quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sem saída

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Eleito para a presidência do Senado pela terceira vez por uma estranha coligação que colocou lado a lado o PT e o DEM, o senador José Sarney já não consegue mais se equilibrar no poder à custa apenas de seu bom relacionamento pessoal, e perdeu qualquer condição de presidir a Casa, onde mal tem colocado os pés nestes dias de crise. Já perdeu o apoio da maioria de seus pares, e o mínimo que lhe pedem é que se licencie por um período de 60 dias para que se apurem as mazelas que impedem o Senado de funcionar desde que ele foi eleito, no início do ano.

Seria uma maneira de deixar o cargo sem passar pelo vexame de ser julgado por seus pares, como já pediu o PSOL, partido que quer ver Sarney e seu fiel escudeiro, Renan Calheiros, sendo processados pelo Conselho de Ética do Senado.

Não parece haver muita margem de manobra para que Sarney mantenha seu cargo depois que o DEM — partido que é herdeiro da Frente Liberal, que deu uma renovada na biografia de vários políticos, inclusive na de Sarney, ao romper com o governo militar e apoiar a candidatura de Tancredo Neves à Presidência — negou-se delicadamente a manter o apoio à sua administração.

Todos, com raras exceções, tratam Sarney com o respeito devido a quem já foi presidente da República num processo de redemocratização do país. Mas pouco a pouco vão lhe dando as costas, por ser impossível apoiá-lo na situação atual, em que a gestão que ajudou a implantar na sua primeira presidência, e que conta com seu apoio público até hoje, se revela tão corrupta.

Restou ironicamente a Sarney, além de seu partido, o PMDB, o apoio solitário do presidente Lula e de parte do PT, e essa situação, de certa maneira, reflete a que ponto chegou a política do país, onde cada um assume o papel que melhor lhe serve naquele momento, sem guardar qualquer resquício de coerência com a vida política anterior.

A defesa da senadora petista Ideli Salvatti, em nome do governo e ainda não do seu partido, foi patética.

Como não pudesse defender as práticas adotadas nos últimos anos no Senado, defendeu Sarney com a tese que é usada por dez entre dez petistas desde que chegaram ao poder central: sempre foi assim, não se pode culpar apenas uma pessoa.

Além do fato de que o senador Sarney está exercendo a presidência do Senado pela terceira vez e que foi na sua primeira gestão que Agaciel Maia assumiu a direção-geral da Casa, não é possível aceitar que mais uma vez seja a feita a defesa política com a desculpa de que “sempre foi assim”.

É até admissível que o próprio Sarney pense assim, pois ele está apenas traduzindo o seu entendimento do que seja fazer política, mas essa visão apequenada da política não deveria prevalecer no Senado e nem ser motivo de defesa de um governo comprometido com os avanços da instituição.

Mas o fato é que há muito tempo o governo Lula está comprometido apenas com uma coisa: a manutenção do poder político e a construção de uma candidatura viável para sua sucessão.

Para tanto, precisa do apoio do PMDB que, pelo menos nesse episódio, mostrou-se unido. Dos 16 senadores do PMDB, apenas dois, além do próprio Sarney, não assinaram a nota de apoio do partido: Jarbas Vasconcelos, que se recusou, e Pedro Simon (RS), que foi operado de emergência.

Mas certamente Simon não assinaria o documento, pois já pediu da tribuna do Senado a licença do senador Sarney da presidência, mesma posição assumida pelo PSDB, pelo DEM e pelo PDT.

O PSOL foi mais adiante, e pediu a abertura de uma CPI para apurar todas as falcatruas do Senado nos últimos anos, e entrou com um processo no Conselho de Ética do Senado contra o atual presidente, José Sarney, e o ex-presidente Renan Calheiros.

O cerco está se fechando, e é improvável que Sarney resista por muito mais tempo. Já não tem mais condições de presidir uma sessão plenária, raramente vai ao Senado e, e quando vai, fica preso em seu gabinete.

Não é uma situação politicamente sustentável, e o mais provável é que acabe aceitando as sugestões para que afaste temporariamente para que as investigações sejam feitas sem a sua interferência.

A situação é tão grave que o DEM como partido não aceitou a tese de que estava, na prática, comandando as ações no Senado a partir do momento em que o primeiro-secretário, Heráclito Fortes, assumira de fato a reforma administrativa, afastando diversos diretores ligados a Agaciel Maia.

A questão é que já passou o momento em que apenas fazer uma faxina completa na administração do Senado bastaria para manter os dedos e os anéis dos senhores senadores.

À medida que foram aparecendo todos os problemas relacionados com a gestão do Senado, que se transformou em uma fonte de irregularidades a par tir da crescente influência exercida pelos “agacielboys”, ficou claro que o “paraíso” de que falava Darcy Ribeiro fora forjado à base da corrupção e da leniência com o dinheiro público.

Será preciso mais do que uma simples reforma administrativa para devolver a credibilidade dos senhores senadores, e é isso que o senador José Sarney parece não ter entendido até o momento.
Ele se tornou o símbolo dessa distorção, e só sua saída dará credibilidade às medidas que venham a ser tomadas no futuro.

Pior é impossível

Dora Kramer
DEU EM O ESSTADO DE S. PAULO

Se o senador José Sarney não resistir à gradativa perda de apoio no Senado, será o quarto presidente da Casa a sair de cena por conduta imprópria no período de oito anos.

Se resistir, ainda assim continua integrando a estatística na condição de quarto presidente do Senado a ter sua conduta questionada publicamente em oito anos. Na média, o Senado produz um escândalo a cada dois anos com o presidente no papel de protagonista.

Não houvesse outro motivo, só os números já indicariam a necessidade de uma revisão urgente de procedimentos no Parlamento, mas também no Poder Executivo.

Se a promíscua lógica de compra e venda que preside a relação do Congresso com os governantes não mudar, não adiantam cassações, renúncias, sindicâncias, demissões, reformas administrativas, porque a dinâmica do funcionamento será a mesma: o Legislativo ajoelhado diante do Executivo e ambos de costas para a sociedade.

Enquanto não se restabelecer a relação correta de hierarquia no sistema representativo, as maiorias parlamentares continuarão a considerar mais importante obedecer ao governo que lhes assegura benesses que se submeter aos ditames dos eleitores que lhes proporcionam o mandato.

Quem se lixa para a opinião pública é também quem não vê mal em ignorar as leis do País, normas éticas óbvias, regras de convivência adotadas em qualquer ambiente, para adotar um código próprio de comportamento, cujo principal parâmetro é o conforto de seus signatários.

Os desmandos, sejam eles os da Câmara ou do Senado, só acontecem porque todos, com raríssimas exceções, se consideram pessoas incomuns - naquele sentido consagrado recentemente pelo presidente Luiz Inácio da Silva - com direito a assento em classe especial. Não incorporam o conceito dos deveres impostos pela representação.

Isso fica claríssimo nas repetidas invocações ao passado do senador José Sarney e aos serviços já prestados por ele à nação. Manifestações que invertem a escala dos valores.

É justamente o conjunto da obra extensa o que obriga Sarney a saber que não pode praticar nepotismo, que o neto com negócios no Senado significa tráfico de influência sim, que não pode usar funcionários do Senado para tomar conta de suas propriedades no Maranhão, enfim, quem pode o mais, pode o menos.

Quem não adota princípios básicos de correção, muito menos respeita regras mais elaboradas. Isso vale para José Sarney ou qualquer outro integrante dos Poderes da República. Deputado, senador, magistrado, ministro, presidente da República.

A compreensão e a mudança dessa realidade, no entanto, é processo que leva tempo. As crises de conduta se repetem, ora mordem os calcanhares do Legislativo, ora do Executivo, mais raramente do Judiciário.

A anterior não tem o efeito didático necessário para evitar a crise seguinte. Simplesmente porque ninguém se mexe de verdade para dar combate às causas, o que leva à suspeita de que a situação de alguma forma seja cômoda, causando desconforto apenas quando estouram as denúncias.

Nessa hora, a preocupação é com a administração dos efeitos do escândalo. Quando os ânimos de acalmam, tudo passa e fica esquecido até que a nova onda volte fortalecida pelo peso do entulho acumulado.

O exemplo mais evidente é a eleição de José Sarney para presidente do Senado sob a inspiração de um ex-presidente que havia sido há dois anos a causa de outra crise. Só uma instituição completamente alheia às consequências de seus atos pode encarar com a naturalidade que o Senado encarou o fato de Renan Calheiros patrocinar a eleição de Sarney com o explícito objetivo de retomar o poder perdido.

Quando aceitou essa regra do jogo o Senado - inclusive os opositores de Sarney na disputa, porque não expuseram o principal motivo da inadequação da candidatura - assumiu um risco alto.

Expôs à opinião pública sua completa indiferença à imagem que se faria de uma Casa que aceitava a influência de alguém que fora obrigado a deixar a presidência porque o Senado se envergonhava de sua figura. Mas não se importava, viu-se logo depois, em conviver com seu poder desde que exercido às escondidas.

Nas crises anteriores envolvendo presidentes, o Senado optou por resolver a conjuntura e manter intacta a estrutura. Desta vez, como as denúncias alcançaram exatamente a estrutura construída a poder dos mais variados vícios, apresenta-se a chance de se fazer a travessia.

Fica incompleta, se limitada ao Senado. Mas é preciso começar o serviço. O senador Arthur Virgílio deu o primeiro passo queimando suas caravelas da tribuna, mas não obteve respaldo.

Seu partido, o PSDB, o DEM e os outros que pedem o afastamento de Sarney, adotaram a moderação típica de quem vê na saída conveniente lenitivo.

O PMDB se fecha na trincheira da defesa de um poder nessa altura inexistente, escorado no presidente da República, e o PT, tarefeiro do Planalto, discursa em prol da faxina e bate continência à sujeira.

O PT, de ACM a Sarney, via Renan

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Petismo-lulismo chega ao fim de seu primeiro governo travestido ideologicamente e no conchavo com oligarcas

O PT ENCANTOU-SE com Antonio Carlos Magalhães, o ACM, quando o falecido senador do PFL-DEM e oligarca da Bahia deu de espinafrar o governo de Fernando Henrique Cardoso, por volta do ano 2000. ACM chegou a dizer que FHC era "tolerante com a corrupção". Denunciava escândalos na Sudam e no DNER (burocracias ligadas a ministérios então comandados pelo PMDB). ACM defendia ainda o "fundo social da pobreza", aumentos do salário mínimo etc.

Entre outros motivos, ACM estava tiririca porque PSDB e PMDB defendiam a eleição de Jader Barbalho (PMDB) para sucedê-lo na presidência do Senado -é antigo o histórico de rolos derivados de eleições mal resolvidas no Senado. O PT se divertia com o sururu na baia governista e elogiava a irrupção de sensibilidade social de ACM. Sim, depois do mensalão, lembrar o oportunismo amoral do PT parece ninharia, mas a história não para aqui.

"Anos depois...", como dizem letreiros de novelas, Ideli Salvatti (PT), líder do governo Lula, estava ontem na tribuna do Senado a defender José Sarney (PMDB), atacado pelo PSDB e agora até pelo DEM, partido experiente em abandonar navios que afundam (o DEM apoiara a eleição de Sarney). Foi numa fuga de ratos do barco da ditadura que nasceu o Partido da Frente Liberal, PFL, hoje DEM, parido de várias costelas do PDS, ex-Arena. Esse cortejo oportunista que daria no PFL foi comandado pelo mesmo Sarney, em 1984. É uma dança das cadeiras.

Mas os dançarinos jamais são eliminados. As cadeiras estão sempre lá. Nesse "cômodo vício de recirculação", como diria o poeta, o PT ressurge mais uma vez e de modo ampliado como amigo da oligarquia, pronto a qualquer comércio, desde que oportuno. Diferente dos demais? Claro que não. Novidade? Nenhuma. Aliás, noutro dia mesmo senadores do PT encorpavam a tropa de choque que defendeu a cabeça de Renan Calheiros (PMDB), o grande articulador da candidatura de Sarney à presidência do Senado.

Parece tudo uma história tão natural, mas noutro dia mesmo, em 2002, Lula comandava a primeira vitória nacional de um partido dito de esquerda. É verdade que de 1995 a 2002 o PT já se dissolvia no lulismo. Em 2002 e 2003, trocara de roupa ideológica em público, renegando seus planos doidivanas, chamados de "bravatas" por Lula. Agora, em suas viagens de campanha eleitoral Lula fecha acordos políticos com quem seja capaz de apoiar sua candidata, atropelando o resto do PT ou, melhor, outros interesses de quem se abriga na legenda do PT.

É fácil atribuir o banho de oligarquia do PT ao peso do PMDB na política brasileira, esse PMDB que representa a massa amorfa do empreendedorismo político-privado das regiões social e economicamente primitivas e indiferenciadas do país. Com FHC ocorreu coisa parecida, embora o tucano não tenha ficado tão refém do PMDB como Lula. FHC conseguiu isolar parte maior e mais relevante de seu governo e programa da cupidez peemedebista. Lula manteve seu compromisso de "melhorar a vida dos pobres" (mas nem tanto assim), atolou o governo na inércia e termina seu mandato no puro conchavo. E com oligarcas. Não parece, mas é histórico.

Teflon ao contrário

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Ao ler a longa carta do presidente do Senado, José Sarney, publicada ontem pela Folha, lembrei-me de uma frase repetida à náusea nos corredores do Congresso: em política, tudo o que precisa ser explicado não é bom.

Sarney está se explicando há meses. Quanto mais fala, mais se complica. Num discurso na tribuna, produziu uma frase de efeito, porém inócua: "A crise do Senado não é minha, a crise é do Senado".

As justificativas de Sarney sempre pretendem demonstrar uma suposta legalidade para seus atos.

Mas a argumentação resulta manca, fica pela metade, mesmo para os episódios mais prosaicos.

Tome-se o caso do auxílio-moradia. Sarney recebeu o benefício mesmo tendo residência própria em Brasília. Em sua carta à Folha, repetiu uma argumentação conhecida: "Trata-se de vantagem concedida nas normas da Casa aos senadores, e só a recebi por oito meses, sem solicitá-la". Ato contínuo, cabe então uma pergunta inexorável: já devolveu o dinheiro?

A história do auxílio-moradia tem baixa octanagem no tabuleiro dos escândalos, mas é simbólica pela sua simplicidade. Alguém recebe dinheiro por oito meses (cerca de R$ 3.000 por mês). Diz não perceber. O caso fica público. Sarney foi indagado pela Folha à época se devolveria o dinheiro. Respondeu com uma digressão -assessores analisavam o assunto.

Ontem, finalmente soube-se que o dinheiro será pago. Mas não de uma vez. Será descontado em prestações mensais do contracheque de Sarney. Pode ser tarde.

A profecia do presidente do Senado provou-se errada, pois a crise é hoje mais sua do que de nenhum outro político. Talvez por conta do seu passado, Sarney transformou-se numa espécie de "teflon ao contrário". Nele, tudo cola.

O mel de Picos

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Mangabeira Unger, político do Rio e respeitado professor em Harvard, eventual candidato e guru de políticos brasileiros e candidatos em eleições recentes, entrou, ficou e saiu do governo envolto em polêmicas. O Ministério que comandou não existiu. Crítico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em algum momento do seu discurso partidário - já passou pelo PMDB, PDT, PPS, PRB -, negociou adesão ao PT com o bispo Marcelo Crivella, que transferiu o problema ao vice-presidente José Alencar, ambos do Partido Republicano Brasileiro. Assumido por este, Mangabeira ganhou as bençãos do presidente que, para abrigá-lo, criou a Sealopra (Secretaria de Ações de Longo Prazo), uma organização, com proposta de quadro amplo de pessoal, destinada a preparar o futuro do Brasil.

Rejeitada pelo voto no Congresso à medida que instituía a nova entidade, o professor ficou no ar algum tempo até que o presidente, por decreto, deu-lhe a função de ministro, agregado à existente Secretaria de Assuntos Estratégicos. Para compor o cenário, formalmente, o Ipea foi desligado do Ministério do Planejamento e direcionado a adensar de quadro de pessoal e pesquisadores o esquema do ministro. Assim concebida, seguiu por dois anos a estrutura que deveria dar ao presidente Lula, na melhor das hipóteses, políticas e projetos de governo, e na pior, pelo menos um conjunto de planos que ele pudesse deixar ao seu sucessor. Em várias oportunidades Lula afirmou não haver encontrado no governo, quando chegou, nenhum plano, e não deixaria que isto se repetisse com seu sucessor. Quando nada, um pacote de programas lhe facilita o discurso de campanha: o que não conseguiu fazer, estará ali recomendado ao sucessor.

O Ipea, sob nova direção, não tomou conhecimento de Mangabeira, tornou-se uma instituição ideologicamente definida, praticou expurgos e enredou-se em polêmicas com a academia e o próprio governo. O ministro criou a própria agenda e foi em frente, atropelando colegas aqui e ali, transformando-se em pivô de demissão e combates públicos.

De alguns ministros, como Nelson Jobim (Defesa) e Fernando Haddad (Educação), colheu impressões de parceria. De outros, como Marina Silva (Meio Ambiente), provocou a demissão ao arrastar à sua jurisdição o Projeto Amazônia. Com Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, desentendeu-se diante de 9 governadores, em reunião para propor a transformação do Incra em agência independente.

Mangabeira deixou para Lula estudos sobre relações trabalhistas, defesa nacional, educação, Amazônia, Nordeste, Centro-Oeste, destacados entre os que mais difundiu Brasil afora os rituais ministeriais, da recepção aos seminários, com que autoridades regionais o recebiam, para irritação dos ministros responsáveis pelo assunto em pauta.

Mais acadêmico e teórico distanciado do pragmatismo de governo, Mangabeira funcionou como uma usina de ideias descompromissadas com a realidade. Não fez projetos se por eles forem considerados os que preveem fonte de recursos, medidas, metas, resultados. Distribuiu sonhos. Privilegiou a forma. Deu aulas.

Para um governo que carece de formuladores, Mangabeira teria com que contribuir se estivesse mais integrado, mas com um método rígido de trabalho que dispensa a realidade, não conseguiu ter interlocução. A ministra Dilma Rousseff convocou, certa vez, vários ministros para discutir o Plano Nordeste, preparado por Mangabeira, ausente da reunião para dar liberdade aos críticos. Para alguns o trabalho foi entregue na manhã do encontro. Perplexos, muitos só registraram o destaque e a exaltação ao mel de Picos, cidade do Piauí que é símbolo da aridez e falta de meios no Nordeste, quando na região já se apresentavam nichos importantes de exportação, deixados ao largo pelo autor.

Do último de seus estudos, um projeto de educação com nova proposta de ensino médio, extrai-se todo o modelo Roberto Mangabeira Unger aplicado ao governo. "A escola média que pretendemos combinaria um novo ensino geral com um novo ensino técnico". O ministro descreveu, nesta exposição testemunhada, o "método com 5 características com que costumo trabalhar", entre as quais a primeira se sobressai: "Tentar organizar uma dialética entre as ações concretas de curto prazo e um ideário abrangente e duradouro". Das características, passou a 3 preocupações principais e, dessas, aos detalhamentos de cada enunciado das iniciativas. Irrita-se o ministro diante da pergunta óbvia: "Neste projeto há solução para os graves e principais problemas do ensino e da aprendizagem em matemática e ciências, e para a valorização salarial e de qualificação dos professores da educação básica?"

"Chegaremos lá, não me interrompa", responde. Mas não chega, se não estiver no script: "Meu método não é enciclopédico, de tratar tudo ao mesmo tempo. Temos que fazer seleção de por onde começar". A mesma incompreensão registrada à sua entrada e ao trabalho realizado, repete-se à saída. Discute-se que estaria saindo porque o cargo é do PRB e ele tem planos de filiar-se ao PMDB para tentar uma candidatura. Teria pretensões de ser vice na chapa de Dilma Rousseff, ou mesmo candidato a presidente ou senador pelo Rio. Fundador do MDB, candidato a prefeito de São Paulo pelo PPS quando o amigo Ciro Gomes estava no partido, de relações estreitas com Leonel Brizola quando passou pelo PDT, aliado de Crivela no PRB, Mangabeira não precisaria deixar o cargo para voltar ao PMDB.

Saiu para manter-se professor em Harvard, com todos os seus privilégios e benefícios. Achava dispendioso ficar no Brasil e sua família nos Estados Unidos, queixava-se de perda salarial. Há dois meses comunicou ao presidente que esgotara sua licença. Pediu para retomar as aulas nos Estados Unidos mas continuar contribuindo com o governo. O presidente Lula achou complexo este modelo de gestão proposto.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Líderes fecham acordo para votar mudanças para eleições de 2010

DEU EM O GLOBO

Projeto impede propaganda paga na internet, mas debates são liberados

BRASÍLIA. Líderes partidários fecharam acordo para votar, na próxima semana, mudanças na lei eleitoral e dos partidos. O texto poderá sofrer modificações na votação em plenário, uma delas nas regras sobre uso de internet e outdoors nas campanhas.

Para o líder do PSDB na Câmara, José Anibal (SP), as regras são muito restritivas quanto ao uso da internet.

O projeto, assumido ontem por todos os líderes partidários (exceto o do PSOL), teve requerimento de votação em regime de urgência aprovado por 340 votos a 1. Os líderes querem votar a proposta a partir da próxima terça-feira. O texto libera o uso da internet nos três meses de campanha oficial, mas fixa regras para os grandes portais e provedores da rede semelhantes às aplicadas pela legislação eleitoral para o rádio e a TV.

Impede, por exemplo, a veiculação de qualquer tipo de propaganda paga na internet. Não será permitido tratamento privilegiado a candidatos ou partidos, trucagem, montagem ou recursos de áudio que degradem ou ridicularizem candidatos ou partidos, entre outras regras.

Quem violar a norma poderá pagar multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.

A exceção são imagens que contenham alusão ou crítica jornalística a candidatos. Debates políticos na internet ficam liberados, mas há regras para direito de resposta e contra spams.

Jornais e revistas, além de poderem manifestar opção por candidatos, também podem vender o espaço para propaganda.

O projeto limita a 10 propagandas por candidato, por veículo, e o valor cobrado terá que ser exposto no anúncio.

DEM, PSDB e PDT pedem saída e só PT salva Sarney

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti, Brasília
DEU EM O GLOBO
Em meio a uma crise que ameaça o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), DEM, PSDB e PDT pediram formalmente sua licença do cargo. O PSOL levou à Mesa Diretora representação pela abertura de processo contra Sarney, por quebra de decoro, por causa de seu envolvimento com os escândalos recentes. Depois do apelo do presidente Lula por empenho na defesa do aliado no Senado, o PT virou o maior fiador de Sarney. A líder do governo, Ideli Salvatti, disse que é um erro personalizar a crise. Pela primeira vez, a possibilidade de afastamento foi cogitada pela família Sarney. A ministra Dilma Rousseff visitou o senador para dar um recado de Lula, que está na Líbia: o presidente pede que Sarney nada decida até que ele volte ao Brasil.


Sarney perde apoio do DEM e fica só com PT

PSDB, PDT e PSOL também pedem afastamento do presidente do Senado, que recebe visita de Dilma com apelo de Lula por calma

Depois de o PSOL protocolar representação na Secretaria Geral da Mesa propondo a abertura de processo por quebra de decoro contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), mais três partidos, DEM, PSDB e PDT, defenderam formalmente sua licença do cargo. Para se contrapor à pressão pelo afastamento de Sarney, a bancada do PMDB divulgou uma nota — assinada por 17 de seus 19 representantes — reiterando apoio ao presidente do Senado e aos demais integrantes da Mesa Diretora. Mas, acuado, Sarney preferiu não aparecer em plenário, o que reforçou entre seus aliados dúvidas sobre sua capacidade de enfrentar os constrangimentos a que está sendo submetido e continuar no comando da Casa.

A pedido do presidente Lula, que está na Líbia, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) foi ontem à noite à casa de Sarney. Transmitiu a preocupação de Lula com a situação no Senado e também o apelo do presidente para que não tome qualquer decisão antes de seu retorno ao Brasil, previsto para a noite à hoje.

Lula quer conversar pessoalmente com Sarney, o que deve ocorrer amanhã.

Mesmo contando com o apoio de uma maioria, ainda que frágil, Sarney demonstrou abatimento.

Pela primeira vez nos últimos dias, a possibilidade de se afastar do cargo foi cogitada no seu grupo mais restrito, inclusive na família. O que mais abalou Sarney foi a decisão do DEM de pedir sua licença da presidência, pelo menos até a conclusão das investigações sobre a participação da empresa de seu neto José Adriano Cordeiro Sarney em contratos de empréstimos consignados oferecidos a servidores da Casa.

A decisão da bancada não foi unânime, mas Sarney sentiu o golpe, já que o DEM apoiara sua candidatura. Além de Heráclito Fortes (DEMPI), foram contra a proposta Antonio Carlos Magalhães Júnior (BA) e Eliseu Rezende (MG).

— Tenho muito apreço pelo presidente Sarney, mas tenho mais apreço pelo Senado. Nosso compromisso é com a legalidade e com a isenção nas investigações. Portanto, enquanto há investigação, que ele se afaste para que haja isenção.

Foi uma decisão de consenso — justificou o líder do DEM, José Agripino (RN).

Na mesma linha, o líder do PDT, Osmar Dias (PR), anunciou em plenário a decisão de sua bancada, de cinco parlamentares.

— Todos que consultei foram a favor da licença — afirmou.

Sarney foi ao Senado à tarde, mas ignorou apelos do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), que solicitou sua presença em plenário para anunciar a decisão da bancada tucana de pedir sua licença da presidência. Virgílio esperou até as 17h30m e, então, revelou que o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), sugerira antes que Sarney se afastasse e nomeasse uma comissão de alto nível, com senadores de sua escolha, para conduzir as investigações e tomar providências.

Sarney não aceitou.

— Se ele (Sarney) entende que não cabe uma comissão de alto nível, que se afaste.

Não lhe peço a renúncia, porque foi eleito legitimamente, mas que se licencie — defendeu Virgílio.

Marconi Perillo (PSDBGO), que presidia a sessão, reagiu irritado à proposta, já que a comissão, na prática, assumiria atribuições da Mesa, à qual integra como 1ovicepresidente: — Não posso concordar com a criação de uma comissão que desconsidera a minha pessoa. Tenho, como vice-presidente, condições e disposição para ajudar o Senado.

Marconi recebeu a solidariedade do 1osecretário, Heráclito Fortes: — Intervenção, não. Grupo para controlar a Mesa, não. Bedel de secretário, não. Com todo o respeito, essa não é uma solução para resolver a crise, mas para criar mais crise.

Guerra voltou à tribuna. Disse que a comissão não pretendia se contrapor à Mesa, mas ajudá-la a fazer uma reforma administrativa.

— A grande tragédia é que não temos mais presidência do Senado. Precisamos de um banho de sensatez — argumentou Guerra.

A nota do PMDB em apoio a Sarney foi articulada pelo líder do partido, Renan Calheiros (PMDB-AL), mas quem a leu em plenário foi Valdir Raupp (PMDB-RO).

— O presidente não pode ser responsabilizado por erros cometidos por servidores — disse Raupp.

Na representação contra Sarney, o PSOL incluiu denúncia contra Renan, ex-presidente do Senado. O partido pede que o Conselho de Ética investigue a responsabilidade de ambos nos atos secretos. Garibaldi Alves (PMDB-RN), que presidiu a Casa em 2008, ficou de fora.

— Os atos secretos assinados por Garibaldi são inócuos. Já os editados nas gestões de Sarney e Renan são relevantes e suspeitos — disse a presidente do PSOL, a vereadora Heloisa Helena.

Por enquanto, as representações deverão ficar paradas: o Conselho não foi sequer instalado.

ONU condena golpe em Honduras

Janaina Lage, Nova York
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em decisão unânime, países-membros exigem retorno de Zelaya, que promete voltar amanhã ao país

A Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade uma resolução que repudia o golpe de Estado em Honduras, exige a restauração imediata de Manuel Zelaya, deposto domingo, e diz que seus 192 países não reconhecerão outro governo.

Zelaya classificou o voto como "histórico" e disse não ter sido informado sobre acusações - os militares, o Congresso e a Corte Suprema de Honduras alegam que ele violou a Constituição.

Ato público de apoio ao novo governo reuniu milhares em Tegucigalpa, relata Fabiano Maisonnave. Em discurso, o presidente interino, Roberto Micheletti, criticou o venezuelano Hugo Chávez e reiterou que seu governo é "transitório".

Zelaya prometeu voltar amanhã e levar os líderes da Argentina, do Equador e da OEA. Segundo o procurador-geral de Honduras, ele será preso "imediatamente" caso o faça.


ONU exige volta de hondurenho ao poder

Resolução aprovada de maneira unânime diz que comunidade internacional não reconhecerá outro governo que não o de Zelaya

Presidente deposto discursa à Assembleia Geral contra a "barbárie" em seu país e nega ter a intenção de se perpetuar no poder

A Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou ontem em sessão extraordinária com os 192 países-membros uma resolução unânime de repúdio ao golpe de Estado em Honduras.

A resolução diz ainda que os países não reconhecerão outro governo além do de Manuel Zelaya e exige a restauração imediata e incondicional do presidente, que foi deposto no domingo pelas Forças Armadas.

Presente à sessão, Zelaya classificou a resolução como "histórica", em um discurso de uma hora sobre as dificuldades enfrentadas por seu governo e sobre a forma como foi retirado do país. Ao final, foi aplaudido de pé pelos representantes dos países-membros.

Sobre as acusações que constam contra ele, disse que nunca foi informado. "Ninguém me colocou em julgamento. Ninguém me chamou perante uma corte para que eu possa me defender, ninguém me disse qual é o delito, a falta ou a acusação." Zelaya afirma que voltará a Honduras amanhã como presidente do país.

O presidente deposto atribuiu o golpe à insatisfação da oposição com as políticas implementadas em seu governo, como reajuste do salário mínimo e combate à pobreza por meio de programas sociais. Zelaya agradeceu o apoio de países como Brasil, Venezuela e EUA, entre outros."Nunca imaginei que teria de defender a democracia contra a barbárie. (...) Sempre que a força bruta se sobrepõe à razão, a humanidade volta para o seu estado primitivo", disse.

Sem reeleição

Após o discurso, Zelaya afirmou em entrevista que não pretende se reeleger e que só ficará no governo até o dia 27 de janeiro, data prevista para o término do seu mandato. Segundo ele, a reeleição é uma hipótese cuja discussão caberá ao próximo governo.

"Para mim faltam poucos meses de governo, mas não vou ficar olhando de fora o que está acontecendo no país", disse. Questionado se cogitaria se candidatar novamente no futuro, disse:

"Não, nunca". Ele afirmou que pretende voltar para a vida civil junto com amigos e com a família.

O presidente deposto afirma que a oposição usou o argumento da reeleição como uma desculpa para planejar o golpe de Estado e tirá-lo do poder. Questionado se insistiria em realizar uma consulta pública à população, desconversou dizendo que gostaria de tornar a consulta à sociedade uma política constante.

Zelaya queixou-se da falta de informação sobre a situação atual em Honduras. Disse que só tem acesso a relatos parciais via celular.

O presidente deposto afirma que Honduras está em estado de paralisia com efeitos no comércio e no turismo locais. Destacou ainda o congelamento das operações do Banco Mundial com o país e a saída dos embaixadores da região. Ele disse ter sido informado de que os embaixadores de países da União Europeia também sairão de Honduras.

Após o evento na ONU, Zelaya seguiu para Washington a convite da OEA (Organização dos Estados Americanos), cujo conselho permanente estava reunido até o fechamento desta edição para discutir a situação de Honduras.

Antes de partir para Honduras, Zelaya deve ser recebido hoje pelo secretário-assistente do Departamento de Estado americano para o hemisfério Ocidental, Thomas Shannon. O hondurenho disse ontem que os EUA mudaram muito e que as declarações do presidente Barack Obama sobre o golpe foram contundentes. Obama afirmou anteontem que a deposição de Zelaya foi ilegal e que abria um terrível precedente para a região.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Real faz 15 anos e PSDB tentará reaver bandeira da estabilidade

Raymundo Costa e Cláudia Safatle, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O PSDB tentará reaver uma bandeira que julga ter sido roubada pelo PT: a da estabilidade da economia. O Plano Real completa 15 anos hoje. Em julho de 1994, quando foi lançado, a inflação em 12 meses era de 5.154%. Ontem, o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou a meta de inflação em 4,5% para 2011, pelo sétimo ano consecutivo.

PSDB tenta reaver bandeira perdida da estabilidade

Hoje, seis anos e meio após deixar o poder e 15 anos de edição do Plano Real, o PSDB tenta reaver a bandeira que é sua, mas que julga ter sido roubada pelo PT: a estabilidade da economia. Foi o Real que deu cabo a uma inflação crônica que, na passagem do regime militar ao regime civil se transformou numa superinflação. Em julho de 1994, a inflação de 12 meses, medida pelo IGP-DI, era de 5.154%. Ontem, o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou pelo sétimo ano consecutivo a meta de inflação de 4,5%.

Os tucanos marcaram para o dia 7 uma sessão do Congresso para celebrar os 15 anos do Plano Real. A comemoração será no plenário do Senado. Entre outros, deverá reunir os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso - ministro da Fazenda que liderou os economistas que pensaram o Real - e, talvez, o ex-presidente Itamar Franco, que entre um percalço e outro aceitou FHC como avalista do plano.

FHC confirmou presença, a exemplo do ex-ministro Rubens Ricúpero. Itamar, que sempre sentiu subestimada por FHC sua participação no plano, deve dizer "sim" ou "não" nos próximos dias. Dos chamados "pais do Real", até agora, Andre Lara Resende avisou que estará viajando, Gustavo Franco disse que provavelmente irá a Brasília e Pérsio Arida ficou de dar uma resposta entre hoje e amanhã. O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan publicará um artigo no sítio do PSDB na internet, mas não irá à sessão - ele faz parte de um grupo que discute uma nova regulação do sistema bancário internacional, que já tinha reunião agendada para o dia 7 de julho. Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) ainda tentam compatibilizar as agendas.

O líder na Câmara, José Aníbal (SP), está encarregado dos convites - até agora, as presenças (muito poucas) confirmadas não fazem justiça ao que o Plano Real representou para a estabilidade e muito menos para o desejo dos tucanos de recuperar uma bandeira política que Lula não reluta usufruir - e, justiça seja feita, teve forças para manter contra toda a oposição de seu partido, o PT.

De fato o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fez carreira política na esquerda sindical, quando foi preciso, não hesitou um instante em assumir a bandeira do adversário para ganhar a eleição de 2002. Afinal, essa é uma lição básica de bons estrategistas eleitorais, como aqueles que levaram ao poder ícones como Bill Clinton, nos EUA, e François Miterrand, na França. A estabilidade econômica, que teve seu ponto de inflexão no Plano Real, parece atualmente mais um sucesso do PT que de seu verdadeiro autor, o governo do PSDB.

O cidadão que atinge a maioridade este ano não tem a noção exata do que foram a superinflação e o Plano Real, a não ser o que aprendem nos livros.

Há exatos 15 anos, começaram a circular as notas da sexta cédula brasileira desde o restabelecimento do regime democrático, em 1985. Foi o ponto de inflexão entre o Cruzado, a moeda que a Nova República cunhou para combater uma inflação delirante da época, e o início de um processo de estabilização econômica que atravessou turbulências, mas que parece estar assentando as bases para a construção de um país com inflação baixa, juros reais próximos aos internacionais e crescimento duradouro e consistente.

O núcleo da equipe que formulou e implantou o Real era praticamente o mesmo que naufragou na primeira tentativa para matar o dragão da inflação, como era chamada. Mas o governo José Sarney (1985-1990) se enroscou no novelo da falta de legitimidade e - consequentemente - das pressões políticas que o imobilizaram desde a posse. Com a experiência adquirida, o governo FHC atravessou várias crises internacionais (do México, da Ásia, da Rússia e da Argentina) e os solavancos da eleição de 2002, quando o país elegeu o partido que se opunha ao Plano Real, até então classificado de eleitoral pelo PT. O plano não era tecnicamente eleitoral, mas teve um cronograma de implantação que, de fato, favorecia o candidato FHC. Hoje a estabilização econômica é conhecida como uma experiência bem sucedida - até pelos petistas.

O Real mudou a vida dos brasileiros e o discurso da esquerda. Palavras de ordem que eram mágicas quando da superinflação - renegociação da dívida externa, repactuação da dívida interna, fora FMI - deixaram de ser bandeiras milagrosas que levariam o país ao nirvana. A eleição de Lula exigiu um compromisso com a responsabilidade institucional. A Carta aos Brasileiros, onde o então candidato à Presidência da República pelo PT garante que cumprirá os contratos nacionais e internacionais, pavimenta o caminho de Lula em direção ao Palácio do Planalto e ergue o muro que separará a militância radical do partido.

Logo no primeiro ano, ex-petistas como a senadora Heloisa Helena (AL), e os deputados federais Luciana Genro (RS), filha do hoje ministro da Justiça Tarso Genro, Babá (PA), João Fones (CE) e Milton Temer (RJ) se opõem radicalmente contra reformas que chamavam de neoliberais, como a da Previdência, e à indicação de Henrique Meirelles, então um tucano que fez carreira no Banco de Boston, para presidir o Banco Central. Com o tempo, essa ala do PT iria formar o PSOL.

Atualmente, as tendências do PT, umas mais que as outras, ainda atacam o "neoliberalismo", "o altar" perante o qual se ajoelham os tucanos. Mas como diz um dirigente petista: é discurso. O PT se transformou numa poderosa máquina eleitoral em que a intransigência da infância foi substituída pelo pragmatismo da maturidade.

O Real teve vários momentos e só em 1999 é que a política econômica assume, por exclusão, o arcabouço que ainda hoje prevalece: superávit fiscal suficiente para garantir a solidez das contas públicas e solvência do país; regime de metas para a inflação de forma a coordenar as expectativas; e sistema de taxas de câmbio flutuantes que libera o Banco Central de gastar reservas cambiais para sustentar uma determinada paridade.

O controle da inflação não teria sido bem sucedido se não tivesse sido acompanhado de inúmeras outras iniciativas que remontam a governos anteriores. Por exemplo, a criação, ainda no governo José Sarney, da Secretaria do Tesouro Nacional e o fim da conta movimento - cheque em branco que o governo mantinha junto ao Banco do Brasil que permitia o gasto incontrolável. E, também, a abertura comercial feita pelo governo Fernando Collor de Melo. Sarney deu os primeiros passos para se fazer o controle do gasto público. Collor iniciou a abertura das importações até então com tarifas punitivas, dando um choque de produtividade na economia brasileira.

A queda da inflação só se tornou sustentável com um novo arranjo fiscal que começa, no final de 1995, com um conjunto de medidas destinadas a melhorar os resultados fiscais dos governos estaduais e municipais, que incluem ampla renegociação das dívidas, a reestruturação do sistema de bancos estaduais e a fixação de metas para o desempenho fiscal dos estados. A dívida líquida dos estados e municípios aumentava de forma célere, passando de 5,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1989 para 14,4% em 1998. Os bancos estaduais eram verdadeiros emissores de moeda que concorriam com o Banco Central.

Isso não era trivial. O financiamento excessivo dos bancos estaduais aos seus governos contribuiu, por exemplo, para os fracassos do Plano Cruzado em 1986 e do Plano Collor I, em 1990. Com a renegociação das dívidas em 1997-1998, a União assumiu R$ 101,9 bilhões de dívidas estaduais, refinanciados pelo prazo máximo de 30 anos, a uma taxa de juros real mínima de 6% ao ano. Valor que correspondia a 11,3% do PIB em dezembro de 1998.

Entre 1980 e 1993, a taxa de crescimento média da economia brasileira foi muito baixa, de apenas 2,1% ao ano, o que levou o país a uma estagnação do PIB per capita nesse período.

Por todos esses anos, contudo, e até agora, o crescimento econômico tem sido irregular, alternando anos de alta expansão com outros de baixa.

A crise global que se agrava a partir de setembro de 2008 mostrou o quão importante foi o ajuste das contas externas do país na gestão Lula. A abertura comercial e a apreciação cambial nos primeiros anos do Real, se por um lado produziram uma drástica redução da inflação, por outro, deteriorou substancialmente as contas do balanço de pagamentos do país no primeiro governo de FHC. O país quebrou - as reservas cambiais minguaram na tentativa de segurar o ataque especulativo ao real - fez acordo com o Fundo Monetário Internacional e teve que mudar o regime cambial. Quebrou novamente em 2002, mas por outras circunstâncias, onde o que predominou foi o medo da eleição de Lula.

Já em 2004, depois de passar o primeiro ano de governo implementando um forte ajuste fiscal e de austeridade monetária, Lula inicia um processo para consertar as contas externas e acumular reservas cambiais. O crescimento da economia mundial deu uma enorme ajuda nessa tarefa, com redução de todos os indicadores de vulnerabilidade externa. A crise de 2008 pega o Brasil com reservas de mais de US$ 200 bilhões e balanço de pagamentos sustentável. A temível dependência externa, que nocauteava a economia brasileira nas crises internacionais, estava afastada.

Muito se fez do Real para cá. O trabalho, porém, não está pronto. Problemas antigos ainda permanecem, constrangendo o crescimento. Em 1980, por exemplo, a taxa de investimento (a preços constantes desse mesmo ano) era de 23,6% do PIB. Em 1992 bateu no vale: 14% do PIB. Hoje oscila entre 16% e 18% conforme o ano, taxa tida pelos economistas como ainda modesta demais para ampliar os vôos do crescimento econômico.

Os juros básicos da economia, que chegaram a 45% ao ano em 1999, caiu para 9,25%, o nivel mais baixo da série histórica da Selic, mas ainda é elevada se confrontada com o resto do mundo.

Lula preservou as bases do Real, aumentou o esforço fiscal durante seis anos e avançou ao incluir a população mais pobre na equação econômica - com a expansão dos programas de transferência de renda e o aumento do salário mínimo, medidas que foram importantes para desenvolver o mercado interno, entre várias outras medidas, inclusive a recuperação dos investimentos públicos em projetos de infra-estrutura, embora ainda módicos.

Há, porém, um caminho vasto para a consolidação da estabilidade econômica no Brasil, entendida como a convivência de baixa inflação com juros reais módicos, próximos aos internacionais, e uma taxa de crescimento mais exuberante. Esse é um mundo que a geração que viveu a superinflação ainda não desfrutou.

Itamar Franco diz que volta para a política com o ingresso no PPS e destaca 15 anos do Real

Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

Itamar: Lula jamais aceitou o Plano Real; hoje se beneficia dele.

"Eu estava na arquibancada; a partir do dia 6 (de julho), estou no banco de reservas", disse o ex-presidente Itamar Franco, ao comentar, em entrevista à Rádio CBN, sua filiação ao PPS (confira detalhes), partido presidido por aquele que foi líder de seu governo na Câmara dos Deputados, Roberto Freire. Mineiro, não adiantou quanto entra em campo para se candidatar pelo novo partido. Durante o programa, Itamar lembrou que o presidente Lula "jamais aceitou o Plano Real", cujo lançamento completa, neste dia 1º de julho, 15 anos. Ouça a entrevista.

Itamar Franco lembrou, na conversa com Heródoto Barbeiro, que assumiu a presidência da República com o país "com a autoestima destroçada", quando a inflação havia superado a marca de 50% ao mês. "E o mais grave, já esquecido hoje, que era (o desafia da) a manutenção do estado de direito". Muitos dos convidados para integrar o ministério, rememorou, recusaram o convite por não acreditar que a administração, que sucederia Fernnado Collor de Mello (derrubado do poder pelo impechment) duraria muito. A moeda do país, observou, havia perdido o seu valor de referência. "Esse era um problema complicadíssimo porque a moeda estável é a base de qualquer economia".

Dúvidas

O ex-presidente contou que o então ministro Rubens Ricupero, que sucedeu Fernando Henrique Cardoso na pasta da Fazenda, conversou com ele sobre as dúvidas em relação ao plano: o câmbio e o lançamento do Plano Real em meio a um processo eleitoral. "Eu disse ao ministro que resolvesse a parte técnica que eu cuidaria da parte política; foi um ponto que definiu que o plano seria lançado em 1º de julho, apesar dos percalços existentes"

Itamar Franco lembrou das duras críticas que sofreu do PT por causa do Plano Real. "Ele batia constantemente", diz, rindo. "O presidente Lula, na época deputado, jamais aceitou o Plano Real; hoje se beneficia dele, mas na época o PT, com raríssimas exceções, não aceitou o Plano Real". O discurso do combate ao plano, rememora Itamar, era o de que era mais um plano, de que era eleitoreiro, não daria certo.

Os opositores, entretanto, "não levaram em consideração que o plano não era estático, não se encerraria no momento de sua publicação; preconizava a reforma tributária e fiscal". Desde 1995, portanto, a necessidade das reformas é imperiosa. "Elas tinham como paradigma liberar o parque produtivo das amarras burocráticas". O que ocorreu, porém, é que se pensou mais na reeleição do que na continuidade do plano. Atualmente, diz o ex-presidente, o plano continua a ser a base da economia, "mas é preciso mais soluções, porque a conjuntura é outra".

Doce espanto

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Para a minha geração de jornalistas, o dia primeiro de julho de 1994 é inesquecível. O drama da inflação enlouquecida parecia para nós, que entramos no jornalismo econômico nos anos 70, um inimigo invencível. Tê-lo vencido parece, ainda hoje, meio mágico. Certos detalhes, como estabelecer a meta de inflação para o ano seguinte ou ver que preços sobem e descem, ainda causam doce espanto.

O real é construção coletiva, ainda que a engenharia financeira que desmontou a armadilha da inércia inflacionária e a liderança política da travessia tenham pais conhecidos. É ocioso repetir seus nomes, a História os registra. O governo atual com sua compulsão de se ver como fato inaugural do Brasil e de todos os bons eventos bem que tenta a paternidade tardia. Mas só engana quem quer ser enganado.

O PT e o presidente Lula, na época, fizeram o que puderam, nas arenas política e jurídica, contra o plano. Hoje, ainda ameaçam alguns dos seus fundamentos como a responsabilidade fiscal, o controle do risco de crédito nas instituições públicas, a administração profissional nas estatais. A atuação do governo nas ações contra a atual crise, como a orgia de subsídios e benefícios anunciada esta semana, deixará uma herança fiscal complexa para ser resolvida no futuro.

Mesmo assim, o governo Lula, ao manter os pilares da política econômica da qual era adversário, deu um passo importante na longa jornada que nos levou da balbúrdia dos milhares por cento de inflação ao ano, à meta de 4,5% para 2010. Mais importante do que a disputa pela herança é ter noção da importância do feito, da longa jornada, ainda incompleta, que tem sido feita com sabedoria pela população que reage a qualquer risco de volta da inflação alta.

Tivemos décadas de tolerância à intolerável inflação. Até que reagimos. Isso me deixa esperançosa em relação a outros "intoleráveis" que temos aceitado. Quem sabe, um dia? A grande lição que ficou para quem acompanhou o processo é que houve decisões, em governos diferentes, que se complementaram, para garantir o projeto de ter uma moeda estável. Foi um processo e não a dádiva de um governante messiânico.

Nesta crise, a moeda passou por um grande teste. O dólar subiu, a incerteza ficou maior, mas os preços caíram. Em meados do ano passado o IGP-M acumulava 15% em 12 meses pelo efeito da inflação externa das commodities. Esta semana, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou que o IGP-M nos últimos 12 meses está em 1,52%. E os economistas acham que ela tende a zero no fim do ano. Os preços industriais no atacado acumulam no ano uma queda de 4,5%. No passado, um cenário de incerteza e um salto do câmbio levariam empresários a praticarem preços defensivos, ou ao repasse dos novos preços da moeda americana. Desta vez, os preços obedeceram a uma lei básica: como a demanda caiu, a economia esfriou e os preços caíram.

Simples como em qualquer economia normal.

Normal pode ser uma palavra positiva demais para uma economia que ainda tem um emaranhado de normas, um resto de indexação e vários preços artificiais. Os preços das tarifas públicas são fixados por fórmulas que fizeram a proeza de produzir reajustes como o de 13% na energia dos paulistanos, e de 21% na energia do interior de São Paulo, num ano de queda de consumo. Os preços dos derivados de petróleo são ditados por uma empresa monopolista que está à salvo das leis de mercado, mas é dócil a leis partidárias. Há juros tabelados. Há juros lunáticos para consumidores e pessoas comuns, e juros abaixo do custo de captação do Tesouro para empresas que fazem parte da clientela dos bancos públicos. Normal, definitivamente, é uma palavra otimista demais para descrever nossa economia, mas não somos mais bizarros como éramos naquele tempo em que a Casa da Moeda tinha que trabalhar em três turnos para imprimir cédulas que perdiam metade do valor durante o processo de fabricação.

Agora podemos discutir questões assim: por que a inflação está em 5% (IPCA) numa economia em recessão? Devemos manter a meta de inflação anual eternamente em 4,5% ou já é hora de ousar mais e levar a taxa para os níveis de 2% que costumam ser seguidos em economias maduras?

Acredito que teria sido uma boa oportunidade para continuar derrubando a taxa. A meta de 4,5% passou a ser um piso abaixo do qual as autoridades não têm coragem de ir. Se fosse fixada para 2011 em 4%, seria mais fácil coordenar expectativas nesta direção, e talvez fosse mais fácil derrubar os juros. Há quem tema o contrário: que numa meta mais baixa, o Banco Central teria que subir os juros se ela fosse ameaçada.

Seja como for, amadurecemos. Há sempre tanto a fazer no Brasil que sobra pouco tempo para comemorar conquistas antigas. Quando há comemoração atualmente ela é tão contaminada pelo "nunca-antes" que fica difícil congratular o verdadeiro autor da façanha: o bravo povo brasileiro.

Hoje, jovens não têm a menor idéia do que era aquele tormento, colecionam notas e histórias velhas. Tudo soa para eles como um passado remoto. E é passado. Constato sempre isso, com doce espanto.

O Real e o sonho: 15 anos hoje

José Serra
DEU EM O GLOBO


1992 - o presidente Fernando Collor estava perto de deixar o governo. Levado pelo senador Fernando Henrique Cardoso, encontrei duas vezes o vice-presidente Itamar Franco, a quem conhecia pouco, para conversar sobre a economia brasileira. Guardo até hoje as notas que preparei. Argumentei que a principal meta do seu futuro governo deveria ser a derrubada da inflação, de forma consistente e duradoura. Esta era uma condição anterior e superior a todas as outras. Sem ela, não haveria muito o que ambicionar, em termos de economia e desenvolvimento. Lembro-me de ter dito a Itamar que, se conseguisse realizar essa proeza, entraria para a história como um grande presidente. Do contrário, chefiaria um governo estruturalmente frágil. Procurei demonstrar que o sucesso da estabilização dependeria de um forte controle fiscal, que daria credibilidade para o governo junto aos agentes econômicos, e de uma âncora adequada e bem trabalhada para quebrar a inércia inflacionária.

A idéia de condição anterior e superior a todas as outras era uma verdadeira obsessão minha (e de outros economistas, por certo), desde a primeira metade dos anos oitenta. Oito ou nove tentativas de estabilização haviam falhado. Em livro sobre seu governo, Fernando Henrique registrou essa obsessão, que eu expressava nas conversas, reuniões partidárias e ações na vida parlamentar . A grande chance viria um ano depois daquelas conversas, quando Itamar Franco chamou-o para o Ministério da Fazenda.

Na fase de implantação do Plano Real, primeiro semestre de 1994, eu estava no Congresso, como líder do PSDB na Câmara e em plena campanha para o Senado. Minha principal contribuição, no início da gestão de Fernando Henrique na Fazenda, em meados de 1993, havia sido o Plano de Ação Imediata, voltado principalmente à área fiscal, quando foi criado, aliás, o tão detestado, quanto útil, Cadin. Colaboraram comigo os economistas José Roberto Afonso e Martus Tavares, então meus assessores na Câmara. Anos depois, no segundo governo de Fernando Henrique, ambos foram os principais autores da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No segundo semestre de 1993, participei de uma série de reuniões discretas no prédio do Ministério da Fazenda, em São Paulo, com a então equipe econômica do governo: além do ministro Fernando Henrique, Clóvis Carvalho, Pérsio Arida, André Lara Resende, Edmar Bacha, Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch e Eduardo Jorge. Eram trocados textos e idéias a respeito do futuro plano de estabilização. Apesar da campanha eleitoral para o Senado em São Paulo, no ano seguinte, passei a acompanhar a evolução das coisas, prestando ajudas localizadas.
Temia-se que o plano não desse certo em razão do período eleitoral. Mas a URV foi "pegando" de tal modo que as apreensões aos poucos se dissiparam.

O fato é que o Plano Real deu certo, já sob a condução do embaixador Rubens Ricúpero, que substituíra Fernando Henrique, obrigado a deixar o Ministério da Fazenda para concorrer à presidência. Registro aqui o importante papel do embaixador na implantação do plano bem-sucedido.

Inerentes ao Plano Real foram a responsabilidade fiscal e a abertura comercial - essenciais para a conquista e manutenção da estabilidade. Outros aspectos da política econômica poderiam ter sido deste ou daquele jeito, dependendo das circunstâncias e de escolhas. Mas aquela conquista, sem dúvida, representou o mais corajoso, bem feito e bem sucedido lance de política econômica da nossa história, que uniu competência técnica e vontade política. Abriu caminho para a formulação e execução de políticas sociais e de desenvolvimento. Se foram as melhores, especialmente a segunda, é um tema sempre aberto ao debate. O que me interessa enfatizar aqui é precisamente a importância da estabilidade como condição anterior e superior a todas as outras. Imagine planejar o que quer que seja, ou fazer políticas de saúde e transferência de renda, com inflação de dois dígitos ao mês!

É significativo e pouquíssimo lembrado que a exposição de motivos da Medida Provisória que criou o Real, em 1º de julho de 1994, cita um estudo da Conferência Nacional dos Bispos da Alemanha. Intitulado, bem a propósito, "Boa Moeda para Todos", esse documento conclui lembrando que "uma ética social cristã comprometida precipuamente com a opção pelos pobres precisa procurar instituições que contribuam para garantir a estabilidade do valor da moeda em nível nacional e internacional."

A crise financeira que varre o planeta mostra que ainda estamos à procura dessas instituições em nível internacional. A estabilidade da moeda brasileira em meio à crise indica que avançamos na construção de instituições com o mesmo propósito em nível nacional.

É verdade também que o forte impacto da crise sobre a produção e o emprego domésticos alerta-nos de que não avançamos o suficiente. Inflação controlada com juros estratosféricos e câmbio apreciado pode significar uma estabilidade sujeita a solavancos cíclicos perigosos. Não quero repisar aqui críticas à condução da política monetária no Brasil nos anos mais recentes.
Prefiro ressaltar que os fundamentos da política econômica desde 1999 - o tripé metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal - permanecem válidos.

Mais que tudo, estes 15 anos confirmam a premissa ética em que se baseou o Plano Real: a inflação descontrolada é um mal, não só porque tira a capacidade de crescimento econômico do país, mas porque mina sua coesão social. Corrói a renda dos mais pobres. Compromete a capacidade do poder público de fornecer à sociedade serviços e infra-estrutura adequados. Induz os mais ricos à busca do lucro fácil pelas vias transversas da especulação, da esperteza e, no limite, da desonestidade.

Por isso, a defesa da estabilidade da moeda não é "de direita", assim como o populismo fiscal ou cambial não é "de esquerda". Ela corresponde, isso sim, a um compromisso de solidariedade com os mais pobres, os assalariados, os aposentados, os trabalhadores por conta própria, que não dispõem de instrumentos financeiros para se proteger da inflação. Antes do Plano Real, anos de inflação disparada achataram a renda dos mais pobres e agravaram a concentração de renda.
Quinze anos de estabilidade da moeda viram diminuir o contingente de brasileiros abaixo da linha da miséria e encurtar ligeiramente a distância entre ricos e pobres.

São avanços modestos perto do que queremos para o Brasil. Mas são um bom começo. Mantida a premissa da estabilidade, dentro daquele tripé delineado em 1999, com planejamento dos investimentos públicos ou público-privados, políticas econômicas competentes e crescimento mais forte da produção e do emprego, o Brasil poderá e irá avançar muito mais.

José Serra é governador de São Paulo.

Fernando Henrique Cardoso: Governo está concedendo muitos subsídios

Guilherme Barros
Colunista da Folha
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Medida anticíclica não é elevar gasto, mas, sim, melhorar condições de investimento


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o principal inspirador e avalista do Plano Real, que hoje completa 15 anos, vê hoje com muita preocupação o excesso de gastos do governo para enfrentar a crise econômica. Para ele, há uma certa "anestesia geral" e o governo pode estar exagerando na distribuição de subsídios. A conta, segundo ele, vai ser paga pelo próximo governo. "Medida anticíclica não é aumentar permanentemente os gastos correntes", diz FHC. "Não se pode fazer generosidade à custa do governo futuro."

FOLHA - A que o sr. atribui o sucesso do Plano Real?

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - Houve várias experiências antes do Real e aprendemos com elas a enfrentar a inflação. Aprendemos com os erros. A sociedade se cansou da inflação. As pessoas sentiram que era necessário mudar e que a mudança era possível. Depois, tomamos a decisão certa de fazermos um plano tecnocrático. Nos planos anteriores, as pessoas acordavam e liam no "Diário Oficial" que tudo tinha mudado. Nós tomamos a decisão oposta. Nós fomos à mídia explicar o plano de uma forma muito didática e a população entendeu.

FOLHA - Houve resistências?

FHC - Meus amigos economistas, na época subordinados, achavam que seria difícil a implementação do plano. Alegavam que o governo era fraco, tinha acabado de ocorrer o impeachment e o Congresso estava desorganizado com a crise dos anões do Orçamento. Minha posição era o contrário. Com o Congresso em desorganização e como o governo não tinha muita unidade naquele momento, foi possível uma certa hegemonia e tocar o plano adiante. O Congresso estava sem força, e o governo, procurando uma tábua de salvação. Havia muita gente, inclusive do governo, que queria o controle de preços e que se prendessem supermercadistas. Muitos defendiam a volta dos fiscais do Sarney. Mas não tiveram força para nos opor. Recebemos um apoio amplo de todos os setores econômicos e da mídia. Foi difícil ficar contra o plano. O PT e a CUT saíram com o slogan "Real é pesadelo, não é sonho", mas imediatamente tiveram que tirar das ruas. As pessoas sentiram logo o aumento do poder aquisitivo, a vantagem de seus salários serem reajustados automaticamente. Logo depois do Real, o consumo cresceu imensamente com a queda da inflação. No início de 1995, a economia crescia a taxas anualizadas acima de 12%. Tivemos até que brecar esse crescimento. Como ocorre agora, se largar demais a economia sem investimento, vai haver problemas lá na frente.

FOLHA - Qual foi a principal marca deixada pelo Real?

FHC - O Real deu sentido de proporção. Ninguém sabia o valor de nada. As pessoas aprenderam, por exemplo, o valor da moeda. Aprenderam que não se pode endividar além de um certo limite. Foi o Real que possibilitou, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas as pessoas acham que a estabilização está garantida, e não está. É um trabalho permanente. Quantos anos levamos a chegar a esse ponto? Não houve milagre. Foi preciso trabalhar nos fundamentos, refazer orçamentos, ajustar os gastos públicos, o câmbio. Veja que só agora estamos conseguindo baixar as taxas de juros. Quando se tem uma economia doente e inchada como a nossa, a cura não é rápida. Você faz a operação e tem que ajustar todo o corpo à nova situação. Isso já está mais enraizado, nós aprendemos isso, mas mesmo assim neste exato momento as pessoas não estão prestando atenção aos aumentos de gastos públicos. Há uma certa anestesia geral. Não se pode fazer qualquer coisa na economia.

FOLHA - O governo Lula exagera nos gastos?

FHC - Está arriscado a exagerar, sim. O governo está jogando a conta para o futuro. O governo está concedendo muitos subsídios. O pacote anunciado nesta semana está no limite. Você pode dar subsídio a bens de capital, mas, se não tem mercado, não vai adiantar nada. Uma parte da nossa crise depende da solução global. O Brasil não é uma ilha isolada. Até agora, achamos que temos uma situação especial. Lá fora, o mundo vive uma tragédia, e aqui não. Não podemos brincar com fogo. Medida anticíclica não é aumentar permanentemente os gastos correntes, e sim criar condições para aumentar o investimento. O governo está no limite. Demorou a intervir para baixar o juro e agora resolve dar um choque de liquidez. Só que vai ter que tomar cuidado.

FOLHA - Mas os EUA fazem a mesma coisa?

FHC - Os americanos estão na mesma. Eu não sei se o que está se fazendo é um erro, mas não se pode apagar incêndio com outro incêndio. Se sobraram cinzas, há que ter cuidado para não criar novo vento e causar um novo incêndio. Não se pode fazer generosidade à custa do governo futuro. Vamos ver o que acontece daqui para adiante. Uma hora terá que ser contido esse processo de expansão. O governo vai ter que tomar uma decisão importante agora. Vai-se gastar R$ 20 bilhões ou R$ 30 milhões a mais com o aumento do funcionalismo. Tive que enfrentar esse problema no Real e não demos o aumento de salário. Se isso ocorresse, haveria uma superpressão do consumo e a inflação iria voltar. Às vezes, é necessário aceitar o risco da impopularidade. Vamos ver se o governo vai ter a grandeza de um estadista ou se vai surfar na onda. O estadista tem que pensar na onda positiva do longo prazo.

FOLHA - O que Lula vai fazer?

FHC - Não sei, até agora ele foi surfando na onda, mas nunca foi desafiado. Vamos ver o que ele vai decidir. Não é muito fácil não dar aumento, ainda mais perto da eleição. Mas, de qualquer forma, quem vai pagar o preço maior será o futuro governo. O que parece é que ele não está acreditando muito na continuidade do seu governo depois das eleições, senão ele não seria tão liberal na política de gastos.

Edmar Bacha: Chamar país de Belíndia não é mais correto

Marcio Aith
Enviado especial ao Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com alta da renda, riqueza da Bélgica e miséria da Índia deixaram de valer

Com o aumento da renda no Brasil, já não é mais adequado retratar o país como uma Belíndia, mistura entre a riqueza da Bélgica e a miséria da Índia.

Quem diz isso é o economista Edmar Bacha, criador da expressão na década de 70 e um dos principais formuladores do Plano Real. "Talvez o termo composto proposto por Delfim Netto seja hoje mais apropriado: Ingana -impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana", afirmou.

Consultor-sênior do banco de investimento Itaú-BBA, Bacha falou à Folha sobre os 15 anos do Real. Ele elogiou o presidente Lula, a quem atribuiu dons "camaleônicos" que permitiram o aprimoramento da economia, mas criticou a estratégia petista de demonizar as privatizações. A entrevista foi feita no Instituto de Estudos Econômicos da Casa das Garças, presidido por Bacha.

FOLHA - O Real de FHC trouxe estabilidade monetária. O Real de Lula produziu crescimento de renda, aumento do crédito e emprego formal. A comparação é apropriada?

EDMAR BACHA - Não é tão simples assim. Em 1994, o Real trouxe uma parada súbita e duradoura da inflação, o que não é pouca coisa. O governo de Fernando Henrique também fez reformas difíceis, das quais o presidente Lula beneficiou-se. Além disso, os deuses determinaram sucessivas crises internacionais no nosso período [México em 1995, Ásia em 1997, Rússia em 1998 e Argentina em 2001]. Tivemos um cenário internacional muito hostil. O Lula teve o benefício de herdar as reformas já feitas. Teve, com elas, liberdade para administrar o Estado.


Além disso, contou com o céu de brigadeiro. Nunca antes na história dos povos houve um período de crescimento tão vigoroso quanto o verificado entre 2002 e 2007.

FOLHA - E os méritos de Lula?

BACHA - Em primeiro lugar, Lula sempre teve muito presente a importância da estabilidade de preços para manter o poder de compra dos salários. É uma qualidade dele, não do PT. O presidente também aprofundou os programas sociais e demonstrou uma impressionante capacidade camaleônica. Quando viu que um programa não dava certo, simplesmente o abandonou. Quando percebeu que o Fome Zero não funcionava, tratou de aperfeiçoar o Bolsa Escola. Na educação foi a mesma coisa. O PT dizia que ia acabar com os sistemas de avaliação, extinguir o Provão. Não só não acabou como também melhorou o modelo que herdou -o Enem pode até vir a substituir o vestibular. Vejo como um talento essa sua capacidade de reconhecer os problemas, de ouvir os melhores conselhos e dispensar as porcarias que lhe sopram no ouvido.

FOLHA - E os pecados?

BACHA - Tem um pecado que só não foi mortal devido à situação econômica favorável. O governo Lula abandonou as reformas, aparentemente porque viu que era muito complicado lidar com o Congresso depois do mensalão. O governo aprovou duas ou três coisas logo no início, depois parou. Após o mensalão, tratou de fazer as composições estritamente necessárias para governar.

FOLHA - Que reformas foram adiadas?

BACHA - Refiro-me especialmente a uma palavra que virou anátema sob Lula: privatização. Se existe um pecado mortal no atual governo, é o de demonizar os mecanismos que permitem ao setor privado participar mais ativamente da provisão de bens públicos que tradicionalmente eram reserva do Estado.

FOLHA - Mas a palavra privatização é impopular inclusive no PSDB...

BACHA - Sim, é verdade. Fui assessor da campanha do Mario Covas. Nós é que inventamos a palavra "desestatização" porque ele não queria usar privatização. E, quando Covas pregou o choque do capitalismo em um discurso, passou o resto da campanha se desculpando, dizendo que não lhe tinham interpretado corretamente.

FOLHA - Por que esse discurso antiprivatização é tão poderoso?

BACHA - As pessoas se convenceram de que, se algo é estatal, isso lhes pertence, quando muitas vezes o que lhes pertence são apenas os custos de sustentação da estatal.

FOLHA - Dado que tucanos e petistas têm a mesma receita contra a crise econômica, é possível formular um discurso eleitoral de oposição?

BACHA - Em termos de resposta à crise econômica, os limites são estreitos mesmo, mas é um retrato do amadurecimento do país. Felizmente ninguém está propondo o socialismo do século 21 como resposta à crise. Esse amadurecimento também é produto do Plano Real. Antes dele havia sempre presente, no cardápio de alternativas políticas, a ideia de que o Brasil podia ir para qualquer lado.

FOLHA - O senhor criou o termo Belíndia para retratar a desigualdade social. O termo ainda é válido?

BACHA - A desigualdade ainda é um traço forte, mas a combinação de crescimento com estabilidade e programas sociais melhora muito a parte "Índia" do Brasil. Sob esse ponto de vista, não é mais correto falar em Belíndia. Talvez o termo composto proposto por Delfim Netto seja hoje mais apropriado: Ingana -impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana. De qualquer modo, pelo menos conseguimos evitar a Banglabânia -Bangladesh com Albânia- que Mário Henrique Simonsen tanto temia.

FOLHA - O Real trouxe estabilidade ao país, mas também o risco renitente de sobrevalorização cambial. Como resolver esse problema?

BACHA - Trata-se de um dilema natural do sistema de câmbio flexível aliado ao regime de metas inflacionárias. É um problema mesmo. Para atacá-lo, poderíamos tornar o real uma moeda conversível de fato, pondo fim ao estigma da evasão de divisas e à mentalidade de que as pessoas não podem manter o dinheiro lá fora. Seria uma maneira natural de evitar a valorização excessiva do real. Agora que o governo está propondo acordos de trocas comerciais usando moedas nacionais com a Argentina e a China, inclusive para desbancar o dólar, talvez seja a hora de observar que tudo isso seria muito facilitado caso o real fosse uma moeda conversível.

Trio Carioca - "Oscar Niemeyer", de Mauricio Carrilho

Mauricio Carrilho – violão 7 cordas;
Paulo Aragão – violão 8 cordas;
Pedro Paes – Clarinete Paris


Vale a pena ver o vídeo

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