quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ação arriscada

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A esta altura dos acontecimentos, parece claro que o governo brasileiro meteu-se em uma séria confusão internacional ao dar apoio a uma manobra irresponsável do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que visava criar um fato consumado com o retorno a Honduras do presidente deposto Manuel Zelaya. Não está claro se o governo brasileiro participou diretamente da organização do plano de reintrodução de Zelaya em seu país, mas é difícil acreditar que ele tenha simplesmente “se materializado” na embaixada brasileira, segundo definição pitoresca de um funcionário diplomático.

Como o deposto presidente chegou à fronteira em um avião venezuelano, e o próprio Chávez anunciou com antecedência sua chegada a território hondurenho, o mínimo que pode ter acontecido é Chávez ter criado um fato consumado para o governo brasileiro, colocando o Brasil no centro de uma crise que ele não precisava assumir como parte, mas na qual tinha obrigação de atuar como mediador neutro.

Dando suporte a Zelaya, inclusive permitindo que ele faça de nossa embaixada em Tegucigalpa um palco para suas atividades políticas, numa atitude sob todos os aspectos ilegal à luz do Direito internacional, o governo brasileiro está claramente interferindo na política interna do país, assumindo um papel de potência imperialista que sempre foi evitado por nossa política externa.

Dando a Zelaya um status confuso, de “abrigado” ou “refugiado” em vez de “asilado”, o governo brasileiro permite que ele se aproveite da situação ambígua para atuar politicamente.

Mais uma vez, assumindo a posição de Chávez, o governo brasileiro deixa de ter credibilidade política para negociar como mediador na região que deveria liderar naturalmente.

Pela mesma razão, o Brasil deixou de ser confiável para a Colômbia quando decidiu participar de maneira mais ativa do que deveria de uma ação propagandística de um resgate frustrado da senadora francesa Ingrid Bettancourt, sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Assumindo como uma operação institucional o que não passava de uma farsa, e sobretudo tratando o grupo guerrilheiro como uma força política legal, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, procurava ao mesmo tempo desmoralizar o presidente colombiano, Álvaro Uribe, e fortalecer-se como um canal de negociação eficiente diante da França.

No caso atual, está claro que o presidente Manuel Zelaya, a exemplo de outros governantes da região, como Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador, seguindo os passos da “revolução bolivariana” de Chávez, perseguia a mudança da Constituição de seu país em busca da possibilidade de reeleição.

A base teórica da manipulação dos referendos para mudar constituições e dar mais poderes aos presidentes da ocasião é o livro “Poder Constituinte — Ensaio sobre as alternativas da modernidade”, do cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.

Essa influência foi admitida pelo próprio Chávez em um de seus programas radiofônicos ainda em 2006, quando ele anunciou que estavam entre eles “um filósofo, escritor e ativista italiano, Toni Negri.

(…) Por aqui temos seguido suas teses, Toni Negri: O poder constituinte”.

Para Negri, “ o poder constituinte é uma potência criadora de ser (...) e apenas o processo constituinte, as dimensões determinadas pela vontade, a luta e a decisão sobre a luta definem os sentidos do ser”.

O filósofo italiano diz que “o medo despertado pela multidão” faz com que o poder constituído queira impedir sua manifestação através da constituinte: “A fera deve ser dominada, domesticada ou destruída, superada ou sublimada”.

Antonio Negri considera que o “poder constituído” procura tolher o “poder constituinte”, limitando-o no tempo e no espaço, enquanto o dilui através das “representações” dos poderes do Estado.

Em uma definição mais popular, Evo Morales diz que se trata de uma nova maneira de governar através do povo.

Defendem, na prática, a “democracia direta”, o fim das intermediações próprias dos sistemas democráticos.

A mania de personalizar o poder, transformando-se em um salvador da pátria que deve permanecer no governo quanto mais tempo possível, para o bem de seu país, não tem ideologias na região.

Também o presidente conservador da Colômbia, Álvaro Uribe, está empenhado em mudar a Constituição através de um plebiscito para poder se candidatar mais uma vez à Presidência.

No caso de Zelaya, no entanto, a gravidade da tentativa foi maior, porque a Constituição hondurenha tem como cláusula pétrea, que não pode ser modificada, a proibição da reeleição. Diz seu artigo 239 que “nenhum cidadão que já tenha ocupado o cargo de chefe do Executivo poderá ser presidente ou vicepresidente”.

O governo Zelaya anunciou que faria uma consulta popular para saber se a maioria queria que, na eleição de novembro, houvesse uma “quarta urna” para convocar uma Assembleia Constituinte.

Aparentemente, não haveria conflito de interesses, pois, se aprovada na eleição, a Constituinte seria convocada sob o comando do novo presidente eleito na mesma ocasião.

Mas, na publicação do decreto, o governo o intitulou como “Consulta de Opinião Pública Convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte”, o que poderia dar margem a que o resultado da consulta, caso favorável, fosse considerado como uma aprovação à convocação imediata da Constituinte.

O Congresso e a Corte Suprema consideraram ilegal a convocação, e Zelaya foi deposto de maneira violenta pelo Exército e enviado à força para o exterior, o que lhe dá o pretexto de se considerar vítima de um golpe de Estado.

O governo brasileiro deveria considerar as especificidades da situação e trabalhar como mediador da crise, e não alimentá-la com uma ação irresponsável, que já está provocando mortes.

Correção de rumo

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Não é necessário um grau muito apurado de observação para notar algo de esquisito na opção preferencial do presidente Luiz Inácio da Silva pela candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff.

Qualquer um, profissional ou amador, ao menos desconfia de que Lula já tenha percebido que a "companheira" não é do ramo nem tem a veleidade de vir a ser.

Os mais atentos lembram-se de um raciocínio, várias vezes repetido pelo presidente, dizendo que o nome de sua escolha para concorrer à sucessão não seria anunciado com antecedência porque isso significaria expor o pretendente aos efeitos do sol e do sereno, "queimando" suas possibilidades.

Em meados de 2007 Lula dizia o seguinte: "Quando você cita um nome com antecedência você está queimando esse nome. Primeiro, você queima internamente, com os possíveis pré-candidatos; depois, na base aliada com os candidatos dos outros partidos e, finalmente, os adversários e a imprensa colocam uma flecha direcionada para ele 24 horas por dia. Por isso, penso que o nome de ser mantido sob segredo de Estado."

Seis meses depois (em fevereiro de 2008) e quase três anos antes da eleição, Lula contrariou as próprias palavras - lançando a "mãe do PAC" na pista de testes -, mas talvez não tenha contrariado o próprio pensamento.

Cumpre lembrar que àquela altura não se falava em candidatura governista. Só a oposição ocupava esse espaço. Lula precisava ocupá-lo também, sob pena de já no meio do segundo mandato passar a impressão de fim de festa, deixando que os adversários representassem desde então a tão idolatrada expectativa de poder.

Ademais, era preciso criar uma perspectiva eleitoral para 2010, a fim de enfrentar a eleição municipal de 2008. Um parêntese: na qual ficou comprovada a limitada eficácia da transferência de votos pura e simples.

Os petistas credenciados anteriormente para o posto de candidato a presidente haviam sido obrigados a se retirar de cena por causa de escândalos. Uma alternativa fora do PT, como Ciro Gomes, do PSB, não soaria agradável aos ouvidos petistas, haveria reação.

A solução Dilma apresenta-se, então, perfeita para a circunstância: é filiada ao partido, priva da confiança integral do presidente, tem por ele a fidelidade dos burocratas e, mais importante, nada a perder.

Do ponto de vista da ocasião e do objetivo, deu tudo certo. A cena da oposição foi tomada pela ministra da Casa Civil. Como quase tudo o que vem de Lula, a despeito da ausência de lógica naquela candidatura, muita gente comprou o peixe tal qual ele era vendido. Inclusive, justiça seja feita, por falta de opção à vista.

Agora que Dilma deixa bem claro ao que não veio e que Ciro Gomes se apresenta para o que der e vier, fica muito mais fácil para Lula corrigir o rumo da sucessão. Mas, não agora. Só mais à frente, na hora certa.

Roubada

Sob qualquer ângulo que se olhe, é difícil perceber como o Brasil poderá se sair bem do embate em Honduras. Hospedeiro de uma parte, o País não será reconhecido pela outra, como negociador.

Teria chance de sair como herói da resistência, mas, para isso, Manuel Zelaya, o presidente deposto, precisaria ser um anjo de candura democrática, o que não é o caso. Seria necessário também que o governo de facto fizesse uma agressão direta ao Brasil, coisa que o ocupante da Presidência, Roberto Michelletti, já avisou que não fará.

"Se Zelaya quiser viver ali (na embaixada brasileira) por 5 ou 10 anos, não temos nenhum inconveniente", disse, demonstrando disposição de vencer pelo cansaço.

Além disso, há as eleições marcadas para 29 de novembro. Uma vez empossado o eleito em janeiro, é de se perguntar o que fará o Brasil com seu hóspede.

De cima

Os recentes recuos do prefeito Gilberto Kassab - seja no corte de uma refeição nas creches, por orientação nutricional, seja na redução nos contratos de limpeza pública, sabe-se lá qual a razão - foram determinados pela reação do governador José Serra.

Serra não assume a candidatura, mas não dá um passo nem permite que os aliados façam quaisquer gestos que, na visão dele, possam render prejuízos eleitorais.

Caso de polícia

Depois de insultar o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e anunciar que se tivesse chance o "estupraria em praça pública", o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, divulgou nota pedindo desculpas "na hipótese de (suas declarações) terem gerado ofensa ao ministro".

O problema mais grave não foi nem o agravo ao ministro que, de resto, se defendeu bem, mas a ofensa que o governador fez ao código penal ao fazer apologia de um crime. Coisa que evidentemente não se resolve com um pedido de desculpas.

Passo em falso

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Quis o destino (essa é boa, hein?) que a derrota do candidato apoiado pelo Brasil à direção-geral da Unesco saísse na imprensa internacional justamente no dia em que Lula subia à tribuna para abrir a Assembleia Geral da ONU deste ano, em Nova York.

E exatamente quando o Brasil se debate na armadilha de abrigar o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada em Tegucigalpa. Ele não tem para onde ir, e o Brasil não tem para onde correr. Impasse puro.

Ok que o discurso de Lula na ONU foi sóbrio e sólido. Ok que não havia outra alternativa senão abrir as portas para Zelaya. Mas Lula e o Brasil poderiam muito bem ter passado sem essa, de mais uma derrota para organismos internacionais. O espaço é curto para relacionar as anteriores.
O pior é que o governo jogou para o alto dois bons candidatos "made in Brasil", o atual vice-diretor da entidade, Márcio Barbosa, que chegou a colecionar uma penca de apoios internacionais, e o ex-ministro e atual senador Cristóvam Buarque, do PDT. E, em vez de ganhar ou perder com um dos seus, perdeu apoiando um egípcio com a má fama de racista, antissemita.

Esse apoio foi uma decisão com ares oportunistas, mas que teve um efeito bumerangue e veio bater na testa do governo brasileiro. O Planalto empurra a culpa para o Itamaraty, o Itamaraty devolve para o Planalto, mas o fato -sempre ele, o fato- é que o governo decidiu dividir aqui, internamente, para tentar somar lá, externamente, com o mundo árabe.

Conclusão: irritou aqui, perdeu lá. A conta não fechou.

Ganhou a búlgara Irina Bokova, de origem pessoal e familiar no antigo comunismo, e por mais que o Brasil desdenhe, dizendo que o cargo nem é lá essas coisas, ele é, sim. A Unesco é o braço da ONU para educação, ciência, cultura, tecnologia, todas essas áreas que remetem ao futuro e que deixam o Brasil tão cara a cara com o atraso.

Pequenas, grandes e médias traições

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Prognósticos sobre o que fará o PMDB nas eleições de 2010 são perda de tempo: desde 1989, quando o legendário presidente do partido, Ulysses Guimarães, candidatou-se à primeira eleição direta para presidente da República depois da ditadura, a história do partido é uma crônica de pequenas, grandes e médias traições. Mas a história recomenda que se descarte uma hipótese: a de que o partido vai ter um candidato a presidente da República. As divisões internas impedem isso desde 1994, quando a agremiação lançou candidato pela última vez; e os interesses dos grupos em litígio interno não passam necessariamente por fazer um "projeto nacional" com uma candidatura própria, como recomendou aos líderes o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, na semana passada.

Em 1989, primeiras eleições diretas para presidente da República, Ulysses foi o candidato do partido porque fracassou a tentativa do então presidente José Sarney e de Orestes Quércia de puxarem o seu tapete. Ser candidato a presidente era quase um direito adquirido por Ulysses, comandante da oposição institucional ao regime em quase todo o período militar; o poder de Ulysses já estava em declínio, mas ele ainda tinha a maioria do partido. A candidatura do mestre, no entanto, foi abatida em pleno voo pelo eleitor, com a ajuda inestimável dos grupos internos do partido. A agremiação, a mais organizada nacionalmente e reconhecida como a que resistiu à ditadura (era o único partido de oposição, consentida, no período 1964-1982), chegou em sétimo lugar, com menos de 5% dos votos, no pleito em que foram para o segundo turno os candidatos Fernando Collor (PRN), vitorioso, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Quércia, senador (1974-1982), vice-governador (1983-1986) e governador (1987-1992) de São Paulo impôs a partir daí um estilo que se consagrou como hegemônico: o dos "golpes de mão" - ofensivas rápidas e de surpresa para tomada do poder. As convenções nacionais do partido passaram a ser palco de várias deles. O ex-governador paulista, faça-se justiça, nem sempre derrota - pode também ser o derrotado; nem sempre golpeia, mas pelo esquema de poder interno pode ser - e tem sido - golpeado.

Foram os golpes de mão os mecanismos de destituição de lideranças, ascensão à hierarquia partidária, apoio a candidatos de outras legendas ou eliminação do quadro eleitoral de seus próprios candidatos. A tática não muda, já que as regras de poder são geridas pela lei partidária e pelos estatutos do partido: um grupo obtém a maioria dos convencionais e intervém em favor de uma diretriz nacional que, antes de tudo, atende aos interesses particulares do grupo que se torna majoritário para vencer o adversário na convenção.

Em 1991, o primeiro golpe de mão colocou o então governador Orestes Quércia no centro do poder do PMDB. Ele disputou a convenção nacional como um esquema agressivo de arregimentação de votos dos convencionais e uma ruidosa claque, que manteve uma tensa ameaça de confronto físico durante todo o evento. Em 1993, renunciou à presidência nacional do partido denunciando traição de seus adversários. A partir de então, manteve uma parcela de poder interno com base nos votos de convencionais paulistas na convenção nacional, que eram capazes de, em aliança com outros grupos, impedir ou favorecer a ascensão de um grupo interno.
O quercismo entrou em declínio e o PMDB paulista tem sido engolido pelo PSDB, nascido da sua costela - aliás, hoje é praticamente um nanico em São Paulo, com seus três deputados federais e quatro estaduais. No Estado, Quércia divide o partido em declínio com o presidente licenciado do partido e presidente da Câmara, deputado Michel Temer, do grupo nacional rival.

É mais fácil para cada um dos grupos que rivaliza dentro do PMDB impedir que o candidato de uma facção rival oficialize sua candidatura numa convenção, do que entrar num acordo nacional para lançar um candidato próprio. Essa história se repetiu em 1998, em 2002 e 2006 porque não existe hipótese de o partido viabilizar um consenso em torno de um candidato seu. Para impedir uma candidatura basta que grupos rivais façam uma aliança de ocasião ou usem os mecanismos que estiverem a seu poder para inviabilizar uma decisão na convenção - pela justiça, pela desmoralização pública do candidato ou pela ameaça de confronto físico em convenção. Para consagrar um candidato, é preciso uma mediação dos conflitos internos - e, mais do que isso, os grupos têm que abrir mão dos benefícios pessoais que poderiam negociar com os candidatos de outros partidos. Não existe essa hipótese em vista. Seria preciso também que tivesse um nome conhecido nacionalmente - e o PMDB carrega a contradição de ainda ser o partido com maior organização nacional, mas sem um único líder que tenha o mesmo tamanho.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Um vice para as circunstâncias

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU EM OPINIÃO & NOTICIA

Além da poeira levantada, só mesmo os aviões e os políticos também de carreira receberam até agora alguma atenção em matéria de sucessão presidencial. Pré-candidaturas orais fazem evoluções pirotécnicas, com destaque para o presidente Lula, eterno pretendente que deu a volta por cima da confusão federal quando o terceiro mandato explodiu na rampa.

Mas não perdeu de vista a sucessão de 2014, enquanto a oposição espera novos indícios de que o país tenha realmente mudado. Para melhor, se não houver surpresa.

Da candidata Dilma Rousseff, Lula não quer mais do que a garantia de que, se eleita, resistirá ao assédio da reeleição, mal para a qual não se conhece vacina. Ele cuidaria pessoalmente do resgate do terceiro mandato que, sem trocadilho, procura terceirizar para empalmá-lo assim que possível. O presidente não cogita da hipótese médica, que deu um tranco nas pesquisas da candidata. É problema que diz respeito ao PMDB, e não assunto a ser tratado publicamente.

Ficou desaconselhável comemorar candidatura empacada nas pesquisas. Inclusive Lula, que também andou em baixa. Só o tempo dirá, mas este não corre favoravelmente ao PMDB, cujo potencial de divergência interna é garantia não escrita de democracia.

Por enquanto, a grande contribuição, senão a única, da candidatura Dilma Rousseff foi livrar o presidente Lula de ser fritado na própria banha do terceiro mandato, quando proclamou aquela teoria apanhada no meio-fio e segundo a qual a democracia chegaria à perfeição se utilizasse plebiscitos para saber se governantes merecem o terceiro mandato. Plebiscito, vale lembrar, não passa de homenagem que as ditaduras fazem à democracia, mas para mantê-la longe e não perturbar. Dilma Rousseff foi empurrada em cena para preencher o vazio deixado pelo terceiro mandato consecutivo para Lula e controlar efeitos colaterais, principalmente no PT (sem discriminar o PMDB).

Quando a eleição andava longe e só os políticos de carreira ocupavam o espaço especulativo, a opinião pública e a consciência tributária do brasileiro alimentavam-se de pesquisas, que podem ser dieta saudável, mas não enchem barriga do cidadão. Dilma Rousseff começou cedo e bem.

Quem apareceu com destaque foi o patrocinador Luiz Inácio Lula da Silva, para quem continua sagrado o velho princípio rural de que é o olho do dono que engorda a cria.

O presidente se animou com os primeiros resultados e dependurou a candidata na improvisada moldura do PAC, reforçada com a lista de obras que não se vêem. Quem pensou em reservar seu voto para Dilma já percebeu que está apenas quitando a dívida social com o presidente. Pode ser gentileza, mas quem dá aos pobres, dizem, empresta a Deus: dado a ela, o voto parece empréstimo a Lula. O presidente mandou às urtigas a coerência. O terceiro mandato passou a ser, para ele, questão de oportunidade. Pode ter se diluído a ilusão, mas dificilmente se dissiparão as conseqüências por onde o plebiscito tiver transitado nas vizinhanças continentais. Lula não é governante de obras, mas empreiteiro de demolições e desafios perigosos num país em que governos precisam ser fotogênicos para obter votos. Abstratamente, sem sair do papel, obra que não se vê é como rede de esgoto, impotente para eleger até prefeito municipal.

A candidatura Rousseff deu conta da dupla missão de livrar Lula da obsessão do terceiro mandato e levá-lo a desistir de testes que aceleram o desgaste de democracias em estágio probatório. O presidente trocou o terceiro mandato pela candidatura de Dilma, segurou as rédeas da sucessão e, pelo canto do olho, namorou o nicho de primeiro ministro oculto (criado por Vladimir Putin) em sistema presidencialista de governo.

No vácuo político que o PAC não preencheu, Lula soltou definitivamente a língua. Não é fácil, para quem não tem convicções e se arranja com o que aparece, abdicar do que pode vir a ter. É por aí que estamos indo (por enquanto, devagar) rumo ao conhecido, desde que o desconhecido voltou a ser enigmático. É por aí que a História, para salvar a face, se permite a indelicadeza de se repetir.

O presidente não precisa mais de oposição. As pesquisas vestiram-no como se ele também estivesse, gramaticalmente falando, acima do bem e do mal, e não abaixo.

Tudo vai fucar mais transparente e didático para o eleitor. Afinal, se o Brasil mudou, não pode ter sido para pior. As urnas dirão. O foco dramático se desloca para a escolha do vice adequado à candidata oficial. A operação pode ser decisiva para a fatalidade histórica que é, entre nós, a questão entre os vice-presidentes e a democracia. É por aí que o imprevisto tem assumido as rédeas e conduzido o país por vias transversas.E também está embutido o jogo de empurra para a escolha do parceiro de Dilma Rousseff, embora o perfil do vice ainda não passe de rabiscos. E é aí que se hospeda a questão política. Quanto mais tarde, melhor para os pretendentes que se disfarçam uns atrás dos outros. Mas apenas para eles. Tumulto equivale a adrenalina A candidata conseguiu atestado médico de cura, mas está sujeita a interpretações de conveniência.
Ela própria já se declarou curada, sem encontrar eco. Os pretendentes se fazem de alheios ou nunca estão por perto. O pior surdo é o que alega ter esquecido o aparelho em casa. O presidente Lula não é de passar recibo adiantado. Aos vices, desde algum tempo, a História do Brasil tem reservado mais do que a função de quebra-galho dos presidente, nas ausências e impedimentos.

Principalmente no que ainda não consta das especulações nem está explícito na Constituição.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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PT teme debandada de aliados pró-Ciro

Paulo de Tarso Lyra e Cristiane Agostine, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Dirigentes do PT acreditam que se o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) consolidar sua candidatura presidencial e atingir, em março do ano que vem, um patamar de intenção de votos na faixa de 30%, o cenário pode complicar para a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff. Isto porque a legenda reviu sua estimativa em relação a Dilma - se antes articuladores do partido diziam que a ministra chegaria a 30% até dezembro, hoje contentam-se com 20% no início da campanha, em junho de 2010.

Embora acreditem que o deputado do PSB deve oscilar nos próximos meses dentro desta faixa - 15% a 20% das intenções de voto -, dirigentes partidários afirmam que, se a escalada for maior, não haverá mais como o PT impedir que o PSB busque alianças com outros partidos da base governista, esvaziando o palanque de Dilma. "Se em março o Ciro tiver 30% nas pesquisas e a Dilma 18%, não teremos como reclamar dos movimentos políticos do PSB", declarou um dirigente ao Valor.

Mesmo sem sinais concretos, petistas com bom diálogo com o PSB acham possível que o partido busque uma aproximação, por exemplo, com o PTB, presidido pelo deputado Roberto Jefferson (RJ) e que apoiou Ciro Gomes em sua última campanha presidencial, em 2002. Outro possível alvo seria o PP, "dependendo do que Ciro conversar com o partido". Segundo o mesmo petista, os mais próximos aliados do PSB na atualidade - PCdoB e PDT - não são vistos como apoiadores de uma eventual candidatura Ciro. "O PCdoB já deixou claro que estará no palanque de Dilma no ano que vem. E o ministro do Trabalho, Carlos Lupi - presidente licenciado do PDT - manifestou a mesma disposição."

O apoio do PDT viria, de acordo com este dirigente petista, independente das declarações públicas dadas pelo deputado Paulo Pereira da Silva (SP), que foi vice de Ciro em 2002 e defende uma nova aliança ano que vem. "Paulinho não fala pelo PDT. Lupi é bem cioso de seus compromissos partidários", reiterou um integrante do Diretório Nacional.

O PT encomendou uma pesquisa de opinião ao Vox Populi - o partido tem uma parceria firmada com o instituto mineiro - e pretende colher os resultados e apresentá-los em outubro. Além disso, integrantes do diretório nacional vão se reunir com os técnicos do instituto para analisar os resultados das pesquisas divulgadas recentemente, como CNT/Sensus e CNI/Ibope. Na última, Ciro foi o único dos pré-candidatos à Presidência que apresentou crescimento nas intenções de voto. "Ele tem capacidade de aglutinar, faz um discurso econômico de alto nível, tem um recall importante. É natural que venha se destacando", ressaltou um dirigente petista, acrescentando que Ciro, por enquanto, só atingiu 25% em um cenário no qual o candidato do PSDB é Aécio Neves, não José Serra.

Mesmo acreditando que o quadro sucessório começará a ser delineado apenas em março ou abril de 2010 - data na qual as principais legendas terão um quadro mais preciso dos candidatos e das alianças estaduais - um petista ouvido pelo Valor admitiu que o cenário atual dificulta o trabalho de convencimento do PSB em apoiar Dilma, abrindo mão da disputa nacional. Em agosto, um jantar no Palácio da Alvorada, reunindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os dirigentes dos dois principais partidos, tentou ensaiar esta unidade, mas a possibilidade de êxito diminui de lá para cá. "Eu acho que o melhor cenário para nós seria uma eleição plebiscitária. Mas o PSB e Ciro têm todo o direito de pensar diferente, o que levaria a disputa, inevitavelmente, para o segundo turno", completou um parlamentar petista.

Um importante dirigente do PT discorda do ex-ministro José Dirceu, que defendeu, em seu blog, que, caso o PSB insista em lançar candidato a presidente o PT deveria lançar candidatos a governador em Pernambuco e Ceará, Estados administrados pelo PSB. Para este petista, apesar de contar com o respeito do PT, Dirceu não é seu porta-voz. "Nossa relação com o PSB é mais civilizada do que isto. Não podemos acusar Ciro de deslealdade. Não há nenhum pacto entre nós que o impeça de lançar-se candidato a presidente", declarou.

PMDB de oposição joga últimas fichas

Tiago Pariz
DEU NO CORREIO BRAZILIENS
E

Grupo contrário ao apoio a Dilma Rousseff na disputa pela Presidência tenta impedir definição que não deve demorar

Minoritária dentro do PMDB, a ala favorável a uma aliança com o PSDB sabe que só tem um caminho para se impor no partido e torce para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, manter os patamares abaixo dos 20% nas pesquisas de intenção de voto e para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser incapaz de transferir popularidade a sua pupila. Essas são as duas apostas para evitar que os peemedebistas alinhados com o PT selem o acordo eleitoral ainda este ano.

O grupo fala por apenas cinco dos 27 diretórios estaduais e tem o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e o ex-governador paulista Orestes Quércia à frente. Conta ainda com a adesão de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Acre. Mas aposta em incluir aliados fortes, como Bahia, Pará e Mato Grosso do Sul, que ralham em disputas locais com os petistas, mas fazem parte ainda do escopo governista. O apoio desses estados é fundamental para concretizar qualquer sonho de aliança com os tucanos.

O grupo de Vasconcelos está insatisfeito com as declarações do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), sobre a necessidade de agilizar a aliança nacional com o PT. Os governistas do PMDB pretendem anunciar ainda em outubro o compromisso de estar ao lado de Lula na eleição do ano que vem como vice da ministra Dilma Rousseff. No atual contexto, o mais cotado para participar da chapa é Temer. O grupo pró-Lula tem representação na maioria dos estados, mas, para a aliança formal, depende do apoio inicial de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Bahia e Pará.

Efeito contrário

Orestes Quércia, Jarbas Vasconcelos e o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) reuniram-se na terça-feira com Temer e com o líder da bancada na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), para criticar as declarações e tentar postergar ao máximo o anúncio do compromisso com os petistas. Deu efeito contrário. O presidente da Câmara esteve com Lula e o processo de definição em favor de Dilma foi agilizado.

Defensor da candidatura própria, o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) prefere ficar de fora da disputa entre tucanos e petistas. Para ele, se a Convenção Nacional fosse hoje o partido não conseguiria fechar nenhuma posição. “É uma pena, mas a tese majoritária é ficar livre no primeiro turno, não se aliar com ninguém, e no segundo turno se acertar”, disse. Seu conterrâneo, o senador Pedro Simon partilha da análise. “Com esses percentuais, o governo não tem como impor o apoio do PMDB à ministra”, sustentou o senador. Os governistas do PMDB descartam a eficácia da estratégia do grupo tucano. Segundo a ala, Dilma não cresceu na última pesquisa por estar afastada dos palanques. Ela só tende a crescer agora que se dedicará a viajar pelo Brasil, avaliou um peemedebista pró-Lula.

Nanicos ''alugam'' legendas para 2010

Leandro Colon, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lideranças nos Estados aceleram troca-troca e, para driblar legislação, fazem acordo com suas legendas atuais

Na reta final da filiação partidária para as eleições de 2010, partidos nanicos estão entregando as legendas nos Estados a lideranças de peso em troca de dinheiro e potencial de votos nas urnas. Para assumir o comando dessas siglas pequenas sem perder o atual mandato, políticos driblam a legislação eleitoral, fazendo acordo com suas siglas atuais. O Partido Social Cristão (PSC) - cuja ideologia política é "colocar o ser humano em primeiro lugar" - já entregou os Estados de Alagoas, Piauí, Paraíba e fecha os últimos detalhes do Distrito Federal. Seu presidente nacional, Vitor Nósseis, não esconde que a estrutura financeira de um novo filiado é fundamental. "Como vou fazer as coisas sem recursos? Num relacionamento entre marido e mulher, se o dinheiro sai pela porta, a mulher sai pela janela", disse em entrevista ao Estado.

O Partido da Mobilização Nacional (PMN) entregou o diretório de Brasília à deputada distrital Jaqueline Roriz - candidata a uma vaga na Câmara - e briga com o PSC pela filiação de seu pai, o ex-governador Joaquim Roriz, que deixou o PMDB. Ontem, Roriz deixou no ar a possibilidade ir para o PSC. "O partido tem o social no nome e o que mais quero ser é social, para ajudar os pobres", afirmou.

Outras legendas, como PRTB, PSL, PRB, buscam a mesma estratégia pelo País. O projeto de poder dessas siglas é único e financeiro: eleger o maior número de deputados para aumentar os recursos recebidos do fundo partidário, distribuído conforme a composição da Câmara.

Neste ano, vigora a legislação eleitoral que permite às legendas brigarem pelos mandatos dos infiéis. O troca-troca partidário tem sido, então, muito mais intenso no segundo escalão, em muitos casos, com a conivência das grandes siglas. Os partidos que sofrem o ataque especulativo do PSC prometem não recorrer ao TSE para retomar as vagas porque esperam ver a legenda em sua órbita no futuro. O senador Mão Santa (PI), por exemplo, acertou sua saída do poderoso PMDB rumo ao pequeno PSC. Vai presidir o partido no Piauí. "Esse partido acredita em Deus. A doutrina é Cristo e o programa é a promoção do homem", ressaltou Mão Santa.

As manobras devem ocorrer até 3 de outubro, último dia de prazo para filiação partidária. Veterano na política, o deputado Marcondes Gadelha anunciou a saída do PSB para comandar o PSC na Paraíba. Seu antigo partido não deve pedir o mandato de volta. Gadelha vai levar junto dois deputados estaduais - entre eles o filho Leonardo Gadelha -, prefeitos e vereadores. Ele mesmo admite que a escolha pelo PSC é de conveniência política. "Vou para o PSC porque na Paraíba é mais fácil de compor, vai me dar mais liberdade. Vou comandá-lo no Estado. É mais fácil de ajustar", disse.

CARTA BRANCA

Também presente na filiação de Mão Santa, Carlos Alberto Canuto - ligado à família Calheiros - sairá do PMDB para dirigir o partido cristão em Alagoas, sem risco de perder o mandato de deputado. Outros dois deputados, Manoel Júnior (PSB-PB) e Laerte Bessa (PMDB-DF), também devem seguir para o PSC. "Não conheço a estrutura desse partido, mas sei que tem pessoas idôneas", diz Bessa. Em troca de receber a chave do partido com carta branca para trabalhar, eles levam estrutura financeira e possibilidade de sucesso nas urnas.

A discussão política, muitas vezes, passa longe dessas pequenas legendas. A meta é mesmo aumentar a bancada na Câmara. "O partido não oferece, mas pede. Pede ajuda, para que as pessoas se candidatem a deputado federal", admite o presidente do PSC, que elegeu nove deputados em 2006. Com essa bancada, recebe R$ 2 milhões por ano do fundo partidário, composto por recursos públicos. Hoje, o PSC tem 12 deputados. Com as novas filiações, pode chegar a 17, ultrapassando legendas influentes, como PV e PPS.

Para driblar a Lei Eleitoral, um grupo de deputados tenta outra estratégia: registrar um novo partido até o dia 3. É o Partido Socialista da República, o PSR. A resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não considera essa mudança infidelidade partidária. O PSR já está inscrito num cartório de Brasília. Seus idealizadores buscam agora colher as 468 mil assinaturas mínimas necessárias para registrá-lo no TSE. Deputado pelo DEM, Bispo Rodovalho já ingressou com pedido de desfiliação no TSE alegando ser um dos fundadores do PSR.

Adversários notórios, Roriz e Cristovam avaliam aliança

Christiane Samarco, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A precipitação da corrida presidencial e a intensa movimentação dos pré-candidatos na reta final do prazo de filiação partidária para a eleição de 2010 abriu espaço a negociações inéditas. Uma delas foi a reunião de dois ex-governadores do Distrito Federal - Joaquim Roriz (sem-partido) e o senador Cristovam Buarque (PDT) - para costurar acordos. Tradicionais inimigos políticos, eles jantaram juntos na segunda-feira, na casa de um amigo comum, para costurar acordos. Não selaram um pacto, mas ficou a possibilidade de entendimento numa composição com Ciro Gomes (PSB) para presidente, Roriz para governador e Cristovam para o Senado.

No passado, o ex-peemedebista Roriz e o ex-petista Cristovam, que agora dividem a mesa, racharam ao meio o eleitorado do DF. Ambos foram protagonistas de uma disputa política renhida em 1998, que por várias vezes terminou com os "azuis" do PMDB, partidários de Roriz, trocando sopapos com os "vermelhos" do PT de Cristovam nas ruas de Brasília. Os dois disputavam o Palácio do Buriti, o então petista como candidato à reeleição.

Agora fora das trincheiras partidárias, Roriz encontrou na pré-candidatura de Ciro um motivo para convidar Cristovam para jantar. O pano de fundo da conversa foi a sucessão presidencial, mas o interesse de Roriz é de novo a sucessão ao governo do DF, para onde pretende voltar. Mesmo fora do PMDB, Roriz avalia que é um candidato imbatível nas classes C, D e E, assim como, a seu ver, o pedetista o é nas classes A e B.

Isso compromete a democracia

José Álvaro Moisés, Cientista Político
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O fenômeno de migração partidária, pelo qual parlamentares abandonam a sigla pela qual se apresentaram ao eleitorado para se alojar em outras que atendem os seus interesses políticos, pode levar ao aumento da desconfiança que as pessoas têm dos partidos - algo que hoje ultrapassa o índice de 80%. Partidos, na democracia, além de servir para formar maiorias governativas, são atalhos usados pelos eleitores para fazer suas escolhas políticas, sem o que a sua desorientação pode ser grande.

Uma resolução recente do TSE afirmou que os mandatos políticos são dos partidos. Foi uma decisão a favor das legendas, sugerindo que o país estaria começando a adotar um novo modo de interpretar o instituto da fidelidade. Agora, uma série de decisões da corte eleitoral pode estar oferecendo incentivos institucionais para que os representantes se sintam à vontade para abandonar suas legendas sem satisfação aos eleitores. Isso reabre o debate sobre a qualidade do sistema partidário brasileiro.

Entre 2003 e 2006, 197 parlamentares trocaram de partidos 365 vezes e, entre 2004 e 2007, 431 prefeitos dos 5.562 em todo o país mudaram de legenda, sem falar de vereadores e deputados estaduais. O exame das conveniências dessas trocas, pelo TSE, dando ganho de causa aos migrantes muitas vezes, pode estar estimulando outros membros do Congresso a abandonar suas legendas originárias até o dia 2 - e muitos vereadores que não acreditam que a corte irá puni-los. A distorção consiste em que partidos que perdem os seus membros saem com menos força política do que a que receberam dos eleitores e os que incham com a chegada de novos membros passam a ter um poder que não foram autorizado a ter pelos cidadãos. Compromete a qualidade da democracia.

''Quem não é alugado que atire a primeira pedra''

Leandro Colon, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Vitor Nósseis: presidente do PSC Dirigente afirma que seu partido aceita ""todo mundo"" em suas fileiras e, ""se tiver recursos, melhor""

O presidente do PSC, Vitor Nósseis, um dos fundadores da legenda em 1985, diz ser fundamental que um novo filiado tenha, além de potencial político, uma boa estrutura financeira para vencer a eleição.

"É sempre bom, né? Como vou dizer o contrário? Se os recursos forem lícitos, serão bem-vindos", afirma. Ele ressalta que a ideologia da legenda é "colocar o homem em primeiro lugar".

Como convencer um parlamentar a ir para o PSC? O que o partido oferece?

O partido não oferece, mas pede. Pede ajuda para que as pessoas se candidatem a deputado federal. A lei estabelece que o tempo de televisão e o fundo partidário serão divididos segundo o número de deputados. Primeiro a pessoa tem de simpatizar com a sigla e o símbolo, depois com as propostas, partindo do pressuposto do cristianismo, de que não segrega. Uma coisa ecumênica.

É importante que o deputado tenha um poder financeiro para ajudar o partido?

É sempre bom, né? Como vou dizer o contrário? Se os recursos forem lícitos, serão bem-vindos. Como vou fazer as coisas sem recursos? Num relacionamento entre marido e mulher, se o dinheiro sai pela porta, a mulher sai pela janela.

Vocês convidam ou o deputado se oferece?

Os deputados procuram mais do que são procurados.

Quanto um deputado precisa gastar para ser candidato pelo PSC?

De R$ 1 milhão para cima, com expectativa de vencer.

De onde vem esse dinheiro?

Deles, né? É o deputado que chega com o dinheiro.

Ou seja, para um deputado ser candidato pelo PSC tem que ter pelo menos R$ 1 milhão?

Sim, se ele quiser se eleger. R$ 1 milhão é o que falam à boca grande e pequena, mas depende do Estado, pode ser menos.

Não teme que o PSC seja taxado de partido de aluguel?

Quem não é alugado que atire a primeira pedra. Esses partidos são alugados de certa forma com vários cargos.

Mas no PSC o deputado chega com dinheiro e vira candidato...

Você tem recursos, gostou do partido, da proposta, tem recursos lícitos e vai ser candidato. Não tem problema nenhum. Aceitamos todo mundo. Se tiver recursos, melhor.

Qual é a ideologia do PSC?

Depois do criador, colocar o ser humano em primeiro lugar. Queremos participar do processo de tomada decisão de poder para colocar o ser humano em primeiro lugar. A caminhada faz o caminho. Uma caminhada tem que ser uma consciência concreta da minha proposta ideológica.

O que o PSC defende na política econômica?

Eu vou falar da boca para fora e não vai adiantar nada. Você quer que eu defina se sou de esquerda, direita, não é? Depende. Tem coisas boas nos dois lados. Eu penso a economia de uma forma rudimentar e primária. Tenho três valores: oferta, procura e real. Se eu quero comprar um celular, é um preço. Se você quiser me vender, é outro preço. E quando busco para comprar, tem um valor real. E partir daí tem que ir balizando as coisas.

Em relação ao pré-sal, o que pensa o partido?

Para falar a verdade, não me informei bem, porque está muito oba-oba. Vejo que o negócio está lá, enfiado, não sei quantos metros abaixo do fundo do mar, depois tem uma camada de sal e, depois, o petróleo. Esse petróleo será refinado de maneira econômica? Vou conseguir botar esse refinado para mover os veículos ou continuar comprando gasolina de fora?

Brasil atribui a estratégia da volta de Zelaya a Chávez

João Domingos, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Choque em Honduras deixa 1 morto; Lula cobra recondução do deposto ao cargo.

A estratégia para a volta do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras teve a colaboração da Venezuela. É o que sustentam assessores do presidente Lula e do Itamaraty, informa o repórter João Domingos. Segundo informações nos meios diplomáticos, Chávez considerou que a Embaixada do Brasil era o local mais seguro para Zelaya. Em Tegucigalpa, novos confrontos entre simpatizantes do deposto e a polícia mataram ao menos um manifestante e feriram dezenas. Para Zelaya, são seis os mortos. Houve saques em bairros pobres da capital, transformados em zonas de guerra. O toque de recolher paralisou a fronteira entre El Salvador e Honduras, e o abastecimento local estava comprometido, relata a enviada especial Denise Chrispim Marin. O governo golpista se disse aberto a dialogar, mas manteve o cerco a embaixada brasileira. Na ONU, Lula defendeu a recondução imediata de Zelaya a seu cargo e voltou a advertir Honduras sobre a inviolabilidade da missão brasileira.

Brasília atribui a Chávez plano de retorno de Zelaya a Honduras

Assessores do presidente Luiz Inácio Lula da SIlva e do Itamaraty trabalham com a informação de que a infraestrutura e a logística para o retorno clandestino de Manuel Zelaya a Honduras tiveram a participação do presidente venezuelano, Hugo Chávez. O líder venezuelano teria até mesmo aconselhado Zelaya a procurar a embaixada brasileira.

De acordo com fontes do Palácio do Planalto e do Itamaraty, Chávez considerou que a embaixada brasileira era o local mais seguro para Zelaya. Por essas informações, Chávez teria dito a Zelaya que as embaixadas da Venezuela, México, Costa Rica e El Salvador, entre outras, poderiam ser atacadas pelas forças do governo de facto, por causa da proximidade entre o presidente deposto de Honduras e dos governos desses países. A representação diplomática do Brasil, ao contrário das outras, ofereceria toda a segurança para o abrigo do presidente deposto, pois o governo do presidente Lula está à frente das pressões para que o poder seja devolvido a Zelaya. Além do mais, a posição brasileira tem o apoio integral dos EUA, que não reconhecem o governo que se instalou em Honduras.

Brasil, EUA e Chile, principalmente, exigem que seja adotado em Honduras o Acordo de San José, articulado pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias. Por esse acordo, o poder será devolvido a Zelaya, que comandaria as eleições presidenciais de novembro.

O Brasil exige que o governo de facto, de Roberto Micheletti, negocie com Zelaya as condições do retorno dele ao poder.

O presidente Lula continua a dizer que não teve nenhuma participação prévia na decisão de Zelaya de regressar a Tegucigalpa e se refugiar na embaixada, que teve os serviços de energia elétrica, água e telefonia fixa cortados por algumas horas na segunda-feira. Por intervenção do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), União Europeia e Embaixada dos EUA, as cerca de cem pessoas que estão com Zelaya na representação diplomática passaram a receber alimentos e água.

O Itamaraty pediu oficialmente a Zelaya que evite fazer declarações capazes de desencadear qualquer tipo de reação de seus partidários, o que poderia levar a atos de violência. A decisão do governo de facto de receber uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi considerada um sinal de que Micheletti começa a ceder. A surpreendente volta de Zelaya a Tegucigalpa o estaria desestabilizando.

A Câmara dos Deputados aprovou ontem o envio de uma delegação de parlamentares brasileiros para Honduras. De acordo com Ivan Valente (PSol-SP), um dos integrantes da delegação, "a ideia é rechaçar todas as tentativas de desvirtuamento das instituições e proteger a integridade da representação brasileira em Honduras".

Os deputados, no entanto, enfrentam dificuldades logísticas e legais para a viagem. Como no momento o Brasil não tem relações diplomáticas com Honduras, eles terão de ter um salvo-conduto do Congresso hondurenho para entrar no país. Também desconhecem como poderiam chegar a Honduras, uma vez que - num dia marcado pela intensificação dos saques a supermercados e bancos (mais informações na página 13) - os aeroportos do país permaneciam fechados.

"Brasil tinha obrigação de dar abrigo", diz assessor do Planalto

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse ontem por telefone, de Nova York, que o Brasil não tinha alternativa que não a de abrigar o presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Honduras: "Política é isso, não é só bônus, é ônus também".

FOLHA - Zelaya acertou a ida à embaixada com o governo brasileiro?

GARCIA - Eu não tinha a mais remota ideia. Se tivesse, eu diria, não haveria o menor problema, mas a verdade é que não tinha. Fui surpreendido no avião, vindo para Nova York. Um diplomata da assessoria [do Planalto] me telefonou, falando dessa situação complexa. Do avião, tomamos as primeiras iniciativas. O Lula telefonou para o [chanceler Celso] Amorim em Nova York e para o Samuel [Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty] em Brasília.

FOLHA - Que informações o Brasil tem sobre a volta do Zelaya? Foi [Hugo] Chávez [presidente da Venezuela] quem planejou?

GARCIA - Não acredito. Escuta, um sujeito que foi presidente da República, que tem o prestígio que ele tem em Honduras... Pela madrugada! Se não tiver esquema, é melhor ficar em casa. Ele certamente tem um esquema suficientemente forte para mobilizar pelo menos metade dos hondurenhos. Que esquema teria o Chávez? Não, não, isso foi obra dos próprios hondurenhos.

FOLHA - Não é difícil de acreditar que o Zelaya fez tudo sozinho, chegou lá, bateu na porta da embaixada e foi entrando?

GARCIA - Zelaya é muito mais esperto do que alguns querem fazer pensar, com muita independência, com muita personalidade.

FOLHA - Então, o sr. e o governo não sabem como foi tudo?

GARCIA - Nem eu sei nem ninguém sabe.

FOLHA - O Brasil ficou numa situação difícil?

GARCIA - Estão tentando criar uma cortina de fumaça. O Brasil não se meteu em enrascada nenhuma. Alguém bateu à porta da embaixada brasileira e, evidentemente, o Brasil não podia bater a porta na cara. Estão tentando negar um direito internacional, que é o direito de asilo, além de atribuir um papel ao Brasil que o Brasil não teve. Nem articulou nem estimulou.

FOLHA - É asilo?

GARCIA - Não houve pedido de asilo. Ele está simplesmente abrigado na embaixada.

FOLHA - É uma situação complicada. O que é possível fazer?

GARCIA - Situação complicada é a do governo, que deu um golpe de Estado e está num estado de isolamento tremendo na comunidade internacional. Quando Lula falou sobre isso na ONU, a assembleia recebeu com uma ovação.

FOLHA - Ao mesmo tempo, o Brasil fez um apelo para o Zelaya não botar os pés pelas mãos?

GARCIA - Claro. Se ele está abrigado na embaixada, ele tem de se comportar segundo determinadas normas. Isso é óbvio.

FOLHA - Há risco de invasão?

GARCIA - Pela forma destemperada pela qual o governo ditatorial está se comportando, tudo é possível. De qualquer maneira, temos de tomar precauções.

FOLHA - Quais?

GARCIA - A primeira é mobilizar a comunidade internacional para garantir a inviolabilidade da embaixada. Além de condenar totalmente o governo de fato e respaldar o de direito.

FOLHA - O Brasil está com uma batata quente. Como sair disso?

GARCIA - Política é isso. Não só bônus, ônus também.

Lula pede pressa à ONU após onda de saques em Honduras

Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO

Violência cresce e uma pessoa morre; Zelaya diz que mortos já são 10

O presidente Lula pediu ações rápidas do Conselho de Segurança da ONU, que se reúne amanhã, para solucionar a crise em Honduras, agravada com a disseminação de confrontos em outros pontos da capital, Tegucigalpa. Pelo menos uma pessoa morreu. “A comunidade internacional exige que Manuel Zelaya reassuma imediatamente a Presidência de seu país”, disse o presidente, na abertura da Assembleia Geral da ONU. Lula agendou uma conversa com o presidente dos EUA, Barack Obama, sobre Honduras.

Houve uma onda de saques a supermercados, lojas e bancos, depois que o governo de Honduras suspendeu o toque de recolher por sete horas para que as pessoas pudessem reabastecer suas casas. Os protestos em favor de Zelaya se intensificaram após sua volta ao país. Segundo Zelaya, houve mais de dez mortes desde a segunda-feira.

Ele continua abrigado na Embaixada do Brasil, onde seus correligionários recusaram-se a dividir com os funcionários brasileiros a comida que receberam de organismos internacionais de ajuda humanitária.

As tropas do governo golpista mantinham o cerco à embaixada.

Saques e violência na capital

Confrontos se alastram por Tegucigalpa, deixando pelo menos duas pessoas mortas

O caos registrado na véspera nos arredores da embaixada brasileira em Tegucigalpa se espalhou ontem por outros pontos da capital hondurenha, deixando dois mortos.

Além de confrontos entre simpatizantes do presidente deposto Manuel Zelaya e a polícia, supermercados, lojas e bancos foram alvos de saques. O levantamento do toque de recolher das 10h às 17h para que a população pudesse se reabastecer provocou uma corrida a supermercados e postos de gasolina, com longas filas se formando antes mesmo de as portas se abrirem e os hondurenhos reclamando da escassez de produtos.

— Temos combustíveis, alimentos. Peço que mantenham a calma — disse o ministro da Indústria e Comércio, Benjamín Bogran, na TV, num apelo.

Os protestos se intensificaram depois da volta de Zelaya ao país. Deposto em 28 de junho, ele retornou na segunda-feira e pediu abrigo na Embaixada do Brasil. Na manhã de terça, zelayistas foram expulsos das imediações. Os confrontos se repetiram à noite (madrugada no Brasil), e as manifestações foram reprimidas novamente. Num dos confrontos, o operário Francisco Alvarado, de 65 anos, acabou encurralado entre os manifestantes e a polícia. Alvarado foi o primeiro morto desde o retorno de Zelaya. A polícia informou ainda a morte de um manifestante no sul da capital, em condições não esclarecidas.

Mais cinco manifestantes foram baleados. Zelaya, porém, afirmou que o número de vítimas é maior: — Houve mais de dez mortos desde segunda-feira. Não estão informando os nomes, há desaparecidos — disse à rede de TV CNN. — Há mais de cem presos e dezenas de feridos.

Saques e atos de vandalismo foram registrados em 50 pontos da capital, em ações atribuídas pela polícia a simpatizantes de Zelaya. Pelo menos 113 pessoas foram presas e, segundo jornalistas, 83 ficaram feridas. O líder da Resistência contra o Golpe, Juan Barahona, afirmou que a situação “é causada pela repressão deflagrada pelo (governo de Roberto) Micheletti”.

O governo suspendeu por sete horas o toque de recolher, avisando que não permitiria a concentração de mais de 20 pessoas. Mas as filas davam voltas em quarteirões. O país está paralisado: com o toque de recolher, não funcionam escolas, lojas e o abastecimento ficou prejudicado. A crise política está provocando uma perda diária de US$ 40 milhões.

Pela manhã, cerca de 5 mil de simpatizantes atravessaram as ruas da capital gritando “Veio Mel, Mel amigo, o povo está contigo”, numa referência ao apelido de Zelaya, até terem a passagem impedida pela polícia antimotins.

Segundo a Rádio Globo, outras milhares foram impedidas de chegar à capital devido aos bloqueios nas estradas.

À noite, o toque de recolher foi retomado por tempo indeterminado.

A Embaixada do Brasil continua cercada por militares. Um ruído ensurdecedor era emitido à noite, no que Zelaya chamou de “guerra psicológica”.

A situação afeta também os vizinhos da embaixada. Um deles reclamou do cenário de guerra que tomou conta da região, com carros queimados e janelas quebradas. Janin Padilla pediu que Zelaya e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sejam responsabilizados. “Exijo justiça. Destruíram a minha casa com pedras”, disse à imprensa local.

ONU retira apoio à eleição hondurenha

Ontem, o governo golpista convidou uma missão da Organização de Estados Americanos (OEA) a visitar o país, informou o Departamento de Estado dos EUA. Micheletti, que assumiu o governo após o golpe, havia dito horas antes que estava disposto a conversar com Zelaya, desde que este reconheça as eleições presidenciais de novembro. A proposta, no entanto, parecia vazia: ela não admitia que Zelaya reassumisse o poder, nem retirava a ordem de prisão e as acusações apresentadas contra ele. Micheletti pediu ainda que Zelaya “pare de incentivar atos de vandalismo” a partir da embaixada.

Zelaya, por sua vez, denunciou uma tentativa para assassiná-lo: — Me informaram que havia um plano para fazer parecer suicídio no momento da invasão (da embaixada).

A Anistia Internacional anunciou que está alarmada com a situação em Honduras, destacando as prisões em massa. Na segunda-feira, 150 pessoas (300, segundo a oposição) foram presas diante da embaixada e levadas a um estádio de beisebol. Ontem ainda havia manifestantes detidos no local.

Apesar das críticas do governo, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, disse à rede BBC que o Brasil “atuou com o respaldo da comunidade internacional”. A ONU decidiu suspender a cooperação com a comissão eleitoral para o pleito de novembro, por não ver condições para uma votação confiável. Segundo o chanceler Celso Amorim, a reunião do Conselho de Segurança da ONU pedida pelo Brasil será realizada na sexta-feira.

Obama prega cooperação

DEU EM O GLOBO

Discursos opostos no palco da ONU

O presidente Barack Obama estreou na Assembleia Geral da ONU com o discurso da cooperação internacional. “Os que costumam criticar os EUA por atuarem sozinhos no mundo não podem agora ficar à margem e deixar que os EUA resolvam os problemas.” Também estreante nesse palco, o líbio Muamar Kadafi atacou a ONU, dizendo que seus princípios foram traídos. Em seu discurso, ao referir-se à crise global, Lula disse que “faliu um insensato modelo de pensamento e de ação, que subjugou o mundo por décadas”. Lula encontrou-se com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Estreias contrastantes na Assembleia Geral

Obama abandona tom unilateral de Bush e desafia o mundo a ajudá-lo

NOVA YORK. A estreia de Barack Obama no palco principal da ONU — diante de mais de cem líderes mundiais — foi marcada por uma sensível mudança no tom da política externa americana.

Em sua primeira participação na Assembleia Geral, Obama conclamou a uma nova era de cooperação internacional. E fez questão de pontuar, diversas vezes, que sua filosofia multilateral se opõe à postura isolada de seu antecessor, George W. Bush. Ao dizer que “os que costumam criticar os EUA por atuarem sozinhos no mundo não podem agora ficar à margem e deixar que os EUA resolvam os problemas do mundo”, o presidente reiterou sua proposta conciliadora com os países da ONU e pediu ajuda diante de desafios como o combate ao terrorismo, a luta contra os programas nucleares de Irã e Coreia do Norte e a guerra do Afeganistão.

— Chegamos a um momento decisivo. Os EUA estão prontos para iniciar um novo capítulo na cooperação internacional, em que se reconheçam os direitos e as responsabilidades de todas as nações — convocou o presidente americano, que muitas vezes foi interrompido por aplausos de líderes de outros países, à exceção do iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que se manteve impassível.

Ahmadinejad não mostrou irritação nem quando o assunto foram os controversos programas nucleares de Irã e Coreia do Norte, e o tom conciliador de Obama deu lugar a uma postura firme.

— Em suas ações até agora, os governos da Coreia do Norte e do Irã ameaçam nos levar a um ponto perigoso — advertiu, acrescentando que está comprometido com a diplomacia em relação a tais países, mas, se eles “puserem a pesquisa de armas nucleares à frente da estabilidade regional e da segurança, então terão de prestar contas”.

Um dia após ter se reunido com o primeiroministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, para tentar avançar no processo de paz, Obama declarou também que os EUA “não reconhecem a legitimidade da continuação dos assentamentos israelenses na Cisjordânia”.

Em muitos momentos, o presidente americano admitiu, ainda, erros de governos anteriores ao seu, inclusive ao dizer que os EUA estavam “recomprometidos com a ONU”, numa clara referência ao isolamento da era Bush.

— Nenhuma nação pode tratar de dominar a outra. Nenhuma ordem mundial que ponha um país ou um grupo acima de outro pode perdurar. A divisão entre Norte e Sul já não faz sentido — disse, sob aplausos, para em seguida causar silêncio na Assembleia Geral ao falar sobre a interferência americana na soberania de países estrangeiros, no passado.

— A democracia não pode ser imposta por nenhuma nação de fora, e no passado os EUA foram com frequência seletivos em relação à democracia.

Isso não enfraquece nosso compromisso, mas o reforça: há princípios básicos que são universais, e os EUA jamais renunciarão ao direito dos povos de decidir seu próprio futuro em qualquer lugar do mundo — acrescentou.

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