sábado, 21 de novembro de 2009

Reflexão do dia - Fernando Henrique Cardoso

“A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio "talvez" porque alguns estão de tal modo inebriados com "o maior espetáculo da Terra", de riqueza fácil que beneficia a poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?”


(Fernando Henrique Cardoso, no artigo, Para onde vamos? - O Globo 1/11/2009)

Merval Pereira:: Os caminhos do voto

DEU EM O GLOBO

Trabalho coordenado pelo cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, publicado na edição de novembro da revista Alceu, que analisa os resultados da eleição presidencial de 2006 no Brasil à luz das mudanças na geografia eleitoral dos partidos, tem conclusões que servem para uma análise prospectiva com relação à sucessão de Lula, e uma certeza: nenhum candidato ganha ou governa sem algum grau de compromisso com um Brasil que tem voto e representação política, e é composto por “estruturas de poder” definidas: as oligarquias nos grotões, os pastores pentecostais, os políticos populistas na periferia e a classe média urbana escolarizada.

O estudo mostra que o pragmatismo tomou conta da política brasileira, e que todos os políticos competitivos foram seguindo a mesma lógica, a de levar em consideração as estruturas de poder existentes no território onde se dá o embate eleitoral.

Quem ganhou as eleições dos últimos 20 anos — Collor, Fernando Henrique, e Lula — fez os mesmos acordos políticos.

O professor Cesar Romero Jacob registra que Collor entendeu isso antes de todo mundo, num movimento individual, provavelmente convencido por Marcos Coimbra, do instituto de pesquisa de opinião Vox Populi que, tendo estudado nos Estados Unidos, aprendeu a entender a importância do território.

Há 20 anos, a queda do Muro de Berlim aconteceu em 9 de novembro, o primeiro turno da primeira eleição presidencial direta depois do período militar foi a 15 de novembro e o segundo turno a 17 de dezembro.

“Exatamente no momento em que o mundo estava mudando, ele apresentava o Lula como um jurássico, defensor de um mundo que está caindo, e ele como o arauto da modernidade”.

Mas fazia acordos com as oligarquias de onde provinha.

Na eleição de 1994, o Plano Real foi um elemento fundamental, mas, ressalta Romero Jacob, quando são analisados os mapas eleitorais de Fernando Henrique, vê-se que são uma repetição dos mapas de Collor.

Quando Fernando Henrique se aliou ao PFL, recebeu muitas críticas, mas ele vai ter o apoio das oligarquias — andou de jegue no sertão, comeu buchada de bode — e ao mesmo tempo tinha um discurso sedutor para a classe média, e o Plano Real, modernizante, que era mais do que um discurso.

Ao contrário da maioria das análises, Romero Jacob acha que Fernando Henrique precisava do PFL não apenas para governar, mas sobretudo para ganhar a eleição também.

Para ele, Lula, Brizola e Covas em 1989 faziam política ao estilo pré-64, que é o de convencer o eleitor de que as suas posições são as mais corretas.

Collor introduz a pesquisa qualitativa na política eleitoral, que vai dizer aquilo que o eleitorado médio quer ouvir. “Convencer o eleitor daquilo que ele já está convencido”.

O trabalho dos pesquisadores da PUC mostra que todos os candidatos, se quiserem vencer a eleição, precisam do apoio das máquinas eleitorais no interior do país.

“Lá há outro tipo de formador de opinião. Há lugares em que Collor e Fernando Henrique tiveram 90% dos votos, não há opinião dividida”, analisa Jacob.

A partir de 2002, todos, inclusive Lula, aderem a esse modelo. O mapa eleitoral da Heloísa Helena mostra que ela não existe no interior do país, é um voto de capital, o mesmo acontecendo com o Cristovam Buarque.

A diferença do Lula de 2002 para antes é que o PT se torna pragmático, diz Romero Jacob.

Ao atingir 1/3 do eleitorado, vai para o centro.

“Quando você pega a série histórica toda, repete-se a mesma situação: cerca de 46% do eleitorado está nos municípios pobres do interior, e aí o que vale é a máquina eleitoral oligárquica, que trabalha uma população carente, com baixa escolaridade”, diz.

Na periferia metropolitana pobre, o peso maior é do político populista e do pastor pentecostal. A classe média urbana escolarizada é a minoria, onde há mais diversidade de opinião.

Lula perdia nesses dois primeiros segmentos da sociedade, e passou a ganhar em 2002. Das eleições de 1989, 1994 e 1998, fica claro que houve uma troca de eleitorado em relação a 2002.

Na análise de Cesar Romero Jacob, “a diferença entre a votação de Lula entre 2002 e 2006 mostra que as oligarquias do Nordeste foram superadas pelos programas sociais do Lula”.

Isso porque em 2002 Lula cresceu em relação às suas votações anteriores com o auxílio de oligarcas que haviam rompido com o governo tucano, como Antônio Carlos Magalhães e José Sarney. Mas em 2006, ele já assumiu o controle desse eleitorado dos grotões, com o Bolsa Família.

Não seria mais correto dizer que as oligarquias se reciclaram, e que o governo passou a fazer com o Bolsa Família o que os coronéis faziam antes? O governo não seria, como acusam alguns, um coronel eletrônico, pósmoderno? Ele acha que mudou a lógica, com o governo aportando recursos diretamente às pessoas, e não mais aos políticos.

Ele diz que essa postura vem desde o governo do Fernando Henrique, quando dona Ruth Cardoso, com o Comunidade Solidária, cria o Bolsa Escola, e havia outros programas como o vale-gás, o vale-alimentação, “o que de algum modo começava a quebrar o poder das oligarquias”.

No caso do Bolsa Família do governo Lula, essa lógica foi alterada em parte, pois o cadastramento é feito através dos prefeitos. Segundo Romero Jacob, as oligarquias locais se reciclam, e as regionais se enfraquecem.

No estudo do resultado de 2006, ele faz a ligação entre a vitória dos partidos de esquerda em 9 estados do Nordeste, — PT ganha 3, PSB ganha 3 e o PDT, 1 — e a decadência das oligarquias, com Antônio Carlos Magalhães, que fica contra Lula, e Sarney, que fica a favor, os dois perdendo as eleições. Hoje, seriam as oligarquias tradicionais que precisam do apoio de Lula. (Continua amanhã)

Dora Kramer :: Palavras de presidente

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É de praxe que as partes aguardem a publicação oficial da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a extradição de Cesare Battisti. Tanto o presidente Luiz Inácio da Silva para dar a última palavra, quanto o governo italiano para anunciar o que fará caso se considere legalmente lesado.

Não obstante as cautelas, as posições são conhecidas. Para a Itália é ponto de honra que Battisti volta ao país para cumprir pena de prisão perpétua a que foi condenado por quatro homicídios.

Já para o presidente brasileiro, a concessão do refúgio pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, é correta e seu cumprimento "uma questão de soberania nacional" à qual a Itália teria de se curvar gostando ou não.

Foi isso que ele disse no dia 16 de janeiro último e quase o mesmo escreveu em carta ao presidente Giorgio Napolitano três dias depois.

Na época, Lula defendia seu ministro da Justiça, que havia tomado uma decisão tida como "absurda" pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e contrária ao parecer do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça.

Mas Lula avalizou: "Nós tomamos uma decisão de entender que essa pessoa italiana (sic) não precisaria voltar à Itália e poderia ter o status de exilado. O ministro da Justiça entendeu que esse cidadão deveria ficar no Brasil e tomou a decisão que é do Estado brasileiro. Portanto, alguma autoridade italiana pode não gostar, mas tem de respeitar".

Na carta ao presidente Napolitano Lula assegurava que o ato de Tarso Genro estava amparado "na Constituição Brasileira, na Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados e na legislação infraconstitucional (Lei 9.474/97)".

Em defesa de Battisti lembrou que o Brasil é um "país generoso", contestou a validade das provas dos assassinatos - "o acusador fez um processo de delação premiada e hoje nem existe mais para provar essas acusações"- e convalidou a lisura da conduta do italiano "que trabalhou e hoje é escritor".

Na ocasião dessas declarações o presidente não teve o cuidado de fazer ressalvas a um possível entendimento diverso do Supremo Tribunal Federal. Foi peremptório ao conferir ao juízo do ministro da Justiça o grau de instância máxima.

Foi arrogante, autoritário no trato das instituições italianas e brasileiras e, sobretudo, demonstrou que não sabia da missa a metade a respeito das implicações do caso. Tocou de ouvido em assunto em que conviria conhecer a partitura.

Dia depois

Se o presidente Lula resolver manter Battisti no Brasil, já se sabe, pode levar o País a responder perante tribunal internacional por quebra do tratado de extradição com a Itália e se arriscar também a sofrer denúncia por crime de responsabilidade, já que o tratado tem força de lei.

O que ainda não se aventou é a hipótese de os advogados de Battisti pleitearem do governo brasileiro reparo por danos morais e materiais. Afinal, se Lula decidir pela anistia, o italiano terá ficado dois anos preso por nada.

Ou, como disse o ministro Cezar Peluso na sessão de quarta-feira: "Por gratuito exercício de crueldade."

Cubanos

Segundo o ministro da Justiça, Tarso Genro, não está correta a afirmação feita aqui de que a motivação humanística que o fez conceder refúgio a Cesare Battisti não alcançou os pugilistas cubanos mandados de volta a Havana, em 2008.

Por meio de sua assessoria, envia a seguinte mensagem:

"Durante o Pan, cinco atletas pediram refúgio ao Brasil. Estão vivendo aqui até hoje o ciclista Michel Garcia, o jogador de handebol Rafael Capote e o treinador de ginástica artística Lázaro Ramirez.

"Os outros dois atletas, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, inicialmente quiseram ficar. Eles tinham contato com um empresário que prometera levá-los para a Alemanha. Deixaram a delegação cubana, foram para um hotel numa praia do Rio e esperaram; o empresário não apareceu.

"Pediram a um pescador que fizesse contato com a polícia, pois estavam sem dinheiro e sem saber o que fazer. Foram ouvidos pela Polícia Federal, na presença de um procurador da República e de um conselheiro da OAB-RJ. A todos declararam que queriam voltar para Cuba, e assim foi feito. Não pediram refúgio, ao contrário de seus outros três colegas.

"Em março último Lara confirmou, em entrevista à TV Globo, o desejo de voltar a Cuba. De lá foi para o México, depois para a Alemanha e atualmente vive em Miami.

"Há no Brasil 124 cubanos refugiados. O refúgio mais recente foi dado a um grupo de músicos no ano passado, que vieram para um festival de música e vivem em Recife.

"Portanto, o ministro Tarso Genro não teria motivos para negar refúgio aos dois boxeadores, visto que o concedeu a outros dois atletas e também aos músicos, mais recentemente".

O QUE PENSA A MÍDIA

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Cesar Maia:: "Flash forward"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Promessas de candidatos são rotinas das campanhas eleitorais. Há uma questão mais complexa: a projeção dos cenários nos quais o novo governo atuará.FHC afirma que a política econômica atual é igual a sua. Elimina a gestão econômica como diferenciadora. O cenário econômico futuro não afetará o eleitor. FHC afirma que os programas de inclusão social do governo Lula são continuidade dos seus e que os indicadores sociais são projeções das curvas anteriores. Portanto, o social será percebido, também, como de continuidade.

Com isso, outras questões entram na diferenciação das candidaturas. Uma delas é clássica em eleições: o novo x o velho. Não se trata apenas de fazer memória do segundo governo FHC, como tenta o governo. O ponto central é a imagem transmitida pelos candidatos e como personalizam essa disjuntiva.

A oposição pode ser afetada pelo passado. O governo reforçará a ideia de um futuro igual ao presente ou de nenhum novo futuro. O novo fica disponível.

A Federação é outro elemento presente nesses 120 anos de República. Vem desde a frustrada Assembleia Constituinte de 1823. Atravessou o Império. Traumatizou a sucessão de Rodrigues Alves em 1906. Inaugurou a política do café (SP) com leite (MG). Em 1918, Alves, outra vez eleito, morre antes de assumir. Assume seu vice, o mineiro Delfim Moreira.

A insistência de Washington Luís com Júlio Prestes, governador de São Paulo, levou à Revolução de 30.

Na reeleição de Lula, o imaginário popular o transferiu de São Paulo, onde vivia havia 50 anos, para o Nordeste, e a continuidade regional ficou com o adversário. Em 2010, Lula terá uma candidata com domicílio neutro: Brasília. Não se tem foto de fim de semana com a família em Minas ou no Rio Grande do Sul. Essa imagem de candidata sem origem e sem família, além de mãe do PAC, seria fatal nos EUA. Por aqui não se sabe ainda.

Finalmente, há que se projetar o ambiente político-social para o próximo governo. A nível político-parlamentar, não haverá novidade. A base aliada de hoje é a mesma de ontem e será a mesma de amanhã.

Mas o ambiente político-social tende à complexidade. Os sindicatos, associações e ONGs políticas vivem incrustados no Estado. Fora do poder, tenderão à radicalização.

Os "piqueteiros" de Kirchner são exemplos. A paz social "contratada" pelo governo atual poderia ser desestabilizada. A menos que a gestão política para eles demonstre que seus espaços serão mantidos, mas de outra forma. Estes três elementos no ambiente futuro -novo/velho, a Federação e a estabilidade social- devem marcar o imaginário do eleitor em 2010.

Cesar Maia escreve aos sábados nesta coluna.

O País quer saber: Entrevista com Fernando Henrique Cardoso (Parte 4)

Serra foca PMDB e procura Geddel e Requião

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Governador paulista falou com o ministro da Integração Nacional na quarta e se reuniu com seu colega do Paraná na quinta

"Se Lula conversa com Serra, por que Geddel não poderia conversar?", argumenta um aliado do ministro, que nega a reunião com o governador


Catia Seabra

Apesar de avançada a costura da aliança do PT com o PMDB, o governador de São Paulo e potencial candidato à Presidência, José Serra (PSDB), intensifica o assédio a peemedebistas.

Na quarta-feira, o tucano conversou com o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (BA), em Brasília.

Na Bahia, Geddel tem reafirmado sua disposição de disputar as eleições contra o atual governador do Estado, o petista Jacques Wagner.

Segundo aliados de Geddel -entre eles, o deputado estadual Arthur Maia (PMDB)-, a tendência é dividir com Wagner o palanque da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no Estado. Mas não está descartada uma articulação com o PSDB.

"Se o presidente Lula conversa com Serra, por que Geddel não poderia conversar?", argumentou Arthur Maia. Geddel (que teme retaliações do governo) nega o encontro com Serra.

"No dia em que for encontrar o Serra será no restaurante mais badalado de São Paulo. Qual é?", reagiu Geddel. Ministro e governador chegaram, no entanto, a programar um almoço na quarta-feira, quando Geddel esteve em São Paulo para a abertura do Seminário Internacional de Defesa Civil.

Como não puderam almoçar, cogitaram viajar juntos, às 16h, no avião do governo de São Paulo, para Brasília. Geddel, no entanto, embarcou às 15h, após liberação de avião da FAB (Força Aérea Brasileira).

Serra e Geddel se encontraram na noite de quarta-feira, em Brasília, após jantar em comemoração ao aniversário do presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).

Aliança com o DEM

Na conversa, Geddel teria reiterado o interesse de concorrer ao governo da Bahia, descartando a hipótese de disputar o Senado numa aliança com o democrata Paulo Souto na cabeça de chapa.

Integrantes do DEM chegaram a sugerir um acordo em favor de Geddel, hoje terceiro na pesquisa. Mas a negociação fracassou. Na oposição, a ideia é ganhar tempo até que se clareie o cenário na Bahia.

Na quinta-feira, Serra se reuniu com o governador do Paraná, Roberto Requião, um dos críticos da aliança com o PT.

Em reuniões com o PMDB de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, Requião chegou a propor o anúncio de candidatura própria para a Presidência. A expectativa é que seu nome seja lançado durante encontro programado para hoje com presidentes estaduais do PMDB.

Em Curitiba para uma palestra, Serra telefonou para Requião. Em retribuição, o governador antecipou o retorno de uma viagem ao interior do Estado para recebê-lo na capital.No Paraná, o PSDB tenta construir uma aliança com o PMDB, oferecendo a Requião uma vaga para o Senado.

Hoje, dois tucanos disputam o direito de concorrer ao governo: o prefeito de Curitiba, Beto Richa, e o senador Álvaro Dias. Resistente a Osmar Dias (PDT), Requião insiste no lançamento de candidato do PMDB ao governo. A decisão do PSDB será em janeiro.

Fernando de Barros e Silva:: Espólio do PT

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - A se confirmarem as previsões, José Eduardo Dutra deve ser eleito amanhã o novo presidente do PT. Sindicalista, senador por Sergipe entre 1995 e 2002, ex-presidente da Petrobras e da BR Distribuidora, ele representa o establishment petista. É o candidato de Lula, de Dilma Rousseff, do atual presidente, Ricardo Berzoini, e do ex (quase tudo) José Dirceu. A chance de um segundo turno contra esse bloco de poder é reduzida.

Seja qual for o resultado, o roteiro do PT para 2010 está traçado. A candidata à Presidência já foi definida à revelia do partido, por quem de fato manda e apita: Lula.
Dilma é quase cristã-nova no PT -ingressou ali em 2001, vinda do PDT-, além de principiante no "grand monde" da política nacional. Até a crise do mensalão, era uma desconhecida do público.

A eleição no PT se tornou irrelevante? No mínimo, bem menos importante do que já foi, como o próprio partido, que, a despeito do seu tamanho e presença institucional, é hoje uma espécie de agregado do lulismo, disputando com os aliados migalhas e favores do grande pai.

O PT nasceu, em 1980, como catalisador de demandas sociais, enraizado no sindicalismo, nos movimentos populares, na igreja e na intelectualidade progressista. Foi instrumento e caixa de ressonância de muitos avanços democráticos.

A conquista progressiva do poder, porém, se confunde com o processo de burocratização do partido, do qual Zé Dirceu foi o artífice e condutor. O PT que patrocina a realpolitik, distante das ruas e incrustado no Estado, esgotou seu papel transformador. Com o mensalão, esgotaram-se também suas reservas éticas. A popularidade de Lula serviu de pretexto para que o partido tentasse reescrever o passado à moda stalinista: "Que mensalão?!".

Por isso tudo, o ritual de renovação da diretoria petista, além de ser pouco importante, tem um forte ingrediente farsesco. Unido, o PT afia os dentes para brigar nos pós-Lula pelo único patrimônio que lhe terá restado: o espólio do lulismo.

"Novo" PT dá sinal verde a mensaleiros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dutra, favorito na disputa pela presidência do partido amanhã, e seu principal adversário, Cardozo, admitem volta de envolvidos

Réus do caso do mensalão no STF, Dirceu, Genoino e João Paulo estão entre os que podem assumir cargos na nova direção da legenda

O candidato favorito a vencer o PED (Processo de Eleições Diretas) do PT, amanhã, José Eduardo Dutra, e seu principal adversário, José Eduardo Cardozo, afirmam que, se eleitos, não colocarão obstáculo à volta ao comando da sigla de petistas envolvidos no escândalo do mensalão (transferência de recursos a parlamentares em 2005), a maior crise do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-ministro José Dirceu e os deputados federais José Genoino e João Paulo Cunha integram a chapa de Dutra, requisito para que eles possam ocupar cargos de direção, o que não acontece desde a primeira eleição do PT após o escândalo.

Os três são réus no processo do caso no STF (Supremo Tribunal Federal). Outros cinco petistas ligados ao escândalo estão na chapa de Dutra.

Mas até Cardozo, que chegou a pregar a "refundação" do PT, diz agora que aceita o retorno do grupo ao comando do partido. "O estatuto do PT define a composição proporcional. Não cabe a nenhum membro de uma chapa estabelecer qualquer tipo de veto a um militante que está no exercício de seus direitos", afirma o deputado.

Dutra usa o mesmo argumento para defender a volta dos mensaleiros. "Todos estão em pleno gozo de seus direitos como filiados ao partido. São companheiros importantes, de tradição e história no partido. Eu não sinto nenhum incômodo em tê-los na minha chapa."

CHARGE


Lula: fator previdenciário não acabará

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula descartou ontem o fim do fator previdenciário, que evita aposentadorias precoces, em discussão no Congresso. O tema, disse, não pode ser alvo de “hipocrisia do ano eleitoral”.

Lula descarta o fim do fator previdenciário

"É hipocrisia", reagiu o presidente sobre a pressão da oposição por mudanças no cálculo das aposentadorias

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou ontem a possibilidade de ceder à pressão da oposição pelo fim do fator previdenciário, fórmula usada desde 1999 para evitar as aposentadorias precoces.

Em entrevista a duas rádios baianas, ele disse que está disposto a negociar um acordo com as centrais sindicais, mas não admite que o assunto seja tratado com “hipocrisia” às vésperas de ano eleitoral.

— O que eu não posso, em sã consciência, é aprovar alguma coisa que seja, como diria o Magri, “incumprível”, porque todo mundo sabe que a gente só pode pagar a quantidade exata de dinheiro que você recolhe, aquilo que você tem no cofre — declarou.

Lula disse que, embora não vá prometer o que o governo não pode cumprir, se dispõe a encaminhar um projeto ao Congresso quando chegar ao consenso com as centrais: — Sou um homem de diálogo, amigo de todos eles. Não quero criar nenhum prejuízo a ninguém, mas não posso aceitar a hipocrisia do ano eleitoral. É inadmissível que as pessoas tentem tirar proveito e prometer coisas que não podem cumprir.

Isso a gente pode fazer quando não tem responsabilidade.

Quando tem responsabilidade, a gente tem que contar até dez. Eu tenho que tomar decisão antes de (contar até) dez, até porque só tenho nove dedos.

O presidente, ao comentar a campanha sucessória em 2010, disse que fez questão de convencer o PT “a parar com a brincadeira do terceiro mandato”.

— Porque se vale para mim terceiro mandato, vale para outro. Amanhã você tem o terceiro mandato; depois você gosta, você quer o quarto; depois você gosta, você quer o quinto; depois você gosta, você quer o sexto, e isso não é bom para o Brasil.

“Caetano nunca esteve do nosso lado” Lula disse que, se a oposição estivesse em seu lugar no governo, já teria levantado a tese do terceiro mandato: — Se a gente começa a colocar na cabeça “eu sou imprescindível, eu sou insubstituível”, começa a nascer um pequeno ditador.

Indagado se conseguirá, em 2010, transferir a sua popularidade para a pré-candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff, Lula disse que é muito importante “todo mundo saber” que ele quer a ministra como sua candidata à sucessão: — De vez em quando as pessoas falam: “Ah, mas a Dilma não é muito simpática”. Bom, tem adversário dela que é muito menos simpático do que ela. Então, se for por simpatia, ela já está eleita — ironizou.

O presidente procurou minimizar a polêmica com o cantor Caetano Veloso, que o chamou de analfabeto e grosseiro: — Como cantor, ele é excepcional.

Agora, como político, o Caetano nunca esteve do nosso lado. Então, não tenho o que reclamar se ele gosta ou não gosta de mim, porque ele acha (isso) ou aquilo de mim. Eu disse, noutro dia, que me vinguei do Caetano: no dia em que ele disse isso, cheguei em casa, peguei um CD do Chico Buarque, o Chico Político (“O Político”), e ouvi duas vezes, e lavei a minha alma.

Miriam Leitão:: Ele vai, por que não?

DEU EM O GLOBO

Caetano é assim mesmo. Crítico dos críticos, opiniões ferinas, ideias densas e franqueza extrema.

Que país não precisa de alguém assim? Ele avisou a que vinha logo no começo da sua rica e produtiva vida artística: “Eu vou, por que não?” Mesmo quando discordo dele, Caetano me faz pensar. E pensar é sublime. Caetano tem um jeito.

Ele foi desta vez num nervo exposto

Ninguém pode falar que Lula estudou pouco. Só Lula pode proclamar isso o tempo todo. Ele transforma seu sucesso em vitórias de quem não estudou sobre quem estudou. Uma estranha luta de classes. De aula.

De um lado os bons, os que não estudaram. De outro os insensíveis e incompetentes, os que estudaram. É isso que está implícito nos discursos. Confira as palavras dele, ditas na sextafeira, dia 6, no dia seguinte ao da entrevista de Caetano a Sonia Racy, numa crítica ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: — Um intelectual ficar assistindo a um operário que tem o quarto ano primário ganhar tudo o que ele queria ter ganhado e não ganhou por incompetência é muito difícil mesmo.

Se tivesse sido só essa vez, era a briga política apenas.

Mas ele em vários contextos, inúmeras vezes disse algo semelhante, como: “Tem gente que pensa que inteligência está ligado à quantidade de anos de escolaridade que você tem. Nada mais burro que isso.” Em outro: “Vão morrer sem entender por que um metalúrgico que não tem diploma universitário é capaz de fazer mais do que eles.” Enfim, a lista é interminável; a mensagem, a mesma: estudar não faz diferença.

Imagina o impacto disso na cabeça de milhões de crianças e adolescentes no Brasil! Estudar para quê? Se Lula é tudo isso, respeitado aqui e lá fora, e tem apenas o quarto ano primário? Saber inglês para quê? Se Lula vive dizendo que não precisou de inglês para chegar aonde chegou? Isso é perigoso.

É mandar os jovens andarem na contramão da era do conhecimento.

A formatura como torneiro mecânico, que emocionou a dona Lindu, era uma estupenda vitória para a família, num país que sempre desprezou a educação dos pobres. Lula foi, de início, vítima dos mesmos erros educacionais do Brasil que ferem outros jovens. As estatísticas permanecem sendo vergonhosas. Entre os 20% mais pobres, a escolaridade dos homens é hoje de menos de cinco anos. Lula é filho inicialmente desse Brasil que não incluiu os pobres na escola. Depois, a militância sindical foi abrindo portas para ele. Muitos outros brasileiros, quando tiveram chance, ainda que mais tarde, voltaram a estudar.

O que o levou a fazer as opções que fez é assunto privado. O que é assunto de todos é a mensagem que passa.

Lula deveria usar sua liderança para dar o incentivo oposto ao que tem dado nas inúmeras ocasiões em que elogiou-se por ter estudado pouco e conseguido tanto.

Não há essa relação causal: ele conseguiu tanto porque estudou pouco. A causa do seu sucesso é outra: ele foi tão longe, apesar de ter estudado tão pouco, porque é inteligente e persistiu.

O presidente outro dia falou uma palavra mais difícil e depois brincou que Caetano não ia mais chamálo de burro. Louve-se seu bom humor, mas Caetano não disse isso. Na mesma entrevista ele disse que: “Ter tido Fernando Henrique depois Lula é um luxo.

Ambos saíram melhor do que a encomenda.” Na mesma entrevista, ele elogia as decisões de Lula na área econômica, como melhores do que as que José Serra tomaria se tivesse sido eleito em 2002.

Caetano contrapôs ao exemplo dele o da senadora Marina Silva. E de novo acertou.

Como Lula, Marina veio da extrema pobreza. Teve ainda mais obstáculos no caminho da escola. Alfabetizouse com 17 anos ao ir para Rio Branco tratar-se das enfermidades múltiplas que teve na infância. E nunca mais parou de estudar.

Numa entrevista que fiz com Marina Silva, perguntei como tinha conseguido se alfabetizar no Mobral tão tarde e, mesmo assim, ter chegado à universidade. “Quando vejo uma fresta eu passo por ela”, me respondeu. A história de Marina com a escola é inspiradora, seu exemplo é soberbo e deve ser exibido aos jovens do Brasil. E, como disse Caetano, ela tem fala elegante, bonita. “A vitória ou a derrota se mede na história”, disse ela, quando saiu do ministério. Agora, que incluiu a questão ambiental e climática no programa de todos os candidatos, e nas decisões do governo, quem discordaria que a frase, além de bonita, foi profética? O que me incomoda nas críticas veladas ou explícitas ao Caetano é, primeiro, que pouca gente se deu ao trabalho de ler toda a entrevista e entender a complexidade da mensagem que ele passou. Segundo, esse clima de endeusamento do presidente. Na carta que ele escreveu ao “Estadão”, Caetano fala desse veto a tudo que não seja “adulação a Lula”. Não existe tema tabu, e é bom ter um Caetano no país para, com sua irreverência, avisar que é proibido proibir. E o aviso dele veio em boa hora. O filme que projeta Lula como o herói sem defeitos vai para as telas exatamente quando ele precisa do mito para transferir votos para a sua candidata.

Outro dia sonhei com dona Canô. Do nada, sonhei com ela. Não a conheço, não tive esse imenso prazer, mas quem não ama dona Canô? Também amo. No sonho, conversava com ela sobre as sapatilhas de princesa que ela ganhou no aniversário de 100 anos. Em entrevista ao GLOBO, ela discordou do Caetano, mas avisou que não puxaria a orelha dele, sendo a única que teria esse direito. “É o jeito dele”, disse.

O jeito dele faz bem. Sacode, faz pensar, provoca, incomoda, fica na memória, divide opiniões. Isso é bom, esteja você de que lado estiver.

Caetano vai ser sempre assim. Por que não?

Com Alvaro Gribel

Denise sumida é o trunfo da oposição

DEU NO JORNAL DO BRASIL/Informe JB

Com potencial de votos e currículo idôneo, a juíza que tornou-se notória por encarar os bicheiros do Rio foi sumir justamente quando não se esperava, às vésperas de uma eleição majoritária, avaliam políticos. Como noticiado na coluna, os líderes do PPS visitaram Denise Frossard há alguns dias.

Saíram do encontro com um silêncio incômodo. Denise levou a disputa do governo para o segundo turno contra Sérgio Cabral (PMDB) em 2006, mas atrapalhou-se num debate da TV, o que foi crucial, segundo marqueteiros. Ela continua submersa mas, para caciques, uma súbita aparição dela ano que vem pode mexer muito com o cenário. Não se tem ideia de seu futuro político – de vereadora a presidente, qualquer notícia de uma candidatura sua é especulação.

Brasil precisa deixar posições claras em diálogo com Irã, diz analista

Para cientista político, governo deve reafirmar a Ahmadinejad sua defesa do Estado de Israel, da democracia e contra armas nucleares.


Agencia Estado

Da BBC Brasil em São Paulo - Ao receber a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na próxima segunda-feira, o Brasil deve deixar claras suas posições e sobre o que vai conversar com o líder iraniano, disse à BBC Brasil o cientista político Amaury de Souza.

"Se não ficar claro por que estamos recebendo Ahmadinejad, a posição do Brasil pode ser mal-interpretada", afirma o analista, que é sócio-diretor da MCM Consultores Associados e autor do livro A Agenda Internacional do Brasil: A Política Externa Brasileira de FHC a Lula. "Pode parecer que estamos apoiando o que o presidente do Irã pensa e fala." Segundo Souza, o diálogo com Ahmadinejad deve ser feito "dentro de uma estratégia clara", em que o Brasil reafirme ao presidente iraniano suas posições de defesa do Estado de Israel, da democracia e contra a proliferação nuclear.

Ahmadinejad chega ao Brasil em um momento de grande pressão da comunidade internacional para que o Irã abandone seu programa nuclear, por temor de que o país esteja tentando desenvolver armas secretamente. O governo iraniano nega essas alegações e afirma que seu programa é pacífico.

Souza diz que o Brasil, que tem em sua Constituição a proibição de armas nucleares, não pode aceitar uma situação em que outros países desenvolvam armas nucleares.

"Nossas diferenças com o Irã são diferenças de princípio", afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - A visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, tem dividido opiniões. Alguns analistas dizem que é ruim para a imagem do Brasil no Exterior. O governo afirma que isso mostra independência e que o melhor caminho é o diálogo. O que o senhor acha?

Amaury de Souza - Não há, em princípio, nenhuma objeção ao fato de o Brasil conversar com todos os países, todos os dirigentes. Mas isso tem de ser feito dentro de uma estratégia que seja clara, não apenas para o público doméstico, mas também internacionalmente. Não se aceita se não deixar claro o que está conversando. E, no caso de Ahmadinejad, não está claro.

O Brasil não tem visivelmente interesses muito vitais em relação ao Irã. Exportamos muito para o Irã, mas ainda assim o volume não se compara com o que temos com outros parceiros. Aumentou, mas ainda é pequeno. E, além disso, podemos continuar a exportar para o Irã sem receber o presidente aqui.

O grande problema é que o senhor Ahmadinejad já definiu certas ações contrárias aos interesses brasileiros. Como a repressão à oposição após as eleições (de junho, em que Ahmadinejad foi reeleito). O Brasil tem uma posição constitucional a favor da democracia. Trata-se de um comportamento ofensivo aos valores (brasileiros). Em segundo lugar, Ahmadinejad vem há tempos defendendo uma linha muito radical em relação a Israel e, particularmente, em relação aos judeus, afirmando que não houve o Holocausto. Novamente, é um comportamento ofensivo aos valores e à tradição da política brasileira. Em primeiro lugar, porque Israel é um velho e forte aliado do Brasil. A criação do Estado de Israel foi fortemente apoiada pelo Brasil.

Temos na cultura brasileira a tradição de completo respeito a qualquer etnia e a qualquer religião. Aqui dentro, nos orgulhamos do fato de que judeus e árabes, ou islâmicos e israelitas, vivem em perfeita harmonia. Disso não abrimos mão. Então, a presença do senhor Ahmadinejad, sem estar claro no que interessa aos interesses brasileiros, significa apenas importar conflitos do Oriente Médio para dentro do Brasil. Nos preocupa também a presença do Irã em outros países da América do Sul, como a Venezuela e a Bolívia.

BBC Brasil - Mas não há um certo exagero e um uso político das críticas à visita de Ahmadinejad? O próprio chanceler da Europa, Javier Solana, já disse que é bom que o Brasil abra um canal de diálogo com o Irã.

Souza - (O presidente dos Estados Unidos, Barack) Obama também disse isso. Não tenho nada contra o Brasil abrir um canal de diálogo, mas tem que ser claro. Vamos abrir um canal de diálogo para que? Se é para conseguir um voto para a entrada do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança (da ONU), não precisa vir o presidente aqui. Simplesmente conversando, como vamos ajudar o diálogo de paz?

BBC Brasil - Que consequências negativas a visita de Ahmadinejad pode trazer ao Brasil?

Souza - Temos uma população em que judeus e muçulmanos vivem em perfeita harmonia e vamos acabar importando para o Brasil um conflito que não é nosso. Ahmadinejad tem um discurso radical que pode ter consequências internas. Em primeiro lugar, como um insulto à comunidade judaica. Não podemos esquecer que brasileiros morreram na Itália lutando para derrotar o nazismo. Isso tem a ver com a memória brasileira, com a memória dos nossos soldados. O nazismo fez o Holocausto. O governo não pode simplesmente fazer o que passa pela cabeça.

BBC Brasil - Quais são os interesses do Irã com essa visita?

Souza - Os interesses são claros. O Irã tem um projeto próprio de poder para o Oriente Médio. Quer se lançar como a principal potência no Oriente Médio. É preciso lembrar que o Irã tem condições muito específicas para reivindicar esse papel. É de longe a cultura com maior tradição de vida política e de liderança dentro do Oriente Médio. No fundo, nada mais é do que o modelo do Império Persa, que antecedeu até mesmo o surgimento do islamismo na península árabe.

Segundo, tem uma força religiosa muito específica. São persas e são todos xiitas, em um Oriente Médio dominado por sunitas. Com o enfraquecimento do Iraque, que sempre foi outro polo de competição política com o Irã, ficou com mais espaço para o seu projeto de se tornar uma potência no Oriente Médio.

Para Ahmadinejad, é importante que possa projetar o prestígio de seu país em outros continentes. Hoje o Irã vive em um quase limbo por causa de sanções da ONU contra seu programa nuclear. Essa é a razão de Ahmadinejad vir ao Brasil, à Bolívia, à Venezuela.

BBC Brasil - Como a visita de Ahmadinejad se encaixa na estratégia do Itamaraty de inserção do Brasil no mundo?

Souza - Existe uma estratégia? Não consigo ver qual é. O Itamaraty quer negociar apoio à entrada no Conselho de Segurança? Acha que é capaz de demover o Irã da ideia do desenvolvimento de seu programa nuclear? Acha que tem um papel em mudar a posição do Irã com relação a Israel? Acha que tem poder para fazer tudo isso? Faço perguntas retóricas porque me parece que se é isso que o Itamaraty quer está um pouco longe da sua capacidade. O Brasil nunca foi um ator de qualquer relevância na política do Oriente Médio. A única vez em que desempenhamos um papel mais ou menos importante no Oriente Médio foi quando apoiamos o Iraque na guerra contra o Irã, com o fornecimento de armas.

A posição brasileira sempre foi de defesa do Estado de Israel, e essa é uma estratégia e uma tradição brasileira, tem lastro, tem princípios atrás dela. Dentro disso, lutamos pela constituição de um Estado palestino. Lutamos pela paz dentro do Oriente Médio, contra a proliferação nuclear. São valores que o Brasil vem defendendo há décadas.

Se Ahmadinejad quer se aproximar do Brasil, tem que saber que nossas posições são essas. Se não, vai parecer aos olhos do mundo que o Brasil está recebendo Ahmadinejad porque as posições que ele defende não são ofensivas para o país. E isso não é verdade. Elas são ofensivas.

BBC Brasil - Em nome do pragmatismo, e com a justificativa da não-interferência em assuntos internos e da importância na manutenção de canais de diálogo, o Brasil tomou atitudes criticadas por grupos de defesa dos direitos humanos. Recebeu políticos acusados de crimes contra os direitos humanos, votou contra sanções duras a governos acusados de crimes contra a humanidade. Não há um limite para esse realismo político?

Souza - O realismo político não pode virar sinônimo de oportunismo. O Brasil tem que ter clareza sobre seus interesses nacionais. A diplomacia só existe para defender os interesses do Brasil. Onde esses interesses estão sendo defendidos, não está claro.

BBC Brasil - Há o risco de o feitiço virar contra o feiticeiro?

Souza - O Brasil é interpretado como estando fazendo um gesto em outra direção. Isso tem consequências internas indesejáveis. O Brasil deveria chamar o Ahmadinejad e dizer: "Houve Holocausto sim". Mostrar que aqui não é a casa da sogra.

BBC Brasil - O Brasil recebeu, no período de duas semanas, as visitas do presidente de Israel, Shimon Peres, do presidente palestino, Mahmoud Abbas, e agora do presidente do Irã. Há alguma chance de o Brasil realmente se tornar um interlocutor importante nas questões do Oriente Médio?

Souza - Acho difícil. Não temos nenhuma tradição de participação em questões no Oriente Médio. E que poder temos? Que fórum podemos comandar para resolver a situação no Oriente Médio? Me parece um pouco exagerada essa pretensão.

É evidente que Israel, ao saber que o presidente do Irã vem ao Brasil, também resolve vir, para deixar claro quais são suas posições. Temos tratado de livre comércio com Israel, mas não com o Irã. Israel é um valioso parceiro para o Brasil. Tem mais que apenas o comércio. Temos um tratado, isso mudo a situação de Israel perante o Brasil.

Se não ficar claro por que estamos recebendo Ahmadinejad, a posição do Brasil pode ser mal-interpretada. Tem consequêncas externas. Pode parecer que estamos apoiando o que o presidente do Irã pensa e fala.

Estamos muito longe do Oriente Médio. É preciso ter certa sobriedade, não achar que estamos no centro do mundo. O Brasil não é um ator tão importante na política mundial. Se compararmos o Brasil não apenas com as grandes potências, mas até mesmo com seus parceiros no Bric (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), vemos que sua importância é muito relativa. É preciso ter modéstia..

Aécio e Serra encerram semana com projetos sociais

Daniel Galvão - Agencia Estado

SÃO PAULO - Enquanto o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), apresentou um projeto para dar apoio a associações assistenciais do Estado com a diminuição de 25% nas despesas de água e eletricidade, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), assegurou a condição de quilombo a mais uma localidade paulista: o bairro do Reginaldo, em Barra do Turvo, no Vale do Ribeira. Em meio à disputa pela candidatura do PSDB à Presidência, Aécio e Serra, os dois aspirantes do partido à vaga, dedicaram o fim da curta semana do feriado do Dia da Consciência Negra a esses projetos sociais.

O programa Conta com a Gente, lançado ontem, é uma campanha do governo de Minas Gerais e do Serviço Voluntário de Assistência Social (Servas), de acordo com a Imprensa Oficial do Estado. Além da redução do valor das contas de água e energia elétrica, a proposta é movimentar a comunidade e o setor privado para que sejam padrinhos de entidades sociais e ajudem num abatimento ainda maior destas tarifas. Os clientes da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) poderão auxiliar com a autorização de contribuições de qualquer valor superior a R$ 5 mensais nos boletos de água e luz, fazendo a doação para a entidade escolhida.

Já o governador de São Paulo, nas celebrações do Dia da Consciência Negra, reconheceu hoje o status de remanescente de quilombo ao bairro de Barra do Turvo. Segundo o governo do Estado, com a entrega do parecer técnico-científico sobre esta comunidade, sobe para 25 o número de quilombos reconhecidos oficialmente em São Paulo - seis já conseguiram o título de propriedade das terras. O anúncio foi feito nas Feiras de Quilombos em São Paulo e dos Assentamentos Paulistas, que vão até amanhã, no Parque da Água Branca.

Serra também entregou 14 novos veículos para a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp). "Este feriado é um agradecimento a toda uma contribuição que a comunidade negra tem em nosso desenvolvimento", afirmou. "Isso tem um caráter histórico e, ao mesmo tempo, de suporte social. Há uma boa parte da comunidade negra que reivindica se transformar em comunidade quilombola e o governo hoje reconheceu mais uma", afirmou.

Eleição para presidência do PT-RJ é marcada por conflitos

Três principais candidatos fazem parte da tendência Construindo um Novo Brasil, a antiga Articulação

Alfredo Junqueira, de O Estado de S.Paulo

RIO - Bate-bocas, troca de acusações e até confrontos físicos estão marcando a mais acirrada disputa pela presidência do PT no Rio desde que foi estabelecido o processo de eleições diretas (PED) no partido. O resultado do pleito que acontecerá amanhã é apontado como determinante para definir como a sigla participará na campanha pelo governo do Estado no ano que vem. Cerca de 30 mil militantes devem votar.

O PT está dividido entre os que querem apoiar desde o primeiro turno a campanha pela reeleição do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) e aqueles que preferem lançar candidato próprio - no caso, o ex-líder estudantil e atual prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias. É provável que sejam necessários dois turnos para decidir quem será o novo presidente do partido no Rio.

Os três principais candidatos fazem parte da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB), a antiga Articulação - denominação que foi abolida depois que o escândalo do mensalão abalou o partido em 2005. O deputado federal Luiz Sérgio é o único que defende abertamente a aliança com Cabral. O ex-subsecretário estadual de Direitos Humanos Lourival Casula é o nome apoiado por Lindberg.

A terceira força é o assessor especial da presidência da República Bismarck Alcântara. Na noite de quinta-feira, 19, durante o último debate entre o candidatos, o embate chegou ao ápice. Alguns militantes mais exaltados de Luiz Sérgio e de Casula tiveram que ser contidos para não se agredirem.

"Estou do lado do projeto de alianças elaborado pela direção nacional, com o apoio do presidente Lula. A prioridade é a candidatura da ministra (chefe da Casa Civil) Dilma Rousseff", afirma Luiz Sérgio, que tem o apoio da atual direção do partido no Rio e de algumas das principais lideranças do PT fluminense, como o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a secretária estadual de Assistência Social, Benedita da Silva, da maior parte das bancadas federal e estadual e de oito dos dez prefeitos da sigla no estado.

"Creio que 80% ou mais dos militantes do partido preferem a candidatura própria", defendeu Casula, argumentando que o apoio ao governador já no primeiro turno também poderia trazer problemas para a candidatura de Dilma.

Além de Cabral e de Lindberg, a pré-candidata do PT à presidência conta com o apoio do ex-governador Anthony Garotinho (PR), que quer voltar ao Palácio Guanabara. "Se a gente não lança candidatura própria e fica desde o início com o Cabral, é capaz do Garotinho ficar irritado e abrir seu palanque para outro candidato. É bom lembrar que o PSDB ainda não tem candidato no Rio", disse Casula, que tem apoio declarado de Lindberg, do ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, do deputado federal Carlos Santana, entre outros.

Apesar de ser apontado como terceira força, Bismarck Alcântara está otimista com a possibilidade de ir para o segundo turno. Ele discorda, no entanto, que a escolha do novo presidente seja determinante para definir como o partido disputará as eleições no Rio. "Algumas pessoas colocaram a carroça na frente do bois. O PED é uma eleição interna nossa. Vai escolher o presidente e as chapas do diretório. Depois, os delegados para o congresso é que vão debater como o partido vai participar das eleições do ano que vem", afirmou Alcântara. Ele ressaltou, no entanto, que é favorável à formação de uma frente de partidos de esquerda no Rio e que não considera boa a administração Cabral.

"Poderia ser o melhor governador do Brasil, com todos os recursos que o governo federal está repassando para o Rio. Não é o caso. Além disso, chamar trabalhador de vagabundo e colocar a polícia para bater em professor não é atitude com a qual concordamos", afirmou o assessor especial da presidência, que tem o apoio de Vladimir Palmeira, do líder do PT na Assembleia Legislativa, Rodrigo Neves, e do ex-prefeito de Niterói Godofredo Pinto.

Representante da tendência Mensagem ao Partido, liderada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, o vereador de Niterói Waldeck Carneiro é um azarão da disputa. Ele foi o único dos candidatos a alertar que o PED não deveria se limitar a uma disputa entre aliança e candidatura própria. "Virou um par ou ímpar entre Cabral e Lindberg. Isso apequenou o debate", afirmou. Além dele, outro candidato menos cotado é o presidente da Câmara Municipal de Mesquita, na Baixada Fluminense, André Taffarel.

Bom dia! -Escola Portátil - Romanceando/Paulinho da Viola