sexta-feira, 3 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

{...} “se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente pelas crises econômicas”,{...} “pode-se excluir que, por si mesmas, as crises econômicas imediatas produzam eventos fundamentais; podem apenas criar um terreno mais favorável à difusão de determinados modos de pensar, de pôr e de resolver as questões que envolvem todo o curso subseqüente da vida estatal”.

(Antonio Gramsci - Cadernos do Cárcere, volume 3, pág. 44 – Civilização Brasileira, 2007.)

Lulismo derrota PT

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


À medida que a crise envolvendo o senador José Sarney aproxima "irreversivelmente" PT e PMDB, na avaliação do mais recente especialista em lulismo, o senador Renan Calheiros, fica mais claro também para a oposição que somente uma atuação conjunta poderá fazer frente a esse movimento governista, que não tem limites nem barreiras para conseguir o objetivo de eleger Dilma Rousseff a sucessora de Lula em 2010. Não apenas o episódio uniu PT e PMDB como, do outro lado, o DEM e o PSDB, que haviam se dividido na disputa pela presidência do Senado, com o DEM aliando-se ao PMDB em favor de Sarney, e o PT ficando com o PSDB no apoio a Tião Viana.

Também o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, explicitou ontem o que já vinha dizendo em conversas privadas: existe a possibilidade de um acordo partidário dentro do PSDB sem que seja preciso realizar as prévias. A lógica de Aécio é cristalina: "Todos nós temos, acima de qualquer projeto pessoal, um objetivo maior, que é vencer as eleições. Então, no momento em que nós chegarmos juntos a uma avaliação, consensualmente, de que essa ou aquela candidatura é mais viável, e havendo entendimento nessa direção, não haveria necessidade das prévias".

Os dois grupos estão dançando conforme a música, com os olhos voltados para 2010, mas é mais natural uma união antecipada entre os possíveis candidatos tucanos à Presidência do que esse acerto que está se esboçando entre PT e a ala mais reacionária e fisiológica do PMDB, sobretudo porque os movimentos táticos estão sendo comandados pelo PMDB, com o apoio de Lula.

É conhecida a máxima política que diz que governar é como tocar violino: a gente pega com a esquerda e toca com a direita. A contradita fica para a experiência, que mostra que, quando a esquerda se alia com a direita, é esta quem governa.

É o que está acontecendo na prática no governo Lula, cuja coligação partidária tem hoje a clara liderança do PMDB, em detrimento da influência política do PT, um partido que começou como de intelectuais e da classe média, depois virou um partido corporativo, mais especificamente dos funcionários públicos, perdeu com o mensalão a influência na classe média e nas grandes cidades e teve que ir para o Nordeste atrás dos votos que muitos acreditam ser mais do lulismo, devido a programas assistenciais como o Bolsa Família.

Sendo votos do lulismo, tanto podem fortalecer o PT como ir para os partidos que eventualmente façam parte do bloco governista, especialmente o PMDB, que tem uma máquina nacional formidável. O reforço da posição política do PMDB já se mostrava na pressão para que o presidente não tente ajudar candidatos petistas em estados onde a disputa é com o PMDB, como na Bahia e no Rio Grande do Sul.

Os governadores mais importantes do PT passaram a ser os do Norte e do Nordeste, como Jaques Wagner da Bahia, Marcelo Déda de Sergipe, Wellington Dias no Piauí, Binho Marques no Acre, Ana Julia no Pará.

É também no Norte e no Nordeste que estão alguns dos grupos políticos mais fortes do PMDB, como os Sarney no Maranhão, os Calheiros e os Collor em Alagoas, Geddel Vieira Lima na Bahia.

O fato é que petismo e lulismo são forças políticas cada vez menos convergentes, como mostra o episódio do Senado, quando o PT tentou livrar-se do apoio de Sarney e teve que recuar diante da pressão de Lula.

A força pessoal do presidente Lula está tão grande que não há garantia para o PT de que essa transferência de poder político se faça naturalmente para o partido original, podendo também transbordar para o aliado mais forte no momento, o PMDB, e até mesmo se opor ao petismo quando o pragmatismo político assim o exigir.

O Bolsa Família, o grande propulsor da mudança da geografia eleitoral de Lula, fez do Nordeste a base do lulismo, e alterou também a oratória eleitoral de Lula, ressaltando a origem de pobre nordestino e reduzindo a do operário, uma sutileza que o distancia do PT urbano original e o aproxima do populismo e do fisiologismo.

Lula tem uma votação ascendente nas regiões Norte e Nordeste desde as primeiras eleições que disputou, onde era temido e hoje é adorado: saiu de 30% de votos no Nordeste, em 1994, para 66,7%, e de 25,5% no Norte para 56%.

O PMDB, por seu lado, criou seu próprio modelo de exercício do poder e cada vez mais se impõe, como mostram os acordos políticos que estão em marcha para colocar o PT na base de apoio de Sarney na tentativa de mantê-lo na presidência, com receio de perder o apoio do partido para a eleição de 2010.

Na prática, o PMDB está obrigando o governo a lhe ceder cada vez mais espaço em detrimento do PT, e já se fala que os ministros Geddel Vieira Lima e Edson Lobão farão parte de um conselho político do Palácio do Planalto, antes só composto por um grupo petista.

Muita mudança desde o início do primeiro governo, quando os petistas viam nos partidos da base apenas "legendas de aluguel" que poderiam ser manipuladas à base do fisiologismo. Daí nasceu o mensalão, que quase não pegou o PMDB, que era rejeitado por Lula na ocasião. O PMDB saiu da eleição de 2006 com força política renovada, e consolidou-se nas eleições municipais do ano passado, tornando-se o centro da coalizão governamental, dominando as duas Casas do Congresso.

Lula, desde que se descolou do petismo para viver a experiência de ser um líder político acima dos partidos, com recorde de popularidade nunca antes registrado, está convencido de que apenas precisa manter o PMDB dentro de seu governo, aceitando todas as suas exigências, para ter condições de eleger seu sucessor. E, para atingir esse objetivo, não hesita em humilhar o PT.

Sob custódia do Planalto

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Muito bem: o presidente Luiz Inácio da Silva intervém no Senado, faz de José Sarney um presidente tutelado pelo Palácio do Planalto, assume a custódia das lixeiras do Parlamento, submete o PT a um vexame ímpar e o que isso influi no processo da sucessão presidencial?

Ou, antes, o que a eleição de um presidente da República e a boa governança de um País têm a ver com a sustentação de um esquema político obsoleto e moralmente apodrecido?

A rigor, nada. Bem como a manobra não acrescenta um voto - podendo tirar muitos - a candidaturas governistas nem tampouco serve como garantia da adesão do PMDB à chapa com patrocínio oficial.

Não obstante, o argumento por trás dos movimentos do presidente Lula em defesa do presidente do Senado é o de que Lula age em prol da governabilidade e do êxito eleitoral de seus aliados em 2010.

Alega-se que o presidente da República atua no propósito de preservar a estabilidade política e de evitar uma "crise sem precedentes" no Senado que poderia "comprometer o restante do seu mandato".

Crise sem precedentes o Senado vive há pelo menos oito anos, período em que assiste ao permanente questionamento público dos presidentes escolhidos pelo colegiado, já se vê, por critérios que não levam em conta normas de boa conduta.

A intervenção explícita - de maneira nunca vista - do Poder Executivo, se influência tiver sobre a crise, será no seu agravamento. Quanto ao comprometimento do mandato de Lula, não é visível o motivo do receio.

São três as possibilidades de solução até agora apresentadas: a licença do presidente Sarney até a conclusão da investigação e desmonte das atividades da rede de ilicitudes montada ao longo dos últimos 14 anos; renúncia e realização de novas eleições; formação de um grupo suprapartidário para encaminhar as soluções, independentemente de Sarney sair ou ficar.

Objetiva e friamente nenhuma delas configura um problema.

Se Sarney pedir licença, assume o primeiro vice, Marconi Perillo, do PSDB. Alega-se que o governo "não aceita" entregar a presidência do Senado ao partido que será seu maior adversário em 2010 e que, ademais, Lula "detesta" Perillo.

Questão de gosto. Muita gente no Parlamento também deve "detestar" algum ministro do Executivo e nem por isso a nomeação de todos eles deixa de ser prerrogativa do presidente. No tocante à "entrega" do Senado à oposição, é de se perguntar por quê. Descontada a hipótese de o PSDB fazer a revolução, de que loucuras seria capaz o partido?

Tocaria a presidência com o mesmo espírito de composição que preside o Senado e pautou a escolha de um tucano para a primeira vice-presidência na Mesa comandada por Sarney.

Se Sarney renunciar, realizam-se novas eleições. E daí? Realizaram-se várias. Em quantidade maior que as regulamentares de dois em dois anos, em função de vacâncias anteriores no curso do mandato. Seria apenas mais uma. Com a mesma dificuldade de sempre: ausência de nomes de consenso.

Desta vez só seria preciso cuidado redobrado no quesito folha corrida.

A terceira possibilidade - recusada, mas até agora a mais ponderada - é a do grupo suprapartidário. O PSDB apresentou a sugestão, o PT encampou, mas a Mesa Diretora recusou, também suprapartidariamente, com receio de perder poder.

Não teria, é verdade, o controle absoluto sobre as investigações e eventuais reformulações, mas manteria suas funções habituais. O grupo administraria a crise e a Mesa continuaria no comando do Senado.

Falar em perda de poder pontual, deste ou daquele, nessa altura é irrelevante, pois o nome do jogo é a recuperação de um poder já perdido coletivamente.

Ou o Senado percebe que trata da sua sobrevivência ou os grupos dominantes continuarão a reboque das conveniências do Palácio do Planalto. Hoje ou amanhã, seja Lula ou outro o presidente da República.

O único risco real à governabilidade é exatamente o aprofundamento do desequilíbrio de poder entre os Poderes. Este é o tema atinente ao interesse do Parlamento como instituição.

Não é a motivação do presidente Lula para sustentar o insustentável.

A ele interessa apenas e tão somente concluir o seu mandato com índices altos de popularidade. É o seu patrimônio. Não pode inscrever em sua biografia nenhuma grande mudança estrutural no Brasil.

Sua obra se circunscreve à obediência de parâmetros instituídos pelo antecessor e mundialmente adotados. Caso se rebelasse contra eles, não governaria. Isso na economia.

Na política, seu legado será o do retrocesso. Lula leva da presidência a inédita popularidade.

É na preservação desse capital que joga quando opta pelo caminho do conservadorismo, em detrimento da aposta na moralização e na modernização de procedimentos.

Para isso, não hesita em sacrificar o PT.

Quando o senador Aloizio Mercadante cobra o reconhecimento da iniciativa do partido ao enfrentar o grupo de Sarney, comete apenas o equívoco de fingir que o presidente Lula não tem nada a ver com isso.

Fim do Senado

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Pela Constituição, vige no Brasil um sistema de independência entre os Poderes. Na prática, não passa de balela. Quem manda hoje no Senado é o presidente da República.

José Sarney perdeu o apoio do DEM, do PSDB, do PDT e do PT para permanecer na presidência do Senado. Mas, no auge do seu isolamento, Lula saiu da retórica e veio em seu socorro na prática. O mesmo Lula que deixou à deriva companheiros petistas como Dirceu, Palocci, Genoino, Delúbio, mensaleiros e aloprados, agora joga a boia de salvação para Sarney. Reverteu assim a decisão da bancada petista de pedir o afastamento de Sarney.

Não foi por amizade que Lula interveio, nem por preocupação com as instituições ou com o Senado especificamente. Foi por cálculo político. No fundo, ele dá de ombros para o Congresso e para atos secretos, empreguismo, verbas indenizatórias. Mas tem profundo interesse em evitar a CPI da Petrobras agora e em garantir a aliança do PMDB com Dilma em 2010.

Lula não defendeu Sarney. Defendeu-se. Desprezou o discurso pela ética em favor do aliado e ontem foi jantar com os senadores petistas para exigir, com boa lábia, que façam o mesmo. Seu argumento é igual ao de Sarney: aquela sequência de confusões entre público e privado são bobagens, tudo não passa de uma "guerra política" criada pela oposição e pela imprensa.

Acredita quem quer.

Se a renúncia de Sarney parecia iminente, agora parece improvável. Mas é cedo para apostar. Nunca se pode descartar um "fato novo", na forma de netos, cunhadas, mordomos e contratos.

E Sarney é experiente o bastante para saber que Lula pode enquadrar o PT, mas não pode impedir que petistas continuem trabalhando contra ele.

O dramático é que, se Sarney sai, a crise fica. E se Sarney fica, a crise continua. Quem vai acreditar um milímetro na seriedade das sindicâncias internas? As raposas estão cuidando do galinheiro.

A cerimônia do adeus

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - Não tenho condições de intervir, diretamente, na crise do Senado. O foco agora é Sarney. Interagimos em vários momentos históricos. Fui detido algumas horas, no seu governo, porque exibi o filme que proibiu -"Je Vous Salue Marie". Fizemos o mesmo projeto de garantia de coquetel gratuito para portadores de HIV. Gostamos de ler e de escrever. Sempre houve cordialidade entre nós.

Difícil entender como ainda não percebeu que a renúncia é a melhor coisa para ele. Nem por que alguém tão preocupado com o ritual da presidência é tão alheio à cerimônia do adeus, um ajuste de contas com a biografia, na fase final da existência. Não o considero o único responsável pela crise do Senado; sua saída é apenas uma condição. Se a reforma sair como se deseja, poderá argumentar que seu gesto contribuiu para ela. Se não sair, poderá afirmar que foi um equívoco concentrar nele tanta expectativa.

Não adianta prosseguir como um fósforo frio. Essa etapa está decidida. Depois das punições, a fase crucial será vivida adiante: austeridade. Com tantos funcionários, será preciso coragem para demitir.

Mesmo se o país tiver que pagar para cumprir essa decisão, compensa estancar o desperdício, que se manifesta também na miríade de gratificações.

A denúncia do escândalo das passagens no Congresso representou um grande avanço. Milhões de reais foram economizados quando se adotaram novas regras. É a face material da luta pela transparência: otimizar o dinheiro público.

O Senado e a Câmara, num nível menor, revelaram-se para a sociedade como duas instituições perdulárias. O preço é a perda da credibilidade, em seguida, a perda total do respeito. Como é possível aceitar este caminho, fazer da política uma vergonhosa atividade humana?

O Jogo de Lula

DEU EM O GLOBO

O que leva o presidente Lula a enquadrar o PT e mandar seus ministros e aliados trabalharem pela permanência de José Sarney no comando do Senado:

DILMA 2010

O PMDB, partido de José Sarney, ameaça retirar seu apoio à candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff, em 2010, caso o senador venha a perder o cargo. O presidente Lula tem trabalhado pessoalmente por essa aliança eleitoral, inclusive pedindo sacrifícios ao PT em estados onde os dois partidos são adversários. A parceria com o PMDB é o grande trunfo de Lula para fortalecer a candidatura de Dilma, ainda frágil, que tem Sarney como seu maior defensor no partido. No PMDB, há partidários da candidatura do governador paulista, José Serra, que poderiam ganhar força nesse cenário.

CPI DA PETROBRAS

Sem acordo com o presidente Lula e com o PT, o PMDB fica livre para se aliar à oposição e pôr para funcionar a CPI da Petrobras - que tem adiado - e outras, como a que investiga as ONGs. Ter CPIs em funcionamento às vésperas do ano eleitoral é considerado por Lula um grande risco. Especialmente sobre a maior empresa do país.

RENÚNCIA/OPOSIÇÃO

Se Sarney decidir renunciar ao comando do Senado, a oposição tentará assumir a presidência. O 1º vice-presidente, o tucano Marconi Perillo (GO), assumiria temporariamente o cargo e teria de convocar uma nova eleição, segundo a legislação. Lula e o PMDB sabem da dificuldade de encontrar outro nome do partido para o cargo, diante da crise de credibilidade por que passa o Senado. A disputa, avalia o governo, teria resultados imprevisíveis e só agravaria a já delicadíssima situação na Casa.

CONGRESSO

O PMDB tem as maiores bancadas tanto no Senado quanto na Câmara e é o fiador de qualquer decisão no Legislativo. Sem o apoio do partido, o governo terá dificuldades nas votações de interesse do Planalto, especialmente de medidas provisórias.

GOVERNABILIDADE

Com relações estremecidas com o PT e com o presidente Lula, o PMDB poderá contribuir para aumentar o clima de tensão política. Lula considera que a saída de Sarney do cargo abriria uma forte crise de governabilidade.

Temperamento de Dilma alarma aliados

Isabel Braga e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO

Broncas públicas em ministros e assessores podem dificultar alianças

BRASÍLIA. O pedido de demissão do secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, Luiz Antonio Eira, após um desentendimento com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), preocupa peemedebistas. Para os que defendem o apoio do partido à candidatura de Dilma em 2010, episódios como esse, em que ela foi grosseira em público com o funcionário, reforçam o argumento dos que querem a aliança com o PSDB de José Serra e os que têm um pé atrás com Dilma devido a seu gênio forte.

Numa audiência para discutir obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em que estavam Eira, outros funcionários graduados do governo e empresários, no último dia 24, Dilma teria sido extremamente mal educada ao reagir, aos berros, a um comentário do secretário-executivo do ministro Geddel Vieira Lima (PMDB). Diante da informação de que a Ferrovia Transnordestina não seria mais concluída em 2010, Eira argumentou que seria importante rever também o cronograma de liberações do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, cujos recursos estão comprometidos com a obra. Dilma não gostou da intervenção.

Eira disse a colegas do ministério que, para não iniciar um bate-boca com Dilma, optou por deixar o cargo e voltar a ser consultor na Câmara dos Deputados. Avisou a Geddel e apresentou sua carta de demissão esta semana, em caráter irrevogável. Geddel está em Salvador e, segundo sua assessoria, não falaria sobre o caso.

O destempero verbal da ministra é conhecido no Palácio do Planalto, e justificado por aliados de Dilma. A ministra, dizem esses aliados, é intolerante com o despreparo, a corrupção e o desperdício de dinheiro público e, ao cobrar o cumprimento de tarefas, chega a ser mal educada. Nos bastidores do governo, fala-se que até hoje Dilma só não destratou o presidente Lula e o vice, José Alencar.

O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, já foi visto chorando, após ser humilhado por Dilma, certa vez, numa conversa telefônica. Os embates entre os dois são frequentes. Dilma se comporta como "chefa" do presidente da maior empresa da América Latina, já que preside o Conselho de Administração da Petrobras.

Ministros têm episódios de enfrentamento com Dilma, de maior ou menor gravidade, e reagem de maneira diferente. A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PT-AC) tirava Dilma do sério por causa das exigências ambientais para liberação de obras. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, amigo de Dilma, costuma responder com bom humor às cobranças mais incisivas e aos gritos dela. Recentemente, numa reunião do programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida", Dilma deixou atônitos os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) ao dar uma bronca em Bernardo.

Dilma não poupa adjetivos quando o trabalho realizado não lhe satisfaz. Imbecil é uma das palavras mais usadas por ela ao ver ordens não cumpridas. Líderes partidários também se queixam de sua falta de jogo de cintura no atendimento aos parlamentares. O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), deu a ela um bambolê, numa tentativa bem humorada de abordar o problema.

O GLOBO tentou contato com os ministros Paulo Bernardo, Geddel Vieira Lima e Dilma Rousseff, mas não obteve retorno. Luiz Antonio Eira não quis dar entrevista.

Presidente ''abusa das palavras'', diz FHC

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Tucano reage à tese de que PSDB quer ganhar o Senado ?no tapetão?

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz "coisas levianas" e "abusa das palavras". As declarações foram uma resposta a críticas do petista sobre a atuação dos tucanos na crise do Senado. Em viagem à Líbia, anteontem, Lula dissera que o PSDB tenta ganhar no "tapetão" ao apoiar o afastamento do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP).

"O presidente, às vezes, abusa das palavras. Sabe que, se o presidente do Senado eventualmente renunciasse, haveria uma nova eleição", declarou FHC, ao chegar a seminário em São Paulo, em homenagem a sua mulher, Ruth Cardoso, que morreu no ano passado. "Eu lamento que o presidente diga coisas tão levianas", declarou FHC, para quem Lula, "quando está fora do Brasil, não presta atenção nas palavras". Anteontem, na Líbia, o presidente havia dito que o PSDB, junto com o DEM, trabalha para tirar Sarney do comando do Senado com o objetivo de preencher a vaga com o senador Marconi Perillo (PSDB-GO), primeiro-vice-presidente da Casa.

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que também foi ao evento em homenagem a Ruth, comentou a declaração de Lula. "O PSDB apoiou o candidato do PT no Senado, na eleição do Sarney." E completou: "Não vejo essa gula."

Tem sido frequente a troca de farpas entre Lula e FHC. Em maio, o tucano criticou declarações do petista sobre o escândalo do uso de passagens aéreas por deputados e o salário dos parlamentares. À época, Lula dissera que o caso era uma "hipocrisia". FHC rebateu dizendo ser mais "restritivo".

O ex-presidente não quis comentar a situação de Sarney, que tem sido pressionado a deixar o cargo após a eclosão do escândalo dos atos secretos, revelado pelo Estado. "Não quero opinar pelo Senado. Fui senador há muitos anos. Há 25 anos estou afastado. Apenas lamento o que está acontecendo lá. Porque é uma desagregação muito grande, de uma instituição importante."

FHC também afirmou ser "só presidente de honra" do PSDB, ao ser questionado sobre o impacto de uma eventual renúncia de Sarney na formatação de uma aliança PT-PMDB em 2010. "Estou fora do PSDB. Sou só presidente de honra. Não estou na política do dia a dia."

Outros tucanos também reagiram às falas de Lula. "A nossa impressão é que o presidente anda viajando demais e desinformado sobre o que acontece aqui. É uma afirmação completamente equivocada", rebateu o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE) , após se reunir em Belo Horizonte com o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB). Assim como FHC, ele ressaltou que Perillo convocaria nova eleição se assumisse o comando da Casa. "Então, é uma falsa questão."

Aécio, que no início da semana havia afirmado que estava convicto de que Sarney saberia enfrentar os problemas que afligem o Senado, pois "tem história política para isso", ontem preferiu não se envolver. "Uma reforma estrutural no Congresso é claramente necessária, agora os senadores é que vão decidir, se com a presença do presidente José Sarney ou não", observou.

Colaborou Eduardo Kattah

PMDB ameaça deixar o governo e enquadra PT

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Lula reúne bancada petista para reforçar apelo por apoio a Sarney

Sem alternativa para a sucessão no Senado, o PMDB ameaçou deixar o governo Lula e a candidatura de Dilma Rousseff em 2010, enquadrou o PT e garantiu uma sobrevida para José Sarney (PMDB-AP) na presidência da Casa. Sarney ficou mais forte desde que, na véspera, ameaçara renunciar, assustando as cúpulas do governo e do PT. A aliança com o PMDB é considerada essencial pelo Planalto para assegurar a candidatura presidencial de Dilma e o controle da CPI da Petrobras. Cinco senadores petistas ainda querem o afastamento de Sarney. Mas, em discurso no Senado, o líder do PT, Aloizio Mercadante, embora reconhecendo as divergências da bancada, voltou a defender Sarney e reafirmou o apelo. "Não há governabilidade sem aliança com o PMDB." O presidente Lula convocou a dividida bancada petista para pedir, durante um jantar, apoio ainda mais explícito a Sarney.

Ameaça de PMDB dá fôlego a Sarney

Partido sugere deixar o governo e Dilma e leva Lula a enquadrar PT no apoio ao aliado

A falta de uma alternativa para a sucessão no Senado e a volta das ameaças do PMDB de desembarcar não só da base do governo Lula como da candidatura de Dilma Rousseff à sucessão presidencial de 2010 podem dar um novo fôlego ao projeto do senador José Sarney (PMDB-AP) de permanecer no comando da Casa. Preocupado em garantir a governabilidade em seu último ano e meio de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia, em jantar ontem à noite, cobrar a solidariedade e a fidelidade da bancada petista do Senado, fundamentais para evitar a renúncia de Sarney e todas as consequências de sua saída. A começar pelo risco de instalação imediata da temida CPI da Petrobras, que poderá dar dores de cabeça sérias ao Planalto.

Diante desse quadro de dificuldade do governo, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), apostava ontem que o PT encontraria uma solução interna e apoiaria Sarney. Hoje, está previsto um encontro de Lula com o presidente do Senado. Para Renan, a crise levou o PT a se aproximar do PMDB. Ele deu sinais da importância do partido para o governo, e citou como exemplo o esforço do PMDB para barrar a CPI da Petrobras, num recado aos petistas. Para o líder peemedebista, o jogo político foi zerado depois do movimento de Sarney dos últimos dias. Sarney ameaçou renunciar e assustou as cúpulas do governo e do PT.

- O Sarney colocou a bola no chão, e o jogo voltou para o campo da política. O apoio do PT está evoluindo. A resistência em apoiar Sarney é muito pequena. E Lula tem ajudado muito. Chegou a dar cinco declarações em apoio a Sarney. Essa crise aproximou o PT do PMDB. Agora, é o PT que vai decidir o que vai acontecer. Temos que aguardar a decisão do PT - alertou Renan, para lembrar que o PMDB tem dado apoio ao governo. - A posição do PMDB é contra a CPI da Petrobras. Por isso, não indicou o nome para relatoria. Como criar uma CPI contra aqueles que apoiamos?

Com a primeira vacilada do PT em sustentar Sarney, na terça-feira, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, chegou a propor que todos os representantes do PMDB no governo colocassem seus cargos à disposição. Proposta que atende ao desejo de parte do PMDB, que está em busca de um discurso para desembarcar do governo Lula e aderir à candidatura tucana, seja com o governador José Serra (SP) ou Aécio Neves (MG). A ideia não foi levada adiante.

Heráclito: "A crise é dos 81 senadores"

Além disso, o PMDB não tem um candidato natural à sucessão de Sarney, caso ele renuncie. O nome mais forte para substituí-lo seria o de Garibaldi Alves (PMDB-RN), que sucedeu a Renan Calheiros quando este foi obrigado a renunciar à presidência da Casa para salvar o mandato parlamentar. Sua candidatura, porém, esbarraria num problema constitucional, que impede que um mesmo parlamentar exerça duas vezes na mesma legislatura um cargo da Mesa. O temor por uma nova crise, caso Sarney renuncie, é também de setores da oposição.

- O afastamento de Sarney da presidência do Senado não resolve a crise. Pelo contrário, poderá criar outras crises. A crise é dos 81 senadores - disse, no plenário, o 1º secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI).

Se Sarney renunciar por falta de apoio do PT, a longo prazo, Lula e sua candidata, Dilma Rousseff, poderão perder o apoio da ala do PMDB mais fiel ao governo, que é justamente a do Senado. A aliança com o PMDB é considerada essencial pelo Planalto para consolidar a candidatura da ministra.

- Acho que, a partir deste momento, que chamam de crise do Senado, nós estamos nos encontrando, estamos nos redescobrindo. Daqui para a frente é 2010 - disse Wellington Salgado (PMDB-MG), em plenário, num aparte ao petista Aloizio Mercadante (SP), que tentava explicar ontem o dilema de seu partido, que resiste a apoiar Sarney, mas precisa do PMDB para assegurar a governabilidade do país.

A permanência de Sarney no cargo, por outro lado, não livrará o presidente de problemas.

- Se Sarney ficar, Lula terá de carregar o seu cadáver - observou um líder da oposição.

Em público, Lula evitou falar da crise. Perguntado, quando saía de uma solenidade no Ministério da Justiça, se teria o encontro pedido por Sarney, afirmou:

- O Sarney não pediu para conversar comigo. Ele é presidente do Senado, quando pedir, vamos conversar.

Mais cedo, porém, foi a própria assessoria de Sarney que informou que ele falara com Lula por telefone e acertado o encontro de hoje.

Lula é guardião da corrupção no Senado, afirma Freire

Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

Hoje, a responsabilidade pela crise no Senado é do presidente Lula, "um guardião da corrupção" naquela Casa, disse o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, referindo-se à atitude do chefe do Executivo de defender a permanência de José Sarney na presidência.

O afastamento de Sarney já foi pedido por todos grandes partidos, à exceção do PT e do PMDB, sigla à qual é filiado. "A fixação em eleger sua candidata (a ministra Dilma Roussef) faz Lula perder a perspectiva do que é ser Presidente da República", afirma Freire. Mais uma vez, Lula dá salvo-conduto para a corrupção, frisa.

Inversão de valores

Freire condenou as declarações de Lula sobre a oposição no episódio. "O Senado expele toda uma podridão e aqueles que querem apurar estão interessados em tomar a presidência? Isso é inversão de valores que não tem tamanho". Para o ex-senador, é preciso deixar claro que o presidente da República não pode ser responsável pelo acobertamento da corrupção no Senado, como faz o presidente Lula, "não importa em nome de quê".

O PT está sendo desfibrado por Lula, analisou. O presidente, declarou Freire, está "tirando as últimas seivas de seriedade e dignidade da bancada do PT no Senado".

A legenda, avalia o ex-senador, tornou-se uma "massa de manobra de Lula". Tudo por causa das eleições de 2010. "E o presidente do Senado joga com isso (o apoio do PMDB) com toda maestria; hoje, a manchete é a de que ele acena com a possibilidade de o partido sair da base do governo".

Para Roberto Freire, o presidente não é refém dessa situação, conforme afirmam alguns analistas. "Foi Lula quem provocou todo esse processo de desmoralização da atividade política no país, no momento em que fez essas alianças". Um dos exemplos das escolhas de aliados feitas pelo presidente da República, lembrou, são os presidentes Sarney e Collor.

Niilismo cínico

Acreditar que só é possível governar do jeito que Lula vem fazendo, diz Freire, é usar "o niilismo cínico". "No Brasil, está se implantando a tese de que não pode ser diferente; só se for para garantir a continuidade da desmoralização, da corrupção, porque é isso que Lula, na Presidência, está fazendo, e alguns aceitam e dizem que é assim mesmo; mas não é não".

Freire defende a apuração dos escândalos do Senado, para apontar não "o guarda da esquina, mas o general, o chefe". Para ele, Sarney não é o único senador responsável pelas irregularidades e ilegalidades praticadas, nos últimos anos, na Casa, "mas é o emblema de tudo o que está se passando; o que melhor representa o patrimonialismo brasileiro, a utilização daquilo que é público para defender interesses privados".

Enquanto Sarney estiver "na frente", cercando, a investigação não anda, ressalta.

A sociedade brasileira, diz Freire, está percebendo que a postura do presidente Lula não é mais só a de passar a mão na cabeça de aloprados, mas também de impedir que a corrupção seja apurada, brindando os responsáveis por ela. "O PT está vendo isso", acrescenta, ao analisar a resistência de parte da bancada em apoiar o presidente do Senado. Os senadores do partido chegaram a pedir o afastamento de Sarney por 30 dias, mas voltaram atrás por pressão de Lula.

Entrevista - Itamar Franco

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

“Não foi fácil manter a democracia”

Tentação descartada em 1994

O ex-presidente Itamar Franco teve participação decisiva no Plano Real. Primeiro, porque não descansou até conseguir um ministro da Economia que montasse uma equipe para elaborar um pacote contra a inflação, evitando o congelamento de preços. Segundo, porque nunca deixou de dar sustentação às medidas, inclusive quando o plano passou a ser tocado pelos ministros Ricúpero e Ciro Gomes.

O Plano Real ficou conhecido por controlar a inflação sem congelamento de preços. Ao mesmo tempo, o receituário econômico da época apontava justamente para intervenções e soluções mágicas. Que tentações foram descartadas?

Uma tentação forte que surgiu foi de privatizar o setor energético, o Banco do Brasil e alguns pressionaram por mudanças na lei do petróleo. Os neoliberais queriam isso. Muita gente defendia também o controle de preços, eu não defendia. A ideia central era não controlar preços e não interferir nos contratos.

Em que momento o plano correu mais riscos de não sair do papel?

Quando o ministro Ricúpero assumiu, surgiu a discussão em torno do câmbio, que a mudança cambial poderia prejudicar o período eleitoral, poderia criar um problema político. Decidimos manter a data de 1º de julho para a implantação do plano. A equipe tinha problemas em relação ao câmbio e à taxa de juros. Temia-se que o plano trouxesse complicações de ordem política. Ricúpero foi o sacerdote do plano. À época, a equipe técnica tinha dúvidas e isso se agravou quando ele foi substituído pelo ministro Ciro Gomes.

O rigor fiscal e a preocupação com o gasto público são duas heranças que sobreviveram. Ambas persistem até hoje. O sr. aponta outras?

O combate à inflação como estratégia permanente e duradoura pode ser considerado a melhor das políticas sociais. É preciso lembrar que os salários estavam aviltados. Atingimos nosso objetivo à medida em que mantivemos o poder dos salários. E isso avançou para uma perspectiva social. Embora também tenha avançado, infelizmente, para uma política monetarista. Tínhamos convicção que em 1995 o país deveria ter feito um novo pacto federativo, reformas monetária e fiscal. Nada disso foi feito.

O sr. se arrepende dos apoios políticos que recebeuou avalizou?

No plano político, tivemos muita dificuldade, mas houve um resultado positivo que foi a eleição do Fernando Henrique Cardoso. Grande parte da equipe temia que o ex-presidente não correspondesse aos anseios do que o plano previa. Encontramos um país totalmente desesperançado. Muita gente não acreditava que o governo durasse 48 horas. Sem tranquilidade política não teríamos plano algum. Não foi fácil manter a democracia.

O plano é criticado por ter dificultado avanços na área social. A reforma monetária teve reflexos negativos sobre a oferta de crédito e a distribuição de renda — que se manteve praticamente inalterada.

Essa imagem está atrelada porque a inflação era absurda. Tínhamos que combater a inflação e manter o Estado de Direito. O plano, infelizmente, mais para frente, enveredou para o monetarismo, mas ele foi programado para uma política social. A visão monetarista foi agravada depois do meu governo. Foi uma distorção. Quero responder as propagandas que tenho visto aí, principalmente de setores ligados ao PSDB de São Paulo. Acho ridículo discutir a paternidade do Plano Real. Mas não posso permitir que eles assumam que o Plano Real é do PSDB. (LP)

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Geopolítica complexa

Sergio Leo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Para defender a entrada da Venezuela no Mercosul, alvo de críticas e ameaças de rejeição no Senado, um embaixador dedicou dois dias em visitas a parlamentares, em Brasília. O inédito, na esforçada ação do diplomata em defesa dos venezuelanos, era sua origem: não era o embaixador da Venezuela no Brasil, mas o titular da embaixada do Brasil no país presidido por Hugo Chávez, Antônio Simões, que viajou a Brasília para a tarefa. Os senadores estranharam a iniciativa - apenas um exemplo dos esforços do governo brasileiro para manter em bom estado as relações com o vizinho.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já foi apontado como rival de Chávez na disputa pela liderança na América do Sul, empenha-se para divulgar a amizade e a identidade de interesses entre ele e o venezuelano. Já inaugurou obras com Chávez durante campanha eleitoral na Venezuela, fez uma defesa emocionada do bom caráter do colega em uma conversa dos dois com o presidente Barack Obama, dá declarações em favor das tentativas do venezuelano de reeleger-se seguidamente para consolidar seu projeto bolivariano.

Esse esforço, segundo uma autoridade com trânsito no Planalto, parte da avaliação de que, sob Chávez, o chavismo, na Venezuela, segue um caminho que se bifurca: por um lado, andam autoridades simpáticas ao esquerdismo modelo Lula, com a preservação de estruturas tradicionais na economia e na política e forte intervenção do governo com políticas sociais; por outro lado, seguem auxiliares de Chávez ligados fortemente a Havana, alguns formados em escolas cubanas, que gostariam de reproduzir no país o modelo socialista da ilha caribenha, com a eliminação da propriedade privada dos meios de produção.

Lula age para reforçar a posição dos moderados venezuelanos, ainda que, na retórica, todos se assemelhem. Esse caminho moderado é o que leva Chávez, por exemplo, a se inspirar no modelo brasileiro de casas populares, financiado pela Caixa Econômica Federal, para lançar seu programa de habitação local e entregar pessoalmente as chaves aos primeiros moradores - ainda que anuncie a distribuição de propriedade privada como entrega de "casas socialistas".

No governo brasileiro, defende-se a cooperação em programas como a troca de informações sobre o programa Bolsa Família, auxílio técnico da Embrapa e apoio aos planos de industrialização como formas de facilitar a gestão econômica, reduzir as pressões sobre Chávez e reforçar as correntes mais democráticas do chavismo.

Os críticos da atitude brasileira apontam os preocupantes indícios de que o presidente venezuelano favorece amplamente o caminho cubano, de confronto com os interesses privados e progressiva estatização da produção industrial - ainda que as desestatizações, até agora, tenham se dado dentro da lei, com indenizações às empresas afetadas.

Como notou o cientista político Miguel Ángel Latouchers, da Universidade Central da Venezuela, em artigo recente na revista "Foreign Affairs", não há como negar a origem popular e legitimidade eleitoral do governo Chávez, mas seu projeto político é baseado em um projeto de "revolução permanente" no qual, sem espaço para acordos, as vozes de oposição são enfrentadas com mecanismos de "segregação político-social" - como a famosa "lista Tascón", pela qual os signatários de um pedido de referendo para revogação do mandato de Chávez entraram em uma lista negra distribuída às repartições públicas.

A força da linha "cubana" no aparato chavista alimenta-se do apoio técnico (Cuba ajudou na estatização da empresa de telefonia CANTV) e das ações humanitárias, como a manutenção de 30 mil a 35 mil médicos e profissionais de saúde cubanos no país - que prestam atendimento básico e atuaram na chamada Operação Milagre, de cirurgias oftalmológicas. Além disso, a paranoia sobre uma possível tentativa de desestabilização do governo sustentada pelos Estados Unidos ou pelo vizinho governo colombiano garante a permanência, no país, de profissionais cubanos ligados a serviços de inteligência.

Para os críticos do governo Lula, a proximidade entre os dois presidentes é motivada por afinidades ideológicas, é daninha aos interesses brasileiros e estimula Chávez a seguir um projeto totalitário, com implicações sobre a estabilidade política da região, onde estimula ações nacionalistas.

Mesmo entre analistas críticos a Chávez ou a ambos os presidentes, não é pequeno o número dos que atribuem as ações de Lula a uma tentativa de estabelecer, na política externa, o que se chama de "política não confrontacionista", avessa a sanções ou medidas de força contra países e favorável ao esforço de negociação e diálogo.

Essa política, no Brasil, impede manifestações públicas de desagrado com ações do aliado, embora não exclua represálias, como ocorreu com a Bolívia, quando a Petrobras cancelou projetos de investimento em ampliação do gasoduto e em industrialização local do gás, após a nacionalização dos campos de petróleo e refinarias de propriedade da empresa. Ou no Equador, onde a expulsão unilateral da empreiteira Odebrecht e a ameaça de não pagamento de empréstimos ao BNDES levaram o Brasil a cancelar projetos bilaterais de investimento em infraestrutura.

Na semana passada, o reatamento de relações diplomáticas entre Venezuela e Estados Unidos foi apontado por membros do governo brasileiro como demonstração de que é possível buscar o diálogo com Chávez, para frear as tendências mais radicais do governo venezuelano.

"Lula escolheu para ele e o Brasil a função de estabilizador no continente, e adotou a política não confrontacionista", diz o professor da Universidade de Brasília Amado Cervo, autor de livros-texto sobre a política externa brasileira e as relações com a Venezuela. "Isso significa evitar sanções ou embargos e políticas cooperativas, não importa qual seja a natureza do regime."

Antigo defensor da aproximação entre os dois países, com uma visão favorável da ação diplomática brasileira, Cervo, mesmo assim, critica os rumos tomados pelos países da Alternativa Bolivariana dos Povos da América (Alba), protagonizada por Chávez. Como Bolívia e Equador, a Venezuela adota, segundo Cervo, "um modelo introspectivo, nacionalista, voltado para mecanismos e recursos internos para resolver todos os problemas", avesso à integração internacional e econômica. Ações hostis desses países não são dirigidas contra o Brasil, mas resultam de "um modelo de inserção, no mundo, contrário à tendência das relações internacionais do século XXI".

Cervo concorda com o governo brasileiro na avaliação de que endurecer no tom com esses países só reforçaria acusações de ação "imperialista" do Brasil, tema recorrente na vizinhança. "O Brasil poderia ajudar o desenvolvimento, modernização, oferta de emprego e renda, mas o que a diplomacia vai fazer se a reação é chauvinista, nacionalista, introspectiva?", pergunta.

Há uma certeza, mesmo entre os críticos das atitudes de Lula em relação a Chávez: ainda que o presidente brasileiro agisse diferente, dificilmente exerceria influência significativa sobre o vizinho, que tem um projeto próprio, enraizado no fracasso das experiências de governo anteriores, e profundamente marcado pela paranoia de segurança que cresceu após a frustrada tentativa de golpe de Estado em 2002, endossado pelo então governo dos Estados Unidos e boa parte das elites políticas e empresariais locais.

Se a estratégia "moderadora" é apropriada para lidar com Chávez, esse é um julgamento a ser feito pela história, comenta o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), embaixador José Botafogo Gonçalves, que não crê na possibilidade de o Brasil exercer uma influência decisiva no projeto bolivariano de Chávez. O próprio Chávez descreve seu projeto com tons totalitários, argumenta Botafogo: defende a democracia plebiscitária em lugar da democracia representativa, é contrário à economia de mercado e demoniza a alternância de poder.

"Se não muda o projeto de Chávez, o que se tem de atentar é para os efeitos do projeto bolivariano sobre o Brasil ou outros países", comenta Botafogo. Passados os atritos com Bolívia e Equador, recentemente, o fenômeno mais nítido é o forte interesse de empresas brasileiras pelo projeto industrial do governo venezuelano, que tenta instalar 200 grandes indústrias no país, grande parte em parcerias com brasileiros.

O interesse empresarial tempera, por exemplo, as manifestações da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), dividida nessa questão entre os que querem uma crítica aberta a Chávez e os que defendem a aproximação com o governo bolivariano. Alguns analistas apontam a ênfase no mercado interno como um ponto de contato entre Lula e Chávez, uma opção comum de estratégia para o desenvolvimento.

"O Brasil exporta US$ 6 bilhões à Venezuela e importa US$ 1 bilhão; entre US$ 600 milhões e US$ 800 milhões, só em bens de capital. E ainda estão nos pedindo ajuda", comenta Mário Mugnaini, ex-diretor-executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), um dos executivos que participou das negociações dos empresários do setor de bens de capital, fabricantes de máquinas e equipamentos para a indústria. Mugnaini entende que a relação com um mercado promissor como o venezuelano não deve ser comprometida por considerações políticas, como defende Lula. Toda aproximação só melhoraria as condições de acesso das empresas brasileiras, diz.

O argumento comercial é citado com frequência no governo e tem defensores também na academia, como a coordenadora do Observatório Político Sul-Americano (Opsa) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Maria Regina Soares de Lima. Em depoimento recente ao Senado, após observar que a maior integração com a Venezuela começou nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, com interligação elétrica e rodoviária, ela lembrou que o comércio com os venezuelanos cresceu 858% entre 1999 e 2008, quando chegou a US$ 4,6 bilhões.

O Brasil ocupou fatias de mercado antes cativas dos Estados Unidos e da Colômbia como fornecedor de produtos como leite em pó, carne de frango e gado em pé, fármacos, eletroeletrônicos e outros alimentos. Roraima e o Distrito Federal já têm no país seu principal destino de exportação, e vários Estados - Piauí, Paraíba, Minas Gerais e Pernambuco - aumentaram as vendas entre mais de 200% e até 2.800% nos últimos quatro anos.

Assim como membros do governo, Soares de Lima avalia que a entrada da Venezuela no Mercosul contribuiria para a estabilidade política regional, ao assegurar ao país o apoio institucional do bloco contra ameaças de golpe, arrefecendo as tensões políticas alimentadas pela lembrança da tentativa de 2002. A Venezuela mantém o referendo revocatório, que permite a derrubada legal de presidentes em meio de mandato, lembra. A exclusão da Venezuela do Mercosul, observa, seria considerada um ato hostil, com consequências negativas para a articulação política e interesses econômicos do Brasil no país e na região.

Essa análise está longe de ser consensual, porém, e muitos empresários se queixam da burocracia e dificuldades no centralizado governo Chávez, que cria entraves para o pagamento aos exportadores brasileiros, sujeitos ao regime de centralização cambial do país. As queixas são recebidas no governo brasileiro com a justificativa de que a Venezuela passa, agora, pelo auge da restrição cambial em razão da queda, no início do ano, do preço do petróleo, sua principal fonte de divisas. Quando chegarem as receitas com o petróleo aos novos preços, registrados nos últimos meses, a situação tende a melhorar, argumenta-se em Brasília.

Mas a falta de transparência e a insegurança jurídica criadas pelo estilo de Chávez, que contesta as instituições tradicionais, podem virar um pesadelo para os empresários que hoje apostam em bons negócios com o governo venezuelano, garante o advogado internacional Robert Amsterdam, que esteve no Brasil, há duas semanas, também em lobby no Senado, mas contra a inclusão da Venezuela no Mercosul. Amsterdam foi contratado recentemente pelo milionário Eligio Cedeño, preso desde 2007, em um processo que, afirma, tem motivações políticas.

Acusado de fraude cambial, Cedeño, desafeto de Hugo Chávez, teve sua prisão preventiva prolongada por mais dois anos neste ano, em um processo no qual Amsterdam aponta falhas e manipulação, com intimidação de juízes. "Quando estava claro que ficaria provada a inocência dele, o governo suspendeu o julgamento, e usa a detenção como instrumento político, em violação aos direitos humanos", argumenta Amsterdam, que tentou fazer chegar seu dossiê sobre o empresário a Lula. "O presidente Lula tem liderança real no continente, uma manifestação dele teria peso na situação da Venezuela", afirma.

A visão confrontacionista de Chávez, que prioriza a política em relação a razões econômicas, agregará ao Mercosul mais dificuldades às que o bloco já enfrenta, aponta o ex-ministro de Relações Exteriores, Celso Lafer. Como a maioria dos especialistas brasileiros, porém, ele vê chances limitadas de Lula exercer algum controle sobre Chávez, ou influência decisiva sobre a situação interna venezuelana.

Embora admita que o esforço de aproximar-se da Venezuela tem também razões geopolíticas tradicionais, de relacionamento suave com a vizinhança e de estímulo à integração econômica do Norte do Brasil, Lafer acredita que o entorno de Lula confunde os interesses do Estado brasileiro com os do partido, o PT, o que inclinaria o presidente a ver com condescendência os demais movimentos de esquerda da região, por afinidade ideológica.

A visão nacionalista desses movimentos entra algumas vezes em conflito com interesses brasileiros, acredita Lafer. "O presidente, felizmente, é mais pragmático que seus assessores", ironiza. "Mas também a região sul-americana enfrenta situação muito mais complicada que no passado", reconhece o ex-ministro. Isso também é um consenso entre os analistas: Chávez não ajuda muito a simplificar essa situação complicada na região que divide com Lula e os outros governantes sul-americanos.

Governo de Honduras admite adiantar eleição

DEU EM O GLOBO

Secretário-geral da OEA chega hoje ao país e UE retira embaixadores. Ministério Público detalha 18 acusações contra Zelaya

EM SAN PEDRO SULA, milhares de manifestantes saem em passeata a favor do governo interino e contra Zelaya: tensão crescente nas ruas

TEGUCIGALPA. No primeiro sinal de flexibilização, o governo interino de Honduras, que depôs o presidente Manuel Zelaya no domingo, admitiu ontem a possibilidade de adiantar as eleições presidenciais. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, no entanto, desembarca hoje em Honduras para explicar ao novo governo os termos do ultimato dado pela OEA: restituir Zelaya ou enfrentar sanções. O próprio Insulza se mostrou pessimista quanto ao caso se resolver até amanhã, quando esgota o prazo de 72 horas para que o golpe seja revertido.

- Farei todo o possível, mas acho que vai ser muito difícil mudar a situação em dois dias - disse Insulza, na Guiana. - Não vamos a Honduras negociar. Vamos pedir que modifiquem o que estão fazendo.

A declaração do presidente interino, Roberto Micheletti, veio ao final de um dia em que todos os países da União Europeia retiraram seus embaixadores de Honduras e em que o Ministério Público detalhara as 18 acusações que pesam contra Zelaya. Perguntado se está disposto a adiantar a eleição presidencial, prevista para 29 de novembro, Micheletti respondeu:

- Totalmente de acordo, não tenho objeção alguma se for uma forma de solucionar o problema - disse.

Micheletti acrescentou ainda que estaria de acordo com a realização de um referendo para decidir sobre o retorno de Zelaya ao poder, mas que isso não poderia acontecer agora, "um momento extremamente difícil para o país".

Zelaya teria prometido não retaliar golpistas

A viagem de Insulza foi precedida de gestões diplomáticas, com o secretário-geral telefonando para ex-presidentes e líderes religiosos do país. Zelaya, por sua vez, enviou, do Panamá, mensagens a amigos em Honduras prometendo desistir da reeleição, deixar militares golpistas nos postos e permitir que órgãos internacionais supervisionem as eleições, caso volte ao poder, informou o jornal venezuelano "El Universal". Zelaya foi deposto e expulso do país domingo, dia em que pretendia realizar uma consulta, considerada ilegal pela Corte Suprema, sobre uma reforma constitucional que permitiria a reeleição.

Ontem, o Ministério Público detalhou as 18 acusações contra Zelaya. O promotor-geral adjunto, Roy Urtecho, informou que a ordem de captura internacional já foi enviada a Interpol.

Zelaya é acusado de delitos que vão de traição da pátria à usurpação de fundos. Entre as acusações estão a ordem para que as Forças Armadas distribuíssem as urnas para a consulta popular; estender por três anos o período do chefe de Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas; engavetar mais de 80 leis aprovadas pelo Congresso; tentar realizar a consulta contrariando sentença judiciária; bloquear a transferência de recursos para prefeituras e o Congresso; utilizar fundos do Estado para promover a consulta; e destituir o chefe do Estado-Maior Conjunto.

O Tribunal Superior de Contas investiga também os recursos gastos na consulta e no referendo que se seguiria a ela.

- O que detectamos em publicidade, somente na TV, excede 40 milhões de lempiras (R$4 milhões) - disse o presidente do TSC, Renán Sagastume.

Segundo "El Universal", foram encontrados milhões em dinheiro no Gabinete de Zelaya, provavelmente enviados por Caracas, além de ter sido desmontada uma rede de espionagem e de grampos telefônicos. Também houve denúncias de suborno a eleitores.

A Argentina concedeu asilo a Enrique Flores Lanza, ministro de Gabinete Civil de Zelaya, refugiado na embaixada.

15 anos do Plano Real

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A maior vitória do Plano Real e do presidente Fernando Henrique Cardoso veio com a eleição de Lula em 2002

A REAÇÃO do brasileiro comum aos 15 anos do chamado Plano Real seguiu o padrão das sociedades modernas de massa. Apesar da importância da estabilidade de preços em seu dia a dia, essa data passou despercebida para a grande maioria. Afinal, há muitos anos a inflação elevada, que marcou várias décadas de nossa história recente, desapareceu da vida do cidadão comum. As filas nos postos de gasolina às vésperas de aumentos dos combustíveis, a corrida ao supermercado em dias de pagamento de salários e o intenso movimento nas agências bancárias para aplicação de dinheiro nas contas indexadas ao chamado "overnight" fazem parte de um passado distante. Além disso, milhões de brasileiros chegaram à vida adulta sem passar por experiências semelhantes.

Mas é importante lembrar ao leitor da Folha o que representou a vitória contra a inflação e relembrar os atores principais por trás dessa conquista. Durante certo tempo, vivemos no Brasil a ilusão de que uma inflação elevada poderia coexistir com o crescimento sustentado da economia. Essa atitude levou à institucionalização de mecanismos de indexação que reduziram, durante certo tempo, os efeitos nocivos da inflação. Mas o custo de tal política foi o de anestesiar a sociedade diante de um problema que afetava seu bem-estar e postergar um enfrentamento definitivo dessa questão.

Quando o Brasil acordou dessa dormência, a inflação já havia atingido um nível destrutivo sobre o tecido econômico e avançava sobre a paz social. As primeiras tentativas de enfrentar essa questão fracassaram principalmente porque as lideranças políticas não estavam dispostas a abrir mão de mecanismos de ação política como os gastos do governo. E postergavam seu enfrentamento com medidas paliativas.

Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, foi o primeiro político a perceber que a sociedade havia chegado ao limite na sua tolerância à inflação. Mais ainda, entendeu que somente com um programa que atacasse o descontrole fiscal então existente e com uma política de juros que evitasse uma euforia do consumo com a queda da inflação haveria chance de êxito.

Foi o que aconteceu entre 1994 e 1996. Apoiado pela sociedade, que viu na criação do real uma chance de abortar um passado do qual a grande maioria dos brasileiros queria fugir, FHC conseguiu um êxito extraordinário. Mas o então presidente não se deitou sobre os louros de seu sucesso e seguiu adiante em seu programa de reformas. Abertura da economia, estabelecimento de regras fiscais mais claras, retirada do Estado de áreas importantes da economia -e sua substituição pelas chamadas agências reguladoras-, sistema de metas de inflação e independência operacional do Banco Central são algumas de suas marcas que prevalecem até hoje na economia.

Mas certamente a maior vitória do Plano Real e do presidente Fernando Henrique Cardoso veio com a eleição de Lula em 2002. Crítico ferrenho do plano de estabilização de FHC, o novo presidente reconheceu a força positiva da obra de seu antecessor e manteve o mesmo rumo.

Vivendo hoje em um período de grande dinamismo da economia mundial, o Brasil pôde finalmente, nos últimos anos, colher os benefícios de ter uma moeda estável e confiável.

Crescimento sustentado e respeito dos principais atores internacionais. Parabéns, Real, por seus 15 anos de sucesso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Plano Real, 15 anos em perspectiva

Gustavo H. B. Franco
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Com 15 anos de vida, o real é o mais bem comportado de todos os oito padrões monetários que tivemos desde 1942, como nos mostra a tabela.

É verdade que o nosso histórico nesse assunto é nada menos que trágico: que outro país teve oito padrões monetários em 60 anos? É estonteante e humilhante lembrar a quantidade de zeros que cortamos ao longo dessas mudanças, como quem troca fraldas repetidamente usadas. E isso sem falar nos congelamentos, confiscos e maldades que acompanharam diversas dessas reformas monetárias.

A racionalidade monetária, portanto, não mais é que uma adolescente, a quem cabe, por certo, méritos de adulta, a julgar pelas crises que superou para chegar aos 15 anos assim viçosa e cheia de boas perspectivas para o futuro. Na verdade, ao revisitar a trajetória do real com o auxílio dos números para o IPCA, como exibidos no gráfico, ganhamos um utilíssimo distanciamento dos eventos e versões montadas no calor dos acontecimentos e uma métrica que o sistema de metas de inflação tornou bastante familiar. O leitor que hoje reflete sobre variações do IPCA na segunda casa decimal não poderá deixar de se surpreender com os números dos primeiros tempos.

O gráfico indica sete momentos importantes da política monetária, alguns mais decisivos que outros, mas todos muito educativos.

O extraordinário sucesso na primeira das batalhas - os quatro meses de vida da URV (Unidade Real de Valor) - pode ter trazido a impressão equivocada de que o Plano Real tinha acabado ali. Tínhamos reduzido a inflação de 43,1% mensais (em média para o IPCA no primeiro semestre de 1994), ou 7.260% anuais, para um número bem menor em julho de 1994: 6,8% mensais, ou 121% anuais. Uma queda extraordinária, um processo encantador, cheio de excelentes desígnios, mas o ponto de chegada, 121%, era um número totalmente absurdo, sendo este, na verdade, o tamanho do desafio a ser enfrentado no início da segunda batalha, aquela na qual as autoridades teriam que combater com armamento convencional.

Esta segunda batalha durou quatro anos. Paralelamente ao combate à inflação, lutávamos em várias frentes: na área fiscal, nas dívidas com estados, nas privatizações, na abertura e na solução de uma crise bancária que ceifou cerca de 100 bancos dos 300 que existiam em 1993. Entre nós, da área econômica, quando se falava de "âncoras", repetíamos Vasco Moscoso de Aragão, personagem de Jorge Amado, capitão de longo curso, que, ao aportar em lugar desconhecido e ser perguntado sobre que âncoras lançar, dizia: "Todas!"

E mesmo com todas as âncoras, e com muitos sabichões dizendo que era muito, tudo que conseguimos nos primeiros 12 meses de vida da nova moeda foi uma inflação acumulada, medida pelo IPCA, de 33%, um número que soa tão impossível ao observador de hoje quanto os 121% iniciais. Mas tivemos perseverança: a inflação caiu abaixo de 20% em abril de 1996, 22º mês, e abaixo de 10% apenas em dezembro, 30º mês da nova moeda. No ano-calendário de 1997, o IPCA cresceu 5,2% e em 1998 a inflação pelo IPCA foi a menor em nossa história: 1,7%.

Não creio que pudéssemos dizer que o plano funcionara, e que a desindexação realmente se entranhara, antes de atingir esse nível, uma espécie de "zero técnico", uma inflação igual à dos Estados Unidos. Era a prova material e essencial de que podíamos ter uma inflação, e uma moeda, de Primeiro Mundo.

Duas crises internacionais sobrevieram a partir do final de 1997, e uma terceira batalha teve de ser travada em torno da mudança do regime cambial. A desvalorização cambial oferecia um desafio aterrorizante, o risco de se colocar tudo a perder, mas, felizmente, o organismo estava preparado, surpreendentemente desintoxicado, e, novamente superando os piores prognósticos, vencemos. A vitória aí não foi propriamente em reduzir a inflação, mas ter evitado que a inflação sequer atingisse 10% anuais. E, mais importante, assentou-se firmemente a "tríade": superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação. Tínhamos agora uma contraprova!

Mas o pior desafio ainda estava por vir, não por um choque externo, mas pela ascensão ao poder dos aguerridos adversários de todas as medidas pró-estabilidade tomadas nos dois governos anteriores. O adolescente precisava lidar com seus próprios fantasmas e, em certo momento, não parecia capaz de superar o desafio. A batalha de número 4, no decorrer de 2002, foi perdida, o sistema de metas entrou em colapso, a inflação pelo IPCA superou os 15% (e pelo IGPM superou 30%), enquanto o pânico nos mercados era tacitamente alimentado pelos pronunciamentos na área política.

A batalha de número 5 talvez tenha sido a mais fácil, pois a vitória teve que ver com o comando decidir que não ia tocar fogo no barco em que ia navegar. Ou com o adolescente revelar sinais de maturidade, como acabou mostrando. O bom-senso prevaleceu, as ideias heterodoxas e seus patrocinadores foram exilados e a tríade foi restabelecida. Em 2004, no décimo aniversário do Real, o grande enredo era a convergência: a moeda era agora, na prática, de toda a nação, os riscos de "rupturas ideológicas" estavam afastados e o "grau de investimento" era questão de tempo.

Do 10º ao 15º ano, felizmente, a integridade da estabilização não esteve mais sob ameaça, ao menos com riscos comparáveis aos que corremos no passado. Vivemos apenas a rotina do regime de metas, com seus ciclos de aperto e de relaxamento, e que vem funcionando a contento mesmo diante da crise internacional de 2008, que terminou sendo uma crise de consequências deflacionistas. Na verdade, se há alguma explicação para os efeitos relativamente modestos da crise de 2008 sobre o Brasil, ela começa com o trabalho cumulativo e paciente desenvolvido por diversos governos e administradores ao longo dos últimos 15 anos.

Aos 15 anos de idade, portanto, nossa moeda vai bem, e o país observa suas possibilidades futuras com mais otimismo do que em qualquer outro momento em nossa história. É ótimo que o Real seja percebido, cada vez mais claramente, como uma obra coletiva: no critério de tempo de serviço, estritamente falando, os 15 anos se dividem em 8 do PSDB, ½ para Itamar Franco e 6 ½ para Lula. A rigor, a distribuição dos méritos não deveria ser bem esta, pois a genética pode ser mais relevante que o padrasto, ou não, mas pouco importa. O apreço pela coisa pública - e não há coisa mais pública que a moeda - começa com o desprendimento, ou com o sentimento de que ela não pertence a ninguém senão ao país.

Gustavo H. B. Franco, ex-presidente do Banco Central (1997-1999), é estrategista-chefe da Rio Bravo, presidente do conselho de administração e um dos sócios fundadores da gestora de recursos

Tempo súbito

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


De repente, o primeiro semestre acabou! Não sei quanto a você que lê a coluna, mas eu simplesmente tomei um susto. Já é segundo semestre, aquele período em que os economistas tinham dito que seria a hora da retomada. É inevitável perguntar: ela está acontecendo? Não! O que está acontecendo é uma redução da queda. Aqui e na economia internacional comemoram-se números menos negativos.

Será que o tempo passa mais rápido nas crises econômicas? Não sei explicar como foi que esse primeiro semestre voou, afundada que estava em tentar entender uma crise tão diferente das outras. Já vi muitas crises - todas as dos anos 80 e 90 - mas esta é global, revoga o estabelecido na teoria econômica, e tem uma capacidade ímpar de produzir surpresas e reviravoltas.

A economia brasileira parece um organismo com temperaturas diferentes. Imagine um médico que tem que tomar a temperatura dos braços, do tronco, das pernas e da cabeça, para dizer qual é a temperatura média do paciente. Assim ficamos nós que temos que escrever sobre economia. Alguns setores gelados, outros mornos. Falaremos deles outro dia.

A produção industrial de ontem mostra como cada indicador é relativo. Os números podem ser bons ou ruins, dependendo do ângulo em que são analisados. O resultado é positivo porque a produção industrial de maio subiu 1,3% em relação a abril; porque é o quinto resultado positivo seguido; porque é melhor do que o previsto; é ruim porque, na comparação com maio do ano passado, a queda é de 11% e o ano terminará com uma queda de 5%. É bom porque a queda está ficando menor, mas o fato é que, no ano, a indústria vai produzir menos do que no ano anterior.

Na economia internacional, alguns jornais especializados comemoram sinais de recuperação.

Mas é até engraçado falar em recuperação. Foi tratado como bom, por exemplo, o resultado de 28% de queda nas vendas de automóveis em junho nos EUA porque, no ano, é a menor queda.

Mas convenhamos 28% é um tombo! Analistas ouvidos pelo "Wall Street Journal" consideraram que esse número é sinal de que se chegou ao fundo do poço e que agora as vendas podem melhorar. Também foi considerado um bom número, a destruição de 472 mil empregos privados em junho. É que no primeiro trimestre, a média mensal foi de 690 mil. Ontem, o dado que saiu foi a taxa de desemprego. Ela subiu para 9,5%. Foi um dado negativo, mas já era esperado.

Como se vê, o que alguns chamam de retomada, é apenas a redução da intensidade da queda. As vendas de carros, divulgadas pela Fenabrave, foram recordes no mês passado. Bom, mas elas estão evidentemente infladas pelo artifício do benefício fiscal somado às ameaças de que a redução do IPI seria suspensa. Pelo sim, pelo não, quem queria comprar, decidiu não pagar para ver e antecipou a compra. O benefício foi prorrogado por mais três meses no caso do carro.

Seja como efeito do tempo, ou dos fortes estímulos econômicos, os indicadores do mês de junho, que estão saindo em todos os países do mundo, mostram o mesmo quadro de melhora.

Em alguns poucos países os resultados de produção foram positivos. Na China, a produção industrial sobe pelo quarto mês e, na Índia, os indicadores também estão positivos. Em outros, é a queda que ficou menos intensa. No Japão e na Austrália registraram-se as menores quedas e os analistas dizem que o pior da recessão passou. Mesmo assim, o mês de junho é o décimo terceiro mês em que os indicadores de produção da Austrália estão abaixo de 50 pontos, número que marca a fronteira entre crescimento e recessão. O ministro das Finanças do Japão, falando ao "Financial Times" disse que o pior passou, mas ressaltou que a economia pode ser afetada por qualquer piora na Europa ou Estados Unidos. A soma de todos os dados divulgados sobre junho mostra o melhor quadro em nove meses, desde que a crise se aprofundou em setembro passado.

O que os economistas daqui e de fora discutem é como será a recuperação. Alguns avisam, como fez Stuart Green, economista do HSBC ouvido pelo "FT", que é muito provável que a recuperação não será forte nem durável.

Os economistas se agrupam em letras. Há os que acham que o desenho da recuperação vai imitar um V - rápida e forte. Ou um U - mais demorada. Ou um WW, com idas e vindas. Há os bem pessimistas que acham que será como na internet: WWW. A economia mundial viveria surtos de melhora, seguidos de novas quedas. E há os mais otimistas que acreditam que o movimento econômico imitará o desenho de uma raiz quadrada: a economia sobe rápido e permanece em forte crescimento.

O mais realista seria deixar de lado essa sopa de letras e pensar o seguinte: a recuperação vai ser lenta porque essa crise é de grande envergadura, grandes proporções e muitos dos fundamentos da crise permanecem. Ela é global, e nos globalizamos, portanto, é meio ingênuo acreditar que estamos numa redoma. Veja-se o caso do comércio internacional: ele está encolhendo 25% este ano, e o nosso volume de comércio também encolheu 25% neste semestre. A queda das exportações afeta a produção industrial, que afeta o PIB. Não há um processo exclusivamente doméstico, apesar das diferenças das economias. O quadro ainda é frágil e a conjuntura, fugaz, como o tempo.

Crise afasta mulheres do mercado de trabalho

Eduardo Rodrigues
DEU EM O GLOBO

Trabalhadoras deixam de procurar vaga para cuidar de afazeres domésticos. Desemprego cresce mais entre homens

BRASÍLIA. A crise financeira internacional empurrou as mulheres para fora do mercado de trabalho brasileiro, segundo estudo da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). O documento mostra que, de setembro de 2008 a abril de 2009, o tamanho da população feminina economicamente ativa, que engloba pessoas empregadas ou à procura de serviço, diminuiu nas seis principais regiões metropolitanas do país, enquanto o indicador masculino se manteve estável.

Com a economia pisando no freio, o desemprego cresceu mais para os homens. A taxa de desemprego masculina aumentou 24% desde setembro, contra um avanço de 11,2% para mulheres. Isso porque a taxa reflete a quantidade de pessoas procurando emprego. E as brasileiras se refugiaram da crise na inatividade.

Para Lourdes Bandeira, secretária de Planejamento da SPM, esse movimento se explica pela maior probabilidade de a mulher assumir atividades de casa, seja porque o empreendimento familiar no qual trabalhava não sobreviveu à crise, seja porque a perda de renda impossibilitou a manutenção de uma empregada doméstica

Indústria demitiu mais mulheres e negras

O levantamento - feito em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o IBGE - mostra que a indústria demitiu proporcionalmente mais mão-de-obra feminina (queda de 8,38% na ocupação) do que masculina (-4,81%), apesar de o setor empregar bem mais homens do que mulheres. E as dispensas foram maiores entre as mulheres negras (-9,96%) do que entre as brancas (-7,73%)

Já o fechamento de vagas no serviço doméstico masculino - jardineiros, motoristas, caseiros - foi consideravelmente maior (-5,66%) do que no serviço doméstico desempenhado pelas mulheres (-0,89%). Os cuidados com casa e crianças, mais comumente sob responsabilidade delas, são considerados essenciais para as famílias. Até por permitir que outras mulheres mantenham seus empregos.

- A taxa de desemprego das mulheres é sempre superior à dos homens. Em crise, esse dado fica mais forte. Se a mulher perde o emprego, assume afazeres domésticos. Já o homem não recua para casa, pois se sente mais pressionado a ser o provedor - disse Hildete Pereira, professora da UFF.

Os dados apontam alta de 2,96% no contingente de mulheres empregadas na construção civil, em um período em que houve queda de 3,54% na quantidade de homens no setor.

- Há uma cultura empresarial de incorporar as especificidades femininas na construção civil, principalmente no cuidado com acabamento, no menor desperdício e no salário inferior - disse Lourdes.

Assim como aconteceu com os homens, o impacto da crise foi maior no emprego das trabalhadoras sem carteira assinada (queda de 13,53% no número de empregadas).

Salário menor explicaria contratação de mulheres

De setembro a abril, o salário de admissão das mulheres foi menor do que o dos homens em todos os setores. A desigualdade foi ainda maior entre os mais escolarizados, cujo salário inicial feminino foi equivalente, em média, a 65,39% do masculino.

- Quando a gente olha especificamente o mercado formal, houve uma maior contratação feminina que pode estar associada à estratégia de substituição de trabalhadores que custam mais pelos que custam menos - completou a gerente de projetos da secretaria, Luana Pinheiro.

Adriana de Souza sabe que a remuneração das mulheres é inferior à dos homens. Mas isso não a desanima. Aos 33 anos, concluiu o ensino médio para buscar um emprego. Ela não ignora as dificuldades que enfrentará em meio a crise:

- As empresas estão exigentes. Experiência e formação são fundamentais - afirmou Adriana, cuja família tem sido sustentada pelo marido.

Lenine - Leão do Norte

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