 30 países-membros que, juntos, somam mais da metade das riquezas do planeta. Para tornar-se sócio, o país precisa provar ter avançado em compromissos com a democracia representativa e com a economia de livre mercado. Da AL, só o México faz parte da OCDE, e, assim mesmo, por influência dos EUA. O Chile é o primeiro a ser convidado espontaneamente e por unanimidade. Para se unir ao grupo, vai precisar mudar sua legislação nas áreas fiscal, de governança corporativa e responsabilidade legal em casos de corrupção.

Brasil e Chile passaram por duras e prolongadas ditaduras, mas tomaram rumos diversos com a chegada da democracia. Pragmática, a Concertación (coalizão de partidos de esquerda que governa o Chile há 20 anos) contestou a ditadura no plano político, mas manteve e aprofundou feitos na área econômica, como a abertura da economia com baixas tarifas de importação, a lei de autonomia do banco central e um modelo privado de previdência, que depois entrou em crise pela baixa adesão dos trabalhadores, que não tinham recursos para contribuir com o valor mínimo exigido. Ao assumir o governo, um dos primeiros atos de Bachelet foi nomear uma comissão mista (governo e oposição) para preparar uma nova previdência, que manteve o regime privado de capitalização, mas universalizou o sistema, concedendo um mínimo equivalente a R$ 230 a 40% dos idosos excluídos até então.

Já o Brasil saiu da ditadura promulgando uma nova Constituição, com viés ideológico fora da realidade e que logo precisou ser reformada para possibilitar o progresso econômico. A abertura econômica só ocorreu em 1994 e, assim mesmo, tímida; apenas remendada, a Previdência permanece com poucos ganhando muito e muitos ganhando pouco; a autonomia do Banco Central depende do presidente de plantão, porque não é garantida em lei. No Brasil o poder de pressão de interesses da classe política costuma atrofiar e reduzir pela metade o que precisa ser feito.

Em resumo, os quatro governos democratas da Concertación agiram sem preconceito ideológico em favor do progresso econômico: mantiveram o que de bom herdaram da ditadura, fizeram acordos comerciais com EUA e Europa, preservaram a política macroeconômica que controlou a inflação, estabilizou a economia e atraiu investimento estrangeiro. Já o Brasil começou o ciclo de reformas mais tarde, a partir de 1994. Passados 15 anos, até hoje não o concluiu. A falta das reformas política, tributária, previdenciária e trabalhista tem freado o crescimento e fragilizado nossa democracia. Por isso, desde o início da década de 1990, enquanto a economia chilena cresce continuamente a taxas de 6%, 7% ao ano, a brasileira patina em taxas baixas e, nos últimos anos, cresceu mais colada na prosperidade do mundo. Por isso o Chile é o 1º na AL e o 44º no mundo entre os países de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e o Brasil ocupa, respectivamente, a 9ª e a 75ª posições.

Com apenas um ano de governo, em maio de 2006, Bachelet enfrentou uma greve de 800 mil estudantes que fez desabar sua taxa de popularidade. Mas não cedeu a pressões por gastos: precisava economizar dinheiro para os idosos. Criou a aposentadoria básica universal equivalente a R$ 230 e deu gratuidade no sistema público de saúde para os maiores de 60 anos. Mas o que impulsionou a popularidade de Michelle Bachelet foi o bônus de US$ 60, instituído para enfrentar a crise e que beneficiou 2 milhões entre 15 milhões da população chilena.

Apesar da popularidade em alta, Bachelet não conseguiu transferir votos para seu candidato na eleição de domingo passado. E aqui? Lula conseguirá?

Aos amigos leitores um feliz Natal!

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Antonio Skámeta*:: No Chile, 2 mais 2 não são 4

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Amigos de diferentes paises escreveram-me estupefactos com os resultados das eleições presidenciais de domingo passado no Chile, nas quais o candidato da direita, Sebastião Piñera, se distanciou a tal ponto da do candidato de centro-esquerda que eles já imaginam uma eventual derrota da coalizaão que governa com sucesso o país há 20 anos, no segundo turno, marcado para 17 de janeiro.

Eles se perguntam o que levou a prestigiosa coalizão, hoje liderada por Michelle Bachelet, a essa melancólica e arriscada situação.

A centro-esquerda perdeu o primeiro turno das eleições porque, ao longo destes 20 anos, no governo do Chile foram ocorrendo atritos no interior dos partidos que levaram alguns socialistas, democrata-cristãos e militantes do Partido pela Democracia a abandonar a Concertación para tentar corrigir, como independentes, os erros da coligação.

Em parte eles têm razão, pois tem havido episódios de corrupção, outros de ineficiência (por exemplo, o escandaloso fracasso inicial de um novo sistema de transporte público, em Santiago), e as reformas não foram suficientemente profundas para atender às necessidades das pessoas.

Por outro lado, os políticos passaram a alimentar suas vaidades pessoais, aspirando a ser eles próprios possíveis candidatos à presidência da república, sem encontrar respaldo na direção de seus partidos de centro-esquerda. A inviabilidade dessas veleidades foi confirmada pelo fracasso dos candidatos rebeldes nas eleições parlamentares, os quais não suscitaram o carinho do eleitorado e perderam suas candidaturas.

Esses "individualistas" não entenderam que era o momento de a democracia cristã (Frei) apresentar um postulante à presidência, depois de dois governos socialistas (Lagos e Bachelet), capaz de manter desse modo um equilíbrio dentro da Concertación formada por democrata-cristãos e socialistas, e agitaram de maneira pouco fraternal as forças não democrata-cristãs da Concertación a fim de carrear votos para os seus candidatos.

Entre eles, o ex-socialista Arrate não prejudica Frei, uma vez que ele consagra muito oportunamente, mediante um pacto com os governistas, o apoio que os comunistas lhe deram em todos os segundos turnos, permitindo que a Concertación ganhasse sempre as eleições.

Ao contrário, os eleitores do ex-socialista Marco Enríquez Ominami poderão acabar com as chances da centro-esquerda no segundo turno de janeiro se dividirem seus votos entre Frei (acredita-se que majoritariamente), entre o candidato da direita, Piñera, ou entre o voto em branco, em sinal de repúdio a ambas as opções.

Se os eleitores independentes da centro-esquerda forem fiéis à sua tradição e não votarem no candidato da direita, a fria matemática falará do seguinte modo no segundo turno: Piñera como candidato único da direita obteve 44% dos votos e, se persistir, essa votação não bastará para ele ser eleito presidente do Chile.

Além disso, somando-se os votos do "núcleo centro-esquerdista e antidireitista" no candidato Frei, teríamos o seguinte: Frei, 30%, Enríquez Ominami, 20%, Arrate, 6%. Total, 56%, que bastariam com folga para Frei ganhar as eleições de janeiro de 2010. Mas, no Chile, 2 + 2 não são 4.

Uma parte minoritária dos votos de Enríquez Ominami irá para o direitista Piñera e outra parte minoritária será em branco ou de votos nulos. Além disso, é possível também que os candidatos independentes derrotados de centro-esquerda queiram se vingar da causa de todos os seus males: as direções dos partidos socialista e democrata-cristão que fecharam o caminho às suas ambições. Não surpreenderá se eles negociarem seu apoio a Frei pedindo as cabeças dos presidentes dos partidos concertacionistas, embora seja pouco provável que o consigam.

A permanecerem assim as coisas, no próximo mês veremos uma campanha sem trégua de Piñera e Frei para conseguir os votos rebeldes de Enríquez Ominami. Sobre seus jovens ombros pesam responsabilidades e dilemas muito difíceis de abordar. Se ele mantiver a postura atual de não dar instruções aos seus partidários, deixando-os com plena liberdade de ação, enfraquecerá a posição de Frei e correrá o risco de ser visto, em última análise, como mero instrumento da direita, o que poderá pesar em seu futuro.

Com seus atos de independência, ele conseguiu despertar na Concertación a necessidade de dar espaço aos jovens e renovar dirigentes de maneira mais imaginativa. Se valorizar esse objetivo e mostrar afeto pelo tronco do qual se desprendeu e conseguiu movimentar, o mais sensato será que faça como o Filho Pródigo e volte ao lar. Ali está seu destino. A população política flutuante do Chile tende em geral a dissolver-se no anonimato e na ineficácia. Mas será que as paixões e as frustrações de hoje serão boas conselheiras nas breves quatro semanas que faltam para a grande definição?

Seja como for, neste momento ninguém ainda ganhou as eleições. O mais provável é que, na reta final, tenhamos um duelo ombro a ombro entre Piñera e Frei, que poderá ser ganho por uma diferença muito apertada de 51% a 49%. Esta seria a minha opinião, queridos amigos do Brasil.

*Escritor chileno, ex-exilado político, autor de O Carteiro e o Poeta (Record, 1996)

Alberto Dines :: O efeito Noé

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Com consenso ou submissão, acordo ou desacordo, com proclamações afirmativas ou resignadas, com metas para 2020, 2050 ou meta nenhuma, qualquer que seja o resultado da Cúpula do Clima é possível dizer com segurança que o mundo, a partir de agora, já não será o mesmo.

Apesar da bagunça dinamarquesa, do egocentrismo chinês, da falta de ousadia dos EUA, da visão estreita dos chamados "emergentes" e da orfandade dos países pobres, apesar do rol de expectativas e frustrações, está criada uma consciência mundial para enfrentar o aquecimento do planeta. Este é um dado concreto, visível, inquestionável.

Os ecocéticos estão batidos. Derrubadas estão as teorias conspiratórias a respeito de uma jogada dos ricos para impedir o crescimento dos pobres. O culto da desregulação e do deus-mercado tornaram-se insustentáveis. A comunidade internacional não tem outra saída senão conviver. A classificação anterior dos grupos de países mostra que a humanidade, apesar de tudo, conseguiu despolarizar-se e libertar-se da rígida etiquetagem.

A União Européia é rica mas difere e diverge frontalmente da primeira economia do mundo, a americana, assumindo posições de vanguarda impostas pela sua estrutura multinacional. A China, embora formalmente "emergente", é a 2ª economia do mundo, país-chave do processo econômico global: um bocejo na China para meio mundo e atrasa em décadas a ascensão de milhões de seus miseráveis. O próprio Brasil agora identificado internacionalmente como líder dos ousados, até pouquíssimo tempo apostava todas as fichas no vale-tudo do crescimento desvairado e desmedido.

Desfeita a rígida compartimentalização das nações, a vacilante e desnorteada COP-15 aparece paradoxalmente como referência histórica: o mundo jamais se empenhou como agora em defesa de uma causa humanitária. Apesar dos senões, a formidável mobilização em defesa do planeta não tem paralelo na história dos tratados, armistícios, reuniões, celebrações e concertações. A criação da Sociedade das Nações em 1919 gerada pelo Tratado de Versalhes, por sua vez baseado nos 14 pontos propostos pelo presidente Woodrow Wilson, redundou num tremendo fiasco, responsável direto pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, exatos 20 anos depois. Acordos precisos e retóricos não são necessariamente melhor sucedidos do que desacordos mornos e medíocres. A preservação da natureza só foi bem-sucedida uma única vez e assim mesmo no plano do simbolismo religioso quando o obediente Noé comandado pela divina providência, montou a sua arca, nela reuniu espécimes de todos os seres vivos e escapou do dilúvio. De lá para cá, só houve desavenças, contratempos e contrariedades.

Mesmo que os documentos finais da COP-15 mostrem-se aquém das esperanças, mesmo que metas ou limites para emissões e aquecimento sejam insuficientes, mesmo que os prazos tenham sido esticados para a geração seguinte, estes 11 dias de tensão e mobilização estão fadados a promover uma reversão no comportamento do cidadão do mundo.

O individualismo precisará ser abrandado ou "mitigado" (para usar o verbo mais utilizado nas reuniões e documentos sobre mudanças climáticas). O voluntarismo, o livre-arbítrio e a onipotência, só valem na esfera estritamente individual. O homem, animal social por excelência, finalmente está sendo obrigado a encarar a sua irremediável condição coletiva. Cada gesto, cada hábito e cada rotina precisarão ser revistos. A busca da satisfação passa a ter outros parâmetros.

Até agora, apenas líderes e governantes, conseguiam enxergar-se prospectivamente, com um pé na história. Agora todos estão comprometidos e amarrados ao futuro. Com prazos alargados para 20, 40 ou 100 anos, a espécie humana de repente foi alçada a uma condição supraterrena, não existencial. Talvez por influência de Soren Kierkegaard nascido na mesma Copenhague há quase 200 anos.

Noé recebeu ordens, obedeceu. Desta vez, por vontade própria ou espelhados em Noé, todos passaram a pensar nos descendentes.

» Alberto Dines é jornalista

CHARGE

Diário do Nordeste (CE)

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Rubens Ricupero :: Condenados a melhorar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O país desfruta da vantagem de ter menos dependentes em relação aos que estão em idade de produzir

Boa parte da sensação de melhoria recente no Brasil é consequência de duas fatalidades: a transição demográfica e o fim do processo de vertiginosa urbanização. O governo atual é o primeiro a se beneficiar do fenômeno, inclusive nos índices de popularidade, mas outros terão no futuro a mesma vantagem.

Graças ao trabalho de divulgação de alguns demógrafos, já se começa a generalizar a consciência de que, a partir de 2003, a taxa de fertilidade, isto é, o número de filhos por mulher, atingiu entre nós o nível de mera reposição (2,2) e hoje está abaixo disso (1,8). Isso significa que, se nada mudar, a população brasileira começará a diminuir dentro de algumas décadas e vamos precisar encorajar de novo a vinda de imigrantes.

Mesmo que não se chegue a tanto, o país já principiou a desfrutar do bônus demográfico: a vantagem de possuir menos dependentes em relação aos que estão em idade de produzir.

Como o crescimento da população perdeu velocidade, pela primeira vez se pode melhorar a qualidade, em vez de gastar tudo na quantidade: número de escolas, hospitais ou prisões.

Ainda crescendo menos na economia, é possível melhorar a distribuição de renda, pois o divisor não aumenta como antes. As políticas públicas de transferência de renda ajudam, mas, sem o fator demográfico, seu efeito seria muito menor.

Outra coisa que acabou no Brasil foi a explosão das cidades. Entre 1970 e 2000, o sistema urbano absorveu nada menos que 90 milhões de pessoas; as grandes cidades cresciam a mais de 4% ao ano. Hoje, São Paulo caiu para 1,8%. A expansão está limitada às periferias.

Não se confirmou o temor da "metropolização", isto é, a concentração em megacidades: o que aumenta agora são as pequenas e médias aglomerações.

Estudos como os de George Martine mostram que não teremos mais dezenas, centenas de milhões de camponeses mudando do campo para as cidades, tendência que vai se intensificar na China, na Índia e na África nos próximos 50 anos.

Não é difícil imaginar como a estabilidade maior irá afetar para melhor problemas como o caos do trânsito, a proliferação de favelas, a degradação dos centros, o desenraizamento cultural, a criminalidade. Escrevi acima que os dois fenômenos constituem fatalidades porque ambos tiveram pouco a ver com políticas conscientes dos governos. Estes, ao contrário, foram quase sempre conduzidos por essas forças como retardatários que nem se davam conta do que lhes estava acontecendo. Se for correto que "governar é prever", o desempenho do Brasil é dos mais lamentáveis, apesar de dispor de um órgão estatístico de excelência como o IBGE.

É claro que os governos vão se atribuir o mérito, como já ocorre, mas a parcela maior da melhoria provém de determinismos demográficos. Alguns problemas como os milhões de moradias precárias e com transporte insuportável não terão conserto, a não ser para remendar um pouco o irremediável. Salvo em Curitiba e mais no passado que no presente, continua válido o que ouvi, 50 anos atrás, de meu querido professor Fábio M. Soares Guimarães: o Brasil é incapaz de administrar qualquer cidade com mais de 500 mil habitantes. Será melhor no futuro? Vai depender de que os governos adotem políticas para aproveitar a bonança demográfica e urbana de qualidade muito melhor do que até agora foram capazes.

Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.