quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Reflexão do dia - Luiz Weneck Vianna

“Essa projeção do Brasil vem sendo compreendida de modo benfazejo pelos principais protagonistas na cena internacional, que a tem favorecido, não só pela natureza emergente da sua economia, como também por sua história de paz com seus vizinhos e sua cultura de boa convivência entre religiões e etnias diversas.”


(Luiz Werneck Vianna, no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG de 26 à 30/10/2009)

Merval Pereira:: Gestão inteligente

DEU EM O GLOBO

Não há como escapar, agora que o Rio ganhou as Olimpíadas de 2016 e o Brasil sediará a Copa de 2014. Todas as nossas mazelas, mesmo as comuns a outros países, serão analisadas criticamente com lupa pela mídia internacional, a mesma mídia que transformou o presidente Lula em líder de peso internacional e que é usada pelo governo para fazer um contraponto com uma suposta má vontade da mídia brasileira contra ele e sua administração

O apagão de quatro horas de terça-feira se tornou grande assunto em todo o mundo, e sempre com a advertência de que o país terá que melhorar sua infraestrutura para receber as competições internacionais.

Um apagão nos Estados Unidos em 2003 durou quatro dias para ser superado, e ninguém ficou achando que aquele país está se acabando.

Mas não é às letras do Tesouro americano que acorrem os investidores em busca de segurança na crise financeira que foi originada justamente no sistema financeiro dos Estados Unidos? Aos problemas com transportes, hotéis, segurança, soma-se agora a ameaça da falta de energia, mesmo que o apagão de hoje não tenha acontecido por falta de oferta de energia, mas por um problema técnico, que tudo indica ser pontual.

Pode ser um exagero, mas é assim que a banda toca.

Da mesma maneira, não adianta a candidata oficial, Dilma Rousseff, não querer se envolver no caso, deixando as explicações para o ministro Edison Lobão, que está nas Minas e Energia pela simples razão de que o setor elétrico é um feudo do senador José Sarney.

Ela é reconhecida como a grande responsável pela política de energia do governo, e foi nessa condição, e sobretudo na de candidata, que tomou conta da apresentação oficial do programa do governo para o petróleo do pré-sal.

E é graças a essa posição que ela poderá chefiar a delegação brasileira na reunião do clima em Copenhague, mês que vem, fazendo um contraponto interessante para sua candidatura com a outra candidata, concorrente do Partido Verde, a senadora Marina Silva, que deixou o governo justamente pelo “desenvolvimentismo” da dupla Lula/Dilma, que não levava em conta a questão ambiental até que a candidatura de Marina se mostrasse um fato político relevante.

Agora, na hora do ônus do setor, não é Lobão que a sociedade quer ouvir, mas Dilma, que dias atrás, durante entrevista para o programa oficial “Bom dia, ministro”, havia afirmado que investimento em hidrelétricas e construção de novas sete usinas garantiriam que o Brasil não sofrerá um apagão elétrico, como a ameaça ocorrida em 2001, que gerou a necessidade de um racionamento de energia.

Naquela ocasião, a falta de investimento no setor, agravada pela escassez de chuvas, reduziu a capacidade de oferta de energia no país.

Hoje, o problema é outro, mas o ministro Lobão, tentando jogar a culpa pelo apagão atual para o governo anterior, disse que o sistema não era interligado até 2001, e que a ameaça de apagão fez com que o governo FH o interligasse totalmente.

A verdade é que o sistema sempre foi interligado, o que é considerado um ponto positivo pelos especialistas. O governo anterior apenas reforçou sua interligação, já que em 2001 eram apenas duas linhas, faltava uma terceira, que fizesse a ligação entre o Sul e o Sudeste.

A ministra Dilma, quando garantiu que o país não tinha ameaça de um apagão, estava falando de investimentos em oferta de energia, mas se esqueceu de que não houvera investimentos na gestão do sistema, o que acabou causando o problema de ontem.

Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe, departamento de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explicou com clareza qual foi o problema: “gestão inteligente do sistema”: “O mundo todo dedica atenção a esse problema, de termos redes mais inteligentes de energia elétrica. Para que o efeito não se propague tanto. É possível fazer isso tecnicamente. É um problema de estudo de engenharia elétrica, de fazer gestão do sistema”, explicou ele ao “Bom Dia Brasil”.

Quando se discute gestão administrativa, aí a disputa entra no terreno que é favorável aos candidatos tucanos, seja o governador de São Paulo José Serra, seja o governador de Minas Aécio Neves, dois reconhecidos gestores públicos, com resultados concretos para mostrar.

A imagem de Dilma Rousseff como administradora, que era o mote inicial de sua candidatura, está abalada pela ineficiência do PAC, e agora pode sofrer mais ainda com o apagão.

Ela passou a ser novamente mais exposta, em inaugurações e solenidades públicas, e assumiu o ataque à oposição, mais como a continuadora da obra de Lula do que como gestora eficiente.

Em consequência,voltou a subir nas pesquisas de opinião. A mais recente, do Instituto Vox Populi divulgada pelo “Jornal da Band” na terça-feira, mostra o que já havia sido antecipado aqui na coluna, Dilma voltando ao patamar de 20%, com o tucano José Serra mantendo a liderança com 36%.

O preocupante para o governo é que, sem Serra na disputa, a ministra fica no mesmo nível, e crescem as presenças do deputado Ciro Gomes, com 19%, e o governador de Minas, Aécio Neves, surge como um candidato viável, com 18% das intenções, os três empatados tecnicamente.

Com Serra como candidato tucano, Ciro cai para 13%. Heloísa Helena e Marina Silva, juntas, têm entre 9% e 12%, com a candidata do PSOL aparecendo sempre na frente.

É previsível que a pressão para que Ciro desista de vez da candidatura à Presidência aumente. E, na seara tucana, os números de Aécio com a definição do presidente do partido, senador Sérgio Guerra, de que a candidatura do governador de Minas é “mais ampla” do que a de Serra, podem indicar uma mudança de ventos.

Dora Kramer:: Cegos no tiroteio

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Acidentes acontecem. Por circunstâncias fora do alcance humano ou por inépcia, mas acontecem. E aconteceu um blecaute monumental na noite de terça-feira até a madrugada de ontem em mais da metade do País. Já ocorreu parecido em 1999 aqui e ocorre de vez em quando mundo afora.

Se não foi o "microincidente" fabulado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro - entre outros motivos porque o que atinge milhões de pessoas é sempre "macro" -, tampouco chegou perto de ser o desastre que a oposição procurou construir assim que o dia amanheceu. Com o abastecimento já sanado, diga-se.

O que houve, até a tarde de ontem, ainda era motivo de suposições e especulações. Mas o que não houve estava claro desde o início. Nada parecido com o acontecido no governo Fernando Henrique, quando o problema do apagão em 1999 e do racionamento de energia em 2001 resultou de um misto de imprevidência com ação da providência: falta de planejamento e de chuvas para abastecer os reservatórios.

Agora aconteceu um problema no sistema de transmissão de energia, cuja origem pode ser de operação, de gestão ou de adversidade climática - segundo os especialistas independentes que analisaram o ocorrido, a menos provável das hipóteses.

Portanto, era absolutamente desnecessário o ministro de Minas e Energia ainda de madrugada correr para apontar a diferença entre 2001 e 2009 e passar o dia inteiro repetindo junto com o presidente Luiz Inácio da Silva que não havia como comparar os dois acontecimentos.

Da mesma forma, foi totalmente inadequada - e, sobretudo, suspeita -, a pressa de Edison Lobão em atribuir a tempestades ou ventanias a queda na transmissão de energia. Nas entrevistas às emissoras de rádio e televisão, pela manhã, o ministro enrolou-se várias vezes.

Como quem estava instruído a defender uma tese, mas não sabia direito como fazer nem tinha fundamento suficiente para tal, Lobão cada hora dizia uma coisa: ora que não havia como localizar a origem nos mais de 100 mil quilômetros de linhas de transmissão em todo o País, ora que o problema estava localizado na Região Centro-Sul.

Ressaltava a dificuldade de detectar as razões da queda de energia, mas sempre voltava ao mesmo ponto: acidente climático. Sem, no entanto, fundamentar o argumento com algum dado dos serviços de meteorologia, que, naquela altura, já poderiam informar se tinha havido, ou não, fenômenos capazes de provocar o desligamento de redes na região apontada pelo ministro e na hora do blecaute.

Edison Lobão parecia cumprir uma única missão: afastar a possibilidade o mais rápido possível de o apagão se transformar numa arma de combate eleitoral com efeito maléfico semelhante ao que o racionamento de 2001 teve sobre os últimos dois anos de governo Fernando Henrique, que vivera seis anos da marca da eficiência no combate à inflação e acabou marcado pelo carimbo da inépcia em função da crise de energia.

Se isso acontecesse, além de Lula correr o risco de sofrer o mesmo tipo de má avaliação, ainda poderia perder uma poderosa arma de ataque contra o inimigo na estratégia de concentrar a campanha eleitoral de 2010 no confronto de realizações entre as duas administrações.

O governo mostrou-se muito mais preocupado em ressaltar as maravilhas do sistema elétrico, em escapar de uma comparação que lhe seria eleitoralmente desfavorável, em poucas palavras, em tirar do corpo fora, do que em tratar da questão de maneira mais objetiva, menos política.

A oposição, de seu lado, também se atirou apressada no carnaval. Já sonhando em atribuir à ministra Dilma Rousseff, mandachuva do setor elétrico de direito até a queda de José Dirceu da Casa Civil e, ao que consta, manda de fato até hoje.

Bom para ela o episódio não foi. Duas semanas atrás, Dilma havia garantido que a ocorrência de apagões era algo totalmente fora de cogitação. A ministra nem sequer se deu ao trabalho de acrescentar um "salvo se..." ocorrerem adversidades climáticas.

Não, a crer da palavra dela, o sistema estava imune a acidentes. Não estava. Se é que houve mesmo acidente.

Ainda assim a oposição mostrou-se infantil ao partir para acusações à deriva antes de saber realmente o que havia ocorrido. A pressa desqualifica a crítica.

Ora, perguntará o eleitor, se é tão patente assim a incompetência da operação do sistema, se o apagão foi fruto de imprevidência continuada, onde estava a oposição que não reclamava?

Ademais, em termos de repercussão na vida das pessoas, não há como igualar um episódio de quatro horas com um racionamento de meses, que alterou totalmente a rotina da população. A menos que se repitam os blecautes, nem Lula nem Dilma sofrerão o desgaste sofrido por Fernando Henrique.

Querer criar artificialmente o prejuízo denota a busca desesperada por qualquer motivo. Da mesma forma como maquiar o infortúnio demonstra obsessão pela coleta de benefícios. Tudo no modelo da autorreferência eleitoral em que a consistência dos fatos é mero detalhe.

Leviatã :: Demétrio Magnoli

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Jornalismo se faz no calor da hora; História, só depois que os eventos adormeceram no leito do passado. No ano louco de 1989, Timothy G. Ash conseguiu a façanha de juntar os dois, no livro Nós, o Povo (Companhia das Letras, 1990). Escrevendo pouco antes da queda do Muro de Berlim, ele traduziu o sentido mais amplo das revoluções que destruíram o "socialismo real".

"Karl Marx jogou com a ambiguidade da expressão alemã burgeliche Gesellschaft, que tanto podia ser traduzida como sociedade civil quanto como sociedade burguesa. Marx (...) nivelou deliberadamente as duas "cidades" da modernidade, os frutos da Revolução Industrial e Francesa, o burguês e o cidadão. (...) O que a maior parte dos movimentos de oposição por toda a Europa central e grande parte do povo que os apoia está realmente dizendo é: Sim, Marx tem razão, as duas coisas estão intimamente ligadas - e nós queremos as duas! Direitos civis e direitos de propriedade, liberdade econômica e liberdade política, independência financeira e independência intelectual, cada um desses termos apoia o outro. De maneira que, sim, queremos ser cidadãos, mas também queremos ser de classe média, no mesmo sentido que a maioria dos cidadãos da metade mais afortunada da Europa é de classe média."

A vaga de triunfalismo que se seguiu à queda do Muro se exprimiu no discurso da "Nova Ordem Mundial", de George H. Bush, e no quase simultâneo, logo célebre, artigo de Francis Fukuyama. A tese do "fim da História" anunciava o "ponto final da evolução ideológica da humanidade" e a "universalização da democracia liberal ocidental". Fukuyama cometia um erro de diagnóstico. Hoje sabemos que também cometeu um erro de prognóstico.

O primeiro erro: o triunfo não foi do "capitalismo liberal", mas de um sistema mais complexo, que denominarei "capitalismo de mercado". No modelo liberal clássico, o Estado cumpre apenas as funções de sentinela da soberania externa, da ordem interna e da santidade da moeda. O capitalismo de mercado é algo bem diverso, que se desenvolveu sob os signos da democracia de massas e do Welfare State. Nos anos 1920, os gastos públicos sociais nos EUA não atingiam 5% do PIB. Hoje tais gastos superam a marca de 20% do PIB - e isso no país que é o ícone do "liberalismo". Como colar o rótulo do liberalismo sobre um sistema no qual os liberais não se reconhecem?

A modernidade é o fruto combinado dos princípios complementares, mas contraditórios, da liberdade e da igualdade. O capitalismo de mercado foi gestado pela concorrência entre o "partido dos liberais" e o "partido dos social-democratas", que se alternam no poder nas democracias de massas. Sob o impacto do movimento operário, os direitos políticos universalizaram-se e inventaram-se os direitos sociais. Tudo isso aconteceu do lado de cá da Cortina de Ferro, pois do outro lado da fronteira geopolítica o sistema soviético proibiu os partidos políticos e estatizou as organizações sindicais.

A fusão do modelo liberal com o programa social-democrata produziu um sistema original, expresso diferenciadamente nos países da Europa Ocidental e da América do Norte. No Manifesto Comunista, Karl Marx concitou à revolução os trabalhadores, que "nada têm a perder, exceto os seus grilhões". O capitalismo de mercado outorgou cidadania política e econômica aos trabalhadores, frustrando a conclamação revolucionária. Ele triunfou em 1989 porque não mais era "liberal" - e os trabalhadores tinham um mundo a perder.

O segundo erro: a História não terminou, pois o espectro do Leviatã se ergue mais uma vez, sob a forma do capitalismo de Estado, e desafia a hegemonia do capitalismo de mercado. A China do poder burocrático de partido único é a expressão mais insinuante do capitalismo de Estado, mas o modelo aparece nas distintas roupagens da Rússia autoritária pós-comunista, da autocracia teocrática do Irã e do regime caudilhista da Venezuela de Hugo Chávez. Em torno desse projeto regressivo se rearticula uma esquerda nostálgica do "socialismo real", mas despojada da bandeira da revolução.

No capitalismo de mercado, uma nítida linha divisória separa as esferas da economia e da política. O capitalismo de Estado reúne as duas esferas, subordinando a elite econômica à elite política e fazendo uma classe privilegiada de grandes empresários orbitar em torno de um Estado que tudo pode. Nada há de verdadeiramente novo nisso: o Japão Meiji, a Itália fascista, a Alemanha nazista e a África do Sul do apartheid estão entre os precursores dos sistemas atuais de capitalismo estatal.

Nacionalismo e autoritarismo são feições inerentes ao capitalismo de Estado. A elite política extrai sua legitimidade de um pacto imaginário com o destino grandioso da nação. A promessa de potência serve-lhe de ferramenta para calar ou eliminar a oposição, que é figurada como representação do interesse estrangeiro. A vida política impregna-se de um ácido corrosivo, que consiste na identificação da voz dissonante com a quinta-coluna. Como a liberdade não pode ser fracionada, o capitalismo de Estado opera pela restrição tanto dos direitos econômicos quanto dos direitos políticos.

Há pouco, nesta página, Fernando Henrique Cardoso ofereceu um esboço do bloco de poder organizado em torno do lulismo. No seu desenho, destaca-se o tripé constituído por um Estado esvaziado de sentido público, empresas estatais capturadas por uma máquina partidária e empresas semiprivadas geridas por alianças entre grandes empresários e fundos de pensão sob controle de sindicalistas. Eis aí o estágio embrionário de um capitalismo de Estado brasileiro.

Nas eleições de 2006 Geraldo Alckmin foi desafiado a defender o capitalismo de mercado. Ele se fez de desentendido e, no lugar do confronto de ideias, ofereceu uma rendição sem combate ao discurso do capitalismo de Estado. Lula e sua candidata reeditarão o desafio em 2010.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Maria Inês Nassif:: Algo mais complexo que apoio das massas

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O perfil do governo petista que ascendeu ao poder pelo voto nas últimas duas eleições vai dar um trabalho maior de análise, no futuro, do que apaixonadas declarações sobre o caráter da inserção das forças sociais no jogo de poder. Existem elementos que precisarão ser analisados longe de um período eleitoral.

A primeira exigência de uma análise futura será a de evitar comparações automáticas - e fáceis - com o período de João Goulart, no pré-64. Jango era o líder claudicante de um governo populista, herdeiro de um pacto de poder que não era seu e com uma base social que herdara do getulismo e sob a qual não tinha grande controle. O que existia de seu era uma base trabalhista formada sobretudo no interior do Estado - o peleguismo - e que não necessariamente tinha, ela própria, inserção social. A liderança populista não tinha também vínculo orgânico com seu partido, o PTB, nem este partido era depositário de um projeto de poder. O PTB, também criado por Getúlio Vargas, foi criado para capitalizar a popularidade getulista, não para servir a um projeto que lhe fosse próprio.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não são organizações e lideranças constituídas à sombra do Estado. Os três têm ligação umbilical: surgem das lutas oposicionistas do início dos anos 80, em especial a partir dos primeiros movimentos sindicais de massa do pós-ditadura, liderados por Lula. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) foi a primeira construção organizada das novas lideranças sindicais que emergiam no cenário político. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi a construção política da articulação sindical, montada com base na crítica do modelo político varguista em que a base política de um projeto de poder se confundia com a estrutura sindical. PT, Lula e CUT constituíram suas lideranças fora do Estado e ficaram na oposição até 2002, quando Lula ganhou a eleição para a Presidência no PT e com o apoio da CUT. O governo Lula, portanto, não é uma construção pessoal do presidente Lula - é possível dizer que é produto de uma luta pelo poder em que participaram, do mesmo lado, PT e CUT, forças constituídas fora do Estado e que a ele ascenderam pelo voto. Segundo o sociólogo argentino Torcuato Di Tella, da Universidade de mesmo nome, na reunião anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) deste ano, o fato de essas forças terem se constituído de fora do Estado já tornam relativa a afirmação de que o governo Lula tem um perfil populista.

A ascensão de Lula ao Palácio do Planalto trouxe para o poder todos esses elementos - o PT, a CUT e, de forma indecisa e menos compacta, os movimentos sociais. Esse era um elemento novo em relação aos demais governos. Embora o PSDB tivesse desempenhado um inegável papel na luta contra a ditadura e incorporado elementos importantes da social-democracia na sua constituição, nos governos Fernando Henrique Cardoso não conseguiu levar para dentro de seu governo setores sindicais e populares. Primeiro, porque a sua base social não era a mesma que a do PT - já no Plano Real, a aliança no poder tendia ao centro do espectro partidário. Depois, porque o PSDB sempre disputou com Lula - que era, devido à sua origem e à constituição do próprio PT, o depositário do apoio político da maior parte do movimento sindical e também dos movimentos populares. O PSDB não incorporou o movimento sindical no seu governo porque não o tinha; não teve o apoio dos movimentos sociais porque a aliança que o mantinha no poder excluía essa possibilidade. Difícil imaginar que, se tivesse bases sindical e social mais sólidas, o PSDB não as tivesse incorporado na sua base de apoio.

O outro elemento a ser analisado é o caráter dessa aliança tão ampla como a que conseguiu Lula. Um elemento claro é a incorporação de grandes massas não apenas ao mercado de consumo, mas ao mercado político, como eleitores de Lula, via programas de transferência de renda. Outros dados são a excessiva força que teve o setor financeiro em seu governo, em especial no seu primeiro mandato (2003-2006); a opção clara pelo agronegócio, mesmo quando ele representa a manutenção de um setor que carrega enorme atraso político; e a configuração de um governo que abriga pequenos partidos de direita. Mas é certo também que o apoio do sindicalismo e dos movimentos sociais - nem todos estão com o governo, mas parte deles está - é o que Lula tem de apoio de setores organizados. Isto quer dizer que a gestão Lula não pode ser descrita como um governo tomado por grandes massas desorganizadas beneficiadas por programas sociais. É um governo apoiado por grandes massas, mas também por setores sociais tão variados como o sindicalismo e o setor agrário, além do setor financeiro. Esses apoios podem ser tão amplos quanto os que mantinham uma liderança populista no poder, mas são organizados e não são uma construção política do governante, mas ascenderam ao poder com ele.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Dilma havia sido alertada sobre risco pelo TCU

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Juliano Basile e Arnaldo Galvão, de Brasília

A ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil da Presidência da República, foi alertada, em julho, pelo Tribunal de Contas de União (TCU) sobre a possibilidade de ainda haver apagões de energia no Brasil. Em relatório sobre o apagão ocorrido entre 2001 e 2002, feito a pedido da ministra, o tribunal concluiu que o governo atual investiu pouco no setor e deveria tomar providências para evitar novos blecautes no país. A Casa Civil confirma que recebeu o documento do TCU, em julho, que sugeria o reforço especialmente de pessoal e melhoria na gestão do Ministério das Minas e Energia, na Aneel e Empresa de Pesquisa Energética.

Em setembro, informa a Casa Civil, encaminhou o relatório para os ministérios de Minas e Energia e Planejamento. O projeto do governo para enquadrar o Tribunal de Contas da União, apresentado ontem pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não considera os impactos das recomendações do TCU, sobre esta e outras áreas do governo, para melhorar a gestão.

O projeto de controle da ação do TCU contempla propostas que evitam a multiplicidade de controles, o que levaria à ineficiência da máquina administrativa. Outra preocupação foi moldar uma estrutura de controle eficiente sem engessar a administração e sem elevar exageradamente os custos desse acompanhamento.

O presidente do TCU, Ubiratan Aguiar disse, após encontro ontem à noite com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Michel Temer, marcado para aparar arestas entre o governo e o tribunal, que será estabelecido um canal direto entre o TCU, Lula e Temer, sempre que houver alguma reclamação de uma das partes. E Lula prometeu a ele que nenhum projeto que venha a prejudicar o TCU será conduzido sem que o Tribunal participe das discussões.

Sobre o apagão, o TCU havia recomendado especificamente à Casa Civil a realização de uma análise geral das condições de trabalho no MME, na Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e na Aneel. O tribunal apontou dúvidas sobre a capacidade desses órgãos de evitar blecautes e centrou suas preocupações na gestão. O TCU pediu "melhoramentos, se for o caso, de forma a mitigar os riscos futuros de uma crise energética".

No caso da Aneel, o TCU apontou um orçamento ineficiente. "Cabe a essa importante agência regular e fiscalizar esse mercado que movimenta anualmente cerca de R$ 90 bilhões somente em compra e venda de energia elétrica", diz o relatório. No entanto, concluiu o texto, a Aneel obteve orçamento de apenas R$ 365 milhões para 2008, dos quais somente R$ 150 milhões foram efetivamente gastos, pois o restante foi contingenciado.

Dilma ocupou o comando do MME durante o primeiro mandato do presidente Lula, entre 2003 e 2005. Este ano passou o alerta sobre novos apagões ao Planejamento.

Ainda ontem, o Ministério Público Federal deu 72 horas para que os órgãos que atuam no planejamento e na fiscalização do setor prestem informações sobre o apagão ocorrido na noite de anteontem. O MPF quer cópia dos relatórios, laudos e notas técnicas sobre o apagão. O objetivo é verificar a origem do problema e, se for o caso, abrir investigação contra os responsáveis. O procurador da República Marcelo de Oliveira deu 15 dias para que as autoridades indiquem os responsáveis pelos postos de controle de transmissão de energia e apontem onde ocorreram as primeiras falhas.

“Escolha do PSDB não influirá Jarbas”

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Senador Sérgio Guerra afirma que definição dos tucanos – sobre candidato presidencial – não terá influência na decisão de Jarbas sobre disputa estadual

Cecília Ramos


Presidente nacional do PSDB, o senador Sérgio Guerra disse ontem ter “acertado os ponteiros”, em conversa reservada com o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) no domingo passado, na casa do peemedebista. Mas o tucano evitou entrar em detalhes sobre os critérios que o peemedebista usará para definir se disputa ou não a eleição de 2010 contra o governador Eduardo Campos (PSB). Apesar de saber da preferência de Jarbas pelo governador de São Paulo, José Serra, em detrimento ao de Minas Gerais, Aécio Neves, para disputar a Presidência da República, Guerra sustentou que “o nome que o partido escolher” não interferirá na decisão do peemedebista.

“A questão de Jarbas não é se o candidato é Aécio ou Serra. Ele se entende mais com o Serra, mas a questão é outra. É com ele (Jarbas) e o PMDB, ele e o tempo dele”, soltou Guerra. “Mas nesse momento combinei que não posso falar nada sobre isso”, completou. O tucano, para quem Jarbas é o nome das oposições ao governo, disse acreditar que “Jarbas sempre cresceu na adversidade”. “Ele é o nome mais forte das oposições no Estado e sabe dessa responsabilidade. Tudo foi conversado e o foco agora é definirmos o nacional (Aécio ou Serra)”.

Em entrevista à Rádio Jornal, ontem, Guerra voltou a enaltecer a “maior capacidade de aglutinar” de Aécio Neves e que este seria também “mais amplo politicamente” que Serra porque tem a simpatia de dois partidos da base política do presidente Lula: PTB e PP. “Isso é verdade.
Não é estratégia nossa inflar Aécio. Do mesmo jeito que eu disse que um em cada três brasileiros já decidiu votar em Serra”, reiterou o senador tucano. Guerra insiste não ter preferência, cumprindo seu papel de dirigente, mas é mais próximo de Aécio. Os dois se encontraram ontem à noite em Brasília.

DÚVIDA

Sérgio Guerra negou que suas declarações favoráveis a Aécio tenham causado “ciúme” ou acirrado ânimos internamente no seu partido. E rechaçou especulações de que o governador de São Paulo não estaria decidido a disputar a Presidência. Ao contrário. “Minha luta hoje é justamente buscar entendimento entre eles (Serra e Aécio). E eles vão se entender, só que o nosso tempo é urgente”. Guerra disse ainda que a decisão passará por “questões objetivas”, mas não quis detalhar. Afirmou apenas que “não é só pesquisa que será considerada”.

José Serra e Jarbas jogaram para março o prazo para anunciarem seus destinos políticos. Mas alguns motivos fazem a oposição ter pressa: a campanha antecipada da pré-candidata do PT à Presidência, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), a organização da oposição nos Estados e o ultimato dado por Aécio Neves, no início deste mês, para que o PSDB defina até dezembro seu candidato à sucessão do presidente Lula. Caso contrário, vai disputar o Senado. “Não estamos trabalhando com essa hipótese. Isso de Senado é outro momento”, esquivou-se Guerra, que tentará trazer os dois presidenciáveis tucanos ao Estado ainda este ano.

Desencontro de versões irrita Lula e abre disputa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As versões desencontradas no governo para o apagão irritaram o presidente Lula. Pela manhã, ele mandou que os auxiliares não dessem mais declarações. O Planalto tentou confinar o problema ao Ministério de Minas e Energia, blindando Dilma Rousseff, que é apresentada como responsável por uma “revolução" no sistema elétrico. Já o governador José Serra disse que esse sistema está "vulnerável".

Busca por causas põe ministros em contradição e irrita Lula

Pela manhã, não havia consenso sequer sobre número de linhas que sofreram pane

Leonardo Goy e Vera Rosa, BRASÍLIA

Irritado com versões desencontradas sobre o apagão que deixou mais da metade do País às escuras, na noite de terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou da equipe informações consistentes e unificadas sobre o episódio. "Parem de falar besteira sobre coisas que vocês não sabem", esbravejou ele logo pela manhã, de acordo com relato de ministros, ao ouvir diferentes opiniões sobre as causas do blecaute. "Não quero meias explicações nem dados parciais."

O presidente disse a auxiliares que o conflito de versões acabava ajudando a oposição a elaborar "teses" contra o governo. "Não falem nada antes de ter certeza", insistiu. A ordem foi transmitida ao comando nacional do PT, que estava reunido em Brasília, com o objetivo de traçar diretrizes para a campanha da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência, em 2010.

Lula ficou particularmente irritado com a explicação do presidente da Itaipu, Jorge Samek, de que "um tufãozinho" poderia ter derrubado torres de transmissão. Embora muitas autoridades adotassem o argumento dos "incidentes meteorológicos" para justificar a queda de mais de 50% da demanda de energia, não havia consenso sobre o número de linhas de transmissão que teriam sofrido pane, causando efeito dominó no sistema elétrico.

Foram muitas as informações contraditórias. Por voltas das 14 horas, ao fim de uma solenidade no Itamaraty, Lula admitiu que não sabia o que havia provocado o apagão. "Duas coisas estão certas: não faltou geração de energia e o problema não foi de falta de linha para interligar", afirmou ele, evitando qualquer relação do apagão de ontem com o do governo Fernando Henrique Cardoso (veja as comparações na página ao lado).

Na época, Lula chegou a dizer que a gestão de FHC havia sofrido um "apagão do planejamento". "O que aconteceu em 2001 foi que a gente não produzia energia suficiente, não tinha linha de transmissão para interligar o sistema. Nós fizemos não apenas forte investimento no setor de energia como forte investimento na modernização do sistema energético brasileiro", afirmou ontem o presidente.

Logo cedo, enquanto o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, garantia que o blecaute teria sido causado pelo desligamento de três linhas de transmissão que transportam energia da hidrelétrica de Itaipu para o sistema nacional, o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, ia em outra direção. Muniz dizia que a pane havia derrubado as cinco linhas que levam para São Paulo a energia gerada na hidrelétrica. A explicação foi compartilhada por Samek, presidente de Itaipu. "Já tivemos problemas em uma ou duas linhas, mas nunca nas cinco ao mesmo tempo", disse o executivo-chefe da usina.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que também integra o Conselho de Itaipu, foi um dos primeiros a expor a contradição da versão da queda de linhas de transmissão. "Se a linha tivesse sido danificada por um temporal, a energia não teria voltado às 5 horas", observou Bernardo. Detalhe: as linhas com problemas causados por temporais ligam Ivaiporã (PR), Itaberá (SP) e Tijuco Preto (SP), mas a cidade de Itaberá, centro dos "incidentes meteorológicos", não teve apagão.

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REFLEXO DO APAGÃO


Eliane Cantanhêde:: Apagão contra apagão

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Depois do apagão aéreo de 2007, agora o maior apagão elétrico da história do Brasil, atingindo 18 Estados e jogando o foco sobre Dilma Rousseff, que se firmou candidata com a imagem de boa gestora e é a manda-chuva justamente do setor de energia.

Dilma e Lula sempre fustigam os adversários com o apagão de 2001, mas o jogo está zerado: é apagão versus apagão, por mais que o de FHC tenha sido estrutural, e o de Lula, conjuntural. Quem atira a primeira pedra?

Para lembrar, Lula disse em 2003 que os apagões eram "página virada". E Dilma falou há apenas alguns meses que "apagão não cai do céu".

Realmente, não dá para dizer que o de terça-feira caiu do céus, das chuvas, dos ventos, nem dos deuses. Até porque chovia, sim, na área de origem da crise, mas basta uma tempestade para paralisar o país?

Como dizia Dilma, "antes [na era FHC], o governo era parte do problema". E agora? Agora [na era Lula], o governo continua sendo parte do problema. E vai ficar um tempo contra a parede, numa situação que nenhum político -aliás, ninguém- gosta: a de dar explicações.

Até, e se, conseguir convencer os milhões de pessoas que enfrentaram escuridão, medo e cansaço durante horas; os sabe-se lá quantos que perderam eletrodomésticos; os técnicos e acadêmicos que entendem do riscado; os governos e sociedades estrangeiras que esperam ansiosos a Copa e a Olimpíada. E, finalmente, o parceiro Paraguai, que pegou a rebarba do apagão.

Aliás, o que foi feito do acordão entre Lula e Lugo pelo qual o Paraguai poderia vender energia diretamente para o mercado brasileiro e receber o triplo pela energia excedente?

Nunca chegou ao Congresso. E, sem passar pelo Congresso, é só um papel a mais na gaveta.

Bem... mas Lula ainda vai arranjar um jeito de passar por cima do apagão, dizendo que ele é que foi vítima -do Serra, do Aécio, do FHC. E em conluio com a imprensa!

Oposição ataca Dilma, que some

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Oposição ao governo federal, DEM, PSDB e PPS usaram o apagão para atacar a candidatura de Dilma Rousseff (Casa Civil) ao Planalto. Para líderes, o caso mostra que ela não é boa "técnica".

Dilma foi ministra de Minas e Energia por dois anos e meio. Ontem, ela cancelou compromissos, não participou de reunião do governo para discutir o blecaute e não falou no assunto.

Serra faz críticas ao apagão; Dilma se cala

Para governador, blecaute revela a vulnerabilidade do sistema no país; ministra cancela compromisso e evita imprensa

Parlamentares de oposição dizem no Congresso que falha é resultado da gestão de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia

Da Sucursal de Brasília
Da reportagem local

Pré-candidata à Presidência em 2010, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que chefiou por dois anos e meio o Ministério das Minas e Energia, cancelou compromisso ontem, não participou de reunião do governo para discutir o blecaute e não comentou o episódio.Dilma tinha encontro com o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, na sede provisória da Presidência, no Centro Cultural Banco do Brasil, mas desmarcou. Também não foi ao Itamaraty receber o presidente de Israel, Shimon Peres, como era esperado.Ontem, às 19h40, quando deixava o CCBB antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que raramente faz, foi questionada sobre o apagão. Acenou aos jornalistas e disse: "Um beijo para vocês". A Folha enviou a sua assessoria um e-mail com perguntas sobre o blecaute, mas não obteve resposta.

Há duas semanas, em entrevista ao programa "Bom Dia, Ministro", da Radiobrás, Dilma disse que o Brasil estava a salvo de novo apagão elétrico. "Nós também temos uma outra certeza: que não vai ter apagão."

Críticas

Já seu adversário na corrida presidencial, o governador José Serra (PSDB) foi a um evento oficial ontem sobre apoio ao esporte e criticou a falta de investimentos no setor elétrico e o desencontro de versões oficiais sobre o apagão. Rejeitando sugestão de aliados para que batizasse o blecaute de "apagão da Dilma", nem citou a petista.

Para Serra, a crise revela a vulnerabilidade do sistema. "Não sei qual é a profundidade disso. Mas é indiscutível que o sistema se mostrou vulnerável. Paralisar todas as turbinas de Itaipu é um fato inédito", disse.

Também pré-candidata à Presidência, a senadora Marina Silva (PV) cobrou rapidez na apuração da causa do apagão.

Para ela, o governo precisa fazer estudos técnicos para investir em medidas preventivas. "Tem custo, mas o que o episódio ensina é que, às vezes, o custo de não fazer pode ser maior. Além de prejuízos econômicos, um caso como esse traz danos sociais e morais."

"Pá de cal"

O apagão foi usado ontem pela oposição a Lula no Congresso. DEM, PSDB e PPS disseram que o episódio mostra que Dilma não é "tão boa técnica quanto o PT tentou mostrar" e fracassou na política energética.

Para o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), o apagão é "uma pá de cal na candidatura da ministra". "Tudo isso serviu para comprovar que ela, além de não ter carisma, é incompetente no setor", disse.

O líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza (SP), rebateu. "Tivemos uma queda de energia de menos de quatro horas, que foi equacionada e resolvida. Foi uma marolinha e não atrapalha em nada a candidatura da ministra", disse, lembrando do apagão que ocorreu em 2001, quando o tucano Fernando Henrique Cardoso era presidente. "Na época deles foi um ano de apagão. No nosso governo, três horas e sem nenhuma consequência grave para a economia do Brasil."

A oposição também foi ao ataque em várias comissões do Congresso. Dois requerimentos convidando o ministro Edison Lobão (Minas e Energia) foram aprovados na Câmara. Em outro requerimento, Caiado pede informações sobre prejuízos com o apagão, as medidas a serem tomadas e o total de investimentos no setor desde 2003, quando Lula assumiu.Já a oposição no Senado tenta aprovar requerimento para convocar o ministro Edison Lobão e Dilma. "O governo se perde em explicações que não convencem", disse o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), autor da proposta. O líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), ironizou: "A comemoração da oposição vai durar menos que o apagão."

Apagão revela as falhas do sistema elétrico brasileiro

DEU EM O GLOBO

O apagão que atingiu 18 estados brasileiros e retirou 45% da carga de energia do país foi causado por raios, chuvas e ventos que derrubaram três linhas de transmissão que levavam a energia da hidrelétrica de Itaipu para o Sudeste e o Centro-Oeste. Especialistas alertam que o sistema interligado brasileiro, conhecido como um dos mais seguros do mundo, ainda está vulnerável e precisa de novos mecanismos de proteção para evitar novas quedas de energia. Nos últimos dez anos, novas linhas de transmissão foram construídas, medidas de segurança foram idealizadas e um sistema de "ilhamento" foi concebido, permitindo que algumas áreas pudessem ter energia, mesmo se fechando em si e garantindo o abastecimento de áreas especificas. Não há explicação para o fato de esse sistema ter falhado no Sudeste. No Rio, 2.906 crianças ficaram sem aulas por falta de água.

Para especialistas, apagão mostrou que sistema elétrico não é infalível

Mecanismo que permite isolar áreas afetadas por blecaute falhou no Rio

Gustavo Paul, Eliane Oliveira, Ramona Ordoñez e Danielle Nogueira

BRASÍLIA e RIO. O setor elétrico brasileiro é considerado seguro, mas não é invulnerável. Essa é a opinião de analistas para os quais, apesar dos avanços na segurança do sistema desde o grande apagão de março de 1999, não há como garantir uma operação totalmente sem riscos.

Nos últimos dez anos, novas linhas de transmissão foram construídas, medidas de segurança foram idealizadas e um sistema de “ilhamento” foi concebido.

Por esse sistema, se uma linha cai, o restante não deveria ser atingido, fechando-se em si e garantido o abastecimento de áreas específicas.

Entre as medidas de segurança adotadas está a implantação de linhas de transmissão de reserva nas existentes, para serem acionadas em caso de falhas. O problema é que na noite da última terça-feira nada disso funcionou.

Em um movimento inédito, toda as linhas de Itaipu (inclusive a de reserva) entraram em colapso, e o sistema de “ilhamento” não funcionou completamente.

— A possibilidade de as cinco linhas de Itaipu caírem ao mesmo tempo é tão rara quanto alguém ganhar ao mesmo tempo na mega-sena e na loteria da Califórnia — disse o consultor Eduardo Bernini, ex-presidente da distribuidora Eletropaulo.

Sistema de ‘ilhamento’ já foi usado em réveillon Segundo um técnico do Operador Nacional do Sistema (ONS), o Rio recebe energia de Itaipu principalmente por duas linhas de transmissão de 500 Kilovolts (Kv). Quando essa energia deixou de ser transmitida, o sistema de segurança das usinas nucleares de Angra 1 e 2 desligaram as duas centrais, que estavam operando com cerca de 80% de capacidade. O técnico acredita que a falta repentina de um volume tão grande de energia fez com que o sistema de segurança que poderia “ilhar” o Estado do Rio, não funcionasse.

— Houve um problema em uma das linhas de corrente alternada de Itaipu, derrubando as demais. O sistema de segurança que deveria ter ilhado o problema não funcionou. Mas garanto que o sistema elétrico nacional é robusto, e o ocorrido não foi por falta de investimentos — disse o presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes.

Para o ex-secretário estadual de Energia do Rio e atual presidente da Cedae, Wagner Victer, o “ilhamento” seria uma alternativa viável porque o Estado do Rio produz mais energia do que consome. Assim, a energia que deixaria de ser recebida de Itaipu seria compensada pela energia das usinas nucleares de Angra 1 e 2, bem como a das cinco térmicas existentes no estado.

— Em 2001, 60% do abastecimento energético do Rio dependia de Itaipu. Hoje, o Rio tem um excedente de 20% em sua geração de energia — disse Victer.

Segundo ele, esse mecanismo foi acionado em sua gestão (1999-2006) durante festas de réveillon e deveria estar em pleno funcionamento para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016, para evitar problemas.

Falta de fiscalização deixa setor vulnerável, diz analista O sistema de abastecimento da região central de São Paulo (incluindo metrô e principais hospitais) também não foi acionado a tempo.

— O ilhamento existe no conceito e na prática, mas simplesmente não funcionou. É preciso identificar as causas do problema, e não tratá-lo como uma marolinha — disse Bernini.

Para o governo, o mecanismo de ilhamento não foi considerado um problema. Segundo Luiz Eduardo Barata, diretor de Operação do ONS, as ilhas devem A EQUIPE do Ministério de Minas e Energia, liderada por Lobão, explica as razões do blecaute: “descarga elétrica” Givaldo Barbosa funcionar depois de ocorrido o blecaute. Segundo ele, isso ocorreu.

Já as usinas de Angra demoram até 24 horas para serem religadas, como qualquer unidade nuclear, defendeu: — Houve um problema sério, mas o sistema funcionou corretamente.

Os sistemas do Norte, Nordeste e Sul se desligaram.

Ainda assim, os analistas recomendam aperfeiçoar o setor.

Para Marcos Alves,gerente técnico da Treetech Sistemas Digitais, empresa especializada em linhas de transmissão, o “ilhamento” tem de ser aperfeiçoado, bem como a modernização do sistema de fiscalização dos equipamentos.

Já o consultor de energia renovável e sustentabilidade da Trevisan, Antonio Carlos Porto Araujo, disse que o setor energético brasileiro é um dos mais seguros do mundo. Mas reconhece que há riscos em um sistema interligado com mais de 80 mil quilômetros de extensão: — A necessidade de transferência de grande bloco de energia por meio de interligação de sistemas regionais podem causar panes. O sistema é sujeito a ventania, raios, sabotagem, atentado, greve e falha humana.

O especialistas em energia Helder Queiroz, do Instituto de Economia da UFRJ, lembra que, no caso de um país de dimensões continentais como o Brasil, as longas linhas de transmissão ainda são a melhor opção.

— Pequenas linhas não seriam viáveis. Seria como se cada apartamento de um prédio tivesse sua própria caixa d´ água para usá-la apenas quando houvesse falta de água.

O presidente do Associação dos Operadores do Estado de São Paulo, Washington Maradona, alerta que a fiscalização do setor é falha. Segundo ele, as empresas privadas reduziram o efetivo de pessoal em quase 60% desde os anos 90 e a fiscalização feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é insuficiente, deixando o setor vulnerável Um ex-dirigente do sistema alerta que, para aperfeiçoar a segurança, a sociedade brasileira terá de pagar mais caro pela energia, para compensar o custo desses investimentos.

Inpe desmente a versão de Lobão

DEU EM O GLOBO

Uma análise do Inpe considerou mínima a chance de raios serem a causa do apagão. O Inpe não detectou raios capazes de provocar o desligamento da rede. Na hora do apagão, a tempestade mais próxima estava a 30km da subestação de Itaberá.

Tempo ruim na transmissão

Ministro Lobão diz que conjunção de fatores climáticos anormais causou apagão

Gustavo Paul, Mônica Tavares e Adauri Antunes Barbosa BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO

Chuvas, raios e ventos foram as causas do apagão que deixou às escuras — em alguns casos por mais de quatro horas, entre a noite de terça-feira e a madrugada de ontem — 18 estados brasileiros, afetou 45% do consumo de energia do país e colocou em ponto morto, pela primeira vez em 25 anos, todas as turbinas da maior hidrelétrica do mundo, Itaipu. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, alegou uma conjunção desses fatores, em escala acima do normal, como responsável pelo curto circuito em três linhas de transmissão que ligam Itaipu, no Paraná, à subestação de Itaberá, em São Paulo.

Esse evento desencadeou uma reação em cadeia no sistema elétrico, que desligou 15 outras linhas de transmissão.

Lobão participou de uma reunião com a cúpula do setor elétrico ontem para buscar as explicações para o maior blecaute brasileiro nos últimos dez anos. Para os presentes na reunião, o incidente poderia ter sido pior, atingindo maiores proporções e apagando todo o país. É o que diz o diretor de Operação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, que admitiu não haver garantias de que o problema não possa ocorrer de novo. Segundo especialistas, o sistema não é invulnerável.

— É pouco provável, já que esse tipo de evento não ocorre comumente, mas não há como dizer que isso não irá se repetir — disse Barata.

Segundo Lobão, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informou que houve uma concentração muito grande de efeitos meteorológicos na região naquele momento: — O Brasil é o país onde há maior concentração destes fenômenos.

Ele insistiu que o sistema brasileiro é robusto e que não haverá novos problemas.

Armado com uma tabela de outros apagões ocorridos no mundo, o ministro disse que o caso brasileiro não é fato um isolado, e que o sistema nacional se destacou pela agilidade. Ele citou apagões ocorridos em 2003 na Costa Leste dos EUA e no Canadá, quando a energia só foi recomposta em quatro dias, e na Itália, quando as luzes se apagaram por 24 horas: — O sistema brasileiro é muito bom, não é frágil e conseguiu se recompor rapidamente.

O governo descartou outras possibilidades para o apagão, particularmente um ataque de hackers.

— Estamos dizendo exatamente o que aconteceu — afirmou Lobão.

O desligamento de três linhas de transmissão de Itaipu desencadearam problemas em cascata. Para evitar que o problema se espraiasse e equipamentos fossem danificados em todo o país, o sistema elétrico desligou automaticamente as outras duas linhas de transmissão de Itaipu. Depois, foram caindo as linhas que ligam a subestação de Tijuco Preto (SP) à capital paulista e, de lá, as linhas para o Rio e o Espírito Santo. No mesmo instante, as usinas hidrelétricas paulistas foram apagadas. As últimas a sofrerem consequências foram as usinas nucleares de Angra 1 e Angra 2.

Esse efeito dominó foi a razão para que o Rio de Janeiro fosse o estado mais afetado pelo apagão.

— O Rio está na ponta do sistema — disse Barata, do ONS.

Ontem à noite, a operação das duas usinas estava voltando ao normal. Segundo o ONS também estão ligadas as termelétricas Termorio, Norte Fluminense e Leonel Brizola. As três foram desligadas ontem após a hora de pico.

Essas térmicas não foram acionadas no momento da crise, pois o governo achou que o problema teria solução rápida. Uma térmica leva cerca de quatro horas para ser ligada. O blecaute no Sistema Interligado Nacional teve início às 22h13m e causou o apagão total em quatro estados e parcial em outros 14. Ao todo, deixaram de ser gerados 28,8 mil MW de energia, ou 45% da energia demandada na hora.

Inpe: possibilidade de raio é remota

As panes ocorreram no sistema que liga a cidade de Ivaiporã, no centro do Paraná, a Itaberá, no sul de São Paulo, e em uma subestação que liga a Subestação de Itaberá a Subestação de Tijuco Preto, em São Paulo. Sem o funcionamento das cinco linhas de transmissão de Itaipu, as 18 turbinas da usina deixaram de gerar 12 mil MW.

A energia foi totalmente restabelecida uma hora após o início do blecaute, exceto nos estados do Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio e São Paulo, o que ocorreu só ao longo da madrugada. Sem estatísticas e dados detalhados sobre o apagão, Lobão não perdeu a oportunidade de criticar o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, salientando que o apagão de ontem é menor do que o ocorrido no governo passado: — Em 1999, desligou-se 70% da energia. Em 2002, foi 60% e agora apenas 40%. Nenhum governo fez tanto em investimento como o atual.

Apontada pelo Ministério das MInas e Energia como o epicentro do apagão elétrico, a pequena cidade de Itaberá (a 320 quilômetros ao Sul de São Paulo), permaneceu iluminada na terça-feira à noite, no momento do blecaute, segundo seu prefeito, Walter Sergio de Souza Almeida (DEM): — Eu nem sabia que o ocorrido tinha a ver com Itaberá. Aqui choveu à noite, mas não faltou luz e só aconteceu uma pequena falha.

Análise de técnicos do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sugere que são mínimas as possibilidades de um raio ter sido a causa do apagão.

“Embora houvesse uma tempestade na região próxima a Itaberá, com atividade de descargas no horário do apagão, as descargas mais próximas do sistema elétrico estavam a cerca de 30 quilômetros da subestação de Itaberá e a cerca de 10 quilômetros de uma das linhas de Furnas de 750 kV e cerca de 2 quilômetros de uma das linhas de 600 kV, que saem de Itaipu em direção a São Paulo”, informa nota do Inpe.

Segundo o coordenador do Elat, Osmar Pinto Junior, o apagão foi o segundo maior do país.

— Tudo indica que houve uma pane elétrica do sistema — disse. — Não significa que ele seja obsoleto ou que precise urgentemente de manutenção

Miriam Leitão:: Apagão mental

DEU EM O GLOBO

Há muitas lições a tirar do apagão. A mais urgente é que energia é um tema que não pode ser entregue à partilha política. O sistema brasileiro foi montado para prevenir um evento como este, ou então, ser capaz de remediar em minutos. Eram 5h15m de ontem quando chegou à Itaipu a informação do ONS de que podia gerar 100% da energia. O problema durara sete horas e dois minutos

Vários técnicos e dirigentes de empresas com quem a equipe desta coluna conversou disseram a mesma coisa: o espantoso é demorar tanto para explicar o que houve. A falta de diagnóstico rápido revela pouca coordenação e descontrole. O que assusta. A explicação oficial — e insuficiente — só chegou às 7h da noite.

Nas crises, fica ainda mais patético ter um ministro tão desligado do tema.

Edison Lobão disse inicialmente que era pane em Itaipu.

Não era; foi na linha de transmissão. Disse que em 2001 o sistema não era interligado.

Já era, há décadas; depois de 2001 foi reforçado.

Disse que o apagão foi causado por problemas meteorológicos.

O próprio governo depois negou. No início da noite, Lobão voltou a culpar o mau tempo. Isso é que dá escolher um ministro pela sua interligação com o sistema Sarney.

Ficou claro que há uma lista de tarefas a fazer: o país precisa aperfeiçoar o sistema de isolar o problema para evitar o efeito dominó. O mecanismo existe e deveria ter funcionado, explica Mário Veiga, presidente da PSR. Não funcionou e espalhou o sinistro por 18 estados.

Seja qual for a explicação que perdure, o fato é que no futuro haverá mais eventos climáticos extremos. Secas como a de 2001 podem ocorrer com mais frequência, seguidas de grandes tempestades.

O país depende muito de água nos reservatórios, e tem um sistema interligado.

Portanto, está duplamente vulnerável. Precisa de um planejamento energético que leve em conta as mudanças climáticas e que aumente a segurança. As decisões dos últimos anos tornam o país mais frágil, explica Adriano Pires, porque optou-se por manter o modelo de grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira, que exigirão linhões de transmissão e estarão interligadas ao sistema. Mário Veiga lembrou que as hidrelétricas do Rio Madeira não terão reservatórios.

Interligar o sistema é um avanço, na opinião de Veiga.

O necessário é ter um sistema eficiente que crie o “ilhamento” de eventuais problemas, disse Luiz Pinguelli Rosa. Veiga acha que o evento mostrou duas fragilidades: — O sistema não conseguiu prevenir o problema e demorou muito a remediar.

Em 2001, houve racionamento.

Falta de energia. Agora, houve apagão. São eventos totalmente diferentes. Um foi crise de abastecimento; o outro, colapso de algumas horas no sistema operacional.

Atualmente, há sobra de energia por dois motivos: muita água nos reservatórios por causa das chuvas abundantes; e a crise econômica que reduziu a demanda.

— A demanda estava crescendo a 5% ao ano. Em 2009, ficará estável. A crise anulou um ano de crescimento da demanda — explicou Mário Veiga.

Adriano Pires acha que o país tem que começar a pensar em smart grid, rede inteligente.

Na campanha, Barack Obama falou muito disso.

Significa ter computadores, em vez dos equipamentos hoje existentes, para controlar todo o sistema: — Os equipamentos de hoje são meio burrinhos e por isso é preciso trabalhar com folga de energia. Na rede inteligente, os computadores controlarão tudo e estarão ligados entre eles para evitar um problema como o de ontem.

Aumenta a eficiência, mas também o sistema não trabalha com folga alguma, o que pode ser perigoso.

O especialista Cyro Vicente Boccuzzi, do Fórum Latino-Americano de Smart Grid e da consultoria ECOee, tem uma visão um pouco diferente: — O sistema atual não tem desligamento seletivo. A energia é cortada em grandes regiões. Isso pode ser mudado com o uso da tecnologia da informação. É uma mudança cara, mas que todos os países estão analisando.

No limite, um sistema como esse, no meio de uma demanda excessiva ou falta de oferta, pode desligar a energia dos consumidores menos importantes para garantir fornecimento aos que não podem de jeito nenhum ficar sem ela. Desligar o arrefrigerado das casas, por exemplo, para que haja mais energia nos hospitais. Parece ficção científica, mas nos Estados Unidos os investimentos já começaram. Boccuzzi acha que o governo Lula está focando na oferta de energia e se esquecendo de modernizar a distribuição.

— Vamos construir usinas hidrelétricas que estão a dois mil quilômetros dos grandes centros de consumo. Teremos que construir uma rede imensa de transmissão, para levar um volume enorme de energia. Esse modelo é antigo e está sendo repensado em todo o mundo. Precisamos mudar a lógica econômica, criando incentivos para a geração local de energia pelas empresas e pelas próprias pessoas — afirmou.

Para isso, alerta o professor da Coppe, Djalma Falcão, é preciso modernizar a legislação que hoje impede que consumidores interliguem à rede geradores particulares.

Enfim, está na hora de um bom debate sobre energia.

Ele tem que ser técnico e atualizado. Infelizmente, o debate no governo será politizado e desatualizado. O pior e mais duradouro tem sido o apagão mental.

Com Alvaro Gribel e Bruno Villas Bôas

Presidente e ministra já tinham garantido não haver risco de apagão

DEU EM O GLOBO

Presidente fez declaração em março e ministra, há duas semanas


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha dito, em março deste ano, que não haveria mais “risco de apagão em hipótese alguma no Brasil”. A declaração foi feita no programa semanal “Café com o presidente”, transmitido pela Radiobrás.

No entanto, na noite de terça para quartafeira, um desligamento de três linhas de transmissão de energia entre Paraná e São Paulo deixou totalmente sem energia os estados de São Paulo, Mato Grosso o Sul, Rio e Espírito Santo, além de ter afetado parcialmente outros 14.

No dia 23 de março, ao comentar a inauguração do terminal de gás natural liquefeito, na Baía de Guanabara, Lula garantiu que o suprimento de energia estaria assegurado para todo o país: — Não corremos risco de apagão em hipótese alguma no Brasil — disse então.

Otimismo presidencial em inauguração no Rio Na ocasião, o presidente explicou que o terminal de gás natural liquefeito permite importar gás natural para uso em termelétricas nos momentos em que faltar água nos reservatórios das hidrelétricas.

— Depois do apagão que nós tivemos em 2001, porque não tínhamos linhas de transmissão para transportar energia de lugares que tinham excesso de energia para lugares em que faltava energia, como São Paulo, teve muita gente que começou a dizer que o Brasil ia ter apagão desde 2001 até agora. O fato concreto é que, com esse terminal de gás natural liquefeito na Baía da Guanabara, a gente dá sinal para o Brasil de que não haverá problema de energia no Brasil, porque quando nós estivermos com os lagos das nossas hidrelétric as vazios, que não estiverem produzindo energia, nós poderemos acionar a termelétrica a gás e ela vai produzira energia de que o Brasil necessita — acrescentou o presidente.

A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, também garantira que não faltaria energia. Há duas semanas, Dilma disse que não haveria apagão de energia elétrica no Brasil. Em declaração ao programa da Radiobrás “Bom dia, ministro”, Dilma afirmou que não havia esse risco porque, s egundo ela, o governo volt ou afazer planejamento, prevendo a necessidad e demais fornecimento de energia no país e realizando investimentos para atender a essa demanda.

— Nós também temos uma outra certeza: que não vai ter apagão. É que nós hoje voltamos a fazer planejamento.

Então, olhamos qual é a necessidade que o Brasil tem de energia nos próximos cinco anos. Ao olharmos isso, providenciamos as usinas que são necessárias para o Brasil. Se o país crescer a quatro, se crescer a cinco, se crescer a seis por cento ao ano, terá essas usinas disponibilizadas.

É assim que funciona — disse ela, em entrevista no dia 29 de outubro.

Falha localizada e efeito dominó no sistema No entanto, o que se observou na noite de terça-feira e na madrugada de ontem é que, mesmo com esse planejamento e água suficiente nos reservatórios, como afirmou a ministra, não foi possível evitar a falta de luz na maior parte do Brasil. O blecaute revelou que, como o sistema brasileiro de energia é todo interligado, qualquer falha em uma linha localizada pode provocar um apagão generalizado, num efeito dominó.

Como explica a colunista Míriam Leitão, a interligação do sistema começou a ser feita pelos militares e, depois do apagão de 2001 — quando sobrou água em algumas hidrelétricas do país, enquanto faltou em outras —, o Brasil reforçou essa ligação.

A ideia é que, se faltar energia num lugar, seja possível trazêla de outro imediatamente.

Mas, na crise de terça para quartafeira, o sistema interligado mostrou-se vulnerável a falhas em linhas localizadas.

'Nunca antes na História'

DEU EM O GLOBO

Serra e líderes da oposição criticam

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O apagão elétrico levou ontem a oposição, na Câmara e no Senado, a propor a convocação imediata do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, e também da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, apontada como a mãe do marco regulatório do sistema energético brasileiro. Enquanto os governistas tentavam minimizar o problema, atribuindo a queda de energia a problemas climáticos, os oposicionistas aproveitaram para fazer discursos recheados de críticas à atual gestão — sempre buscando colar Dilma ao apagão.

— Nunca antes na História deste país tivermos um apagão de tamanha proporção.

Deve-se, com certeza, ao brilhantismo da primeira ministra de Minas e Energia, que pilotou esse processo de organização do sistema elétrico — provocou o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

— Suponho que esse apagão é apenas a ponta do iceberg.

Produto de um marco regulatório defeituoso, que foi comandado há cerca de cinco anos pela ministra Dilma, inibindo investimentos públicos e privados — reforçou o líder do DEM, José Agripino (AM).

Em São Paulo, O governador José Serra, pré-candidato do PSDB a presidente, criticou a falta de investimento do governo federal no setor elétrico.

— O sistema mostrou-se vulnerável. Precisamos saber as causas, mas é indiscutível ver que o sistema mostrou-se vulnerável. Paralisar todas as turbinas de Itaipu é um fato inédito na nossa História. Pegar quase a metade da carga elétrica do Brasil é um fato inédito também. O que se tem de fazer é corrigir isso.

Serra contou que há um ano e meio enviou um ofício ao Ministério de Minas e Energia destacando sua opinião sobre os investimentos mais importantes: — O que se quer também agora é saber o que aconteceu.

O governo federal deve trazer essa explicação.

Até agora não há uma coerência nessas explicações, não há entendimento a respeito delas. Itaipu diz uma coisa, o ONS diz outra, e o ministério, outra. E estamos sem saber o que aconteceu — disse ele.

Líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR) defendeu Dilma: — O que aconteceu foi um acidente. Dilma ainda não faz chover ou trovejar. Ela é a mãe do PAC e não do tempo.

Para o líder do PT, senador Aloizio Mercadante (SP), Lobão deve comparecer ao Congresso, mas não Dilma

Lula teme efeitos e tenta blindar Dilma

DEU EM O GLOBO

O apagão caiu como uma bomba no Planalto. O presidente Lula tentou blindar a ministra Dilma Rousseff, sua candidata à Presidência e que comandou a área de Minas e Energia, e ressaltou que o blecaute de anteontem foi diferente do de 2001, no governo FH. Tanto Lula como Dilma tinham garantido que o país não sofreria apagão. A oposição criticou duramente o governo. O governador José Serra (PSDB) cobrou explicações.

Lula tenta blindar Dilma e marcar diferença com 2001

Apagão caiu como uma bomba no Planalto, que teme efeitos na pré-candidatura da ministra, que já chefiou setor

Gerson Camarotti, Chico de Gois e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. O apagão de terçafeira à noite e madrugada de ontem caiu como uma bomba no Palácio do Planalto. Irritado e, ao mesmo tempo, preocupado em blindar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, contra ataques da oposição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou providências imediatas para que esse tipo de problema não se repita. A integrantes do governo e líderes da base aliada no Congresso, Lula deu a seguinte orientação: é preciso explicitar bem as diferenças entre o blecaute de 2001, que desgastou a administração tucana de Fernando Henrique, e o de agora.

O presidente fez questão de exercer esse papel. Em entrevista após almoço com o presidente de Israel, Shimon Peres, no Itamaraty, Lula descartou que o apagão tivesse ocorrido devido a problemas na geração de energia ou por falta de investimentos.

Ele afirmou que, em sete anos de seu governo, foram feitos 30% de todas as instalações de linhas de transmissão de energia no país em relação a 123 anos de História.

— É importante que a gente não faça nenhuma tese, mas sim que constate o fato. E, com o fato, a gente possa melhor informar à sociedade brasileira. O que aconteceu em 2001 era que a gente não produzia energia suficiente e não tinha linha de transmissão para interligar todo o sistema elétrico brasileiro — disse Lula. — Portanto, fizemos não apenas um forte investimento no setor de transmissão de energia, como um forte investimento na modernização do sistema energético.

Lula disse que não arriscaria, naquele momento, um palpite sobre as causas do apagão: — Também não quero culpar ninguém antecipadamente. Não vou chutar nesse assunto.

Nos bastidores, integrantes da cúpula do governo admitiram que a repercussão do episódio foi extremamente negativa, já que explicitou uma falha grave do sistema interligado. Um ministro chegou a comentar ontem que, se o apagão tivesse ocorrido no período eleitoral, seria um desastre para Dilma.

Houve um cuidado especial em blindar a ministra. O Planalto identificou que a oposição começaria a usar o apagão para atingi-la, principalmente porque ela foi ministra de Minas e Energia, é a arquiteta do novo marco regulatório do setor e, até hoje, tem grande influência na área.

Na estratégia de Lula, segundo interlocutores, a ideia é rechaçar até o uso da palavra apagão, afirmando sempre que foi um blecaute e que nada tem a ver com as condições do apagão ocorrido na era FH.

— Não houve problema de apagão, e sim um problema técnico menor, que foi resolvido imediatamente. Em quatro horas, a energia estava retomada.

Isso é bem diferente do racionamento de 2001. Se a oposição tentar comparar as duas situações, será um grande equívoco — disse o líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza (SP), que estava em reunião com Lula para discutir o pré-sal na hora em que houve o apagão.

O ministro Lobão ainda teve que contornar um problema político, já que houve irritação de peemedebistas com declarações de assessores de Itaipu repassando a culpa a Furnas, controlada pelo partido.

Parlamentares aliados afirmaram que, se a causa do apagão for um problema estrutural, haverá custo político. Se foi um acidente, o governo conseguirá proteger Dilma.

Segundo um interlocutor do presidente, horas antes da reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, Lula foi enfático: se houvesse culpados, que estes fossem apontados.

— O presidente pediu nome e sobrenome. Disse que não admitia o fato de ninguém saber exatamente em que local houve o bloqueio.

Presidente estava reunido com Cabral e Hartung Lula ficou sabendo do apagão durante uma reunião com os governadores do Rio e do Espírito Santo, Sérgio Cabral e Paulo Hartung. Ele cobrou explicações de Lobão, presente ao encontro. O ministro fez ligações e, após cinco minutos, disse que questões meteorológicas haviam interferido na linha de transmissão de Itaipu.

— Quero mais informações.

Quero saber os detalhes — cobrou Lula.

Antes de deixar o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória da Presidência, ele voltou a deixar todos em alerta: — Telefonem para mim a qualquer hora

Dilma foi alertada pelo TCU sobre risco de "apagão". PPS cobra explicações da ministra

DEU NO PORTAL DO PPS

Coruja disse que começa a ser desconstruída a imagem de Dilma.

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, recebeu em julho passado recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) para que ela verificasse a adequação da estrutura dos órgãos ligados ao setor elétrico, inclusive do próprio ministério de Minas e Energia, para o planejamento, expansão e regulação e desenvolvimento da área para afastar os riscos de um apagão de energia.

A sugestão consta de um acórdão assinado (1543/09) pelos nove ministros daquela Corte que fez, a pedido do próprio governo, uma auditoria no setor. O documento entregue à Casa Civil recomenda que o governo “reforce” a atuação do ministério, da empresa de Pesquisa Energética (EPE) e que promova alterações na estrutura de pessoal da Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica.

“Esse reforço deve ter continuidade sob o risco de haver no futuro graves prejuízos à nação”, justificam os ministros.

Diante da possibilidade de agravamento da situação num setor crucial para o país, a advertência do órgão de fiscalização ao governo Lula vai além: “O TCU escolheu como tema de mais significância em 2008 a segurança enérgetica”.

De posse do documento, o líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC), quer saber se a ministra Dilma Rousseff tomou e qual foi a providência após o alerta dado pelo Tribunal de Contas.

“Este governo está mais preocupado em desmoralizar um órgão que faz advertências como estas do que com o gerenciamento do país. Precisamos ver se essas recomendações foram ignoradas pela futura candidata do PT”, critica o parlamentar do PPS.

Coruja disse que começa a ser descontruída a imagem de Dilma de que ela é boa técnica - atributo sempre invocado pelos petistas quando tentam "vendê-la" como pré-candidata ao Palácio do Planalto em 2010.

“Esse blecaute pode ofuscar seriamente a candidatura dela porque é um macroincidente e que traz consequências internas e repercussões internacionais”, acrescentou o líder, rebatendo a desastrosa declaração dada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que minimizou o apagão desta terça-feira. O petista disse que o fato de que 18 unidades da federação terem ficado sem energia por vários horas, deixando milhões de pessoas prejudicadas e prejuízo para todos os lados era apenas um microproblema.

Aneel

O TCU observou ainda que o poder da Aneel deve ser fortalecido para ela possa desempenhar suas atribuições com qualidade. E alerta para um grave problema dos governos: o contingenciamento de recursos. O Tribunal diz que, dos R$ 365 milhões da dotação destinada à Agência em 2008, menos da metade (R$ 150 milhões) foi efetivamente investido naquele órgão.

Bom dia! - Vê se Gostas de Waldyr Azevedo - Roda de Choro de Lisboa