domingo, 27 de setembro de 2009

Os vários golpes

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A questão da “democracia direta”, ou “democracia plebiscitária”, é tema dominante nos debates políticos nos últimos anos devido à sua ampla utilização na região, a partir da experiência da Venezuela de Chávez e a expansão da “política bolivariana” pela América do Sul. A adesão do presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, a Aliança Bolivariana para Nossa América (Alba), uma alternativa chavista caricatural à falecida Alca de inspiração americana, e a tentativa de utilização do plebiscito para alterar a Constituição, o que provocou o processo de destituição, estão no cerne da crise política da América Central em que o Brasil se meteu, meio por gosto, meio por imposição dos fatos consumados armados por Chávez.

Ao lado da disputa ideológica protagonizada por Chávez, há, no caso hondurenho, a ilegalidade da ação das Forças Armadas, que, exorbitando de suas prerrogativas, enviaram Zelaya à força das armas para o exílio.

Estudo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos definiu bem a questão: a destituição de Manuel Zelaya do governo foi “constitucional”, o mesmo não podendo se dizer se seu exílio forçado.

Existem muitas figuras importantes dentro do governo petista que comungam da idéia de uma “democracia de alta intensidade”, na definição do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, a começar pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que defendeu em livro a “exacerbação da consulta, do referendo, do plebiscito e de outras formas de participação”.

Também o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, justifica a “democracia plebiscitária” como iniciativa “para transformar o sistema político, para dar mais voz às camadas excluídas da população, através de referendos, plebiscitos, para que participem efetivamente do sistema político”.

O deputado Chico Alencar, do PSOL, que apoia a posição do governo brasileiro no caso de Honduras, diz que a suposta inconstitucionalidade de uma consulta popular “é emblematizada como razão para o dedo no gatilho, jamais se considerando que o procedimento civilizado da direita hondurenha deveria ser o de, no pleito, dizer ‘não’ à convocação da Assembleia Constituinte, ou ainda boicotar a ‘quarta urna’ — o voto não é obrigatório lá — ou mesmo propor um processo de ‘impeachment’, onde poderia, ao contrário do espaço do sufrágio público, ter algum êxito”.

Para ele, a tentativa de alguns juristas de constitucionalizar o golpe, “para gáudio dos usurpadores do poder”, parte de um pressuposto falso: “Confunde, de propósito, a consulta popular sobre a convocação ou não de uma Constituinte, como o presidente Zelaya queria, com aprovação de reeleição”.

O deputado Chico Alencar considera “outra inversão total de valores se questionar o direito palmar do Brasil em abrigar, hospedar ou asilar quem foi defenestrado à força do cargo eletivo que ocupava e sofria perseguição, com ou sem conhecimento prévio do pedido de acolhida, minimizandose a agressão do cerco à nossa embaixada e o corte de luz, água e telefone, e afirmando que o Brasil assumiu o papel de ‘interventor’ antes desempenhado pelos EUA”.

Seguindo o raciocínio expresso pelo próprio presidente Lula nos Estados Unidos, Alencar diz que “a trajetória, os apoios e os expedientes que Zelaya teria usado para regressar ao seu próprio país passam a ser mais importantes que o sequestro, a ‘carta-renúncia’ falsa e a expulsão de sua própria terra”.

Já o sociólogo Nelson Paes Leme lembra que a inserção desses mecanismos da democracia direta “exigem seu contrabalanço com a alternância de poder”.

Quando o filósofo italiano Antonio Negri, considerado por Chávez seu mentor através do livro “Poder constituinte”, fala de poder constituinte e poder constituído, afirmando que o segundo tenta neutralizar o primeiro, não aprofunda o conceito de poder constituinte derivado e poder constituinte originário, ressalta Paes Leme.

“O poder constituído é sempre exercido pela legislatura e o poder constituinte derivado dessa legislatura é quem pode, por exemplo, emendar a constituição, com quórum qualificado, sendo tal outorga prévia do poder constituinte originário”.

O sociólogo lembra que a convocação de uma Assembleia para o exercício do poder constituinte originário “só se dá para a elaboração ou reforma da Constituição quando há a ruptura da ordem constitucional preexistente, como foi o caso dos regimes autoritários que se esgotaram no Sul da Europa e na América Latina a partir da segunda metade do século passado”.

Ou quando, especificamente, “para aperfeiçoar temas que não firam cláusulas pétreas como a alternância de poder, por exemplo”.

A utilização do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular para guerrear a alternância de poder é evidentemente golpista, diz Paes Leme, que considera esse “um retrocesso conceitual de proporções e consequências incalculáveis.

Um verdadeiro absurdo golpista e um atentado à ordem constituída”.

Eu, de minha parte, condeno a atitude do governo provisório de ter mandado para o exílio, à força, o presidente eleito, mesmo tendo ele atentado contra a Constituição.

Lamento que não tenha sido submetido a um processo e julgado dentro das leis hondurenhas. E acho que a embaixada brasileira tem que ser inviolável, assim como não pode servir de palco para atividades políticas do nosso “abrigado”.

Acredito, no entanto, que, em qualquer movimento que tenha o protoditador venezuelano Hugo Chávez e seus seguidores como protagonistas, a democracia estará sempre sob ameaça, mesmo que a aparência seja outra.

Total combate

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A poucos dias da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado que aprovará, ou não, o nome do advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, para o Supremo Tribunal Federal, uma ofensiva de pressão tem alcançado os senadores de uma forma pesada, nunca vista por eles em se tratando de uma indicação ao STF.

Por telefone, e-mail ou pessoalmente eles têm sido assediados nos últimos dias por empresários amigos e/ou financiadores de campanhas, ministros do governo e do Supremo, juízes de primeira instância, governadores e até um núcleo de "campanha" montado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

O volume, a contundência e os personagens mobilizados para o assédio dão a medida do quanto o governo receia a possibilidade de uma recusa e do quanto também é importante para o Planalto e para Toffoli vencer essa batalha.

A sabatina está marcada para a próxima quinta-feira e, na semana passada, foi detectada uma tendência de "racha" na base governista.

Muito em função da quantidade de senões que envolvem essa indicação, na percepção dos senadores: a ausência de reconhecido notório saber em contraposição à notória ligação com o PT, do qual foi advogado em três eleições presidenciais, insuficiência de desempenho no que toca ao currículo acadêmico, reprovação em dois concursos para juiz estadual, duas condenações em primeira instância, acusado por uso indevido de recursos públicos.

Alguns, ou até muitos, ministros do Supremo podem ter algum desses flancos em aberto, mas nenhum deles reúne, ou reuniu à época da indicação, tantos pontos fracos como Toffoli. Nem o atual presidente do STF, Gilmar Mendes, cuja nomeação foi intensamente combatida pelo PT porque ele era advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, que o indicou para o Supremo.

Os senadores definem o assédio em prol de Toffoli como um "verdadeiro massacre". Pelo menos três senadores de oposição e dois da base de apoio ao governo já comentaram sobre a pressão com colegas.

Tasso Jereissati, que recebeu pedido do governador do Ceará, Cid Gomes (peça importante na renovação do mandato do senador), na condição de emissário do presidente da República; Marconi Perillo, de Goiás, ouviu solicitações de empresários, bem como o senador Álvaro Dias, do Paraná. Os três são do PSDB.

Walter Pereira, do PMDB de Mato Grosso, e Antonio Carlos Valadares, do PSB de Sergipe também foram instados a rever suas restrições a José Antonio Toffoli.

Se o movimento das tropas de choque dará certo ou não é uma questão em aberto. Os otimistas acham que a remoção de obstáculos com tal de participação e assertividade tem tudo para ser bem-sucedida. Os pessimistas consideram que a pressão pode ter efeito contrário e levar os senadores a reagir. Lembram que se estivessem recebendo com naturalidade os pedidos isso não seria objeto de comentário entre eles.

Já os realistas fazem a seguinte ponderação: na Comissão de Constituição de Justiça não há risco de derrota, mas no plenário a situação pode se complicar. Sempre lembrando que o voto é secreto nas duas ocasiões.

Na avaliação dos riscos, é citada como exemplo a recente aprovação do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, para o Tribunal de Contas da União.

Consagrado na sabatina - na verdade, uma sessão de elogios - na Comissão de Assuntos Econômicos, com apenas um voto contrário, no plenário José Múcio teve 46 votos. Com seis a menos, teria perdido.

E isso com muita gente da oposição votando nele, o que dificilmente se repetirá no caso de Toffoli. Não apenas em virtude das restrições que vêm sendo expostas, mas também por conta de um trabalho de bastidores envolvendo gente do primeiríssimo time da oposição, de fora do Congresso.

Gente, governadores inclusive, que já perdeu causas em que Toffoli advogou, seja no TSE seja na Advocacia-Geral da União, e guarda rancor na geladeira.

Na sabatina, a oposição promete ser rigorosa. Só que o questionamento mais duro não deverá ser o que testará, como numa banca de mestrado ou doutorado, os conhecimentos jurídicos do indicado, pois, com raríssimas exceções, não há senadores com preparo suficiente para tal.

A prometida batalha dar-se-á no campo da exigência de reputação ilibada e nas contestações da militância partidária de Toffoli. Isso se até lá o assédio e a pressão não fizeram os senadores baixarem o tom e recuperarem a velha tendência de transformar as sabatinas em cerimônias de mero beija-mão.

Ainda mais que, aos 41 anos de idade, José Antonio Toffoli, em tese tem quase 30 anos pela frente de assento no Supremo.

Fator Itamar

Quando se alude à possibilidade de o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, concorrer ao Senado, se esquece um "pormaior": a legenda para senador prometida para Itamar Franco. A menos que Aécio concorra à outra vaga e os outros candidatos sejam fracassos garantidos.

O pré-sal e a pressa eleitoral

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Em vez de impor ao país decisões precipitadas, não seria mais sensato aprofundar discussões sobre o pré-sal?

EU, COMO os demais brasileiros, alegrei-me com a descoberta dos campos de petróleo e gás no pré-sal, que poderão triplicar as atuais reservas do país. Maravilha!

O azar, porém, é que isso veio ocorrer logo no governo Lula, que, imediatamente, tratou de tirar vantagem política da descoberta. De saída, atribuiu-a a si, uma vez que, conforme dá a entender, foi ele quem criou a Petrobras e descobriu o Brasil. Dizem que quem o descobriu foi Pedro Álvares Cabral, mas isso é mais uma invencionice dos brancos de olhos azuis.

Por ter criado a Petrobras e descoberto os campos do pré-sal, Lula quer usá-los como trunfos na campanha pela eleição de Dilma e, sem perder tempo, logo tomou providências, ou seja, enviou ao Congresso projetos de lei para fazer crer que a exploração do pré-sal começa amanhã. Embora esses projetos tenham sido discutidos durante mais de um ano no âmbito do Executivo, impôs ao Congresso apreciá-los em urgência urgentíssima, o que implica terem a Câmara e o Senado apenas 45 dias, cada um, para discuti-los e votá-los. Mas por que essa pressa toda se se trata de um assunto de enorme complexidade e se o início da exploração daquelas reservas não se dará, segundo os entendidos, antes de 20 anos? A resposta é simples: as eleições para a Presidência da República serão em 2010 e Lula quer se valer de mais essa carta para tentar ganhar o jogo.

Ele já se apropriou da descoberta das jazidas do pré-sal, conseguida graças à larga experiência da Petrobras -que existe há mais de meio século- e à colaboração das empresas privadas a ela associadas. Sem perda de tempo, também já repartiu a riqueza futura com todos os Estados da União, em mais uma cartada eleitoral. Isso está num dos projetos enviados ao Congresso, suscitando uma guerra entre os Estados onde se localizam as jazidas e os demais. Feito isso, tirou o corpo fora e os deixou brigando. Como sempre, ele não tem nada a ver com o problema.

O governador de Pernambuco, que nunca pensou em dividir os lucros da indústria da cana com o meu pobre Maranhão ou com o Piauí, já pôs as presas à mostra: "Quem disse que o povo do Rio de Janeiro é melhor que o pernambucano?!". E tudo por causa de uma grana que só vai existir de fato daqui a duas décadas; se existir, pelo menos na proporção que se alardeia.

Se digo isso é porque tenho ouvido e lido ponderações acerca do pré-sal que deveriam ser levadas em conta por Lula e sua turma. Uma delas suscita a seguinte questão: terá o petróleo a mesma importância daqui a 20 anos? Em vez de meter os pés pelas mãos atabalhoadamente para impor ao país decisões precipitadas, não seria mais sensato aprofundar as discussões dos problemas implicados na exploração do pré-sal?

Nem pensar! A isso o nosso midiático presidente responderá que se trata de uma manobra de seus adversários para derrotá-lo em 2010. Sucede que nem todo mundo que discorda de seu açodamento pertence à oposição. Há, no país, técnicos competentes, estudiosos das questões nacionais, que deveriam ser ouvidos pelo governo.

Uma das ponderações que fazem aqueles especialistas decorre do atualíssimo problema do aquecimento global e do uso de energias alternativas não poluentes. Não foi o presidente Lula mesmo quem, faz pouco, andava pelo mundo alardeando as virtudes do nosso etanol? Não era ele quem o indicava como o substituto do petróleo, altamente poluente? Quer dizer que, da noite para o dia, o Brasil deixou de ser a pátria do etanol para se tornar a pátria do CO2?

Lula afirmou que a descoberta do pré-sal é um cheque em branco e um novo grito de independência para o Brasil, sem levar em conta que, no mundo inteiro, avança a criação de novas fontes de energia limpa, como a solar e a eólica, sem falar em motores elétricos, já utilizados em automóveis. Em Nova York, trafegam carros movidos, alternadamente, a gasolina e eletricidade, possibilitando grande redução do combustível poluente.

Outra notícia significativa é a utilização de usinas movidas a luz solar, como a que se constrói no deserto de Gobi, na China, com capacidade para atender a 3 milhões de pessoas.

A energia eólica é utilizada em larga escala por países europeus. O Brasil tem todas as condições para valer-se desses recursos naturais, limpos.

Daí a pergunta: não seria mais sensato investir também nesses outros tipos de energia do futuro em vez de jogar tudo no petróleo, cujo futuro é duvidoso?

Claro. Mas para fazê-lo precisamos ter à frente do governo um estadista, alguém que pense mais no país do que em si mesmo.

Resistências à democracia

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Desde a vitória contra a inflação, em 1994, o Brasil tem avançado nos seus indicadores econômicos e sociais. Atualmente a geração de jovens de até 20 anos de idade desconhece o que é viver com preços remarcados com intervalo de horas, com uma moeda desacreditada, uma dívida pública em risco permanente de moratória e um exército de excluídos e crianças pobres, analfabetas e sem futuro. Os governos FHC e Lula conseguiram dar ordem a uma economia desarvorada, tonta, sem rumo, e o resultado está nos números que saem das pesquisas do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada há dias.

Mas os dois presidentes pouco fizeram para resolver dilemas antigos - estruturais e institucionais - que atrasam e atrofiam o potencial de progresso do País. O pior - e também maior - desses dilemas é a falta de anteparos institucionais, instrumentos de defesa capazes de proteger a população de ações lesivas da classe política. Depois de 21 anos de regime autoritário e sem liberdade, a ansiada democracia chegou e pouco avançou, porque os homens que fazem e aplicam as leis parecem entender que ela se resume à realização de eleições livres. Esquecem (ou querem esquecer?) que lidam com um sistema político que tem por objeto o ideal de igualdade e o respeito aos direitos do cidadão e, por isso, precisa de instituições democráticas fortes e regras de proteção contra o rasteiro jogo de interesses da classe política.

A começar pela relação entre Executivo e Legislativo. Para aprovar matérias no Congresso, FHC e Lula estabeleceram uma condenável relação de troca-troca, em que o Executivo compra parlamentares com favores, cargos ou simplesmente liberação de dinheiro do Orçamento. O Supremo Tribunal Federal (STF) expôs essa lamentável prática no processo do mensalão. Políticos como o senador José Sarney nomeiam parentes, amigos e correligionários para cargos públicos como se tratassem de um negócio de sua propriedade. Nem FHC e muito menos Lula impuseram resistências à avidez do PMDB e de partidos menores em aparelhar o Estado com pessoas que ali estão para servir aos negócios do partido político, não aos interesses da população.

É verdade que a democracia representativa pressupõe a divisão de poder com partidos aliados, mas isso não inclui lotear com apadrinhados funções de Estado que precisam de gestão técnica para bem servir a população. É o caso das agências reguladoras - uma tentativa de FHC de criar instituições a serviço dos cidadãos e imunes à má interferência política -, que Lula tratou de destruir nomeando para a direção políticos tecnicamente despreparados que ali estão para atender às ordens, pedidos e favores do governo e da classe política.

O desinteresse pela construção da democracia está na raiz dos contrastes detectados em pesquisas de avaliação do Brasil. A mais recente do Fórum Econômico Mundial, aplicada em 133 países, elevou nossa classificação geral do 72º (em 2007) para o 56º lugar (2009), mas o Brasil é o penúltimo colocado no critério regulação (olha aí a politização das agências!); o último em impacto dos impostos (a falta de uma reforma tributária e o sustento de um Estado caro e sugador de dinheiro); e é considerado um dos países onde a corrupção e o desperdício de dinheiro público têm peso significativo na competitividade (olha aí a paralisação dos investimentos apontada pelo IBGE na pesquisa do PIB!).

O Brasil tem um mercado interno vigoroso e mão de obra qualificada, mas investir aqui - quando não leva à desistência - exige boa dose de paciência e persistência ao lidar com a burocracia. Entre 133 países avaliados pelo Banco Mundial este ano, o Brasil foi rebaixado da 127ª para a 129ª posição sobre onde é fácil fazer negócios. Na América do Sul, só perde para Bolívia e Venezuela. Aqui, para conseguir um alvará de construção, são necessários 411 dias. Em Cingapura são 25 e na América Latina, em média, 211.

Tanto FHC quanto Lula cuidaram de alguns indicadores - inflação, crédito, regras de regulação bancária -, o que explica em boa parte a preservação da estabilidade e o sucesso econômico agora colhido. FHC iniciou uma reforma do Estado para torná-lo forte na prestação de serviços e leve para a população que lhe dá sustento financeiro pagando impostos. Privatizou empresas deficitárias e criou agências para regulá-las e fiscalizá-las. Mas Lula não deu seguimento, multiplicou despesas, aumentou impostos e ainda destruiu anteparos à corrupção e à má interferência política. Ele e o PT precisam de um Estado grande. Para quê?

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Honduras, funduras

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)


O nome viria das águas profundas da costa caribenha ou, mais provavelmente, do sistema de vales e montanhas onde o país se derrama. De qualquer forma, hondura em espanhol é profundidade, fundura, e no dicionário diplomático interamericano corre o risco de converter-se em sinônimo de um grande buraco.

A mais recente evidência deste perigoso poço onde podem despencar prestígios e tradições é o pedido do governo brasileiro à Espanha para intermediar a crise iniciada com o refúgio do presidente deposto, Manuel Zelaya, na embaixada brasileira de Tegucigalpa.

O Brasil entrega, assim, a honrosa posição de possível árbitro entre o governo de fato e o governo de jure que dividem Honduras, para tornar-se uma das partes do conflito. Há dias era cortejado pelos adversários, agora inapelavelmente envolvido, é obrigado a apelar à ONU para que a sua embaixada e, portanto, a sua soberania sejam respeitadas pela truculência dos gorilas que se abancaram no poder.

Nosso status no episódio mudou para pior. E, mais uma vez, por artes deste incansável estróina e trapalhão chamado Hugo Chávez, cuja compulsão de vangloriar-se o levou a assumir publicamente a responsabilidade pela transferência do presidente deposto para o seu país. Zelaya, por sua vez, contagiado pelo parceiro ou também vocacionado para a fanfarronice, admitiu que a busca de abrigo em nossa embaixada na capital hondurenha era do conhecimento do governo Lula

O Brasil consolidava-se como uma alternativa responsável à parlapatice chavista e agora entra na história como parceiro de mais um fiasco do dirigente venezuelano. Novamente a pressa, outra vez a afobação. Esta ansiedade para agarrar todas as oportunidades denota antes de tudo a ausência de um master-plan, fragilidade estratégica. Todos querem chutar em gol, mas a bola é uma só.

O veemente apelo para o fim do embargo a Cuba no privilegiado pódio da Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, dias depois, ficou prejudicado pela esdrúxula e inconfortável reversão em nossa posição. Agora, somos nós a angariar simpatias e apoios em causa própria.

Como observou o analista Caio Blinder, agora "o cara" é Obama. Não será o presidente Sarkozy quem poderá obrigar Roberto Micheletti, presidente em exercício de Honduras, a interromper o cerco à embaixada brasileira. Nem José Luiz Zapatero, presidente do conselho da Espanha, a quem apelamos para mediar a crise.

O presidente Lula embarcou para os EUA preparado para colher triunfos e pode regressar de mãos abanando. Ou, pior, obrigado a agradecer a solidariedade norte-americana e o apoio recebido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Acossado por seus demônios íntimos e pelos que continuamente desperta à sua volta, o presidente Hugo Chávez não pode parar, necessita manter-se nas manchetes. Acrobata - apesar do peso - não consegue reprimir-se diante de um trapézio. Sente-se obrigado a dar o salto mortal.

O presidente Lula, ao contrário, é um hábil sobrevivente. Sempre soube preservar-se, expert em evitar desafios inúteis. Não havia motivos para esta aceleração. Tudo o favorecia tanto no plano econômico - crucial - como de prestígio internacional. As dificuldades preliminares na corrida eleitoral seriam facilmente contornadas se a equipe palaciana não abrisse tantas frentes simultâneas e acionasse tantos alarmes emergenciais. Agora, novas pressões serão inevitáveis. Lula será cobrado e Lula não gosta de ser cobrado.

A pequena e distante Honduras, quem diria, vai entrar em nossa história.

» Alberto Dines é jornalista

O QUE PENSA A MÍDIA

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FGTS: trabalhador perdeu 13% nos últimos 10 anos

Vivian Oswald e Geralda DocaBrasília
DEU EM O GLOBO


O trabalhador brasileiro já acumula perdas de 13,17% no FGTS nos últimos dez anos, considerando a inflação no período, segundo cálculos da Comissão Mista de Orçamento. Quem tinha depositado no Fundo de Garantia R$ 100 em 2000 hoje tem R$ 88,76, quando descontado o IPCA. Na poupança, o mesmo dinheiro estaria em R$ 118,48. Embora o FGTS tenha obtido lucros bilionários e o saldo hoje chegar a R$ 166 bilhões, o dono deste dinheiro, o trabalhador, tem sido prejudicado porque a rentabilidade das suas contas permaneceu limitada à Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano. Com os cofres cheios, o FGTS tem financiado mais programas do governo, que incluem subsídios à casa própria, o que deve beneficiá-lo às vésperas das eleições, informam Vivian Oswald e Geralda Doca.

FGTS perde até para a inflação

Rendimento foi 13% menor. Lucros do Fundo não são repassados ao trabalhador

DINHEIRO PARA TODA OBRA

Os cofres cada vez mais cheios do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) têm financiado um número crescente de programas do governo, o que deve beneficiá-lo às vésperas da eleição presidencial.

Mas o dono de todo esse dinheiro, o trabalhador, saiu no prejuízo. A perda de quem tem conta foi de 13,17% de 2000 a agosto deste ano, considerando a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O tema voltou ao foco com o debate sobre o uso ou não do FGTS para compra de novas ações da Petrobras, o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou no momento. A estatal precisa ser capitalizada para investir no pré-sal.

Embora o FGTS tenha obtido lucros bilionários e o seu saldo hoje atinja R$ 166 bilhões — depois de ter falido na década de 90 —, a rentabilidade dos trabalhadores permaneceu limitada à Taxa Referencial (TR) mais 3% ao ano. Segundo cálculos da Comissão Mista de Orçamento, quem tinha depositados no Fundo R$ 100 em 2000 hoje tem R$ 88,76, considerada a evolução do IPCA. Ou seja, o dinheiro não foi reajustado nem o suficiente para compensar o que a inflação corrói do poder de compra dos recursos. Na poupança, os mesmos R$ 100 estariam em R$ 118,48. Se tivessem sido aplicados em ações da Petrobras na Bolsa de Valores — investimento que oferece risco —, o poupador disporia de R$ 691,97. Mas, corrigidos pela taxa de juros básica da economia (Selic, usada pelo Banco Central para corrigir títulos públicos), teria R$ 232,50.

O fato é que o lucro líquido do FGTS foi de R$ 18,9 bilhões de 2001 a 2008, segundo cálculos da ONG FGTS-Fácil. Somente no ano passado, chegou a R$ 4,98 bilhões. E nada disso foi repassado ao trabalhador. O patrimônio líquido do Fundo também se multiplicou nos últimos anos. Passou de R$ 8,6 bilhões em 2000 para R$ 30,5 bilhões em junho de 2009, mais de 250% de aumento.

Com subsídios, dinheiro acaba tendo uso eleitoral

Com tanto dinheiro, o FGTS se tornou um poderoso instrumento eleitoral para 2010, pois significa investimentos e subsídios em programas populares que não passam pelo orçamento público. Segundo especialistas, nunca se usou tanto dinheiro do Fundo para subsídios, o que não é o seu papel principal.

Este ano, o governo aproveitou os recursos do FGTS para lançar o programa Minha Casa, Minha Vida — com R$ 12 bilhões, sendo R$ 4 bilhões para 2009. Foi feita uma grande cerimônia, comandada pela chefe da Casa Civil e candidata do governo em 2010, Dilma Rousseff.

Além disso, foram emprestados em torno de R$ 6 bilhões para equalização de juros das taxas do BNDES, e outros tantos bilhões em programas de socorro para a construção civil.

Antes do Minha Casa, Minha Vida, o subsídio máximo para o mutuário era de R$ 14 mil. Agora, é de R$ 23 mil, e já não há uma avaliação prévia do merecimento do desconto no valor do empréstimo para famílias que recebem até três salários mínimos. A taxa mínima de retorno do financiamento também caiu, de 1% ao ano para 0,2%. Segundo Maria Henriqueta Alves, do Conselho Curador do FGTS, as contratações do programa ainda estão baixas. Os bons resultados só devem vir a partir de 2010.

— O dever de garantir acesso à moradia é do Estado e não do conjunto dos trabalhadores.

Está na Constituição — afirma ela.

— O risco de se aumentar os subsídios do FGTS é criar uma situação de insolvência do Fundo a longo prazo, como já ocorreu no passado — explica o economista José Marcio Camargo, professor da PUC-Rio.

Governo influencia mais nas decisões

Embora o Conselho Curador (o regulador do Fundo) seja tripartite, com representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do Executivo, o governo tem a metade dos votos e a palavra final em caso de empate. E, segundo integrantes do conselho, o Executivo tem feito valer cada vez mais o seu peso nas decisões do órgão. Por sinal, centrais sindicais e patronais demandam que o conselho seja paritário, ou seja, um terço dos votos para cada bancada.

O economista Raul Velloso reconhece que o governo usou mais o FGTS durante a crise financeira, o que considera normal, mas afirma que, neste momento, crise e calendário eleitoral se misturam: — De qualquer forma, o governo vai colher os frutos de qualquer gasto que ele faça.

O vice-presidente da Caixa para o Fundo, Moreira Franco, reconhece que há pressões. Mas garante que a gestão da Caixa é profissional e só aceita operações que tragam vantagens de mercado ao Fundo. Não há como os cotistas do FGTS aplicarem neste ou naquele rendimento. Nem se exporem ao risco de ter tudo aplicado em ações.

Tampouco esse é o objetivo do Fundo, criado em 1966. Ele deve financiar a casa própria, o saneamento básico e obras de infraestrutura, além de proteger quem é demitido sem justa causa.

Aécio volta a cobrar recursos

Gabriela Freire
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Durante encontro nacional do PSDB para discutir a sucessão presidencial, governador mineiro reclama novamente da falta de repasse de dinheiro da Lei Kandir

Natal — A concentração de receita nas mãos do governo federal e o ressarcimento aos estados exportadores pelas perdas decorrentes da Lei Kandir foram a tônica do discurso do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, durante seminário nacional do PSDB, realizado ontem, em Natal, no Rio Grande do Norte. Segundo o tucano, além da falta de sintonia entre o Palácio do Planalto e os estados, a má repartição dos recursos gera “ineficiência e desvios”.

“É absurda, crescente e perversa a concentração de receita nas mãos da União. Hoje, mais de 70% do que se arrecada no Brasil ficam nas mãos da União. Estamos deixando de viver na federação para viver em um estado unitário, o que é extremamente grave”, destacou. Os governadores pedem a inclusão no orçamento do ano que vem de um repasse de R$ 5,2 bilhões referentes à Lei Kandir — R$ 3,9 bilhões para 2010 e R$ 1,3 bilhão retroativo a 2007.

O governo federal já sinalizou apenas com a inclusão dos R$ 3,9 bilhões na proposta do ano que vem. Na semana passada, foram a Belo Horizonte representantes da Comissão de Orçamento do Congresso Nacional, que prometeram interceder ao Ministério do Planejamento para que as solicitações dos governadores de todo o país possam fazer parte da peça orçamentária. Os parlamentares ainda visitarão outros estados.

Na sexta-feira, Aécio conversou com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sobre o assunto. “Se alguém acha que a não colocação desses recursos prejudica os estados, é um erro. Prejudica o setor exportador, que é extremamente importante para a economia, para a balança comercial”, argumentou.

Série de encontros

A capital do Rio Grande do Norte sediou mais um evento da série promovida pela direção nacional do PSDB com o objetivo de discutir as eleições do ano que vem. Participaram do encontro os dois pré-candidatos do partido à Presidência da República, Aécio Neves e o governador de São Paulo, José Serra. Os tucanos mostraram total sintonia ao afirmar que ainda é cedo para a definição de nomes e que a “ansiedade” pela escolha é maior no bloco governista.
“Quem tem pressa é o governo. Nós não temos pressa. Somos governantes e temos que governar o Brasil. Quem tem pressa não governa e a nossa responsabilidade é com a administração pública. Ainda temos muito tempo pela frente”, afirmou o governador José Serra.

A proposta é de que o nome apoiado pelo partido seja aquele que tiver mais viabilidade eleitoral ao objetivo tucano de eleger um presidente da República depois de oito anos de gestão do PT. “Eu sou o plano B do Aécio e Aécio é meu plano B”, destacou Serra

Compareceram ao seminário nacional do PSDB lideranças de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Maranhão e Rio Grande do Norte. Esse foi o quarto evento regional realizado pelo PSDB nacional, que já percorreu Aracaju (Sergipe), João Pessoa (Paraíba) e Foz do Iguaçu (Paraná).

Violência e racha com PMDB abalam PT na BA

Matheus Magenta
Da agência Folha, em Salvador
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Estado mais populoso comandado pelo partido enfrenta onda de atentados, desemprego e dengue, temas que a oposição vai abordar em 2010

Jaques Wagner, que tomou controle da Bahia do grupo de ACM após 16 anos, enfrenta racha com Geddel e problemas em áreas-chave

A um ano da disputa pelo governo da Bahia, a oposição aproveita a onda de atentados criminosos em Salvador para tentar desestabilizar a pré-candidatura à reeleição do governador Jaques Wagner (PT), fragilizado politicamente pela recente saída do PMDB da base aliada e pela dificuldade em reduzir os índices de desemprego e de infectados pela dengue.

Quarto colégio eleitoral do país (com 9,2 milhões de eleitores, ou 7% do total), a Bahia é considerada pelo presidente Lula peça-chave na costura da aliança nacional entre o PT e PMDB. É o Estado mais populoso governado por petistas.

Criticada em propagandas políticas e discursos da oposição, a gestão da segurança pública será o alvo prioritário dos principais pré-candidatos de oposição a Jaques Wagner: o ex-governador Paulo Souto (DEM) e o antigo aliado Geddel Vieira Lima (PMDB), ministro da Integração Nacional.

"Esse nível de violência, nunca antes visto na história da Bahia, com certeza será tema central nos debates do ano que vem", afirma Leur Lomanto Júnior, líder do PMDB na Assembleia Legislativa baiana.

O deputado Paulo Rangel, líder do PT na Assembleia, rebate as críticas da oposição e afirma que o problema da violência não atinge apenas a Bahia.

"O governo Wagner aumentou o orçamento da área, nomeou 40 delegados que tinham sido aprovados em 2000 e comprou 3.600 coletes à prova de bala", disse, citando também o índice de homicídios do primeiro semestre deste ano no Estado, menor que o registrado no mesmo período de 2008.

Nos últimos três anos, Wagner aumentou o orçamento de diversas pastas, mas isso não impediu dificuldades em áreas duramente criticadas pelo PT na campanha de 2006 -quando derrotou o grupo político que governou o Estado por 16 anos, que era liderado pelo senador Antonio Carlos Magalhães (DEM), morto em 2007.

Na região metropolitana de Salvador, o número de assassinatos cresceu 31% (de 759 no primeiro semestre de 2007 para 997 no mesmo período deste ano), a dengue bateu recorde (matou 62 pessoas em 2009) e o desemprego atingiu 11,4% da população neste mês.

Como forma de reduzir esses números, o governo contratou 3.200 policiais militares e inaugurou mais de 250 postos de saúde e 1.100 leitos em hospitais estaduais. Foi registrado também neste ano um aumento de 88%, em relação a 2008, no número de indústrias que serão instaladas na Bahia, com investimentos de R$ 1,6 bilhão.

A disputa entre o ministro e Wagner preocupa o presidente Lula, que quer garantir um vice do PMDB na pré-candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência. Ele quer também evitar a criação no Estado de um palanque alternativo para o governador de São Paulo, José Serra (PSDB).

Com 115 das 417 prefeituras da Bahia (Salvador inclusive) e oito deputados (de um total de 63), o PMDB investe pesado para consolidar Geddel como segundo palanque para Dilma no Estado e conquistar partidos indecisos para 2010.

O PT tem 68 prefeituras no Estado e dez deputados estaduais. Apesar da saída do PMDB, Wagner conseguiu manter a maioria na Assembleia, mas precisou criar duas pastas e ceder outras duas a novos aliados (PDT e PP). Também precisou se aproximar de antigos aliados de ACM, como o ex-vice-governador Otto Alencar, conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios.

Principal adversário do PT, Paulo Souto (DEM) fechou aliança com o PSDB e tenta se aproximar do senador César Borges (PR), ex-aliado de ACM que faz parte da base de Lula e também negocia com Geddel.

Serra e Aécio fazem pacto contra definição já de candidato do PSDB

Christiane Samarco, Enviada Especial, Natal
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Em encontro tucano em Natal, presidenciáveis se dizem """muito afinados"" e afirmam que pressa é do governo Lula

Os dois pré-candidatos do PSDB à Presidência da República, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, montaram uma ofensiva conjunta para resistir à pressão da cúpula do partido para antecipar a definição de quem disputará o comando do Planalto em 2010.

O PSDB tem pressa de apresentar seu presidenciável ao eleitor e pressiona Serra para assumir logo que postula a cadeira do presidente Lula em 2010. Para driblar dirigentes nacionais e estaduais que querem forçar uma definição em outubro, Serra e Aécio decidiram reagir e fincar pé no cronograma inicial.

Cada um movido por suas próprias conveniências políticas, ambos trabalham para que a escolha se dê apenas em dezembro. "Tenho conversado muito com o Serra. Temos uma estratégia comum e estamos muito afinados", afirmou Aécio, destacando que os dois se falam "várias vezes por semana por telefone".

Ontem, eles foram as estrelas do quarto encontro nacional do PSDB, que levou tucanos de todos os Estados a Natal (RN) para discutir as propostas de educação e inclusão social que serão levadas aos palanques de todo o País no ano que vem.

"A angústia de escolher um candidato é muito mais do Palácio do Planalto do que dos Bandeirantes e do Palácio da Liberdade", discursou Aécio. "Quem tem pressa é o governo, nós, da oposição, não temos", concordou Serra.

A direção partidária já identificou a resistência da dupla, mas não se dá por vencida. Com o apoio velado de paulistas e mineiros, alguns dirigentes insistem na tese de antecipar a apresentação do candidato e apostam que será possível lançar em novembro, no máximo, o nome do pré-candidato para 2010.

Nenhum dos dois quis assumir a candidatura, mas ambos se comportaram como candidatos em campanha ontem. Serra lembrou que não estarão em jogo no pleito de 2010 "as administrações atual e passada".

"O candidato a presidente no próximo ano não será Fernando Henrique Cardoso nem Lula. O candidato tem de ser eleito pelo que fez, pelo que faz e pelo que pretende fazer no País. O que estará em disputa é o futuro, é o que o Brasil precisa ser mais adiante e não ser vítima de uma irresponsabilidade do presente", frisou Serra.

FOTOS

Além de reafirmarem que estarão juntos, quem quer que seja o escolhido, Serra e Aécio procuraram ainda exibir a unidade não só no seminário como no restaurante regional em que o tucanato se reuniu para almoço. Os dois desfilaram pelas mesas lotadas e Serra fez questão de se mostrar simpático. Posou ao lado da mesa em que estavam cinco jovens potiguares e se ofereceu para se deixar fotografar.

Por fim, sugeriu que, se sobrasse "algum votinho", poderiam dá-lo a Aécio, que sorria seu lado: "Isto Serra. Peça voto para mim." Em sua passagem por Natal, Serra era só bom humor.

Em defesa da tese de deixar a escolha do candidato tucano para dezembro, lembrou que a tarefa de ambos é governar Minas e São Paulo, que reúnem um terço da população brasileira e representam 43% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. "Não se governa fazendo campanha", insistiu Serra. E disse que ele e Aécio fazem política, mas sem pressa.

O mineiro ponderou que, diferentemente das queixas de alguns, nenhuma negociação de aliança nos Estados está parada. "Há uma convergência absoluta entre nós. Não existe Estado brasileiro em que eu defenda que a aliança deva ser para um lado e Serra, para outro", afirmou, na tentativa de mostrar que a formação dos palanques estaduais tem avançado sem problemas.

Colaborou Anna Ruth, especial para O Estado

Quércia: 'Temos poder para fazer a aliança com o PSDB''

Clarissa Oliveira e Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Aliado dos tucanos em São Paulo, o ex-governador Orestes Quércia (PMDB) disse não "confiar" na aliança com o PT em 2010 e na disposição do PT de dar a vice-presidência para o seu colega de partido Michel Temer, presidente da Câmara. "Eu nem acredito que o PT dê a vice-presidência para ele."

Na contramão de Temer, que em entrevista ao Estado defendeu que a aliança PT-PMDB seja definida em outubro, Quércia disse que será a convenção, apenas em junho, que decidirá quem o partido apoiará. "É um grupo no PMDB que pretende apoiar e não quer conversar com ninguém." As declarações do ex-governador já têm um tom de racha, tradicional no PMDB a cada eleição. "A mesma esperança que eles têm de que o PMDB apoie a candidatura do PT nós temos no sentido de virar. Quem manda no partido é a convenção", afirmou.

Para Quércia, a "posição de São Paulo" de fechar com o PSDB é "incontestada". Abaixo, a entrevista concedida na sexta-feira em seu escritório.

Com o foi a reunião com a cúpula do PMDB semana passada?

Estivemos lá eu, Jarbas (Vasconcelos) e Ibsen Pinheiro, representando o Pedro Simon, por causa das declarações do presidente do partido de que teria se definido pela candidatura da Dilma. Sou da Executiva Nacional e ninguém me chamou para falar sobre esse assunto. Mesmo essa questão de eventual candidatura do Michel, ele nunca falou, nunca conversou com ninguém. Nossa expectativa é de que as coisas vão mudar muito. Mas, se conversar, a gente sente que é possível ter uma solução boa.

Solução boa é o quê? Apoiar o candidato do PSDB?

O que colocamos é que o raciocínio está errado. O comando nacional vai definir, mas não chamou o comando nacional? Não é Exército, não é regime militar. O comandante manda, dá a ordem e se cumpre. Política é conversar, é diálogo, é debate. Ficou definido, no final da reunião, que o Michel iria convocar outra reunião para continuar debatendo.

Espera-se que a aliança com o PT seja anunciada em breve.

Quem anuncia isso? É o presidente do PMDB? Não, é o presidente do PT. Então, significa que o PT está mesmo mandando no PMDB. Não é o PMDB. É um grupo no PMDB que pretende apoiar e não quer conversar com ninguém.

O PMDB vai rachar de novo?

Não queremos que o PMDB rache. Até porque temos esperança. A mesma esperança que eles têm de que o PMDB apoie a candidatura do PT nós temos no sentido de virar. Quem manda no partido é a convenção.

Há a sensação de que a negociação com o PSDB é projeto pessoal do sr. para se lançar ao Senado.

É da Executiva do partido em São Paulo. Não é meu.

Quem está com o sr. nesse plano?

Todo o PMDB de São Paulo. Na reunião, eu coloquei isso. A posição de São Paulo é incontestada. Nem o Michel nunca contestou, que é nosso deputado federal. Essa posição é legítima, apoiada unanimemente.

Além de São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul, quem mais?

Santa Catarina. Não está definido o Rio Grande do Sul, mas tenho certeza de que vai definir. Temos esperanças no Mato Grosso do Sul e em Goiás.

O sr. diz que o PMDB paulista está fechado. Mas a decisão ocorreu quando não era tão forte a possibilidade de Temer ser vice. São Paulo não pode rever a posição?

Não. Nossa posição é de apoio à campanha do PSDB para o governo e de Serra para presidente. Se não conseguirmos na convenção, em São Paulo temos poder para fazer a aliança com o PSDB. Mesmo sem a aliança nacional.

Mesmo com o Temer na vice?

É. Por que vamos protelar o processo? Tudo bem, eu respeito muito o Temer. É uma liderança muito importante. Mas não vai mudar São Paulo.

O PMDB de São Paulo fará a campanha do Serra mesmo tendo a vice de Dilma com o Temer?

Não posso dizer isso, porque não sei o que vai dizer a convenção do partido. Quero fazer isso. Pretendo fazer isso. Vou propor à convenção nacional do partido apoio ao Serra para poder fazer isso.

E o palanque nacional?

O palanque nacional vamos decidir na época. Isso não é hora de decidir. A hipótese com que eu trabalho é a de apoiar o Serra para presidente. Vejo condição para isso. Quem está demonstrando claramente essa possibilidade sou eu? Não, é o Michel Temer. Porque eles estão precipitando. Por que estão fazendo isso? Eles querem segurar o processo.

Por que não fazer aliança com o PT?

Quando fui candidato a senador, havia um compromisso de me ajudar. E eles não cumpriram o compromisso.

O sr. acha que o PT vai deixar de cumprir compromissos se firmar uma aliança em torno da Dilma?

Não sei. Eu não confio na aliança com o PT. Agora, se os outros confiam, o que é que eu posso fazer? Eu não confio.

O sr. apoiou o presidente Lula lá atrás.

Eu apoiei o projeto, e ele não foi executado. Não cumpriram esse programa. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) conseguiu fazer 7% das obras anunciadas. Existem 29% em andamento e 64% não saíram do papel.

O PT diz que o sr. desembarcou do programa petista porque não teve espaço para cargos.

Nem nunca quis. Nas conversas em que fui consultado, nunca reivindiquei cargo nenhum. Tenho alguma coisa pessoal contra o Lula? Não, nunca tive. Sempre foi muito simpático comigo. Ajudei a organizar o apoio do PMDB ao governo Lula. Ajudei a somar o partido em torno do Michel. Mas estou convencido de que é ruim para o País continuar com o PT no governo. Gostaria de estar brigando pela candidatura do PMDB. Infelizmente, não é possível.

O senhor está se sentindo atropelado nesse processo de aliança?

O raciocínio deles é "vamos decidir o nacional e todo mundo vai ter de seguir". Vai decidir não em nome do partido, em nome de uma discussão, de um debate. Se decidir. Espero que isso não venha a acontecer. Estou convencido de que o Michel Temer vai cumprir o compromisso que ele assumiu comigo, com o Jarbas e com o Ibsen Pinheiro de continuar a discussão.

Mas, no final, o PMDB sempre acaba indo com o governo, não?


Não deveria. Lembro que na campanha passada lutei muito para ter candidato próprio. Dessa vez, percebi que era difícil. Fizemos a aliança em São Paulo já prevendo a hipótese de apoiar o Serra. Se o Brasil continuar com o governo do PT sem o Lula vai ser a pior coisa que pode acontecer. Tenho obrigação de fazer alguma coisa. E acho que, hoje, é brigar como puder para ajudar o Serra. Porque eu adoro o Serra? Não. Há um processo em andamento, de que é a melhor alternativa para o País. Se amanhã ele não for o candidato do PSDB, vamos apoiar o Aécio. Que representa aquilo que o Serra também representa.

O sr. apoiaria o Serra mesmo que retirassem a legenda para o sr. disputar o Senado?

Não sou ambicionado desesperadamente para ser senador. Evidentemente, acho que teria de ser do PMDB esse senador.

A ala governista diz que ficou resolvido que a definição das alianças deverá ser antecipada.

Confira com o Ibsen, o Jarbas. Temer ainda pediu para eu ser mais manso na minha declaração, pois estava cheio de jornalistas lá fora. Eu disse "tudo bem, vou ser manso".

Se ele não estivesse na liderança do partido seria mais fácil fazer a negociação que o sr. quer?

Eu o ajudei a ser presidente.

E agora ele trai o sr.?

Ele não está traindo. Está sendo pressionado pelo outro lado, pelas circunstâncias. Pode ser que ele goste da circunstância de ser vice-presidente. E eu nem acredito que o PT dê a vice-presidência para ele. Eu não acredito.

Por quê?

É subjetivo. Difícil explicar por quê. Tem muita gente que não acredita. Não sou só eu, não. Gente do Michel não acredita.

Mas o que dá esse argumento para o sr.?

É uma impressão. Evidentemente, interessa a eles dizer que o Michel é o vice. Aí São Paulo está envolvido. É o vice de São Paulo. Não sei se é para valer.

É jogo de cena?

Pode ser. Não acredito que eles vão apoiá-lo. Vocês vão ver isso acontecer. Não existe nada oficial. Dizem que o Michel seria bom. Mas aí, a maioria não quis, essas coisas. Tenho uma falha política. Sou muito sincero em tudo. Não costumo mentir nunca. Falo aquilo que eu penso.

Como o sr. vê a discussão do candidato a governador em São Paulo?

Há dois candidatos, o Aloysio e o Alckmin. Basicamente, vai depender do PSDB e do Serra.

Se Aloysio for candidato, Alckmin pode ir para o Senado. Aflige o sr.?

São duas vagas.

O DEM tem resistência ao Alckmin, setores do partido ameaçam lançar o Kassab?

Não existe isso. Kassab não é candidato.

Mas seria bom a Alda Marco Antônio na Prefeitura de São Paulo?

Seria ótimo. Se o Kassab fosse candidato, acho que teria condições de se eleger.

Poderia ser um prêmio de consolação caso o PSDB tire do senhor a legenda para o Senado?

Pode ser. Fechado. Pronto.

Candidato será menor que partido em 2010

João Domingos, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Desde 1989, concorrentes tinham mais peso político que suas siglas

A eleição presidencial de 2010 terá pelo menos duas novidades marcantes na fase pós-redemocratização. Pela primeira vez, Luiz Inácio Lula da Silva não será candidato a presidente e, também fato inédito, nenhum dos pretendentes a chefe do Executivo será maior do que o partido, característica que marcou todos os pleitos desde 1989.

Na eleição em que se elegeu (1989), Fernando Collor era maior que o nanico PRN, que ele mesmo fundou e nunca prosperou. Lula, que disputou com Collor, já era maior do que o PT, do qual é fundador.

Em 1994, Fernando Henrique Cardoso apareceu como herdeiro de Itamar Franco - que havia feito um governo de coalizão após a queda de Collor, em 1992 - e do Plano Real. Era maior do que o PSDB, fundado seis anos antes. Reeleito em 1998, FHC pôde apresentar a bandeira da estabilidade econômica e da inflação sob controle.

Já em 2002, Lula se elegeu na quarta tentativa. Pôde apresentar um nome muito maior do que o PT. E, em 2006, enquanto os petistas afundavam no escândalo do mensalão, Lula tirava proveito do fato de não ter deixado a crise colar em seu nome.

CONTINUIDADE

Candidata imposta por Lula, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, vai para a campanha com dois problemas: não construiu sua candidatura a partir de si mesma nem pela força no partido. Lula fez esse trabalho para ela. E ela é bem menor que o PT, ao qual aderiu após uma temporada no PDT.

"O segredo para Dilma vencer a eleição e a questão de ter um nome menos conhecido do que Lula é ela se identificar com o crescimento, a geração de emprego e renda, a inflação controlada, de nosso governo, mostrando que está no caminho certo", disse o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP).

No Palácio do Planalto, a orientação é para que Dilma apareça mais e use as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para se tornar conhecida. De acordo com um auxiliar de Lula, ela deve mostrar sempre que "pertence a um governo vitorioso, que não só vai continuar a administração de Lula como fará mais para a área social, educação, saúde, segurança". Dá, de acordo com os palacianos, para mostrar Dilma como boa gestora.

TUCANOS E CIRO

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), acha que uma forma de os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas, os dois pré-candidatos à Presidência, aparecerem bem para a população é colar no partido. "O PSDB tem o que mostrar. Então, vamos mostrar o que aconteceu no governo FHC e o que está acontecendo em nossos governos, tanto em São Paulo quanto em Minas. É o segredo para ter um bom desempenho na eleição e vencer. O eleitor já não quer nomes. Quer trabalho."

No caso de Ciro Gomes (PSB), a intenção dos articuladores é dizer que ele foi ministro de Lula e sempre o apoiou em todos os momentos do governo. Ou seja, Ciro sabe que, para ter condição de disputar a eleição com chance de vencer, não pode ficar apenas fazendo pregação de difícil entendimento para o eleitor mais simples, pois o importante é fazer-se próximo de Lula, mais até do que Dilma.

Das candidaturas expostas, a mais identificada com a causa que defende é Marina Silva, do PV. Para o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), ela tem condição de buscar o "voto do sonho", do eleitor desapontado com candidatos e governos, além de conquistar a juventude. O PV pretende vender a ideia de que Marina é o exemplo da esperança que pode tocar cada um dos brasileiros - a sobrevivente que abraçou uma causa, a da preservação do meio ambiente. Difícil será avançar, deixando a armadilha de uma candidatura monotemática.

Mercado teme ''viés heterodoxo'' de Dilma e Serra

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Analistas já trabalham com uma política econômica mais intervencionista após eleição presidencial de 2010

O crescimento dos gastos permanentes no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez com que o mercado financeiro alimentasse reticências em relação à candidatura governista, aumentando o que analistas chamam de "risco Dilma". Diferentemente da disputa de 2006, quando o mercado avalizou a reeleição petista, a corrida do ano que vem começa marcada com a incerteza sobre o cunho expansionista da candidata do PT e o chamado "risco Serra", calcado no temor de que o tucano poderia alterar os rumos da política monetária, caso eleito.

O mercado começa a precificar o que chama de "risco da heterodoxia", uma vez que os dois nomes dos principais partidos na corrida, PT e PSDB, detém uma visão mais à esquerda a respeito da condução da política econômica e do papel do Estado na economia. Admitem, no entanto, que, apesar do viés heterodoxo, serão mantidos os fundamentos da economia brasileira - o tripé formado por superávit primário, metas de inflação e taxa de câmbio flutuante.

A inquietação é com uma eventual terceira gestão petista que intensifique o crescimento dos gastos com pessoal, encargos sociais e benefícios, interferindo na capacidade de o País crescer no médio prazo - principalmente num cenário de queda de arrecadação. "O tema no Brasil continua sendo o fiscal", afirmou Mauro Leos, analista-chefe de crédito da Moody"s para a América Latina. A agência de classificação de risco americana acabou de conceder grau de investimento ao País. Em seu relatório, Leos falou em "deterioração" das contas fiscais. "No curto prazo, há componentes também políticos. Em 2010 há eleições e em qualquer país os governos tendem a aumentar os gastos", disse em entrevista ao Estado.

De acordo o Tesouro, os gastos com pessoal e encargos sociais passaram de R$ 75,8 bilhões para R$ 130,8 bilhões entre 2003 e 2008. A previsão é de que em 2009 cheguem a R$ 153,8 bilhões. O mercado já aposta que o superávit primário de 2010 será de 2,5% do PIB - menor que a meta de 3,3%.

"A política fiscal do governo foi uma até 2004. A partir daí começou a mudar, quando a sugestão de se promover um ajuste de longo prazo foi chamado de "rudimentar" pela Dilma, e Lula definiu que a política seria "desenvolvimentista"", declarou o economista Alexandre Marinis, um dos maiores especialistas em contas públicas do País. Para Roberto Padovani, estrategista-chefe do WestLB, as contas públicas apresentam hoje "o pior resultado fiscal em dez anos". "É uma combinação de aumento de gastos com queda brusca na receita. E a queda tem a ver com a crise", afirmou.

Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Banco Santander e ex-diretor do BC, diz haver "preocupação com o perfil dos gastos, que não estão concentrados em investimento". "Todos os países gastam para reverter a crise, mas aumentam investimento e não contratação", disse Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

O mercado já embute o "risco político" no juro futuro, que sobe com a perspectiva de maior pressão inflacionária com mais gastos. Para críticos desse movimento, no entanto, a disseminação do medo é proporcional aos ganhos com as apostas de alta.

O viés estatizante do segundo mandato de Lula, com a criação da Petrosal e o fortalecimento das estatais, e o enfraquecimento de agências regulatórias contribuem para o olhar desconfiado. Em 2002, o candidato Lula editou a Carta ao Povo Brasileiro, em que prometia honrar os contratos, para apaziguar o mercado. Na eleição seguinte, lua de mel. O bom humor ainda se apoiava na política de ajuste fiscal da equipe do então ministro da Fazenda Antonio Palocci. Do lado tucano, críticas frequentes de Serra à política monetária e ao câmbio fazem com que analistas apostem que ele será menos conservador e mais intervencionista na condução da política econômica.

Lula verbalizou a percepção do mercado de que não há candidato de direita. "Antes, era o de centro-esquerda ou o de esquerda contra os trogloditas de direita. Agora, uns podem não ser tão de esquerda quanto eram, mas não tem problema", disse.

Para Schwartsman, "não há campeão de mercado livre nesta eleição". "Ambos têm uma visão mais intervencionista. São pessoas que me parecem mais semelhantes do que diferentes. É mais uma diferença de estilo do que de substância", completou. Marinis acha que "não há diferença substancial entre a política fiscal do governo Lula e a do governo Serra nos últimos anos". "Ambos se calcaram na maior arrecadação para expandir gastos", declarou Marinis.

Padovani questiona o "barulho". "O mercado trabalha com ruído, não com ruptura. Não dá para dizer quem vencerá, mas a política será a mesma. As pessoas podem se preocupar mais com um ou com outro, mas nada como ruptura."

Portugal: As opções para a formação do novo governo

DEU NO PÚBLICO

Quando logo à noite forem apurados os votos e estabelecido um resultado eleitoral, o país ficará a saber quem ganha e quem perde estas legislativas, mas também o quadro parlamentar que terá de ser lido e interpretado pelo Presidente da República para dar início ao processo de formação de Governo.

Esse processo reserva muito pouca margem para improvisos e para a autonomia de decisão por parte de Cavaco Silva, já que a sua acção está determinada no "livrinho" que contém as regras que estruturam o sistema democrático português, a Constituição. Aí, o artigo 187.º indica que "o primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais".

Maioria absoluta

Ainda que sem grande autonomia e sem espaço para improvisos, o que pode acontecer a partir de logo à noite tem múltiplos caminhos. Como linha divisória básica para saber como será constituído o próximo Governo está a existência ou não de uma maioria absoluta no Parlamento, o que significa que podem eleger metade mais um dos 230 deputados que constituem a Assembleia da República.

Será ao Parlamento que sair hoje das urnas que caberá servir de base de apoio ao Governo durante a próxima legislatura que durará no seu ciclo normal quatro anos.

Do ponto de vista teórico, todos os partidos concorrentes podem obter a maioria absoluta dos deputados, já que a palavra final é do soberano, que é como quem diz os eleitores, através da expressão do seu voto. Mas a tradição eleitoral portuguesa indica que os partidos que se posicionam para disputar essa vitória são o PS e o PSD.

É claro que havendo maioria absoluta a margem de ponderação e de iniciativa do Presidente diminui. A situação é então clara e Cavaco Silva terá de chamar o partido ganhador para que este indique o nome do primeiro-ministro que deverá ser nomeado para formar Governo.

Se as urnas voltarem a dar 116 ou mais deputados a um dos partidos que se candidatam, tudo está então decidido, como já aconteceu no passado com vitórias quer do PSD (1987 e 1991), quer do PS (2005).

Minorias e acordos

No caso de os resultados não apontarem para uma maioria absoluta de nenhum partido, a leitura que o Presidente venha a fazer depende do tipo de maioria relativa que venha a existir. Explicando melhor, uma coisa é um partido ganhar sem maioria absoluta mas com uma maioria expressiva.

Caso disso foi, por exemplo, a vitória do PS de António Guterres em 1999: o PS obteve 115 mandatos parlamentares e ficou no limiar da maioria absoluta, pelo que não havia dúvidas sobre a certeza da vitória.

Mas um partido pode obter uma maioria relativa baixa, ou seja, cujo resultado se aproxime do partido que fica em segundo lugar. Aí cabe ao Presidente da República ponderar sobre a forma como deve indigitar o primeiro-ministro a formar Governo. Isto é, se deve aconselhar o partido ganhador a iniciar conversações para garantir uma maior base de apoio parlamentar.

É certo que, neste caso, o próprio partido vencedor tem capacidade de decisão e é sobretudo a ele que cabe optar por apresentar sozinho o programa de Governo no Parlamento, ou se prefere conversar e negociar com outro partido um acordo.

No caso de querer governar sozinho, é certo que terá de ir negociando na assembleia apoios que permitam a sua sobrevivência institucional e política e a governação. Mas se quiser negociar com um partido parlamentar parceiro a questão não é fechada.

Isto porque um partido ganhador pode convidar um outro partido para formar uma coligação com direito a ter lugares no Governo e a indicar ministros. Como podem estabelecer um acordo apenas de incidência parlamentar e sem participação no Governo.

Falências e iniciativas

No entanto, há ainda um terceiro círculo de caminhos para a obtenção de soluções de governo, os quais dão um maior poder de iniciativa ao Presidente.

É que, se face a uma minoria relativíssima de um partido, o vencedor insistir em governar sozinho e em não fazer qualquer acordo com outro parceiro parlamentar, o Presidente da República está obrigado a nomeá-lo. Só que este dificilmente sobreviverá no Parlamento.

A primeira prova é o momento da apresentação do programa de Governo. É certo que este documento não é votado. E só será indirectamente votado se o primeiro-ministro avançar para um voto de confiança ou a oposição apresentar uma moção de censura. Se nada acontecer, o Governo continua a tentar sobreviver parlamentarmente, o que será difícil, sobretudo nos momentos chave, como o da aprovação dos orçamentos do Estado.

Ora, como o Parlamento não pode ser dissolvido nos seis meses a seguir à tomada de posse dos deputados, o Presidente não pode, numa situação dessas, convocar novas eleições e terá então de optar por uma solução de recurso.

Nesse caso, pode pedir de novo ao mesmo partido que forme Governo, mas que negoceie um acordo com outros partidos e o Presidente pode mesmo ter uma participação activa nas negociações para a formação do executivo. Ou pode até convidar os partidos minoritários a formarem entre si um governo com viabilidade parlamentar e dar posse a um primeiro-ministro que não seja membro do partido vencedor das eleições. Ou seja, há múltiplas hipóteses de saída para o processo eleitoral que hoje vive o momento decisivo da ida às urnas. E, dentro destas hipóteses, há diversas combinações resultantes do número de partidos concorrentes. Daí que tudo esteja em aberto e na mão do eleitor.

Merkel tem reeleição ameaçada por avanço da oposição nas pesquisas

DEU EM O GLOBO ONLINE

BERLIM - Numa das maiores crises econômicas da história do país, a Alemanha elege neste domingo um novo Parlamento. A chanceler federal Angela Merkel, de 55 anos, que veio da extinta Alemanha Oriental, tenta uma reeleição pela União Democrata Cristã (CDU) com o apoio dos liberais (FDP). Segundo as pesquisas, porém, Merkel perdeu vários pontos nas últimas semanas, e teria no momento apenas 33% das intenções de votos. É o que informa a reportagem da correspondente Graça Magalhães-Ruether, publicada na edição do GLOBO deste domingo.

- Teremos uma guerra de nervos até a contagem dos votos - disse Manfred Güllner, do Instituto Forsa, referindo-se à insegurança sobre os possíveis resultados, já que um terço dos eleitores ainda estava indeciso às vésperas da votação.

O candidato do bloco da esquerda, Frank-Walter Steinmeier, de 53 anos, atual ministro do Exterior, do Partido Social Democrata (SPD), que teria entre 25% e 27% das intenções, tem poucas chances de vitória. Mas conseguiu melhorar sua fatia após o debate televisivo com a chanceler, no último dia 13, quando venceu na disputa de simpatia.

Salário mínimo e energia atômica, as divergências

Seja qual for o vencedor hoje, os desafios serão enormes. Para o analista Andrew Denison, de Bonn, a crise atual é ainda maior do que os desafios da reunificação alemã.

Entre as polêmicas que poderão pesar na decisão dos eleitores estão o projeto do SPD de criação de um salário mínimo e a política antienergia atômica - as principais divergências entre Steinmeier e Merkel.

Da embaixada, Zelaya prega revolta

Fabiano Maisonnave
Enviado Especial a Tegucigalpa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, abrigado na Embaixada brasileira há mais de seis dias, exortou ontem a população do país a “promover atos de desobediência civil” contra o regime de Roberto Micheletti.

“Chamamos (o povo) à resistência para vencer aos que nos roubaram a paz, e a organizar-se, em cada aldeia, bairro, povoado, município, para fazer atos de desobediência civil contra a ditadura”, diz comunicado.

A incitação contraria uma orientação do governo do presidente Lula. O chanceler Celso Amorim pedira a Zelaya que não fizesse a partir da embaixada “qualquer tipo de manifestação que possa ser interpretada de maneira equivocada”.

Ocupada por 63 pessoas, a embaixada brasileira começa a ter uma rotina.

Zelaya pede desobediência civil em Honduras

Dentro da embaixada brasileira em Tegucigalpa, presidente deposto chama "cada bairro e povoado" para "resistência"

Chanceler brasileiro, Celso Amorim, pedira a Zelaya que evitasse "manifestação que possa ser interpretada de maneira equivocada"

Contrariando orientações do governo Lula, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, abrigado na embaixada brasileira há seis dias, exortou ontem a população do país a "promover atos de desobediência civil" contra o regime de Roberto Micheletti.

"Chamamos [o povo] à resistência para vencer aos que nos roubaram a paz, e a organizar-se, em cada aldeia, bairro, povoado, município, para fazer atos de desobediência civil contra a ditadura", diz o comunicado, distribuído no final da tarde de anteontem aos jornalistas que também estão dormindo na embaixada, entre os quais a reportagem da Folha.Em conversa telefônica, o chanceler Celso Amorim havia pedido a Zelaya que não fizesse a partir da embaixada "qualquer tipo de manifestação que possa ser interpretada de maneira equivocada", como definiu anteontem, em Nova York.

As constantes declarações de Zelaya exortando à desobediência e as duras respostas de Micheletti têm turvado ainda mais a possibilidade de reabertura dos diálogos entre os dois lados. Na quarta-feira, um emissário do governo golpista visitou a embaixada, mas todos concordaram que não houve avanços reais.

Apesar de apenas uma porta separar Zelaya da imprensa, o presidente deposto preferiu se comunicar via nota. Para economizar papel, foi feita apenas uma cópia, passada de mão em mão entre os nove jornalistas que estão no local.

Na mesma nota, Zelaya diz que "se encontra bem de saúde" depois de a embaixada brasileira ter sido atingida anteontem por um gás não identificado. Ele comparou o episódio "às temíveis duchas nazistas dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial".

O incidente provocou mal-estar entre algumas das 63 pessoas abrigadas no prédio, entre os quais um funcionário da embaixada. Este repórter sentiu o cheiro de gás, semelhante a um pesticida, mas não foi afetado. Três médicos foram autorizados a entrar para examinar os afetados pelo gás, incluindo Zelaya, mas ninguém precisou de cuidados médicos adicionais.Micheletti diz que não houve ataque de gás contra a embaixada e tem dito que respeitará a soberania da representação.

O Conselho de Segurança da ONU condenou os "atos de intimidação" contra a embaixada brasileira, cercada desde a última terça-feira por policiais e militares e que teve a luz e a água cortadas no início da semana -os telefones fixos seguiam inoperantes.

Por determinação de Zelaya, seguranças dele e de sua família entregaram 17 pistolas a um funcionário da embaixada brasileira, na última quarta. As armas continuam dentro do prédio, em uma sala à qual os militantes não têm acesso.

Apesar de proibição do Itamaraty, parte dos seguidores de presidente deposto continuam usando panos para esconder o seu rosto, principalmente quando estão vigiando a entrada do local.

Na Venezuela para a 2ª Cúpula América do Sul-África, Lula voltou a condenar o golpe, e o Brasil liderou a preparação de comunicado conjunto que exorta o governo golpista a reconduzir Zelaya ao cargo e a respeitar a inviolabilidade da embaixada brasileira.

Manifestações

Também ontem, manifestantes pró-Zelaya -estimados em "milhares"- saíram às ruas de Tegucigalpa para revindicar a restituição do presidente deposto. As manifestações foram convocadas para marcar os 90 dias do golpe de 28 de junho.

"Mel [apelido de Zelaya], amigo, o povo está contigo", entoavam os apoiadores do presidente deposto, que atravessaram uma das principais avenidas da capital hondurenha.

Durante todo o trajeto, os manifestantes foram observados por centenas de policiais e militares, que portavam equipamentos antimotim. Não houve registro de confrontos.

Ao chegar às cercanias da embaixada brasileira, os manifestantes interromperam a caminhada para proferir novos versos, enquanto forças de segurança mantinham bloqueado o acesso à representação.

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