segunda-feira, 6 de julho de 2009

Senado ladeira abaixo

José Arthur Giannotti
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Mais!

Aliança entre o coronelismo e grupos emergentes aventureiros dilui chance de punição à corrupção

Anestesiada a polaridade entre o que somos e aquilo que deveríamos ser, tudo se iguala por baixo; nessa toada, seremos uma sociedade de classe média média, mixa

Não se trata de mais um caso exemplificando a costumeira corrupção das instituições políticas, ainda que em proporções nunca vistas. É preciso atentar para o caráter específico desta crise do Senado e o perigo que ela traz para a democracia brasileira.

Desde a Antiguidade os filósofos têm refletido sobre a difícil relação entre moralidade e política. Alguns costumam identificar entre elas uma zona cinzenta, quando se torna difícil discriminar se tal ato é moral ou imoral. Somente o tempo, depois que as consequências da ação se solidificaram, permite avaliação final.

Na medida em que a verdadeira política chega a inventar novas formas de vida, é o sucesso ou insucesso da nova iniciativa que termina servindo de critério. Até quando, por exemplo, se devem aturar os desmandos do rei? Quando é legítimo pegar armas contra ele?

Obviamente esses casos são raros e, para que a exceção não destrua a normalidade do jogo político, existe um balanceamento que compensa o ato amoral: se ele for pego e causar escândalo, o amoralista se converte em transgressor e, portanto, deve ser punido. Noutras palavras, o político inovador assume riscos quando pretende que sua ação se converta num ato original.

Ao emperrar esse processo de punição, a política tende para a imoralidade. Como isso está operando no jogo político brasileiro? Costurou-se uma aliança muito especial entre o velho coronelismo e grupos emergentes aventureiros, que embota a oposição entre aliados e adversários, todos os protagonistas sendo jogados no mesmo caldeirão. Se todos estão mais ou menos comprometidos, diminuem sensivelmente os riscos da punição prevista.

Perpetuação

Os velhos coronéis não estavam acima da lei porque eram a lei. Nada mais natural, portanto, que seus familiares e afilhados participassem das benesses do poder. A partir do momento em que se reforça o Estado de Direito, o nepotismo precisa ser secreto, fora das luzes da opinião pública. Mas isso só é possível se o arco de alianças calar importantes parcelas das oposições.

Ele começou a ser tecido já no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a aliança entre PFL e PSDB, quando a esquerda social-democrata veio para o centro, mas se aprofundou e se intensificou com o governo Lula. O PT veio para o centro, carreando novos afilhados para os focos de poder.

Não só aumenta a quantidade de políticos iniciantes, mas igualmente membros dos partidos aliados, líderes sociais e sindicais passam a morder os fundos públicos em nome de uma nova política social.

Seja no "mensalão", seja no "senadão", sempre notamos o exercício de práticas ilegais submersas, que somente vêm à tona quando a aliança se fende, ou porque as benesses foram mal distribuídas, prometidas e não cumpridas, ou ainda porque parte da burocracia se vê preterida.

O prato está feito para a imprensa, que, fazendo notícia do deslize, trata de pôr a boca no trombone. O que resta da opinião pública toma partido, mas não é por isso que as transgressões são devidamente punidas.

A oposição chia. Mas uma parte, não podendo chocar-se com a grande aliança porque está parcialmente comprometida no conluio ou depende do poder central para realizar suas obras, eleva o tom de seu discurso, mas termina topando uma punição simbólica.

Outra, à margem do aparelho do Estado, grita mais alto, mas lhe falta base social para forçar o processo punitivo. Elegem-se, então, bodes expiatórios, a imprensa se regozija, mas logo passa para outro escândalo, e os políticos tratam então de cuidar de seus respectivos jardins.

E o presidente da República, sempre de olho na lisura do caldeirão da aliança, quando pode nega a fenda, pois nada sabe ou nada viu, mas, quando é obrigado a reconhecê-la, é para diminuir a gravidade da transgressão. Aloprados ou um ex-presidente e senador trino não podem ser julgados pelo mesmo padrão moral aplicado ao comum dos mortais.

Caldeirão do bem e do mal

Como é possível que um presidente da República deixe de encarnar os parâmetros da moralidade? A etiqueta que o cerca, essa pequena ética, não serve para ressaltar sua soberania, sua capacidade de estar além do jogo das partes e assim decidir em nome da nação como ela deveria ser?

Houve tempos em que se pensava que o rei tinha dois corpos, aquele natural, onde morava, e aquele outro assentado no Parlamento. Quando o primeiro deixava de corresponder às normas do segundo, nada era mais legítimo do que lhe cortar a cabeça.

No Brasil, os interesses políticos do presidente se costuraram de tal modo, foram de tal modo cozidos, que toda alteridade importante passou a fazer parte do caldeirão do poder. Se o bem e o mal foram nele jogados, nada mais natural que o próprio presidente da República dispense a dignidade normativa de seu cargo. E, sendo o chefe leniente, todos os subordinados estão autorizados a sê-lo ainda mais.

Macunaíma chegou ao poder. Manteve, em termos gerais, a tão criticada política econômica desenhada nos governos anteriores; navegou sobranceiro nas ondas da bonança internacional e equilibrou assistencialismo necessário e devoção ao capital financeiro.

Mas, sobretudo, passou a representar a aspiração geral da sociedade brasileira no sentido de integrar as massas numa sociedade de consumo, mas deixando à margem os ideais de justiça social duradoura e consciência de si.

Anestesiada a polaridade entre aquilo que somos e aquilo que deveríamos ser, a sociedade inteira passa a ser igualada por baixo. Na toada desse processo, seremos uma sociedade de classe média média, mixa.

Como resistir a tudo isso?

Por enquanto, deixando de votar em político carimbado, em particular recusando a aliança espúria entre o político que tem votos e o suplente que financia a eleição.

José Arthur Giannotti é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!.

A cor do golpe

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Em 2005, Wanderley Guilherme dos Santos qualificou de "golpe branco", em artigo na imprensa, os acontecimentos relacionados com a crise do mensalão. Também em artigo na imprensa, formulei a pergunta sobre qual seria o significado real da qualificação. Se todos sabíamos o que seria um golpe "preto" (ou, talvez melhor, "vermelho"), isto é, aquele em que as normas legais são atropeladas pelos tanques e a força bruta prevalece, golpe branco seria aquele em que se afastaria um governo com observância das normas legais? Se as leis são observadas, como no caso do impeachment de Collor, por definição não há golpe, e pode mesmo haver fortalecimento das instituições.

Essa evocação vem a propósito da confusão que envolveu Honduras nos últimos dias. Segundo o noticiário a respeito, Obama teria declarado que "o golpe é ilegal", sem se preocupar com a redundância que a declaração contém à luz da definição que proponho acima. Mas a grande questão posta pela confusão de Honduras é, nos termos de Wanderley dos Santos, a de qual é afinal a cor do golpe - ou, em termos mais precisos, a de até que ponto terá havido, de fato, e de parte de quem, golpe ou conduta ilegal.

Não há dúvida quanto à avassaladora disposição internacional de tratar como golpe o movimento que afastou do poder o presidente Manuel Zelaya - e de condená-lo como tal, exigindo a recondução de Zelaya à presidência. Condenações prontas vieram da Assembleia Geral da ONU e da OEA (de onde veio mesmo um ultimatum com ameaça de expulsão), da ALBA e do governo de Hugo Chávez, num curioso "pendant" com a do governo de Obama (provavelmente desconcertante para o presidente venezuelano); embaixadores dos países latinoamericanos e da Espanha foram retirados; o Banco Mundial ameaçou suspender operações; o "El País" proclamou que já passou o tempo das desordens políticas na América Latina... Nesse consenso, as reações populares introduzem um primeiro fator dissonante: apesar de notícias algo desencontradas, a população hondurenha parece majoritariamente favorável ao afastamento de Zelaya, como destacou sobretudo "The Economist". Mas o povo, naturalmente, pode apoiar golpes, de maneira que não temos aí um critério para esclarecer a confusão.

Há, contudo, as ações do próprio Zelaya. Confuso que seja, o noticiário indica com clareza que Zelaya se empenhava, por caminhos ilegais (ademais de truculentos) que suscitaram a oposição do poder legislativo e da Corte Suprema do país, num referendo visando à mudança constitucional que lhe assegurasse o direito de disputar a reeleição, aparentemente levado por uma espécie de conversão esquerdista de inspiração chavista, oportuna diante do fim próximo de seu mandato. Como sugerido de novo recentemente com a introdução do tema das "democracias iliberais", proposto por Fareed Zakaria, o fato de que um chefe de governo tenha sido eleito não garante, por si só, a unção de todos os seus atos como democráticos. Cabe lembrar que, com todo o apoio da OEA a Zelaya, as negociações patrocinadas por ela para o seu eventual retorno ao poder preveem garantias por parte dele de não buscar novo mandato. E pudemos ver, por exemplo, manifestações como a de Ray Walser, em artigo no "Washington Post", a designar o afastamento do presidente como "um golpe para proteger a constituição" - o que faz lembrar nossa remota "novembrada" de 1955, em que o golpe de Lott contra o golpe, com o famoso "retorno aos quadros constitucionais vigentes", propiciou à oposição golpista e derrotada quando nada a ironia contra a inconsistência formal do rótulo.

De todo modo, a questão é justamente a das possíveis contradições envolvidas nas relações entre formalidades e ações reais. Os militares hondurenhos alegam ter agido por ordem da Justiça. Sobretudo com a precariedade das informações disponíveis de imediato na imprensa internacional, é difícil situar-se com segurança nos meandros legais da situação criada. Mas as informações parecem suficientes para permitir colocar o que vemos em Honduras à parte do que ocorre tradicionalmente em nossos golpes militares, em que os poderes legislativo e judiciário simplesmente se dispõem com presteza a "acochambrar" e dar revestimento "institucional" à violência consumada.

Claro, a confusão hondurenha comporta outras nuances importantes. Nada justificaria a forma estouvada e pouco civilizada da ação militar contra Zelaya, preso de pijamas na madrugada e enviado sem mais para o exterior. Declarações de Roberto Micheletti, o novo ocupante da Presidência, divulgadas em 2 de julho, assinalavam que se Zelaya voltar ao país, como diz ser sua intenção, deverá submeter-se aos tribunais. Ora, por que esse encaminhamento não foi dado, desde o primeiro momento e de forma legalmente apropriada, pelos líderes sob cuja autoridade formal supostamente aconteceu o movimento contra Zelaya?

É bom, com certeza, que a naturalidade com que os golpes eram recebidos em nosso velho pretorianismo se veja agora substituída pela pronta e geral indisposição suscitada por qualquer coisa que se assemelhe a militarismo golpista. Sem dúvida, há fatores mais amplos ligados a isso, com destaque para a superação da Guerra Fria: para os Estados Unidos como ator decisivo, o risco de alianças com uma potência nuclear rival é bem diferente mesmo do de uma Venezuela "bolivariana", que dizer do de uma eventual Honduras de simpatias chavistas - ainda que se ponha de lado a novidade dos Estados Unidos de Obama. E o confronto entre a palidez cor de rosa do, digamos, golpe anti-Zelaya e a movimentação golpista de tons aparentemente mais sombrios (ou rubros) do próprio Zelaya nos traz pelo menos uma lição a mais sobre as dificuldades do aprendizado institucional de convívio democrático. Que a confusão se resolva com a rapidez possível.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Mutirão pela democracia

Marina Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


INSTITUIÇÕES ADOECEM. E podem morrer pelo colapso das funções vitais, pela perda de sentido e de conexão com sua finalidade original. O Legislativo brasileiro não está moribundo, mas tem sintomas preocupantes e o momento da intervenção curativa é agora. Um ponto essencial para a elaboração do diagnóstico do Senado está no uso indevido do poder que a Constituição lhe confere. Os limites e regras desse poder foram extrapolados a ponto de se formar, nas brechas do regimento interno, um comando paralelo de decisões.

O remédio não pode ser só para os sintomas, porque a doença se espalhou pelo corpo. De tal maneira que passaram a existir atos secretos e contas sigilosas, como num universo paralelo ao Estado de Direito, com lógica própria, ao sabor de conveniências, porém, nutrindo-se dos meios e instrumentos que pertencem à sociedade e só a ela estão destinados a servir.

Este adoecimento não se resolve de olho em interesses restritos, sejam de cunho pessoal, partidário ou eleitoral. O tratamento tem que ser profundo para interditar, por meio do cumprimento da lei, a repetição frequente de erros e, assim, recuperarmos a ideia bem sintetizada por R. Goldenberg em "Política e Psicanálise". Ele chama a atenção para o significado da perda do princípio "básico de que toda a política se pratica na dimensão do direito e das leis".

Daí a ideia de uma instituinte, que já apresentei aqui. Uma reforma deve ir além das indispensáveis correções das irregularidades, e consequentes punições. Precisa demonstrar a autolimitação de uma instituição que passou dos limites.

Um gesto do presidente Sarney, se licenciando temporariamente para firmar sua isenção nas apurações, como parte do encaminhamento de soluções, seria um bom exemplo desta autolimitação. Isso exigiria dos partidos que deixassem de lado o oportunismo e a tentação de se ater a seus interesses no varejo, para que todos, principalmente a sociedade e a instituição Senado, possam ganhar no atacado.

Continuo, assim, defendendo o afastamento temporário do presidente do Senado, como parte da estratégia de instalação de um processo de reforma. Mas não relegada a uma comissão produzindo belos estudos num canto da Casa. Esse debate tem que ser vivo e, para ter estatura, tem que se dar no plenário, com a participação de juristas, especialistas, representantes de servidores e segmentos sociais.

Ou fazemos algo nessa dimensão para superar a crise do Senado, ou não seremos capazes de nos reencontrarmos com seu sentido original, sua finalidade democrática, com a vitalidade que é o mínimo que a sociedade espera de suas instituições.

A ciência da sociedade está à deriva

Zander Navarro
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

É urgente a recuperação da capacidade analítica da sociologia. Se assim não for, ela poderá se tornar descartável

REINAÇÃO DO autoengano, da ingenuidade subcapitalista e do irracionalismo religioso, o pensamento mágico prospera em todos os poros de nossa sociedade.

Os governantes e nossas elites incentivam como podem a ampliação dessa sociabilidade ilusória. Afinal, é o ocultamento da realidade que permite a fixação da ordem existente, consagrando o Brasil como modelo da desigualdade e das injustiças sociais.

Deveria ser o melhor dos mundos para animar o robusto desenvolvimento do que Weber chamou de "ciências do espírito", a tríade formada por sociologia, antropologia e ciência política.

No entanto, focada apenas a ciência da sociedade, a sociologia, é uma chocante ironia que tenhamos observado a obrigatoriedade de sua inclusão nos currículos do ensino médio exatamente quando é ciência que experimenta a sua maior crise, não apenas como um sistema de conhecimento, mas também como uma instituição social e uma profissão.

Onde estão os cientistas sociais que demarcaram os debates públicos em anos passados? Por que se refugiaram no comodismo das universidades públicas e se conformaram à domesticação de seu papel crítico? Por que se confinam, cada vez mais, aos estudos hiperespecializados, ao hermetismo narcísico ou à produção estéril que se repete em guetos de autoexaltação?

É um fenômeno apenas brasileiro? Estaria perdendo a sociologia a sua relevância, a ponto de poder ser em breve dispensada? Como entender que essa ameaça ocorra exatamente quando se multiplicam os seus praticantes e os cursos existentes, e cresce o número de sociólogos doutores?

Os impasses atuais da sociologia são muito distintos dos do século 19, quando surgiu no firmamento científico, estimulada pela luta teórica entre positivistas e neokantianos, estes defendendo a bifurcação entre ciências naturais e ciências humanas.

Essa disputa constituiu o pensamento clássico que foi sendo abandonado recentemente, sobretudo a partir dos anos 80, dando lugar à anarquia do relativismo cultural e às subteorias de um conhecimento fragmentado. A tradição clássica foi assim decomposta e superada por um pensamento ideológico centrado em diversos códigos obscuros e distantes de problemáticas sociais.

No caso brasileiro, esse refluxo foi mais acentuado em função da partidarização e do militantismo que tem sido corriqueiros entre nós, sobretudo nos anos pós-democratização.Assim, parece equivocado o diagnóstico do influente sociólogo Anthony Giddens, sugerindo que, pelo contrário, a sociologia seria mais forte atualmente, porque as ciências sociais já fariam parte do imaginário público, que as toma como dadas e parte do senso comum.

A sociologia surgiu como a leitura crítica da modernidade, mas a sua revisão contemporânea e a traição de sua história depositam-na em um vácuo ontológico.

O declínio correspondente da modernidade pode ser atribuído a diversos fatores, entre os quais a perda de soberania do Estado-nação, o impacto das revoluções democráticas, sobretudo as operadas no antigo bloco soviético, a emergência de novas concepções sobre as relações entre sociedade e natureza e, também, a crescente importância do conhecimento na estruturação social.

Se examinado apenas um desses aspectos, as revoluções sempre foram decisivas para a produção de novos sistemas de conhecimento, inclusive a sociologia. Mas aqueles modelos gerados no contexto da Guerra Fria não mais repercutem na vida social, nem o liberalismo ocidental, nem a social-democracia, nem o marxismo, nenhum deles bem-sucedido em oferecer fundamentos para um conhecimento sociológico consistente.

Assim nasceu a profunda crise atual dessa ciência, a qual tem sua origem na relação de estranhamento da sociologia com a explicação de seu objeto, a sociedade.

Na tradição de "A Imaginação Sociológica", de Wright Mills, é urgente a recuperação da capacidade analítica da sociologia, confrontando todas as formas de poder, de dominação e de produção das hierarquias com as suas manifestações na ordem social. Se assim não for, ela poderá se tornar descartável, pois impotente para interpretar os temas sociais.

No Brasil, a despartidarização da sociologia, sem significar a sua despolitização e, menos ainda, a sua neutralidade, é outra urgência para ela reerguer-se como ciência.

É preciso localizar a possibilidade de torná-la relativamente autônoma, mas igualmente capaz de responder à sociedade e suas necessidades de análise dos processos sociais, assim retornando ao seu papel de consciência crítica dos arranjos societários.

Zander Navarro, 58, sociólogo, é professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador visitante do Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra).

Crise agrava pobreza no mundo

Liana Melo
DEU EM O GLOBO


ONU: até 90 milhões voltarão a viver com menos de US$ 1,25 por dia

Relatório das Nações Unidas sobre as Metas do Milênio, que será apresentado hoje em Genebra, revela que os avanços na luta contra a pobreza e a fome começam a recuar, em consequência da crise financeira mundial. A ONU calcula que o número de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 (cerca de R$ 2,40) por dia poderá aumentar até 90 milhões este ano.

Crise reduz luta contra pobreza

ONU: até 90 milhões entrarão na faixa dos que vivem com US$1,25 por dia em 2009
Omundo recuou no combate à pobreza e na erradicação da fome. Não foi um recuo estratégico, mas uma reação à crise financeira global que se agravou em 2008, provocando uma certa inversão de tendência de alguns avanços detectados nos últimos anos. Como o mundo já está a meio caminho do limite do prazo fixado para a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o sinal amarelo foi acionado nas Nações Unidas. O prazo limite para atingir as Metas do Milênio é 2015. O relatório com os números de 2008 será apresentado hoje, em Genebra, pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Embora ainda não existam dados suficientes para dimensionar o impacto generalizado da crise, as Nações Unidas já fizeram algumas projeções que apontam para o ingresso, em 2009, de mais 55 milhões a 90 milhões de pessoas vivendo com menos de US$1,25 (R$2,44) por dia. Isso significa que os indicadores de extrema pobreza, que tinham caído de 1,8 bilhão de pessoas, em 1990, para 1,4 bilhão, em 2005, voltaram a subir.

O pior é que a crise financeira não reinou sozinha em 2008. Ela veio acompanhada de um aumento generalizado dos preços dos alimentos. A crise alimentar, que refluiu no segundo semestre enquanto a financeira se agravava, acabou elevando de 16%, em 2006, para 17%, em 2008, o percentual da população mundial considerada miserável.

Na América Latina e no Caribe, por exemplo, o percentual da população que vivia com menos de US$1,25 por dia, voltou a subir para 8%, depois de ter registrado uma queda de 13% para 7%, em 2007. Mas foi na África Subsaariana, no subcontinente indiano e no Oriente Médio que a inversão de tendência em relação à indigência foi mais acentuada: subiu de 59% para 64%, de 38% para 44% e de 10% para 25%, respectivamente.

Hoje, mais de um quarto das crianças que vivem nos países em desenvolvimento têm peso insuficiente para a sua idade. A crise alimentar provocou um agravamento da situação de subnutrição entre menores de 5 anos. A América Latina foi uma das poucas regiões em que a situação agravou-se menos, tendo recuado de 12% na década de 90 para 8% em 2007. Em 2008, o índice não se alterou, permanecendo estável em 7%.

Progresso "lento demais", diz ONU

Ao fazer um balanço hoje das Metas do Milênio, Ki-moon vai advertir que, apesar dos numerosos êxitos conquistados até agora, os progressos têm sido, de um modo geral, "lentos demais" para permitir a implementação das metas nos próximos seis anos. O documento com as Metas do Milênio foi assinado em 2000 por 191 países. Dentre as oito metas fixadas (acabar com a fome e a pobreza, universalizar a educação básica, promover a igualdade entre os sexos, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde das gestantes, combater a Aids, reduzir desemprego e respeitar o meio ambiente), uma das poucas a ser atingida, segundo a própria ONU, será a da universalização do ensino básico. Na maioria dos países, o indicador subiu de 83%, em 2000, para 88%, em 2007.

- Não podemos permitir que um clima econômico desfavorável prejudique os compromissos assumidos lá trás - alertou Ki-moon, afirmando que "chegou o momento de acelerarmos os avanços conquistados".

A crise está inchando os dados de desemprego mundo afora, tanto assim, que, segundo cálculos das Nações Unidas, os sem-emprego podem atingir este ano entre 6,1% e 7% dos homens e 6,5% e 7,4% das mulheres. Como os homens estão conseguindo voltar ao mercado de trabalho mais rapidamente que as mulheres, as Nações Unidas admitem que, dificilmente, a meta de igualdade entre gêneros será alcançada em 2015.

Só que o apelo que será feito hoje por Ki-moon esbarra numa realidade financeira que é de conhecimento da ONU. Nos últimos 49 anos, as nações em desenvolvimento receberam o equivalente a US$2 trilhões em doações feitas pelos países ricos; enquanto os bancos e grandes instituições financeiras embolsaram, só no último ano, US$18 trilhões. Os dados são da ONU e foram divulgados em junho passado, em Nova York, durante a Conferência Econômica das Nações Unidas, que serviu de base para o relatório que está sendo apresentando hoje.

Pressionado por Lula, PT se reúne para unificar discurso sobre Sarney

Ana Paula Scinocca, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Sob pressão do Palácio do Planalto, a bancada do PT no Senado se reúne amanhã para tentar fechar questão em torno do afastamento ou da permanência do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Na semana passada, a maioria dos 12 senadores petistas defendeu que o peemedebista se licenciasse do posto por 30 dias. Um dia depois, porém, o partido foi "enquadrado" pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e recuou. "A situação de Sarney tem piorado a cada dia. Entendemos e nos preocupamos com a governabilidade, mas também tem a questão moral. O PT tem uma história pela qual zelar", disse ontem o senador João Pedro (AM). Fiel escudeiro e amigo de Lula, João Pedro, desta vez, acha que o melhor caminho seria a saída de cena, ainda que temporária, do presidente do Senado.

Dos 12 senadores petistas, apenas três têm se posicionado claramente em defesa da continuidade de Sarney no cargo: Delcídio Amaral (MS), Serys Slhessarenko (MT), que é integrante da Mesa Diretora, e a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (SC). A exemplo do último encontro, a reunião desta semana deverá contar com a presença do presidente nacional do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP).

"Ainda acho que o afastamento, a licença por 30 dias, é a melhor recomendação a ser feita ao presidente Sarney. Mas não temos condições de impor isso", resumiu o senador Eduardo Suplicy (SP).

A pressão do Planalto para que o PT recuasse na tese de defesa da saída de Sarney ocorreu depois que o peemedebista ameaçou renunciar ao cargo, fato que desencadearia um processo sucessório na Casa e abalaria a possível aliança PT-PMDB em 2010.

RECESSO

O maior trunfo do PMDB do Senado na batalha para manter Sarney no cargo é o calendário. O partido vai trabalhar para antecipar o recesso parlamentar e esvaziar o Congresso a partir da próxima sexta-feira.

Um dirigente peemedebista explica que a tática é cumprir, o quanto antes, os pré-requisitos legais para as férias do Legislativo. O principal deles está no texto constitucional, segundo o qual o Congresso não pode entrar em recesso antes de votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2010. Diante desta exigência, o PMDB articula a base governista para levar a LDO a voto no plenário na quinta-feira.

Ex-PMDB, Itamar oficializa filiação ao PPS

Ivana Moreira, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ex-presidente tem sido cotado para ser vice de Serra numa chapa à Presidência da República em 2010

O ex-presidente Itamar Franco oficializa, hoje à tarde, sua filiação ao PPS. A cerimônia, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, contará com a presença do presidente da partido, Roberto Freire, e do governador Aécio Neves (PSDB).

Embora seja um dos mais entusiasmados cabos eleitorais do governador mineiro, Itamar tem sido cotado, pelos tucanos paulistas, como um bom nome para vice do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), na disputa presidencial de 2010.

"Eu estava na arquibancada e agora estou no banco de reservas, mas evidentemente não cabe a mim decidir nada, cabe ao partido", declarou Itamar, em entrevista à rádio CBN. Segundo ele, seu ingresso no PPS é "político" e não "eleitoreiro". Quando perguntado sobre a possibilidade de ser vice numa chapa com Serra, o ex-presidente faz questão de lembrar que defende, prioritariamente, a pré-candidatura de Aécio Neves à Presidência.

Assim como o governador mineiro, Itamar Franco não perde oportunidade para dizer que as eleições de 2010 terão de passar por Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do País.

A provável candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra Dilma Rousseff, é mineira, de Belo Horizonte, e vem trabalhando para reforçar sua identificação com o Estado, numa estratégia para garantir vantagem junto ao eleitorado mineiro. Senador por dois mandatos e ex-governador de Minas, Itamar Franco seria um aliado importante para Serra no Estado em ma campanha.

SEM PARTIDO

Itamar, de 78 anos, estava sem partido desde que deixou o PMDB, em 2006. O ex-presidente sentiu-se traído pela legenda, que o preteriu na disputa pelo Senado. Com o apoio do presidente Lula, o PMDB de Minas lançou o ex-governador Newton Cardoso como candidato ao Senado. O episódio selou o rompimento de Itamar com o PMDB, pela terceira vez, e também o afastamento entre Itamar e Lula. O ex-presidente chegou a fazer parte do governo petista, ocupando o cargo de embaixador em Roma durante o primeiro mandato. Hoje, critica o governo.

Para o PPS, Itamar leva também seus principais aliados, conhecidos como o "grupo de Juiz de Fora" - os ex-ministros Henrique Hargreaves e Djalma Morais e o ex-deputado Marcelo Siqueira.

Notícia divulgada no site do partido comemorou o fato de que o PPS passará a contar, pela primeira vez em sua história, com um ex-presidente da República em seus quadros. Em comentários postados na página, correligionários lembram que a chegada do mineiro é muito importante para a corrida eleitoral de 2010.

ENTREVISTA/Itamar Franco, ex-presidente

Ricardo Miranda
repórter
DEU NA TRIBUNA DE MINAS/ JUIZ DE FORA(ontem)

'Minas não pode continuar só cochichando'

Aos menos desavisados, que estão se acostumando com o silêncio político mineiro, vale o aviso: o ex-presidente Itamar Franco está voltando à vida pública e disposto a fazer ecoar a voz das Alterosas. "A voz de Minas precisa ser mais ouvida no país. Minas não pode continuar só cochichando." Para isso, ele irá se filiar ao PPS, o que acontece amanhã em Belo Horizonte. "Se o PPS me permitir ingresso, será meu retorno político. No PPS vamos poder falar de certas coisas que acontecem no país." Nesta entrevista à Tribuna, concedida na última sexta-feira, Itamar antecipa algumas dessas "coisas" das quais pretende falar a partir de agora. A mais cara delas, até pela circunstância temporal, já que se comemora 15 anos do seu lançamento, envolve o Plano Real. "Tem um grupo paulista que teima em dizer que o Plano Real é dele. Tecnicamente havia várias ministros envolvidos e cada um teve sua importância. Mas quem assina politicamente é o presidente da República." Ele também fala da crise do Senado, da indisposição dos políticos com as reformas e da disputa presidencial de 2010. Nesse caso, volta a insistir na necessidade de um nome mineiro (Aécio Neves), mas adverte: "Se Aécio depender da cúpula (do PSDB) não será candidato."

Tribuna - O sr. ingressa no PPS antes de se fechar a janela eleitoral do próximo ano. Há nisso sinalização de candidatura?

Itamar Franco - Estamos entrando no partido num processo político, mas não eleitoral. Se o PPS me permitir ingresso, será meu retorno político. Estamos voltando ao processo político e toda volta é muito dolorosa. No PPS vamos poder falar a respeito de certas coisas que acontecem no país.

- O sr. chegou a dizer que sua filiação estava à mercê apenas de saber o que pensa o PPS nacional...

- Conversei com o Roberto Freire (presidente nacional do PPS), que foi meu líder na Câmara, e ele disse que me recebe com muita alegria. Mas antecipei que teríamos um problema e ele me perguntou qual seria. Disse que queria saber como o PPS vai se comportar nessa briga do Plano Real. Perguntei: como vou ficar? O Freire assegurou que teria liberdade para expressar meu pensamento. Respondi que expresso meu pensamento, mas queria saber o que o PPS iria expressar. Ele disse, então, que na segunda-feira (amanhã) a gente conversaria.

- Mas em relação à disputa interna tucana, o PPS já havia sinalizado apoio a José Serra (governador de São Paulo).

- O PPS não pode tomar posição sem saber quem é o candidato, isso ficou bem claro. Mas o PPS de Minas dá apoio ao governador Aécio.

- No PPS, o sr. pode vir a ser candidato a presidente novamente?

- O PPS mineiro tem Aécio como candidato. Mas, se tivesse um candidato à Presidência, seria o (Roberto) Freire.

- Já é possível vislumbrar qual será o cenário sucessório de 2010?

- Quando as regras eleitorais forem definidas, aí teremos alguma definição. Hoje temos muitas incógnitas para poucas equações. Os cenários mineiro e nacional estão indefinidos por conta das regras, não apenas por conta dos candidatos. A verticalização, por exemplo, é um complicador grande. Ela não vigora mais. O PT, nacionalmente, tem apoio do PMDB - digamos que sim -, mas como vai ficar o PMDB em Minas ninguém sabe. Como vai ficar a candidata ou o candidato a presidente do PT aqui em Minas?

- O governador Aécio refere-se ao sr. como amigo e conselheiro político. O que o sr. tem dito a ele sobre 2010?

- Quando posso, porque conselho só se dá a quem pede, tenho dito ao Aécio que Minas precisa levantar sua voz. Tornar nossa voz mais clara no país. Minas não pode continuar só cochichando. Mineiro não só cochicha. Mineiro quando fala é ouvido. Quem pode levar essa voz é o Aécio.

- Mas ele vai conseguir viabilizar a candidatura a presidente no PSDB?

- Vou ousar a falar do PSDB, mas posso ser desautorizado (risos). Acho que o caminho das prévias está correto. Se ele depender da cúpula (do PSDB) não será candidato.

- Mas, mesmo nas prévias, é uma disputa complicada...

- Considerando as diferenças dos tempos, quando o presidente Juscelino Kubitschek foi candidato falaram que ele não tinha apoio de São Paulo. Internamente no seu partido, tinha muito mais dificuldade que o Aécio tem hoje no PSDB. Veio a eleição e, em São Paulo, Juarez da Távora teve 800 mil votos, Ademar de Barros teve um milhão e o Juscelino teve apenas 200 mil. Mas foi ele (Juscelino) quem ganhou a eleição. Mas, claro, que tudo vai depender do eleitor de hoje.

- Independente do candidato, o PSDB quer usar a bandeira do Real. Como o sr. avalia essa estratégia?

- Tem um grupo paulista que teima em dizer que o Real é dele. Tecnicamente havia vários ministros envolvidos e cada um teve sua importância. Era uma equipe técnica. Mas quem assina politicamente é o presidente da República. Se ele não quiser assinar, não tem plano. É isso que esse grupo não quer entender e fala que o Plano Real é do PSDB. Os ministros Eliseu Resende, Paulo Haddad, Gustavo Krause não eram do PSDB. O único do PSDB era o Fernando Henrique Cardoso, e parece que o plano é do PSDB.

- Em recente artigo no jornal "Folha de São Paulo", o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, cobra ações do Governo Lula sobre medidas de aperfeiçoamento do Real. Essas medidas eram previstas?

- Sabíamos que, já em 1995, eram para ser implantadas as reformas fiscal e tributária. E o que eles implantaram? Naquela época não era Governo do presidente Lula. Era do PSDB. Mas vou aproveitar para lembrar que o presidente Lula e o PT foram contra o Plano Real todo o tempo.

- Avaliando hoje, 15 anos depois, o que faltou ao Plano Real?

- Não é um plano estático, precisa das reformas (fiscal e tributária). E também havia a necessidade de um pacto republicano. A União tem concentração grande e os municípios menores dependem muito do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Quando se reduz o IPI e o Imposto de Renda, há impacto no FPM. Então é preciso pensar numa equação adequada quando vai se fazer um concessão de benefício fiscal, que não sou contra, mas precisa ser pensado. Da forma como é hoje, os municípios ficam à mercê de benesses da União.

- No livro "Era outra história", da Denise Paiva, que foi sua assessora na Presidência, há uma ligação entre o Plano Real e programas sociais como o Bolsa Família....

- Na nossa época, a pedido do senador Pedro Simon, eu recebi o Luiz Inácio Lula da Silva e o Betinho (Hebert de Sousa). Foram falar de um tal plano que o PT tinha. Em função do plano, criamos o Conselho de Segurança Alimentar. Convidei o Betinho para assumir o órgão, mas ele não aceitou. Convidamos o bispo (Mauro) Morelli. Acredito que esse conselho tenha sido o núcleo de todas as obras sociais que vêm até hoje.

- O sr. mencionou o senador Pedro Simon. Ele seria um bom nome para assumir a Presidência do Senado e resgatar a imagem da Casa?

- É um excelente nome para representar o Senado. Um político com seriedade, honradez, decência e amor à pátria. Posso falar do PMDB, porque foi um de seus fundadores. Insisto que seria um excelente nome. Não quero interferir naquilo que não me compete, pois não sou senador, mas seria um grande nome.

- Para o sr, que foi senador por 16 anos, o que é mais preocupante na atual crise do Senado?

- Vejo isso com muita tristeza. O que mais dá desconforto é que o Legislativo não resolve seus problemas e vai recorrer ao Executivo para resolvê-los. Isso na história política brasileira é um fato a se lamentar. É grave a interferência do Executivo.

- Mas a interferência, nesse caso, se deu porque o Legislativo recorreu ao Planalto.

- Veja o caso da CPI da Petrobras. É grave a interferência do Governo na CPI. Tudo bem que a oposição tem que mostrar porque quer a CPI, mas o Governo não pode agir para que ela não aconteça. A Petrobras interessa a toda sociedade. Em 1975, quando cheguei ao Senado, havia uma coisa importante: o acordo nuclear. O presidente Geisel havia tentado conseguir uma cooperação com os Estados Unidos para desenvolver energia nuclear. Eles negaram a transferência de tecnologia. O presidente Ernesto Geisel foi à Alemanha buscar esta tecnologia. Paulo Brossard era o líder da bancada do MDB no Senado. Elegemos a maioria da Casa, com 16 senadores, mas depois criaram o senador biônico. Mas, voltando ao acordo nuclear, o Brossard pediu para se criar uma CPI para apurar este acordo. A CPI foi formada com 11 senadores, três da oposição e oito da situação. Fui presidente da comissão e ninguém tentou bloquear a CPI. E olha que estávamos na ditadura militar. Hoje, temos um regime democrático, mas querem barrar a CPI da Petrobras.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Eleição fortalece oposição no México

DEU EM O GLOBO

PRI, que governou por 7 décadas, ganha terreno na Câmara dos Deputados

UMA NATIVA mexicana vota em Capacuaro, no estado de Michoacan

CIDADE DO MÉXICO. Os mexicanos foram às urnas ontem numa eleição legislativa que deve selar o destino do presidente Felipe Calderón. Pesquisas já indicavam que o seu Partido da Ação Nacional (PAN) perderia a maioria parlamentar para o Partido Institucional Revolucionário (PRI), de centro, que dominou a cena política mexicana por nada menos que 70 anos até 1997, quando perdeu a maioria no Congresso.

Os primeiros resultados oficiais divulgados na noite de ontem (com 9,8% das urnas apuradas o PRI tinha 34,7% e o PAN, 27%) confirmavam as pesquisas: o PRI chegaria em primeiro lugar, com mais de 210 cadeiras, dobrando seu atual número de assentos na Câmara dos Deputados. O PAN ficaria em segundo lugar, com 175 cadeiras.

O revés para o governo parece ter sido determinado pela economia. Boa parte da campanha foi dominada pelo colapso econômico do pais - duramente atingidos pela crise financeira internacional. Há três anos, quando venceu as eleições presidenciais, Calderón prometia reformas no sistema de impostos do país e alterações no setor de energia com o objetivo de retomada do crescimento econômico já então prejudicado.

Mas o país foi mais atingido ainda este ano, com a recessão global e a redução considerável do volume de dinheiro enviado para casa por trabalhadores migrantes.

O surto de gripe suína em abril acabou por afugentar turistas, com prejuízos estimados pelo governo em mais de US$2 bilhões. Há ainda uma insatisfação popular com a maneira com que o governo vem lidando com o tráfico de drogas.

- Estamos em nossa pior crise - afirmou o eleitor Salvador Zavala, de 66 anos.

Se o PRI conseguir formar uma maioria parlamentar como esperado, ele poderá cancelar a decisão do governo de dar mais poderes aos 45 mil soldados designados para combater os cartéis de droga no país. O PAN acusa o partido opositor de ser conivente com os traficantes. O PRI pode também atrapalhar os planos de Calderón de abrir mais o setor energético ao investimento privado. Os mexicanos elegeram 500 deputados, prefeitos e seis governadores.

Zelaya é impedido de voltar

DEU EM O GLOBO
Washington e Tegucigalpa

Militares bloqueiam aeroporto e avião de presidente deposto de Honduras vai para Nicarágua

Num dia de tensão crescente entre o presidente deposto de Honduras e as autoridades que tomaram o poder, Manuel Zelaya tentou retornar a seu país num avião venezuelano, sendo impedido por militares que tomaram a pista do Aeroporto Internacional de Toncontín, em Tegucigalpa. Partidários de Zelaya tentaram intervir e, no tumulto que se seguiu, pelo menos duas pessoas foram mortas e 30 ficaram feridas. O voo acabou sendo desviado para a Nicarágua. O presidente deposto prometeu tentar de novo voltar a seu país hoje.

As movimentações para o retorno de Zelaya começaram na tarde de sábado, em Washington, depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou por unanimidade a suspensão do país e determinou sanções econômicas ao governo golpista. Zelaya tinha ainda o apoio dos presidentes de Argentina, Cristina Kirchner; Equador, Rafael Correa; e Paraguai, Fernando Lugo, que prometeram acompanhá-lo no voo.

Horas antes do embarque, no entanto, os colegas mandatários mudaram de ideia. Alegando falta de segurança, decidiram acompanhar o desenrolar da crise de El Salvador, para onde seguiram no avião da Presidência argentina. Junto com eles estava secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza.

- Se Zelaya aterrissar e considerar oportuna a nossa ida, iremos - explicou Rafael Correa.

Acompanhado do presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Miguel D" Escoto, Zelaya fez um dramático apelo às autoridades locais no momento em que se aproximava do aeroporto para que permitissem o pouso "em nome de Deus, do povo e da justiça". Falando ao vivo na emissora venezuelana Telesur, que tinha uma equipe de reportagem a bordo do avião, o presidente deposto pedia às autoridades que liberassem a pista.

Evocando a lealdade das Forças Armadas do país e imagens religiosas, Zelaya falou durante boa parte do voo.

- Sou o comandante das Forças Armadas, eleito pelo povo, e peço que cumpram a ordem de abrir o aeroporto. Ninguém pode me obrigar a voltar - afirmou. - Sinto-me com força espiritual suficiente, abençoado pelo sangue de Cristo, para conseguir aterrissar e erguer o crucifixo.

Mas à medida que o avião se aproximava de Honduras, a tensão aumentava no aeroporto, com os confrontos entre militares e manifestantes e a morte dos partidários de Zelaya.

- Em nome de Deus, detenham esse massacre - pedia ele, ao vivo, pela televisão.

De acordo com jornalistas que estavam no aeroporto, francoatiradores teriam disparado contra a multidão (estima-se que seriam 30 mil pessoas) que tentava entrar na pista para garantir o pouso de Zelaya. Segundo testemunhas, as vítimas seriam um garoto de 13 anos e uma moça de 18 anos.

No sábado à tarde, o governo interino anunciou que prenderia Zelaya caso ele insistisse em desembarcar no país. Há uma ordem de prisão expedida contra ele por abuso de poder: ele tentou realizar um referendo proibido pela Suprema Corte que abriria caminho para sua reeleição. O mandato de Zelaya só terminaria em 2010, mas ele foi forçado a deixar o poder na semana passada, num golpe condenado por praticamente toda a comunidade internacional.

Ontem à tarde, no entanto, a ordem era de não deixar o avião pousar. O aeroporto não foi fechado, mas várias companhias aéreas cancelaram seus voos. Com milhares de partidários de Zelaya marchando rumo ao aeroporto, cercado por militares e policiais, o clima já era extremamente tenso no início da tarde. Chegou-se a falar na possibilidade da morte do presidente deposto.

- A ordem é não deixar entrar, venha quem vier (a bordo do avião), para que não se cometa a imprudência de que morra um presidente da República, de que seja ferido um presidente da República, de que morra qualquer pessoa - afirmou o chanceler interino Enrique Ortez, em entrevista a uma rádio local.

Tropas da Nicarágua estariam na fronteira

Vários partidários de Zalaya se reuniram também nas principais praças da capital em manifestações de apoio ao regresso do presidente. Muitos deles vestiam camisetas vermelhas, tinham os rostos cobertos por lenços e carregavam bastões. Tropas ocupavam as principais ruas.
- O povo exige esse regresso. O governo de (Roberto) Micheletti só é apoiado por empresários e ricos, gente que não se importa com o povo humilde - afirmou Julian Manzanares, de 51 anos, um dos manifestantes contrários ao golpe.

O presidente interino do país, Roberto Micheletti, tornou o clima ainda mais pesado ao fazer um pronunciamento oficial no qual pedia à vizinha Nicarágua (aliada de Zelaya) que "não deixasse suas tropas cruzarem a fronteira porque estaria disposto a se defender". A Nicarágua negou que houvesse qualquer movimentação de tropas na fronteira.

Hondurenhos veem sombra de Chávez por trás da crise

DEU EM O GLOBO

TEGUCIGALPA. O único culpado pela crise política em Honduras é Hugo Chávez. É o que estão afirmando muitos hondurenhos, em meio a fortes críticas e insultos ao presidente venezuelano, quando se pede que opinem sobre a atual situação em seu país, uma semana depois do golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya.

Embora o motivo do golpe tenha sido a insistência de Zelaya em fazer uma consulta popular que abriria caminho para a sua reeleição, os problemas dele com a opinião pública começaram a surgir, um ano antes, quando Zelaya estabeleceu uma aliança com Hugo Chávez.

- Odeio Hugo Chávez! Zelaya não era mais que um fantoche dele para nos impor uma ditadura comunista, ele era um aprendiz de tirano! - esbravejou Sonia Reyes, advogada de 37 anos.

A verdade é que o presidente da Venezuela chegou a ameaçar intervir militarmente em Honduras logo depois da queda de Zelaya, mas pouco tempo depois moderou seu discurso.

- É necessário que as pessoas vejam como se vive na Venezuela, como o governo está eliminando a propriedade privada e, ainda, como estão fazendo de tudo para silenciar os meios de comunicação. Isso é o que nos esperava - disse o engenheiro Ascario Solano, de 52 anos, enquanto era aplaudido por dezenas de hondurenhos.

O ódio contra Chávez não é registrado só nas ruas: nos quartéis, nas igrejas e nas empresas, muitos não duvidam em apontar o presidente venezuelano como o fator desestabilizador numa nação tradicionalmente aliada dos EUA.

Chávez exalta "valente" Manuel Zelaya

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, felicitou o "valente" Manuel Zelaya e os pilotos venezuelanos do avião que tentou sem sucesso aterrissar ontem na capital hondurenha."Zelaya é um homem valente como poucos", disse Chávez em um telefonema ao canal interestadual Telesur, após o avião que levava o presidente deposto ter sobrevoado o aeroporto de Tegucigalpa, onde veículos militares impediram sua aterrissagem.

O presidente venezuelano é um dos principais aliados de Zelaya, e a aliança entre os dois foi um dos fatores de desestabilização do governo de Honduras.

"Esse governo [interino] é de covardes", disse Chávez, acrescentando que a determinação de Zelaya de voltar ao país se frustrou nesta ocasião, mas se "cumpriu a missão" e, "com o favor de Deus e do povo hondurenho, ele vai regressar" em breve.

Chávez atribuiu a ação que impediu a aterrissagem a um "sinal de covardia e debilidade que ficará para os registros da história".

"Creio que foi uma grande vitória moral, o presidente entrou em Honduras em um aviãozinho pequeno, mas gigante na dignidade."

Ele afirmou que gostaria de ouvir o presidente Barack Obama sobre o ocorrido e acrescentou estar "absolutamente seguro de que esses gorilas estão sendo apoiados pelo império ianque".

Mas "não estou dizendo que têm o apoio de Obama porque creio que Obama é prisioneiro do império", acrescentou.

"A junta militar de Honduras vai cair, e os dignos militares devem refletir e deixar de seguir enchendo de sangue as pontas de seus fuzis."

Todos os olhos no consumidor

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Chegamos à metade de 2009 com a economia mundial ainda cercada por muitas incertezas. Apesar do pior cenário - associado à Grande Depressão - estar hoje descartado, os mercados financeiros mostram uma grande instabilidade. Os preços dos principais ativos negociados seguem de perto a volatilidade das informações econômicas. Um dia as negociações refletem certa euforia com a recuperação nas economias mais avançadas; no outro o pessimismo volta a comandar os negócios. Foi o que aconteceu na última quinta-feira após a divulgação de uma perda de empregos nos Estados Unidos maior do que o esperado pelos analistas.

Com a crise bancária em processo de superação, o centro da atenção de todos volta-se para os países mais ricos. O mundo emergente mostra sinais que está retomando a atividade de forma mais consistente - lembram os leitores do Valor do debate sobre o chamado descolamento? - mas as economias mais avançadas ainda patinam de forma assustadora. Embora nos últimos meses tenha ocorrido uma estabilização na atividade industrial, com os indicadores antecedentes mostrando uma retomada da produção e alguma normalização nos níveis de estoques, é o comportamento do consumidor nestas regiões que preocupa.

O agravamento da crise bancária em setembro último mergulhou o mundo em um vácuo de produção em função do aumento dos estoques em todos os elos das cadeias produtivas. As empresas demoraram a reagir ao brusco corte do consumo e, na virada do ano, acumularam um volume expressivo de produtos não vendidos. Pisaram então nos freios da produção, demitiram funcionários em escala poucas vezes vista e passaram dois a três meses com máquinas e equipamentos parados. Aliás, um comportamento muito semelhante ao que aconteceu no Brasil, com a diferença que os empresários brasileiros foram mais rápidos nas suas reações e este movimento aconteceu já no último bimestre de 2008.

Em janeiro passado o ISM, índice de expectativas sobre a atividade industrial, chegou a 32 nos Estados Unidos. Este nível está associado a uma situação como a de uma depressão tão temida. Este mesmo indicador chegou a 31 na área do euro e a incríveis 19 no Japão. Ao longo dos meses seguintes os níveis de produção e de estoques começaram a melhorar e devem chegar ao nível neutro de 50, até o fim do verão no hemisfério norte. Este mesmo comportamento ocorreu na China, a grande referência entre as economias emergentes, com o PMI chegando a pouco acima de 40 ainda em novembro de 2008. No segundo trimestre deste ano o PMI chinês ficou em média nos 51 pontos, número compatível com um crescimento econômico da ordem de 7% ao ano.

A mensagem destes números é muito clara: passado o ajuste de estoques a atividade industrial tende a se estabilizar, o que permitirá um crescimento importante da produção nos países desenvolvidos nos próximos meses. Em resumo, o comportamento positivo esperado para o futuro próximo é fruto de uma normalização do descompasso entre demanda, produção e estoques.

É possível que haja um forte crescimento industrial no terceiro trimestre no primeiro mundo. Mas tal recuperação precisa do consumidor para continuar por um prazo mais longo. É aí que reside a maior incerteza. Sem o suporte de vendas ela não se sustentará e a produção voltará a cair. Por isto os mercados estão tão sensíveis aos indicadores como os relativos aos mercados de trabalho, principalmente nos EUA. Hoje sabemos que foi o comportamento eufórico do americano a peça fundamental no crescimento mundial dos últimos anos. Sem ele, fica um vazio expressivo entre o nível de atividade das empresas e sua capacidade produtiva. Portanto, estamos na dependência do ajuste nos gastos dos americanos para poder visualizar a intensidade e a durabilidade da recuperação de várias economias, inclusive a dos EUA, na segunda metade do ano.

O problema é que o consumidor americano sofre fortes pressões em seu orçamento familiar, por duas razões. A primeira é o corte abrupto na disponibilidade de crédito para bancar suas compras. Com a queda de quase 30% do valor dos imóveis, ele não pode mais, como fez no passado recente, financiar seus gastos por meio de renegociação de suas hipotecas. Além disso, há o comportamento ainda cauteloso das instituições financeiras, pressionadas pela queda do valor das garantias de seus financiamentos. Apenas a confiança no valor dos imóveis poderá, de forma perene, afrouxar a restrição de crédito que hoje sufoca a economia. A queda de preços parece estar se tornando menos intensa a cada dia, mas, infelizmente, ainda não há clareza sobre quando haverá estabilização.

Outra forte restrição aos gastos vem do aumento expressivo do desemprego. Foram mais de cinco milhões de postos de trabalho nos últimos meses, só nos EUA. Como resultado dos índices elevados de desemprego - quase de dois dígitos - os salários estão sendo achatados tanto pela redução do número de horas trabalhadas como pela queda nominal na remuneração do trabalhador. No ano passado o aumento nominal dos salários chegou a 3,5%; no último relatório a correção chegou a zero.

Em função deste estado de coisas, as vendas internas das empresas americanas não crescem há seis meses, mesmo com um aumento de renda criado pelo pacote fiscal aprovado pelo presidente Obama e que deve continuar até o fim do verão. Tal transferência de recursos do governo está sendo usada para recompor a poupança das famílias. Mas, em algum momento não muito distante estes fluxos do setor público cessarão e aumentando os riscos de uma nova queda de consumo nos próximos meses.

Portanto, estamos em um momento de definição: a recuperação industrial tem o poder de estabilizar a renda das famílias, o que poderia comprar tempo para a economia reagir, mesmo que de forma um tanto tímida, no primeiro semestre de 2010. Ao longo deste prazo, é possível que os imóveis parem de perder valor, o que contribuiria para estabilizar o crédito, reforçando este movimento.

Por outro lado, uma nova queda de consumo adiaria a recuperação, revertendo a melhora dos últimos meses e acentuando os riscos para 2010. Por isto o mercado está tão sensível aos dados sobre o comportamento do consumidor.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

Pequena história do mundo

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Estamos ficando para trás, mas os países ricos também, porque acabaram sendo vítimas da globalização

NESTE ANO , devido à crise global, as taxas de crescimento dos países ricos serão fortemente negativas, as da América Latina serão moderadamente negativas e os países asiáticos continuarão a crescer, ainda que a taxas um pouco menores. Não há novidade nesse fato. Como os países asiáticos contam com nações e elites independentes, que adotam políticas econômicas segundo seus interesses nacionais e não segundo a recomendação dos países ricos, desde o fim da Segunda Guerra crescem muito mais que o Brasil e a América Latina.

Isso fica mais claro se eu contar uma pequena história. No século 16, enquanto os europeus colonizaram as Américas, na Ásia limitaram-se a estabelecer entrepostos comerciais porque as grandes civilizações asiáticas eram suficientemente poderosas para evitar a colonização. A Inglaterra e a França, porém, estavam em pleno processo de desenvolvimento capitalista e completaram sua Revolução Industrial no início do século 19. Assim, tornaram-se fortes o suficiente para, nesse século, reduzir a Índia e a China à situação de colônia formal (caso da Índia) ou informal (caso da China). Nos 150 anos seguintes, esses países, dominados pelo imperialismo, viram suas economias regredir fortemente e uma imensa pobreza dominar todo o continente. Enquanto isso, os países latino-americanos ganhavam independência da Espanha e de Portugal com o auxílio da Inglaterra.

Em agradecimento a essa ajuda desinteressada, nossas elites aceitaram para seus países a condição semicolonial. Entretanto, as nações latino-americanas contavam com um Estado para definir e implantar políticas nacionais, de forma que lograram algum crescimento. Em 1950, enquanto a Ásia apresentava níveis baixíssimos de crescimento, os países da América Latina tinham um razoável nível de renda por habitante, e alguns países, como o Brasil, estavam em plena industrialização.

Mas esse quadro mudaria nos 60 anos seguintes. Nos primeiros 30 anos, países como o Brasil e o México, que haviam alcançado alguma autonomia nacional, ainda lograram adotar políticas nacionais e se desenvolveram. Desde a grande crise da dívida externa dos anos 1980, porém, esses países, e principalmente o México, se dobraram ao Norte, voltaram à condição de países dependentes ou semicoloniais -agora subordinados aos EUA- e se submeteram às políticas neoliberais.

Enquanto isso, os países asiáticos cresciam a taxas aceleradas desde os anos 1950, primeiro com um modelo de substituição de importações, depois com um modelo voltado para as exportações, mas usando sua própria poupança, e, o que é mais importante, sua própria cabeça -sua própria visão do que é o interesse nacional. Em consequência, nestes últimos 30 anos os países asiáticos dinâmicos cresceram a taxas entre três e quatro vezes mais do que a América Latina. Cresceram porque suas elites asiáticas -em vez de "europeias" como as nossas- não se submeteram ao Norte. Cresceram porque adotaram políticas econômicas que neutralizavam as duas tendências que impedem o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento: a tendência de os salários crescerem menos que a produtividade e a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio.

E assim vamos ficando para trás.

Nosso "consolo" é que os países ricos também estão ficando para trás, porque, como vimos nesta crise, acabaram se tornando vítimas da globalização financeira e das políticas neoliberais que nos recomendavam. Pobre consolo, triste pequena história do mundo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Sinal Fechado - Paulinho da Viola

Vale a pena ver o vídeo

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