segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ricardo Noblat: O que Maria levou

DEU EM O GLOBO

O que é que Maria levou com a nossa intervenção na crise de Honduras? Publicações internacionais de peso disseram que o Brasil aumentou sua presença na América Central em detrimento, por exemplo, do México. E que atuou de forma mais ativa do que os Estados Unidos.

Mas isso foi antes do fim da crise. Ela acabou sob o signo de Barack Obama.

A se acreditar em Lula, entramos na crise sem querer quando Manoel Zelaya, o presidente deposto de Honduras, materializou-se há pouco mais de 40 dias dentro dos jardins da embaixada brasileira em Tegucigalpa. De nada sabíamos. Hugo Chávez, presidente da Venezuela e mentor de Zelaya, sabia de tudo. E providenciara os meios para que Zelaya batesse de repente à nossa porta.

Como negar o que Zelaya pedia? Que era bem o quê? Asilo não era. Zelaya havia sido deportado para a Costa Rica pelos militares no dia 28 de junho passado tão logo fora deposto pela Suprema Corte de Justiça. Ele voltou e pediu abrigo ao governo brasileiro. Além de ampla liberdade para usar a embaixada como escritório político. Ali comandou reuniões e concedeu entrevistas – o que um asilado não poderia fazer.

Dali emitiu ordens para manifestações contra o governo de fato de Honduras presidido por Roberto Micheletti, eleito por votação unânime do Congresso para sucedê-lo. Na verdade, o governo Lula acreditou que Zelaya tinha mais força política do que ele demonstrou. E que Micheletti não duraria tanto tempo no cargo enfrentando sanções econômicas e a condenação da comunidade internacional. Enganou-se.

A derrubada de Zelaya foi legal, segundo a Constituição. Afinal ele tentara mudá-la para introduzir a reeleição de presidente. A deportação foi ilegal. Micheletti resistiu mais do que se supunha. E o governo Barack Obama pressionou menos do que se esperava. De todo modo era preciso encontrar uma saída que salvasse muitas faces – a americana, influente no pedaço, a do resto do mundo e a da democracia hondurenha.

O tempo e o calendário eleitoral contribuíram para que se chegasse ao acordo anunciado na última sexta-feira. Está marcada para o próximo dia 29 a eleição do sucessor de Zelaya. Que tomará posse no dia 27 de janeiro. Manda a Constituição que a partir de hoje o comando das Forças Armadas obedeça à Suprema Corte de Justiça. A sorte de Zelaya será decidida pelo Congresso ainda esta semana.

O acordo prevê que o substituto de Micheletti comande um governo de união nacional até que o futuro presidente instale o seu. Mas não prevê que o substituto seja Zelaya. Micheletti e Zelaya pertencem ao Partido Liberal, que está rachado quanto ao retorno de Zelaya ao cargo. Ele só se dará se quiser o Partido Nacional, chefiado por Porfírio Lobo. Há quatro anos, Lobo perdeu a eleição para Zelaya. É de novo candidato – e dessa vez deve ganhar.

Foi com ele que se reuniu Thomas Shannon, subsecretário de Estado americano para a América Latina, antes de anunciar o desfecho da crise. Shannon arrancou de Lobo a promessa de que os liberais votarão a favor da restituição de Zelaya. Por sua vez, Lobo arrancou de Shannon a garantia de que os Estados Unidos reconhecerão a legitimidade das eleições hondurenhas quer Zelaya seja devolvido ao poder ou não.

Na tarde do último sábado, o deputado Ramón Velásques, secretário do Congresso, deu uma medida da “boa vontade” dos seus colegas com Zelaya. “Se nossa decisão for a de nomear um substituto para Zelaya na presidência, não vejo razão para que seja ele”, argumentou. “A restituição de Zelaya é uma questão jurídica e o Congresso é uma instituição eminentemente política”.

O que Maria levou mesmo com a crise de Honduras? Revelou-se uma boa hospedeira. Ganhou espaço favorável na mídia internacional. Meteu-se de forma acintosa nos assuntos internos de outro país, o que fere antigos tratados. Na hora H, não foi ouvida nem cheirada sobre o acordo que pôs fim à crise.

Lula propõe limitar TCU

DEU NO ZERO HORA (RS)

Planalto está disposto a criar câmara técnica para discutir paralisação de obras federais

Preocupado com as constantes paralisações de obras federais por suspeitas de irregularidades, determinadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o Planalto já estuda a criação de uma câmara técnica para resolver pendências relacionadas ao tribunal.

Conforme reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, levou a proposta ao presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, e ao ministro José Múcio Monteiro e aguarda uma manifestação. O Planalto considera haver atuação política contrária aos interesses do governo no TCU, visto que, dos nove membros, cinco são ex-políticos oposicionistas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu também ordem para que sejam respondidos imediatamente todos os questionamentos em relação às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o conjunto de empreendimentos que deverá servir de alavanca para a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência, no ano que vem. A determinação de Lula levou a Casa Civil, que supervisiona o PAC, a rebater um a um todos os questionamentos relativos ao programa.

Aguiar, ex-deputado pelo PSDB, disse que ainda não foi procurado pelo governo para tratar da câmara técnica.

– Tudo o que sei a esse respeito veio da imprensa – afirmou.

A assessoria do TCU complementou a informação, dizendo que a ideia é uma repetição da iniciativa de Rui Barbosa, de um órgão independente para fiscalizar o Executivo – ou seja, o próprio TCU.

Novo colegiado reuniria TCU, MP e governo

De acordo com um auxiliar de Lula, há no Planalto uma tentativa de “enquadrar a garotada” que teria tomado conta do TCU e do Ministério Público, paralisando obras sem seguir critérios nem atentar para os prejuízos. Há até a decisão de buscar mecanismos que levem os responsáveis por suspensões sem necessidade de responder a sindicâncias administrativas.

– Queremos que a fiscalização continue, mas com critérios. A ideia da câmara técnica, que reunirá integrantes do Executivo e do TCU e, quando for o caso, do Ministério Público, não é para fazer acertos, mas para resolver as pendências de forma mais rápida e transparente, com ata e o que for necessário. Chega de penalizar a sociedade com embargos de obras para depois concluir que não havia irregularidade – disse Bernardo.

Fernando de Barros e Silva: As razões de Aécio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Aécio Neves inicia qualquer conversa sobre a sucessão de Lula dizendo que não há hipótese de que ele e José Serra não estejam juntos em 2010. Quem apostar o contrário irá perder, como erraram aqueles que lá atrás previam a sua ida para o PMDB.

Feita a introdução, o governador de Minas por ora não só recusa a vaga de vice na chapa tucana, como deixa claro que segue disposto a submeter ao partido a alternativa de sua candidatura à Presidência. Aécio reconhece que Serra, líder nas pesquisas, é hoje o nome mais forte do PSDB, mas, a despeito disso, acredita reunir vantagens comparativas em relação ao paulista.

Primeiro, maior capacidade para dissolver a disputa plebiscitária pretendida pelo governo.

Serra fatalmente acabará refém da comparação entre Lula e FHC, enquanto Aécio julga ter condições de desmontar essa armadilha, apresentando-se como o nome do pós-Lula. É preciso admitir os avanços, sobretudo na área social, mas é hora de encerrar esse ciclo político que se exauriu e dar ao país um governo mais profissional, diz Aécio. Nem Lula nem anti-Lula, eis o segredo.

O mineiro se vê, além disso, com mais condições de agregar forças políticas e atenuar a vantagem do lulismo no Nordeste, atraindo para a oposição parte da base que hoje tende a fechar com Dilma Rousseff sem convicção. PP, PTB e um pedaço do PSB de Ciro Gomes seriam sensíveis à conversa do mineiro. Embora admita ser difícil, ele acredita que teria inclusive como evitar a aliança formal entre PT e PMDB.

Ainda a seu favor, Aécio teria o estilo jeitoso, que agrada a políticos e a empresários, e a boa estampa, que ajuda a compor um personagem na TV. O excesso de aventuras na vida pessoal talvez seja seu ponto fraco numa disputa tão dura.

Aécio sabe que o jogo pende para Serra e está disposto a apoiá-lo. Será, neste caso, candidato ao Senado. Só não aceita esquentar o banco de reserva até o fim de março para eventualmente ser chamado diante da desistência do titular.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Lulismo: Para além do PT - Rudá Ricci

Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa.

1. O Lulismo em sua versão acabada

Durante a primeira gestão do governo Lula procurei construir os contornos do que denominei de lulismo (cf. Lulismo: três discursos e um estilo), como sendo um método de gerenciamento político que unia, paradoxalmente, o pragmatismo sindical metalúrgico, o burocratismo partidário e o liberalismo econômico. No final de seu sétimo ano de governo, o lulismo já se configura mais nitidamente.

O pragmatismo sindical e a-ideológico parece evidente e casou completamente com o modelo de coalizão presidencialista, que envolve uma gama imensa de partidos. Algo que, na prática, formata uma espécie de gestão de tipo parlamentarista. Também se aproxima da federação de partidos, proposta natimorta da reforma política inscrita na PL 2.679/2003, que procurava superar as coligações eleitorais naquilo que tinha de efêmero, exigindo que se mantivessem no período pós-eleitoral. O pragmatismo foi além e desnorteou grande parte das organizações populares do país, porque não possui uma agenda de esquerda. O foco está na consolidação de direitos já garantidos em lei o que, na prática, amplia o espectro social daqueles brasileiros que podem ser considerados efetivamente cidadãos. Uma versão governamental do “business union”, o sindicalismo de negócios dos EUA que no Brasil recebeu a alcunha de sindicalismo de resultados. Lembremos que esta concepção foi introduzida no Brasil por Luiz Antonio Medeiros, em 1987, quando concedeu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. Nesta entrevista afirmou: “Desde que saia um acordo bom para os trabalhadores, não interessa se ele foi conseguido por abraços com Mário Amato ou por uma greve de 40 dias.” Medeiros é, hoje, Secretário de Relações do Trabalho, no Ministério do Trabalho. Luiz Werneck Vianna, se apropriando das teorias gramscianas, sugere que este movimento se aproxima do conceito de “revolução passiva” ou “modernização reacionária”.

Retomarei este tema mais adiante.

O legado da burocracia partidária sofreu algumas mutações. Havia, no início do lulismo, uma nítida influência do “habitus” das organizações clandestinas do período do regime militar, plasmado na liderança de José Dirceu, então dirigente da Casa Civil. As negociações para montagem da coalizão presidencialista assumiam um viés castrista, de controle progressivo sobre a base aliada. Por aí, toda lógica participacionista do petismo e da Constituição de 88 foi abandonada porque não dialogava com o centralismo da lógica burocrática. Mas com o ostracismo de José Dirceu, o burocratismo se transmutou. O participacionismo foi expurgado de vez da prática do lulismo. Mas o que era antes uma espécie de neo-leninismo, uma simbiose entre Estado, Governo e Partido(s) – que o próprio Lênin admitiu e condenou em seu último texto, intitulado “Vale quanto Pesa” – foi redesenhado para uma lógica de Governo, aproximando-se, mais uma vez, da lógica parlamentarista. Os partidos aliados, na prática, perderam sua energia crítica e inovadora. São governistas. Basta uma rápida análise sobre a propaganda partidária da base aliada: é a agenda do governo. O lulismo tentou construir uma agenda de Estado. Mas PAC, Bolsa Família (e outros programas de transferência de renda) e aumento de salário mínimo não chegam a constituir uma agenda de longo prazo, tratando-se mais de uma plataforma inicial para o desenvolvimento, um start. O lulismo não conseguiu alinhar-se ao conceito de sustentabilidade. Nâo conseguiu elaborar uma agenda educacional, que ficou restrita ao aumento do acesso e controle da qualidade do ensino universitário. Não relacionou projeto educacional à formulação do papel de liderança no continente. Nem mesmo inovou na formulação de currículos focados na consolidação de cultura cidadã, mesmo tendo á sua disposição várias experiências de Estado, como a Política Nacional de Educação Fiscal (PNEF). Não avançou porque para o lulismo o participacionismo não interessa. Por este mesmo motivo abandonou as audiências públicas para definir o Plano Plurianual (PPA) ou controlar o orçamento. Aumentou o número de conferências de direitos, mas fragmentou as pautas em temas específicos e raramente incluiu as deliberações deste ritual assembleístico em orçamentos e programas. As deliberações das conferências nunca foram prioridade da agenda lulista.

A mudança mais significativa, contudo, foi o liberalismo econômico – traduzido na Carta ao Povo Brasileiro, de 2002 – para o desenvolvimentismo economicista (embora assessores de Lula procurem emplacar um meio aforismo: desenvolvimentismo social). O foco é a ampliação do mercado interno e da produção nacional. Uma plataforma já empregada pelo fordismo norte-americano, que o lulismo pega emprestado, reproduz e dá sua contribuição a partir dos itens destacados anteriormente. O Brasil cresce para a América Latina a partir do mercado interno.

Recentemente, aumentou sua atuação e demonstração de força na região, assumindo parte do papel de garantidor de certa Ordem Democrática que era prerrogativa dos EUA. O Mercosul, neste sentido, perdeu predominância na política externa brasileira, mesmo com a campanha pelo ingresso da Venezuela no nosso mercado comum. O PAC é o carro-chefe do lulismo nesta dimensão econômica. Deverá ser prorrogado em diversas novas versões, pela lógica lulista, assim como já ocorre com o Bolsa Família (que gerou o Bolsa Cultura e deverá se desdobrar em outras políticas de fomento na construção do fordismo tupiniquim).

E o estilo continua o do flerte com a dominação carismática. A melhor tradução do socialismo moreno, sonho de Leonel Brizola.

É por aí que alguns fóruns e autores (com Luiz Werneck Vianna á frente) procuram comparar o varguismo ao lulismo. Seriam, lulismo e varguismo, início e fim de um mesmo projeto: o de administrar o atraso e promover uma agenda reformista que provoque a superação de uma sociedade arcaica (ou híbrida) na direção da sua modernização. Modernização tardia (porque originada de um capitalismo peculiar, híbrido) liderada por um partido de origem operário-popular (Gramsci chegou a destacar que o centro nunca daria lugar a um partido “histórico”, mas poderia servir a um partido deste tipo, mais uma coincidência com a prática lulista).

2. O lulismo seria o vetor da revolução passiva tupiniquim?

Gramsci, ao criar o conceito de revolução passiva pensava, obviamente, na sua Itália, um país que, como afirmava, possuía uma sociedade “gelatinosa”, onde as clivagens sociais não se expressavam nitidamente, onde tradição e laços feudais se misturavam ao mundo fabril e racional. Luiz Werneck Vianna, em Revolução passiva e americanismo em Gramsci (Cf. http://www.lainsignia.org/2007/marzo/cul_006.htm), ao explicar a origem do conceito em Gramsci, recorda que a peculiar modernização tardia da Itália criaria uma

“forma do Estado derivada de uma solução de compromisso entre as elites industriais e agrárias, cada uma ocupando uma base territorial própria — as industriais, o norte; as agrárias, o sul. O domínio burguês não estaria dotado de capacidade de universalização, fusão de particularismos, faltando-lhe um “caráter unitário e uma função unitária” (...)

Tal particularidade, deixaria a periferia européia do capitalismo sob uma dupla lógica: “russa”, pela perspectiva do “elo mais fraco” e da “vantagem do atraso”; e especificamente européia, uma vez que os setores subalternos, principalmente no campo, por meio da mediação de estratos intermediários, mantinham vínculos político-sociais com as classes dominantes, estando sob a sua influência, interditando ao proletariado um acesso direto ao campesinato. (...) O caminho de afirmação do capitalismo europeu ter-se-ia dado em um ambiente “demográfico não-racional”, expresso na existência de “classes numerosas sem uma função essencial no mundo da produção, isto é, classes totalmente parasitárias” (a nobiliarquia agrária e os estratos superiores da burocracia, nas elites dominantes, e o campesinato e a população urbana marginal) seriam incluídas nos sistemas da ordem por vias extra-econômicas, supra-estruturais, quando a sua posição relativa quanto ao Estado seria determinante da forma de apropriação dos recursos sociais e do tipo de controle social a que estariam sujeitas: a hegemonia das classes dominantes seria obra fundamentalmente da política.

Vianna sugere que enquanto a sociedade americana desenvolvia-se a partir de uma estrutura racional, nitidamente capitalista, onde a fábrica era o locus do desenvolvimento de toda nação, nos países europeus com capitalismo tardio (Itália, Rússia e Alemanha, em especial) não havia tal associação entre estrutura social, dominação fabril-capitalista e Estado-política. O conservadorismo europeu se explicaria, em relação aos EUA, a partir daí, onde a cultura e a política “desde cima” dominariam o mundo social e econômico, bloqueando a livre expressão das classes produtivas “no sistema das agências privadas de hegemonia”. Daí a modernização capitalista ter que ocorrer “pelo alto”, gerando o que Gramsci denominaria de Estatolatria (em Claus Offe, adota-se o conceito de estatalização), um Estado sobreposto à sociedade civil:

“[...] a ‘estatolatria’ não deve ser entregue às suas próprias forças, nem deve, sobretudo, se converter em fanatismo teórico e se conceber como ‘perpétua’: ela deve ser objeto de crítica, precisamente para que se desenvolvam e se produzam novas formas de vida estatal, nas quais a iniciativa dos indivíduos e dos grupos seja ‘estatal’, embora não derivada do ‘governo dos funcionários’ (isto é, conseguir uma geração espontânea da vida estatal)”.

Num vôo livre, o lulismo cumpriria tal papel? A resposta afirmativa explicaria a falta de identidade com o participacionismo porque assume declaradamente o papel de demiurgo da modernização. Também explicaria sua base discursiva que exerce este papel de “ponte” entre culturas e hábitos sociais, acabando com a ideologização da disputa partidária do período anterior, quando o lulismo nem mesmo se esboçava, encoberto pelo petismo, um amálgama entre teologia da libertação, marxismo revisado e teorias libertárias (como de Guatarri e outros autores citados pelos intelectuais filiados ao PT que, na origem do partido, mantinham grande destaque nas formulações programáticas).

Neste sentido, lulismo e serrismo se aproximam em muito. Ambos são desenvolvimentistas e colocam o Estado acima da sociedade civil. O serrismo é mais racional-legal, para utilizar um conceito caro ao weberianismo. O lulismo é menos puro, embora o carisma seja mais uma estampa que uma estrutura programática ou política. O lulismo, por aí, é operacionalmente mais estruturado para fazer a transição do Brasil Profundo para o aggiornamento do nosso capitalismo tardio. O serrismo é o discurso do Brasil mais urbanizado e incluído no mundo globalizado. Ambos caminham na mesma direção. A diferença é a capacidade de construir um discurso hegemônico, que convença a todos ou à grande maioria do mosaico social e cultural brasileiro, este hibridismo cultural que adotou o mundo moderno sem superar efetivamente valores morais e estruturas tradicionais, tal como sugeriu Néstor Canclini. O problema é que nenhum dos possíveis sucessores de Lula têm, hoje, predicados que mantenham a lógica e a consistência discursiva do lulismo. O que pode sugerir o lulismo como obra inacabada.

Assim como ocorreu com o getulismo. O velho problema da criatura se confundir com o criador.

A fina fronteira entre campanha e realizações

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Responsáveis pelos conceitos dos programas partidários que vão ao ar no fim do ano quebram a cabeça para conseguir dar visibilidade a pré-candidatos ao Palácio do Planalto sem que pareça propaganda antecipada
Tiago Pariz

O PT cogita reduzir a participação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, no próximo programa de televisão que vai ao ar em 10 de dezembro. Com o objetivo de mostrar como as realizações da administração do presidente Lula se confundem com o partido, a peça foi construída sob a sombra das críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em torno dos limites entre divulgação de obras do governo e antecipação de campanha.

No processo inicial de levantar ideias, prefeitos e parlamentares petistas defendiam que seria uma ótima oportunidade para transformar Dilma na estrela das peças publicitárias. A cúpula da legenda, contudo, entendeu que seria melhor poupá-la e diluir sua participação com a de Lula e de outros petistas. A proposta é insistir que Lula representa o PT e vice-versa. Pesquisas internas do partido mostram que setores da população dissociam a imagem do presidente da do partido. Colar novamente as duas figuras faz parte da estratégia de transferência de votos, considerada essencial para a vitória da pré-candidata na eleição do ano que vem.

O PT tem direito a três inserções que vão ao ar em 3, 5 e 8 de dezembro, além de uma peça mais longa, de 10 minutos. A transmissão em cadeia de rádio e de televisão do programa está marcada para o dia 10. “A nossa proposta é cumprir a legislação num programa conceitual sobre a divulgação da doutrina e dos princípios do partido e do governo”, disse o presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP).

Outra mudança prevista no programa de dezembro é a redução dos convidados. Apesar da boa aceitação entre os militantes da última peça, que trouxe depoimentos de várias figuras do governo, a proposta é apresentar mais imagens e mostrar como o governo conseguiu superar a crise, classificada pelo presidente Lula como apenas “uma marolinha”.

Berzoini insistiu ser praxe os programas do partido mostrarem os “líderes, um governador ou prefeito e pessoas de destaque do governo”. Ele ressaltou que o conceito final dos programas ficará mais próximo da definição nesta semana. “Nós ainda vamos refinar”, disse. O secretário nacional de Comunicação, Gleber Naime, explicou que o projeto visa unir Lula e PT. “O programa vai mostrar que as realizações do governo do presidente Lula têm tudo a ver com o PT”, sustentou.

Em programas recentes, Ciro Gomes (PSB-SP) e Marina Silva (PV-AC), também pré-candidatos, apareceram com destaque nas veiculações de suas legendas.

Críticas

O ministro Gilmar Mendes criticou o presidente Lula e a ministra Dilma pela viagem de fiscalização de obras da transposição do Rio São Francisco. Ele questionou a confusão entre as ações do governo com campanha eleitoral antecipada. Os petistas reagiram às alfinetadas do presidente do STF e disseram que ele extrapolava a função em seus comentários. Nesse embate de governo versus Justiça, até o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), saiu em defesa da divulgação de ações do governo.

Os tucanos também preparam um programa de televisão para 3 de dezembro. A ideia dos marqueteiros é colocar Serra e o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, dividindo as inserções. O objetivo é mostrar que não há animosidade entre os dois pré-candidatos tucanos à Presidência da República. Ambos divergem em relação ao momento ideal para o PSDB definir quem irá concorrer. O mineiro quer antecipar a escolha para dezembro e ameaça se lançar ao Senado em janeiro se até lá o partido não chegar a um consenso. O paulista quer empurrar para março a decisão.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), tenta construir um entendimento entre os dois, apesar da resistência de Serra, e é favorável à demonstração de unidade no programa gratuito de televisão. A proposta foi formulada por Luiz Gonzales, aliado de Serra, e por Paulo Vasconcelos, o marqueteiro por trás das campanhas do governador de Minas Gerais. Se não houver consenso na gravação da imagem de união, cada um dos pré-candidatos terá cinco minutos disponíveis.

Impasse inconveniente

Os tucanos não sabem ao certo como resolver o candidato ao Palácio do Planalto se o impasse entre Serra e Aécio persistir. O partido espera que eles consigam formular uma saída consensual.
Sem ela, a decisão sairia de uma consulta com militantes numa convenção. O problema é que não há tempo hábil para convocar uma reunião ampliada desse porte até o fim do mês, nem uma prévia. O presidente do partido, senador Sérgio Guerra (PE), no entanto, garante que se precisar tem condições de realizar a prévia. Segundo ele, os cadastros estaduais dos militantes estão bastante avançados.

"A nossa proposta é cumprir a legislação num programa conceitual sobre a divulgação da doutrina e dos princípios do partido e do governo”
Ricardo Berzoini (SP), presidente do PT

O número
10 minutos

Tempo disponível para PT e PSDB nos programas em cadeia de rádio e de televisão que vão ao ar em dezembro
Memória
Comitiva à beira do rio

Durante três dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou uma comitiva de ministros, governadores, e pré-candidatos à Presidência da República num giro por obras de revitalização e transposição do Rio São Francisco em Minas, na Bahia e em Pernambuco. Lula teve de responder em todas as escalas que o objetivo da visita não era fazer comício, mas vistoriar os canteiros de obras.

O presidente levou a ministra Dilma Rousseff, sua pré-candidata, e, em um dos trechos, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), que também almeja concorrer ao Planalto, juntou-se à trupe.

Numa das vistorias, Lula coordenou o sorteio de 55 casas destinadas a moradores da Vila Produtiva Rural do Junco (PE) que foram deslocados por conta dos trabalhos dos operários no rio. Foram 85 famílias beneficiadas.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi um dos críticos da viagem. “Estão testando a Justiça Eleitoral. É uma viagem feita com recursos públicos. Nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é fiscalização de obras. Não se tinha visto até então a ministra Dilma fiscalizar obras. A questão tem que ser discutida”, disse Mendes.

Marina defende regra para pré-campanha na Lei Eleitoral

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao falar das acusações de uso da máquina por Dilma, senadora afirma que legislação precisa ser cumprida

Julia Duailibi

Em evento no qual foi saudada como pré-candidata do PV à Presidência, a senadora Marina Silva (AC) defendeu mudança na legislação eleitoral para que seja regulamentada a fase de pré-campanha. Em resposta às acusações de uso da máquina pela pré-candidata do governo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Marina disse que, independentemente de "picuinha de disputa eleitoral", a lei precisa ser cumprida.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem sendo acusado pela oposição de promover campanha fora do prazo, o que é proibido pela lei. A legislação eleitoral só permite atos para a promoção de candidaturas após as convenções partidárias, que serão realizadas em junho de 2010.

"A gente deve respeitar a legislação eleitoral, ainda que eu ache que a legislação deveria prever o processo da pré-campanha. É pré-campanha, mas não existe campanha? Então teria de pensar uma legislação para a pré-campanha", afirmou a senadora em passagem por São Paulo. Marina, que disse ter tido as despesas custeadas pelos organizadores do evento na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), falou sobre economia verde para estudantes. Na palestra, criticou o "ecoterrorismo", citou de Lacan e Kant ao teólogo Leonardo Boff e leu poema de autoria própria.

Na tentativa de fechar alianças, a ex-ministra do Meio Ambiente tem se concentrado no PSOL, da ex-senadora Heloísa Helena (AL). A união ampliaria o tempo de TV do PV (de cerca de dois minutos), embora a senadora diga que o importante é a questão "programática" - o PV é aliado do DEM e do PSDB em São Paulo e do PT no governo federal.

O PV quer, no entanto, um vice empresário por avaliar que ajudaria a construir uma imagem de Marina mais moderna, além de facilitar a arrecadação de recursos. Um dos cotados é Guilherme Leal, copresidente do Conselho de Administração da Natura, recém-filiado à sigla.

Na palestra, Marina disse que queria evitar o discurso "ecoterrorista", mas usou termos como "ponto de declínio sem retorno". Defendeu um "novo fazer civilizatório" e permeou o discurso com expressões como "aliança intergeracional" e "lideranças e processos multicêntricos". Sem citar a metodologia, falou que os setores de energia solar, eólica e de biomassa criariam, respectivamente, 770 mil, 1,175 milhão e 300 mil "empregos verdes".

Questionada sobre a reunião de Copenhague, na qual Dilma será chefe da delegação brasileira, a senadora disse: "Não vamos fulanizar. O governo tem de ter uma posição. Até bem pouco tempo a questão estava solta." Segundo ela, o governo está atrasado nessa missão.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Globalização e competição

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A política de crescimento com poupança externa causa a elevação artificial dos salários reais e do consumo


NESTA SEMANA , deverá estar nas livrarias meu livro "Globalização e Competição". Seu subtítulo completa o conteúdo do livro: "Por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não". É a síntese do meu trabalho dos últimos dez anos visando explicar o desenvolvimento econômico em um mundo em que os países competem duramente no plano econômico por maiores taxas de crescimento. É um livro de um economista keynesiano e estruturalista, pois minha visão da economia foi formada na escola de pensamento latino-americana formulada originalmente por Raul Prebisch e Celso Furtado após a Segunda Guerra. Na primeira parte, discuto a economia global em que vivemos e a estratégia correspondente: o novo desenvolvimentismo. Na segunda, procuro desenvolver uma macroeconomia estruturalista do desenvolvimento apropriada para nosso tempo.

O livro parte da tese de que a competição tornou os Estados-nação mais interdependentes, mas também mais estratégicos. Por isso, os países bem-sucedidos são os que adotam a estratégia que denomino novo desenvolvimentismo. O nacional-desenvolvimentismo que foi bem-sucedido na promoção da industrialização e em transformá-los em países de renda média entre 1930 e 1980. A crise da dívida externa nos anos 1980 e a nova hegemonia ideológica neoliberal, porém, levaram muitos países a adotar a ortodoxia convencional ou o "Consenso de Washington", que causou as crises de balanço de pagamentos e elevou a desigualdade, em vez de promover o crescimento. Entretanto, depois das sucessivas crises financeiras dos anos 1990 e dado o êxito de diversos países asiáticos, está surgindo na América Latina o novo desenvolvimentismo, que comparo ao antigo nacional-desenvolvimentismo e à ortodoxia convencional.

Na segunda parte, discuto a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. Os obstáculos maiores ao desenvolvimento estão do lado da demanda. Assim, a política econômica deve assegurar que os salários cresçam com a produtividade (o que não é garantido dada a ilimitada oferta de mão de obra) e, em relação aos mercados externos, que a taxa de câmbio seja competitiva (não sobreapreciada). Entretanto, nos países em desenvolvimento há uma tendência estrutural de sobreapreciação da taxa de câmbio que, se não for neutralizada, será um obstáculo maior para a diversificação e o crescimento da economia nacional.

As duas causas estruturais por trás dessa tendência são a doença holandesa e taxas de lucro e de juros maiores, que atraem o capital estrangeiro. Essas causas são infladas pela equivocada política de crescimento com poupança externa (deficit em conta-corrente), pela prática de juros altos, pela política de âncora cambial para combater a inflação e pela prática de "populismo cambial": deixar apreciar o câmbio para elevar artificialmente os salários.

Contrariamente à crença geral, a política de crescimento com poupança externa não aumenta o investimento e não promove crescimento, mas causa a elevação artificial dos salários reais e do consumo, a substituição da poupança interna pela externa, o endividamento crescente, a fragilidade financeira e, finalmente, a crise de balanço de pagamentos.

Por essas razões, o novo desenvolvimentismo está baseado em crescimento com poupança interna, salários que cresçam com a produtividade, responsabilidade fiscal, taxas de juros moderadas e taxa de câmbio competitiva. Políticas viáveis se houver determinação nacional em vez de submissão a nossos concorrentes no exterior.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Yoshiaki Nakano: A guerra cambial e o IOF

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com o vigor do mercado doméstico, poucos se deram conta de que estão roubando empregos dos brasileiros

PAUL KRUGMAN, na Folha de 24 de outubro, critica a "escandalosa política cambial chinesa" de fixar sua moeda em relação ao dólar. Segundo ele, o "mau comportamento da China constitui uma crescente ameaça para a economia mundial", e "a verdade nua e crua" é que "a China está roubando o emprego de outros países".

A verdade é que os EUA desencadearam uma guerra cambial dissimulada com sua política monetária escandalosa de juro zero e de emissão de dólares, inundando as economias emergentes, adquirindo ativos, inflando as Bolsas e apreciando suas moedas. A China, que sabe defender seus interesses estratégicos, pegou carona, alinhando-se com os EUA, interrompendo, com a crise, a sua política cambial de apreciação gradual do yuan, fixando a taxa cambial ao dólar. Portanto, quando o dólar se deprecia ante as demais moedas, o yuan também se depreciará.

Na prática, são bens americanos e chineses desembarcando nos demais países, "roubando emprego", nas palavras de Krugman. Essa emissão de dólares, sem nenhum lastro, nos EUA chegou a triplicar seu estoque logo depois da crise financeira e, neste ano, está em média mais de 100% maior do que no período pré-crise.

A consequência óbvia é a depreciação do dólar, mas essa política monetária não tem efeito sobre o setor real da economia americana, pois não há demanda de crédito porque foi o superendividamento que gerou a crise financeira e o consumidor americano iniciou um longo processo de desalavancagem. Do lado da oferta de crédito, os bancos estão mais cautelosos diante do aumento do calote e da incerteza e acumulam reservas excedentes e ociosas de quase US$ 1 trilhão. Assim, a redução do juro para zero é um subsídio para o sistema financeiro americano que causou a desastrosa crise financeira global e tornou-se na realidade insolvente.

É uma escandalosa política, na qual os EUA estão tentando fazer o resto do mundo pagar a conta da crise e exportando desemprego. A taxa de juros do Fed não precisava ter sido reduzida a zero, pois, nas atuais circunstâncias de crise financeira, o instrumento adequado para evitar depressão e deflação é a política fiscal. Isso é uma imensa transferência de riqueza do resto do mundo para os bancos norte-americanos recomporem seus balanços.

A rigor, quando o Fed emite dólar, que chega como uma enxurrada ao Brasil e aprecia o real, são os exportadores brasileiros que têm suas receitas reduzidas e que estão transferindo recursos para os bancos e especuladores americanos. Os bancos americanos, sentindo que o Fed os socorrerá se houver nova crise, voltaram rapidamente a captar recursos a custo próximo a zero e a especular nas Bolsas de emergentes, criando novas bolhas.

É essa guerra cambial e essa transferência de riqueza que o governo decidiu enfrentar tributando com 2% de IOF a entrada excessiva de capitais. Mas a guerra cambial está apenas começando e, com o vigor do nosso mercado doméstico, poucos perceberam -a não ser a indústria de manufaturados que exporta ou compete com as importações- que estão roubando empregos dos brasileiros.

Yoshiaki Nakano, 65, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001). – artigo publicado 1/11/2009

Coluna do Milton Coelho da Graça

NÚMEROS DE DESEMPREGO NÃO
MOSTRAM TODO O DESESPERO

A população em idade ativa (10 anos ou mais) na região metropolitana de São Paulo é estimada em 16 milhões e 600 mil pessoas. Segundo números mais recentes do IBGE, esse total inclui pouco menos de um milhão de servidores públicos (civis e militares) e 685 mil empregadores.

Dos outros 15 milhões, pouco menos de 8 milhões trabalham com carteira assinada. Sobram uns 7 milhões que se viram – serviços sem carteira assinada (boa parte em serviços domésticos, bicos em geral, camelôs, jardineiros, traficantes e também o grupo em desemprego aberto - os que se declaram desempregados ou procuraram, sem sucesso, emprego nos últimos 30 dias).

Este último segmento, na pesquisa mensal de Emprego e Desemprego, realizada pelo Departamento Intersindical de Estudos Econômicos e pela SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, de São Paulo) em setembro e divulgada ontem, é estimado em 1,492 milhões, registrando ligeira melhora, 19 mil menos do que na pesquisa anterior (agosto 2009). A comparação só não foi melhor porque o comércio eliminou 51 mil postos de trabalho.

Estou enchendo o saco de vocês com todos esses números para focar um ponto: ao falar em 14,1% de desempregados na região metropolitana de São Paulo, a pesquisa DIEESE-SEADE se refere apenas aos “assumidos”, ou seja, aqueles que se declaram desempregados e procuraram trabalho nos últimos 30 dias.

Esse número não inclui toda aquela rapaziada que se vira de todos os jeitos possíveis e há mais de 30 dias não procura emprego, incluindo, obviamente, todos os que dizem “trabalhar por conta própria”. Portanto, se incluirmos na conta todos os que não são empregadores, não têm emprego garantido no serviço público, nem carteira de trabalho assinada, o total de pessoas viradoras, sem nenhuma garantia sobre o amanhã, chegamos a uns 6 milhões, cerca de 40% da população na região metropolitana de São Paulo.

A pesquisa de Emprego e Desemprego também é feita mensalmente em outras cinco regiões metropolitanas – Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre As seis juntas têm o dobro do número paulistano de pessoas em desemprego aberto - 2,889 milhões de pessoas, com pequena redução em relação ao mês anterior (14,4% contra 14,6%).

As outras percentagens devem também ser próximas e, portanto, não devo errar muito ao estimar a turma da viração, nas seis regiões, em uns 12 milhões. E reparem que o Rio de Janeiro – onde a população é menor apenas do que em São Paulo - até hoje não se mexeu para ser incluído na pesquisa.

Os números de desemprego da pesquisa DIEESE-SEADE diferem da pesquisa semelhante também feita mensalmente pelo IBGE. Mas as duas têm apenas diferenças de metodologia; se forem comparadas com cuidado, mostram duas fotografias um pouco diferentes mas corretas. O desascordo principal é o conceito de desemprego aberto – o IBGE só inclui quem procurou emprego na última semana.

Cuidado mesmo é preciso ter com os números do CAGED, do Ministério do Trabalho, que mensalmente faz a conta (e chama toda a imprensa para ouvir) de quantos empregos de carteira assinada foram criados e quantos foram os demitidos. O time do ministro Carlos Lupi esquece ou finge esquecer os brasileirinhos que chegam à idade de trabalhar todos os anos. São mais de 2 milhões além dos que morrem e, portanto, todos os meses precisamos criar uns 150 mil novos empregos (já levando em conta os que conseguem entrar para o serviço público ou se tornam empresários).

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“Uns poucos homens honestos são melhores do que números.”

Oliver Cromwell (1599-1658), político e general, Lord Protetor em 1653.
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CONFIANÇA DA
INDÚSTRIA FOI
A BOA NOTÍCIA

Para não falar só em coisa ruim, tivemos também uma boa notícia: a de a confiança dos industriais está em alta – tanto pelos índices da Fundação Getúlio Vargas como da Confederação Nacional da Indústria.

Se essa confiança for confirmada no futuro próximo, voltaremos rapidamente ao mesmo nível pré-crise de produção industrial, com a redução da capacidade ociosa e contratações de operários.

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ARGENTINA FAZ
GOLS NA POLÍTICA
E NA ECONOMIA

Nossa imprensa nunca faz qualquer elogio ao governo argentino. Mas nossos vizinhos também estão saindo bem da crise, apesar do comportamento vergonhoso dos grandes proprietários de terras – que sempre exibem um comportamento político e social de lordes ingleses, nunca se identificando com as aspirações e projetos importantes para a nação e o povo argentinos.

A resistência a um imposto sobre exportações – inteiramente justo num momento em que as “commodities” subiam vertiginosamente de preço e o país ainda sofria dificuldades por conta da política econômica do safadissimo Meném. Nosso Itamaraty e o presidente Lula tem agido com muita prudência, não se deixando envolver nas muitas arapucas contra o governo de Cristina Kirschner, que poderá, até o fim do ano, marcar dois gols (sem mão do Maradona): um na política, enviando ao Congresso interessante projeto de reforma política, e outro na economia, pagando aos credores uma boa parcela da dívida assumida pelo país na moratória.

Governo manobra Orçamento para gastar mais em 2010

DEU EM O GLOBO

Tática garante R$ 47 bi em ano eleitoral; PAC receberá maior parte dos recursos

Com o objetivo de garantir verbas para gastar no ano eleitoral, o governo decidiu criar uma espécie de Orçamento paralelo para 2010. O plano é aprovar no Congresso, ainda este ano, 63 pedidos de créditos adicionais ao Orçamento de 2009, no valor de R$ 34 bilhões, e, com isso, transferir para o próximo ano cerca de R$ 47 bilhões, a título de “restos a pagar”. Todo esse dinheiro poderá ser gasto no ano que vem, livre de restrições legais, mesmo que o Orçamento de 2010 não seja aprovado até dezembro, como diz a lei. A maior parte dos recursos será aplicada nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “É para garantir que o país não vai parar ano que vem”, admitiu o deputado petista Gilmar Machado (MG).

Orçamento paralelo em ano eleitoral

Governo manobra para deixar R$47 bi livres de amarras em 2010; parte da verba vai para o PAC

Cristiane Jungblut

Com dinheiro curto para gastar este ano devido às quedas sucessivas na arrecadação de impostos, e amarrado em 2010 pela legislação eleitoral, que proíbe novos convênios e repasses nos três meses que antecedem à eleição, o governo está adotando táticas para assegurar recursos ao longo do ano que vem. No Congresso, corre para aprovar R$34 bilhões em créditos adicionais ao Orçamento deste ano e, assim, garantir mais verbas em 2010 por meio dos chamados restos a pagar. O objetivo é manter, a partir de janeiro, a regularidade nos investimentos, em especial nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ainda que o Orçamento da União não seja aprovado até dezembro ou que a burocracia emperre novas autorizações.

Esse movimento para inflar os restos a pagar - pagamentos previstos para o ano, mas que acabam não sendo efetivamente pagos e já ficam autorizados para o ano seguinte, livres de amarras - pode resultar num estoque, em 2010, de cerca de R$47 bilhões. Esses recursos acabam se transformando numa espécie de orçamento paralelo, importante especialmente em ano eleitoral.

- Os recursos dos créditos extraordinários não serão todos gastos esse ano, parte ficará para os restos a pagar. Acredito que fiquemos com algo perto de R$50 bilhões como restos a pagar, somando tudo - disse o deputado Gilmar Machado (PT-MG), representante do governo na Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Ele leva em conta valores de anos anteriores autorizados e não pagos, e diz que a maioria dos recursos dos investimentos será para o PAC. A tática do governo para garantir dinheiro livre no ano eleitoral implica praticamente reescrever o Orçamento de 2009, remanejando recursos para áreas que considera prioritárias, por meio de uma enxurrada de créditos adicionais enviados ao Congresso.

Oposição condena tática governista

A ordem é fazer o empenho (garantia de pagamento futuro) da maioria dos recursos dos créditos adicionais, mesmo ciente da dificuldade de efetuar os pagamentos até o final do ano. Depois, esses valores não pagos (restos a pagar) são transferidos para o ano seguinte. A oposição reclama desses movimentos. Os créditos adicionais (suplementares ou especiais) têm sido chamado de "jumbões" pela oposição na Comissão de Orçamento. Só em outubro - prazo final para o envio desse tipo de medida com efeito em 2009 -, o governo enviou 35 pedidos de crédito, totalizando R$21 bilhões.

Ao todo, quase R$34 bilhões em créditos estão à espera de aprovação pelo Congresso, sendo R$16,99 bilhões de recursos do Orçamento Geral da União e mais R$17 bilhões das estatais. Do total, R$15,09 bilhões são de remanejamento ou reserva de contingência - ou seja, o dinheiro apenas troca de lugar.

Na última quinta-feira, em sessão esvaziada, foi aprovado crédito de R$921,46 milhões, a maior parte para construção de agências do INSS - dinheiro que pode não ser totalmente pago este ano, mas que estará garantido para ser usado a qualquer momento, pois a obra já está em andamento. A lei eleitoral proíbe, nos três meses antes da eleição, "realizar transferência voluntária de recursos da União aos estados e municípios, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública".

A execução do PAC em 2009 mostra que a tática de usar recursos carimbados de anos anteriores vem sendo adotada com celeridade pelo governo. A apenas dois meses do final do ano, a execução orçamentária de 2009 do PAC continua baixa, mas os restos a pagar ampliam o volume total pago. Dos R$17,5 bilhões de restos a pagar inscritos de 2008, já foram pagos R$7,1 bilhões.

Para 2010 a situação deve se repetir. Segundo dados do dia 26, dos R$27,85 bilhões (valor atualizado) destinados ao PAC foram efetivamente pagos R$3,83 bilhões, ou 13,6%. Já os empenhos (garantia de pagamento) chegam a R$14,69 bilhões, ou 52,7% - indicativo de que a maioria dos pagamentos ficará para o ano que vem.

Para o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), da Comissão de Orçamento, há uma deturpação, com os restos a pagar se transformando num orçamento paralelo:

- Os restos a pagar se incorporaram à política de tratamento da execução orçamentária e viraram uma bola de neve. O governo acaba não executando nada e cuida só dos restos a pagar.

- Há verdadeiros "jumbões", são mais de 50 créditos. Estão fazendo um novo Orçamento. E não há tempo para executá-los (os pagamentos) até dezembro. O Orçamento de 2010 nasce natimorto: com receitas fictícias e restos a pagar - reclamou o deputado Cláudio Cajado (DEM-BA), em reunião da Comissão de Orçamento.

O líder do governo no Senado e relator de receitas do Orçamento de 2010, senador Romero Jucá (PMDB-RR), diz que a intenção do governo é não parar os investimentos e nega qualquer conotação eleitoral. Para Jucá, o Orçamento de 2010 só será totalmente gasto após a eleição, daí a importância de contar com verbas para obras bem encaminhadas:

- O nosso objetivo é manter o nível de investimento. É para não haver um hiato de investimentos.

Gilmar Machado admite que os restos a pagar ajudarão a manter os investimentos, nega manobras eleitorais e diz que o objetivo é redefinir prioridades devido à receita insuficiente:

- Esse governo não faz manobras. Mas, se não houver Orçamento aprovado, vamos entrar o ano sem problemas. É para garantir que o país não vai parar no ano que vem, porque precisa crescer para superar a crise. Não tem nada a ver com eleição.

- O governo não tem interesse em aprovar o Orçamento (de 2010) - rebate Duarte Nogueira (PSDB-SP).

Entrevista Michelle Bachelet

DEU EM EL PAIS

Los hombres sienten más una atracción fatal por el poder"

JOHN CARLIN 01/11/2009

Durante los 20 años transcurridos desde el final de la guerra fría, América Latina ha pasado de ser un continente plagado de déspotas y dinastías políticas a ser uno en el que se impone, de norte a sur, la democracia electoral. Pero lo que no ha cambiado del todo es el ansia de los gobernantes por eternizarse en el poder. Convencidos, como Louis XV de Francia, de que después de ellos, el diluvio, buscan cómo cambiar las reglas del juego para poder presentarse a la reelección. Hugo Chávez, el presidente de Venezuela, ofrece el caso más notorio, pero su némesis, Álvaro Uribe, de Colombia, también da señales de haber caído en la misma tentación. Igual que Daniel Ortega en Nicaragua y, en su día, Alberto Fujimori en Perú y Carlos Menem en Argentina. Michelle Bachelet, la presidenta de Chile, en cambio, no evidencia ningún interés en prolongar su mandato más allá del límite de cuatro años que impone la Constitución. Pese a que los últimos sondeos le dan un 76% de apoyo popular, un logro mayor en un país hasta hace muy poco partido políticamente por la mitad, la socialista Bachelet no ha sucumbido a la droga del poder. Habrá elecciones en Chile en diciembre y ella abandona la presidencia en marzo, pero afronta los pocos meses que le quedan al mando de su país con filosófica, e incluso risueña, serenidad.

"Al comienzo de mi mandato hubo mucha crítica, subestimación, machismo, sin duda"

"Chile es un país serio y responsable. Hay menos corrupción que en otros, es una realidad"

Si lloraba un presidente, era un hombre sensible; pero si se trataba de una mujer, era una histérica

"No es buena política arreglar las leyes, el mundo político, la autoridad a su tamaño"

Durante una entrevista con EL PAÍS en el palacio presidencial de La Moneda, y una segunda en su casa dos días después, prefirió no hacer comparaciones entre su forma de entender la política y, por ejemplo, la de Hugo Chávez. Con la cautela y sensatez que caracteriza a su Gobierno y a gran parte de su pueblo, insistió en que "nosotros los chilenos nunca hacemos comentarios sobre otros países". No se cortó, por otro lado, a la hora de definir sus principios, que la colocan claramente del lado no del chavismo bolivariano, sino de la izquierda pragmática que gobierna en Brasil y Uruguay, y tampoco tuvo ningún reparo en sugerir que la patología del poder podría quizá incidir con más virulencia en el hombre que en la mujer. Doctora en medicina, ex ministra de Defensa de su país, Bachelet, de 58 años, es simpática y humilde, vivaz y pensativa, cualidades que detectan en ella la gran mayoría de chilenos, razón por la cual han adoptado a su primera presidenta de la historia como la primera madre de la nación. Un detalle durante la primera parte de la entrevista, no muy común en personajes poderosos: al entrar un señor con una bandeja de té, ella misma se interrumpió en medio de una frase, le dirigió una sonrisa cariñosa y le dijo: "Buenos días, Miguel. Muchísimas gracias".

Pregunta. Ya que goza de una enorme popularidad entre el electorado chileno, ¿se le ha pasado por la cabeza cambiar la Constitución de tal modo que pueda repetir en la presidencia?

Respuesta. Creo que en la vida como en la política hay que ser ética y estética. Jamás cambiaría yo una situación para beneficio personal. Si yo alguna vez hubiera pensado que hay que hacer un cambio a la Constitución, habría mandado un proyecto de ley que hubiera entrado en vigor desde el próximo gobierno en adelante, no para el propio. Creo de verdad que no es una buena política que las personas arreglen las legislaciones, el mundo político, la autoridad a su tamaño. Los cambios en las leyes, en las instituciones tienen que ser para mejorar la situación del país, no las situaciones personales. Eso no me interesa, y no estoy de acuerdo.

P. Pero, tras vivir cuatro años la pompa del poder, ¿puede entender esa desesperación de algunos por no abandonarlo?

R. No soy un buen ejemplo para contestar eso. Lo único que quiero hacer en los meses que me quedan es cumplir los compromisos con la gente, porque a eso vine. Ahora... algunos dicen que el poder es sexy. Pero a mí no se me ha generado esa droga. El boato no me impresiona, ni los fuegos artificiales. Lo que sí he visto es que tiene que ver en algunos casos con la ambición personal, que puede ser ambición de fama. También he visto que hay en esto algo vinculado al género. No sé si es un tema de la naturaleza, o si es cultural, antropológico o biológico, o está relacionado con el momento de la historia en el que estamos. Pero he visto habitualmente en el trabajo (aunque, debo de insistir, hay de todo) que en general las mujeres se relacionan con el poder más desde la óptica del servicio a los demás.

P. ...Mientras que el hombre...

R. No quiero caricaturizar..., pero... parece ser que en el caso del hombre se ofrece una suerte de atracción fatal más potente por el poder. Le pasa una cosa distinta (aunque insisto en que hablo en términos generales, y hay excepciones). Se le produce una atracción por el poder que vive de manera diferente de una mujer. No estoy hablando de presidentes de la república. Lo he visto en jefaturas diversas, ministerios, muchos sitios: hay gente espléndida, encantadora, que cuando llegan a un cierto cargo se transforman en pequeños dictadores. Algo les pasa con las alturas. Llegan y se marean. No es que no pase con las mujeres, pero mi pregunta es si las mujeres no han tenido todavía suficiente exposición al poder para mostrar estas características, si a lo mejor es sólo un problema de tiempo, os es que hay algo más ontológico.

P. ¿Cuál cree que es la respuesta?

R. Éste es un juicio empírico; no pretendo armar una teoría, pero... Hay una mujer llamada Gilligan que ha hecho estudios de neurociencia basándose en observar cómo el niñito y la niñita resuelven los conflictos en los jardines infantiles. Ella dice que todos quieren resolver el conflicto (por eso no digo que los hombres llegan al poder a hacer una cosa mala y las mujeres una buena), pero las mujeres, cuando resuelven un conflicto, buscan el win-win solution. Buscan que el resultado sea bueno, pero no a costa de muchos heridos en el camino, sino de que ojalá todos salgan ganando. En cambio, los hombres se preocupan más por el resultado que por el proceso. No quiero asegurar que esto sea completamente cierto. (¡Y no digo que las mujeres son mejores que los hombres!). Pero lo que sí quiero decir es que creo que hay que buscar el mejor aporte de mujeres y de hombres, porque aparentemente hay algunos rasgos de liderazgo que pueden ser distintos, y con liderazgo complementario una sociedad puede hacer más cosas.

P.
Un rasgo típicamente masculino de su presidencia que los chilenos han resaltado últimamente, tras el regocijo nacional por la reciente clasificación de Chile para el Mundial de Suráfrica el año que viene, es que usted ha invertido más que cualquier presidente anterior en el fútbol, concretamente en la construcción de estadios nuevos. Explique esto.

R. Como médico, entiendo que el deporte es esencial para la salud física y mental. Así se genera una sociedad más sana y más integrada, y por eso mi apoyo al fútbol. Mi percepción es que hay que hacer una sociedad en Chile que garantice derechos, y derechos sociales y económicos, pero también el derecho al deporte, a la recreación, lo que hace que la gente sea un poco más feliz.

P. En los últimos años ha surgido el concepto de la economía de la felicidad, algo intangible más allá de las estadísticas...

R. Es muy importante porque a veces uno mira a un chileno, la imagen que hay de Chile en el exterior, que es la imagen que tenemos de nosotros mismos, y ve que somos hipercriticones. Siempre vemos el vaso medio vacío y no medio lleno. Es un elemento cultural, porque uno va a otros países y ve otras cosas. Le doy un ejemplo. Un embajador de mi país en otro país latinoamericano (prefiero no decir cuál), donde había miles de problemas, mucha pobreza, me dijo que veía a todo el mundo feliz; que su chófer estaba siempre feliz. Le preguntó al chofer: "¿Por qué ustedes son tan felices teniendo tantos problemas?", y el chófer le dijo: "Entonces, ¿usted quiere que, además de pobres, seamos miserables?". ¡Es buenísima la anécdota! En cambio, nosotros somos mucho más serios, tenemos una estructura distinta, y eso tiene la dificultad de que a veces no nos sentimos orgullosos de lo que hemos sido capaces de construir. Pero tiene de bueno por otro lado que somos serios, que respetamos las normas, que somos exigentes con nosotros mismos, que no nos quedamos con las respuestas fáciles ni con los aplausos. Y eso nos ha permitido que las instituciones funcionen. Y si las instituciones no funcionan, hay una crítica lapidaria; y por estas razones, en parte, a Chile le ha ido bastante bien, ha hecho las cosas que ha hecho, ha sido capaz de recuperar la democracia y reconstruir el país.

P. ¿Y capaz de ser feliz también?

R. Es un tema importante. Cuando yo voy al terreno y la gente en la calle me abraza, cariñosa, y me dice: "Sabe que éste es un país al que le ha ido bien, pero nosotros necesitábamos algo más humano, más calentito, más arropadito, como las mamás". En el fondo, eso quiere decir que no nos basta con ser exitosos en la economía, también queremos algo para ser un poco más felices.

P. El presidente del Gobierno español, José Luis Rodríguez Zapatero, dijo hace un par de años que las empresas españolas estaban "a gusto" en Chile porque trabajan en un país "serio y moderno", "un ejemplo para Latinoamérica y para el mundo"... Uno ve a Chile desde lejos y tiene la impresión de que es el alumno prolijo, serio, en una clase en la que hay bastantes gamberros...

R. Esos factores que hacen que Chile sea menos alegre de lo que podría ser también son positivos porque dan un contenido de seriedad, de desarrollo, que nos sirve a la hora de que los inversionistas tienen que elegir en qué países entrar. El chileno es autoexigente, las cosas pasan de manera bastante ordenada, articulada, estructurada, y además hay un nivel educacional muy bueno desde hace muchos años atrás, con altísima cobertura. Entonces los valores se aprenden desde muy chico en el colegio, el valor de la institucionalidad, que es la clave en esto. Una pregunta que me interesa mucho es por qué tiene Chile menos corrupción que otros países. Fuimos todos colonias españolas, las iglesias son las mismas... Pero es una realidad, y es algo muy antiguo: Chile es un país serio y responsable, y desconozco exactamente por qué. Me gustaría estudiar la cuestión más a fondo algún día.

P. En un continente en el que sigue teniendo mucho peso la ideología, su Gobierno parece definirse por el pragmatismo. ¿Cómo definiría su filosofía económica?

R. Si uno quisiera resumirlo en un concepto, diría: crecer para incluir, incluir para crecer. Equilibrio macroeconómico, cuentas saneadas, responsabilidad fiscal: todo esto, claro. Pero, a la vez, con políticas sociales muy fuertes que, a medida que crece el país, van incluyendo a todos, y que al mismo tiempo den confianza e incentivos a la inversión doméstica y externa y a la empresa privada. Siempre, también, con las regulaciones necesarias, luchando contra los abusos y la corrupción. O sea, buscar eficiencia económica, pero a la vez protección. Y entender que en un país de 16 millones no se vive del consumo interno. Tenemos más de 56 tratados de libre comercio con el mundo. Pensamos que es buena la globalización y hay que buscar oportunidades. Creemos que el libre comercio es una oportunidad. Hay países que lo ven como una amenaza.

P. Repitiendo, entonces, ¿el pragmatismo por encima de la ideología...?

R. Para mí, a los 20 años de edad, pragmatismo era una palabra grosera. Pero hoy le doy otro tono. Me encanta lo que decían los griegos: "El pragmatismo es la capacidad de hacer realidad los sueños". ¡Es verdad! Al final, no es cuestión de ser pragmáticos por ser pragmáticos, sino que gracias a ello hemos logrado disminuir fundamentalmente la pobreza, hemos logrado hacer un país que se desarrolla. Yo mantengo los mismos sueños que siempre, pero he aprendido que los instrumentos pueden ser otros. Este pragmatismo ha permitido cambiar la cara de este país.

P. ¿Cuál ha sido el mayor logro político de su presidencia? ¿Tendrá que ver con la unificación de un país que hasta hace muy poco estuvo partido en dos por el fenómeno Pinochet?

R. Hemos avanzado mucho en el reencuentro entre esos dos Chiles. El entendimiento llega a través del diálogo o, cuando el diálogo no es posible, a través de mecanismos democráticos y pacíficos que tenemos para resolver nuestras diferencias. Siempre he sido una persona que ha buscado el diálogo, los puntos en común. Desde chica, incluso. La empatía, ponerse en los zapatos del otro: eso para mí es natural. En unas clases de resolución de conflicto en las que participé en Estados Unidos entendí que una de las cosas que más le costaba a las partes era tratar de entender qué es lo que de verdad estaba pasando, más allá de lo que se decía. Insisto: uno tiene que tratar de ponerse en los zapatos del otro para buscar la fórmula.

P. ¿El resto del mundo político ha entendido el mensaje?

R. Esto para mí es muy importante y muy central. Por eso uno de los proyectos para nuestro bicentenario que estoy haciendo es el museo de la memoria. Se llama La memoria y los derechos humanos y será un museo gráfico, vívido para mostrar lo que pasó en nuestro país. Por un lado, mucha tragedia, dolor y muerte, pero para terminar en un discurso que yo permanentemente señalo: que depende de nosotros cuidar lo que hemos sido capaces de construir, que es un país más aceptador de la diversidad, un país que saca las lecciones del pasado. Los parlamentarios rivales se pueden decir de todo en el terreno político, pero en un partido de fútbol se abrazan. Muchas veces, cuando viajo fuera, llevo parlamentarios de todos los partidos, y así se generan las condiciones para hablar en otro plan. Hay que buscar los espacios para consolidar esta tendencia.

P. Volvamos a su condición de mujer. Usted es una mujer presidente en un continente -un mundo- machista. ¿Habrá sufrido, como Hillary Clinton señalaba, eso de que la gente se fija menos en lo que dice que en su pelo, su ropa?, ¿habrá tenido que soportar actitudes paternalistas o incluso quizá haya sacado ventaja de una tendencia a subestimarla?

R. Ha habido todo lo que usted menciona, ¡por supuesto! Desde críticas al pelo, la ropa, el peso... Aquí ha habido gente de la política, hombres, de un cierto peso, pero eso era sinónimo de poderoso. En cambio, una mujer es una gorda. Si a un presidente, un hombre, en un momento muy emocionante se le llenaban los ojos de lágrimas, era un hombre sensible; en cambio, una mujer era una histérica. Estoy contando lo que salía en la prensa, no fantasías mías. Yo podría contar millones de anécdotas de este tipo.

P. Tremendamente frustrante, ¿no?

R. Sí, pero me doy cuenta de que tiene que ver con lo nuevo, lo inédito, con que la gente se maneja con códigos masculinos para relacionarse con el poder. Si uno daba una instrucción en una voz tranquila, no siempre el que le escuchaba, si era hombre, se daba cuenta de que era una orden. U otros que se resienten claramente, que se resisten a la jefatura femenina. Al comienzo hubo mucha crítica, prejuicio, machismo, subestimación, sin duda. Una vez, uno, creyendo que me estaba diciendo un tremendo piropo, me dijo: "Usted es de lo más inteligente que he conocido como mujer". . Pero yo creo que es la experiencia de todas las mujeres del mundo que trabajan, que son profesionales. Tienen que trabajar el triple y ser triplemente buenas para que las reconozcan. Me pregunto: ¿será la manera en la que las mujeres nos planteamos los temas?, ¿será algo en la estructura del pensamiento para que lo mismo dicho por un hombre suene maravilloso y dicho por una mujer no logra convencer? No sé...

P. Pero ¿se ha avanzado desde aquellos comienzos? Usted ha sido una pionera, la primera mujer en América Latina no casada con un ex presidente que ha llegado a la presidencia. ¿Ha allanado el camino para las que siguen?

R. ¡Sí! Y ha sido maravilloso, y a mí que soy médico -soy pediatra- antes las niñas me decían: "¡Quiero ser como tú, quiero ser doctora!". Ahora me dicen: "¡Quiero ser presidenta!". Ha sido un proceso, paso a paso, día a día. Hoy vemos que ha habido un cambio cultural. Las mujeres tienen la autoestima más elevada. No hay veto ahora. Todo es posible. Y lo interesante hoy es que ya no es un tema. Creo, de verdad, que ya no lo es.

Bom dia! -Teresa Cristina - Acalanto/O Mar Serenou (ao vivo