segunda-feira, 1 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA – Hegemonia (4) – Gramsci

“Este problema pode e deve ser aproximado da colocação moderna da doutrina e da prática pedagógicas , segundo as quais a relação entre professor e aluno é uma relação ativa, de vinculações recíprocas, e que, portanto, todo professor é sempre aluno e todo aluno, professor. Mas a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente “escolares”, através das quais as novas gerações entram em contato com as antigas e absorvem suas experiências e seus valores historicamente necessários , “amadurecendo” e desenvolvendo uma personalidade própria, histórica e culturalmente superior. Esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo o indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados , entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exército. Toda relação de “hegemonia” é necessariamente uma relação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais.”


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 399 – Civilização Brasileira, 2006.)

''Deputados jamais aprovarão reforma política''

Moacir Assunção
Entrevista: Rogério Schmitt - cientista político;
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Assim como anteriores, proposta atual não leva em conta instinto de sobrevivência dos parlamentares, diz ele

Fracassou, na semana passada, mais uma tentativa da Câmara de fazer uma reforma política. Os pequenos partidos da base governista decidiram rejeitar o projeto elaborado pelo deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). Pressionados pelos sócios menores, PT e PMDB recuaram, jogando a discussão para um Congresso Revisor, previsto para 2011. Esta foi pelo menos a décima vez, desde a redemocratização, que se tentou fazer uma reforma no sistema político.

Como as demais, a ideia naufragou. Para o cientista político Rogério Schmitt, do Centro de Liderança Política (CLP), a proposta, como as anteriores, tinha um vício original insanável: não levava em consideração o instinto de sobrevivência dos parlamentares, que jamais aprovariam algo que deixasse dúvidas de sua eleição no pleito seguinte.

O que fez com que os parlamentares apresentassem a proposta?

Em regra, as propostas de reforma sempre têm como pano de fundo um momento de crise política. Como o Congresso enfrentou muitos escândalos recentemente, alguma liderança chegou à conclusão de que a Casa precisava oferecer uma resposta à sociedade. Essa resposta era a reforma política - com proposta de financiamento público de campanhas e lista fechada -, um tema que há pelo menos 20 anos o parlamento analisa, sem conclusão. Desde 1986, no início do governo Sarney, havia uma proposta de reforma política, apresentada pela Comissão Afonso Arinos. A cada dois anos, o tema volta à discussão.

E por que ela não saiu, nem deve sair?

A razão é que em qualquer democracia do mundo é muito difícil aprovar mudanças estruturais, quando se trata do jogo eleitoral. Isso só ocorre quando há uma grande crise institucional como, por exemplo, um número descomunal de votos nulos, a queda de um grande partido, o crescimento fora do comum da abstenção ou algo parecido. Esse não me parece ser o caso do Brasil, onde há, apesar dos problemas, uma certa estabilidade político-eleitoral. Os deputados fazem um cálculo de custo-benefício que funciona mais ou menos dessa forma: pode ser que as regras atuais tenham problemas, mas ganhei com elas. Quem me garante que serei eleito se houver mudança? É uma questão de sobrevivência política.

Em sua visão, quais os problemas do projeto apresentado?

Em termos doutrinários, sou favorável ao voto em lista fechada, porque pressupõe que os eleitores passarão a se identificar com os partidos, assim como os torcedores se identificam com seus times. O problema é que não havia nenhuma forma de o eleitor influenciar a escolha dos nomes que comporão a lista, como há nos Estados Unidos com as prévias e primárias, em que os eleitores participam das convenções partidárias. Acho que havia um grande complicador na questão do financiamento público que proibia o privado porque o financiamento privado obriga o candidato a procurar apoio na sociedade. Se os recursos forem somente do governo, ele jamais vai fazer isso.

Qual é a reforma política possível, nos dias de hoje?

Não devemos esperar grandes mudanças, mas creio que seria possível aprovar o fim das coligações nas votações proporcionais - que levam partidos sem votos a conquistarem vagas no Congresso, distorcendo a vontade do eleitor - e a modernização das doações de campanha para permitir que pessoas comuns possam doar, até pela internet, recursos à campanha de seus candidatos preferidos. Lembro que o presidente dos EUA, Barack Obama, construiu sua campanha com milhares de doações populares pela rede, o que é proibido no Brasil. O fato é que nenhum dos quatro grandes partidos (PT, PMDB, PSDB e DEM) tem cacife para aprovar uma mudança na Constituição, que precisa de três quintos dos votos para se efetivar. Mas estas alterações podem ser feitas por maioria simples.

Líderes governistas desafinados

Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Aloizio Mercadante, do PT, e Renan Calheiros, do PMDB, seguem sem chegar a um consenso sobre os senadores que comandarão a CPI da Petrobras, prevista para começar amanhã no Senado

Os dois principais partidos da base do governo, PMDB e PT, às vésperas da instalação da CPI da Petrobras, prevista para amanhã, continuam se digladiando sobre a condução dos trabalhos da comissão de inquérito. O senador Paulo Duque (PMDB-RJ), por ser o mais velho integrante da mesma, aos 82 anos, presidirá a instalação. O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), foi percorrer as bases eleitorais no interior alagoano, onde prepara sua candidatura ao governo estadual. Mercadante, preocupado com a saúde do filho, só retomará as articulações na terça-feira. Foi isolado por Renan e corre atrás da relatoria da CPI das ONGs, ocupada pela oposição depois que indicou seu antigo relator, o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), para a CPI da Petrobras, situação que tenta reverter.

No Palácio do Planalto, o nome de preferência para presidir a CPI seria Arruda, mas sua indicação como titular da CPI da Petrobras virou um tiro no pé. O comunista acabou cedendo a vaga de titular para Marcelo Crivella (PRB-RJ), passando à primeira-suplência. A alternativa é a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), mas Mercadante faz restrições à indicação da petista. Argumenta que ela precisa ter mais mobilidade para cuidar de outras frentes de batalha contra a oposição no Congresso, além de acompanhar a poderosa e complicada Comissão Mista de Orçamento.

O melhor nome para presidir a CPI, na avaliação de Mercadante, seria o senador João Pedro (PT-AM), suplente em exercício do senador Alfredo Nascimento (PR-AM), que hoje ocupa a pasta de ministro dos Transportes. João Pedro é um ex-sindicalista amigo do presidente Lula, mas é preciso combinar com os aliados a sua indicação. O petista precisa ser eleito pelos demais integrantes da comissão porque não há acordo com a oposição. Um racha entre os governistas, por exemplo, poderia abrir espaço para que o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL), titular da comissão, disputasse o posto, colocando uma saia-justa em Renan e Mercadante.

Raciocínio semelhante ao de Mercadante vem sendo adotado pelo líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), para não indicar o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que é o preferido do presidente Lula para ser o relator da CPI. Jucá quase ficou de fora da comissão porque foi anunciado como relator por Mercadante, antes mesmo de sua indicação por Renan, e teve que reivindicar sua participação. A preferência do líder do PMDB seria por Paulo Duque, para atender um pedido do governador fluminense Sérgio Cabral (PMDB).

O Rio de Janeiro abriga a sede da Petrobras, grandes plataformas de petróleo, a refinaria Duque de Caxias e o maior complexo petroquímico do país. Duque é novato no Senado, mas conhece bem a economia do petróleo fluminense, tem oito mandatos de deputado estadual e foi o relator da célebre CPI da Matança dos Mendigos, no governo de Carlos Lacerda, na antiga Guanabara, em 1963. Mas reluta em aceitar a missão, apesar da boa forma física, porque teria que ficar cinco dias na semana e, eventualmente, nos fins de semana em Brasília, longe da família.

Pressão

A possibilidade de a oposição presidir a CPI continua fora de qualquer cogitação. O acordo que chegou a ser esboçado entre o líder do DEM, José Agripino (RN), e Renan, para que o senador ACM Junior (DEM-BA) presidisse a comissão, foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com apenas três integrantes na comissão, contra oito governistas, a oposição não tem como ditar o rumo das investigações. Além disso, está sendo encurralada pelos governistas, que mobilizam o forte lobby dos fornecedores da Petrobras para pressionar os políticos do DEM e PSDB que receberam doações financeiras para suas respectivas campanhas das empresas do setor.

Os petistas também engrossam o tom do discurso contra os ex-gestores da Petrobras. Exibem números e comparam o desempenho da empresa no governo Lula com a gestão FHC. Velhos slogans da campanha “O petróleo é nosso”, que levou ao monópolio estatal do petróleo e à criação da estatal, foram resgatados. Segundo o PT, a CPI foi convocada porque há grandes empresas privadas interessadas em barrar a mudança no marco regulatório do petróleo, que vai restringir a presença do capital estrangeiro na exploração do óleo da camada de pré-sal.

Itamar cobra 'norte' à oposição

Carla Kreefft
Publicado em: 31/05/2009
DEU EM O TEMPO (MG)

Escolha. Ele diz que se filiou ao PPS por discordar do presidente Lula epara prestar contas do passado

Ex-presidente critica 3º mandato e fala sobre chances de Aécio no PSDB


O ex-presidente Itamar Franco, agora nos quadros do PPS, em entrevistaexclusiva a O TEMPO, afirma que sua filiação tem um objetivo claro de fazeroposição ao governo federal e permitir sua maior participação na vidapolítica. Ele não manifesta desejo de se candidatar em 2010, mas declara quechegou o momento de dar algumas respostas relativas ao período em queexerceu a Presidência e o governo de Minas. Algumas dessas respostas já sãoexplicitadas durante a entrevista. As declarações do presidente Lula de quefoi um erro indicar políticos derrotados para embaixadas em lugar dediplomatas de carreira foi rebatida pelo ex-presidente, que também cobrouuma posição mais demarcada da oposição, por exemplo, na disputa pelos cargosmais importantes na CPI que vai investigar a Petrobras. Para Itamar, aoposição precisa parar de ficar só olhando e começar a "espiar".

Sobre o processo eleitoral de 2010, ele manifesta algumas preocupações. Apossibilidade de um terceiro mandato para Lula é uma delas. Itamar avaliaque, se houver quebra dos preceitos constitucionais, o PPS deverá recorrer àJustiça. Para o ex-presidente, a eleição do ano que vem será complicada,especialmente em função da não exigência pela Justiça Eleitoral deconformidade entre as coligações nacional e as estaduais.

Aliado do governador Aécio Neves (PSDB), Itamar reconhece a dificuldade dotucano para conquistar a condição de candidato a presidente. Lembrando quepassou por situação semelhante no PMDB, ele acredita que as prévias sãoimportantes para as pretensões de Aécio.

Entrevista


Alerta sobre manobra para 3º mandato

"O governador Aécio Neves está certo de querer as prévias. Se ele dependersó da executiva nacional do PSDB, dificilmente ele terá chances de superar ogovernador de São Paulo."

O senhor ficou um tempo sem partido e agora escolhe o PPS. Quais são osmotivos dessa escolha?

Eu só deixei o PMDB porque havia uma ditadura partidária. Então, por que oPPS neste instante? Primeiro, eu não sou de fazer voo solo, eu tenho que teruma estrutura partidária. E das estruturas partidárias que eu vejoposicionadas na política nacional, o PPS é a que mais me convém. Nãoeleitoralmente, eu não estou pensando eleitoralmente. Eu estou pensando emuma participação política. Por que eu preciso da estrutura partidária?Porque vai chegar a época, eu já estou percebendo, que eu vou ter queresponder a algumas coisas do meu governo. Seja no governo de Minas, seja naPresidência da República. E eu sozinho não tenho condições.

Por que o senhor acredita que esse momento vai chegar?

Teve uma reunião outro dia, com diplomatas, teve uma coisa que me deixouestarrecido: o presidente dizer que político derrotado deve ser embaixador.É um caso de amnésia. O país parece sofrer de amnésia. Não era o meu caso.Eu não era derrotado. Eu era o governador de Minas e estava fazendo acampanha dele (Lula). Um governador de oposição fazendo a campanha dele, apedido do ministro José Dirceu, que está aí e pode confirmar. Eu fui oprimeiro a lançar nome dele, em Ouro Preto. Eu pergunto: quem que vairesponder a isso?

O senhor acredita na possibilidade de um terceiro mandato para Lula?

Isso aí é quebrar toda a ordem democrática e o estado de direito. Espero quenão aconteça. E aí, os partidos de oposição têm que ficar muito atentos. Em1980, eu era senador, e o governo prorrogou os mandatos dos prefeitos,quebrando toda a ordem republicana. A gente não aceitou aquilo, a gente nãoaceitou fazer as votações e às quatro horas da manhã aprovaram, depois deduas votações. E eu fui ao Supremo e houve lá um ministro que disse que, porconveniência do regime, eles não podiam aceitar as nossas alegações. Então,quando você pergunta se eu acredito, eu não desacredito não. Eles estãotentando. E é preciso que a oposição fique atenta. Eles têm uma coisa que émuito fácil, o chamado plebiscito.

E a possibilidade da prorrogação por mais dois anos?

Olha, eu espero que não. Mas quem faz uma reeleição, faz duas, três, quatro.Então, eu repito: tudo é possível quando você não tem regras de Estado e temuma maioria dócil e interessada. Eu acho que os partidos de oposiçãodeveriam chamar a atenção. Pretendo avaliar isso com o PPS, na reunião daexecutiva estadual, na quinta-feira.

O que o senhor vai avaliar com o PPS?

Eu acho que o PPS não deve só olhar, ele deve, espiar. Por que? LembrandoGuimarães Rosa. Que dizia o seguinte: o mineiro não olha, o mineiro espia.Eu acho que o PPS tem que espiar. E já dizer, através de sua direçãonacional, se ela concordar, que, se o Congresso violentar a ordemconstitucional brasileira, vai recorrer ao Supremo. Já deve avisar.

A escolha então do PPS do senhor, hoje, é para se posicionar claramente naoposição ao atual governo?

Sim, claro. Os ponteiros da bússola da oposição estão desnorteados. E as eleições?
Nós vamos ter um quadro diferente. Nós vamos ter uma eleição interessante.Mas ao mesmo tempo ela apresenta uma fragilidade. Qual é a fragilidade?Através de uma resolução, o Superior Tribunal Eleitoral tornou mais, digamosassim, mais regionais os partidos. Os partidos brasileiros hoje sãoregionais. No momento em que ele diz o seguinte: eu posso estar numacoligação nacional com determinado candidato e no Estado posso ter outro,ele regionalizou o processo. E isso não é bom.Hoje, o governador Aécio Neves tem dificuldade com sua candidatura àPresidência no PSDB...Vivi situação parecida dentro do PMDB e como é difícil. O governador AécioNeves está certo de querer as prévias. Se ele depender só da executivanacional do PSDB, dificilmente ele terá chances de superar o governador deSão Paulo. O governador Aécio não tem mais condição de mudar de partido,acho eu. Essa janela para mudança de partido de seis meses, sob a minhaótica, não cabe no perfil do governador Aécio. Por que? Se ele disputa asprévias, ele vai respeitar e o resultado. Aécio é muito ético. Se ele perder- tomara que não -, ele não deverá sair do partido (essa é minha tese).

E sobre a CPI da Petrobras?

Eu acho que a oposição precisa esclarecer melhor a opinião pública. E euposso dizer isso porque eu fui presidente da República e não privatizei aPetrobras. No governo militar, tivemos uma tentativa de criação de CPI quenão foi impedida. Tivemos algumas dificuldades inicialmente, mas nóstínhamos três senadores da oposição e oito senadores do governo. Isso nogoverno militar. Eu, na oposição, fui escolhido presidente da comissão. Nãohouve quebra do rito. Havia um ritual no Senado e o regime militarrespeitou. Então, não é verdade que a presidência e a relatoria sempreficaram nas mãos dos governistas.

Cabral luta para ser candidato único de partidos que apoiam o governo federal

Ana Paula Grabois, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), luta para ser candidato único de uma grande coligação envolvendo os partidos da base aliada do governo federal em 2010. Com apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cabral quer fechar com o PT no primeiro turno e garantir sua reeleição. Conseguiu vencer os ânimos do prefeito de Nova Iguaçu (RJ), Lindberg Farias (PT), que precisou ser chamado pela direção nacional do PT para o acordo com Cabral. Formalmente, o PT do Rio vai decidir a questão, mas o próprio Lula já teria se empenhado contra a candidatura petista em prol da reeleição de Cabral e da candidatura da ministra-chefe da casa Civil, Dilma Rousseff, para presidente.

Lindberg deve disputar o Senado na chapa PMDB-PT em companhia do deputado Jorge Picciani (PMDB), político que ganhou poder nos governos do casal Garotinho (1999-2006) com forte influência sobre a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, da qual é presidente. Na costura, sairia da disputa ao Senado a atual secretária estadual de Direitos Humanos e ex-governadora Benedita da Silva (PT).

"Se Gabeira, Lindberg e Garotinho se candidatarem, existe o risco de Cabral perder", diz um político que participou das conversas. Gabeira teria votos da capital e da classe média de alguns municípios; Lindberg, da Baixada Fluminense e bairros periféricos da cidade, enquanto Garotinho ainda teria eleitorado no interior. "Sobrariam menos votos para Cabral", diz.

Além de bancar a maioria dos investimentos públicos em andamento no Estado, desde obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a convênios em saúde, Lula vem bastante ao Rio. Tenta estender sua alta popularidade ao governador, cuja taxa de intenção de voto vem caindo, ainda que na liderança.

Com pouco espaço no PMDB, o ex-governador Anthony Garotinho promete sair hoje do partido para o PR, legenda criada com o fim do PL, após o escândalo do mensalão. Garotinho quer o governo novamente e chegou a procurar o presidente regional do PSDB, o prefeito de Duque de Caxias, Luiz Camilo Zito, mas a conversa não evoluiu.

Desgastado por denúncias de irregularidades de gestão e de compra de voto, o ex-governador ainda tem força no interior e na Baixada Fluminense. No ano passado, sua mulher, a ex-governadora Rosinha Matheus, elegeu-se prefeita de Campos (RJ). A filha Clarissa Garotinho foi a quinta vereadora mais votada da capital. Em busca de apoio, mudou o tom em relação a Lula, de quem era crítico contumaz. "Foi Lula quem brigou comigo, não briguei com ele. Apoiei Lula nas campanhas de 98 e de 2002", disse. Sobre Dilma, afirma ter "ótima relação" desde os tempos em que atuavam no PDT. "Cabral não mostrou resultados. Se comparar, fiz muito mais do que ele", disse ontem, no programa Jogo do Poder, da rede de televisão CNT.

No PSDB, o palanque no Rio mais provável ao pré-candidato a presidente, o governador de São Paulo, José Serra, é Fernando Gabeira. Azarão na eleição passada a prefeito do Rio, o deputado do PV perdeu por pouco para Eduardo Paes (PMDB). "Tivemos algumas conversas preparatórias com o PSDB, mas não decidimos", disse Gabeira, que poderia ter mais chance de vencer uma disputa ao Senado. Outro nome possível nas eleições do Rio é o do ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que já declarou querer o Senado.

Dilma até dança forró, mas passa despercebida por Caruaru

Carolina Mandl, de Caruaru (PE)
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Sem discursos, caminhadas entre os populares e faixas de recepção, a passagem da ministra da Casa Civil e pré-candidata à presidência Dilma Rousseff passou praticamente despercebida das 25 mil pessoas que foram ver a abertura dos festejos juninos em Caruaru sábado à noite. A interação da ministra com o povo se limitou a alguns poucos acenos do camarote do Pátio do Forró, espaço onde acontecem as comemorações de São João na cidade. Embaixo, sem reconhecer quem acenava, a população não correspondia ao gesto de Dilma, que cresceu na pesquisa de intenção de voto divulgada neste fim de semana.

Na plateia, a vendedora de cerveja Marilene Ferreira, de 25 anos, associou o nome da ministra a uma cantora: "Ela vem? Eu já ouvi uns CDs dela", dizia, empolgada. Alguns participantes da festa tinham uma vaga lembrança. "É a secretária de Lula?", perguntou o garçom Carlos Bezerra, de 38 anos. A faxineira Lucineide Cordeiro não a reconheceu de nome, mas, quando a reportagem explicou que era a ministra do governo Lula que estava doente, ela lembrou. "É aquela que está com câncer?"

Com a pouca divulgação da vinda da ministra para a abertura da festa, mesmo quem sabia quem era Dilma Rousseff não tomou conhecimento da sua visita à cidade. "Não estou sabendo de nada", disse a comerciante Marlene Moura, de 40 anos.

Em fevereiro, quando participou do bloco carnavalesco Galo da Madrugada, no Recife, e subiu as ladeiras de Olinda, mesmo sem ser reconhecida por muitos, a ministra caminhou no meio do povo. Nos camarotes, alto-falantes também anunciavam a presença dela.

Em Caruaru, porém, foi aparentando boa disposição e quase sem ser notada que Dilma passou pela cidade. Antes de ir para a festa popular, ensaiou passos de forró em um jantar fechado para convidados na casa do deputado federal Wolney Queiroz (PDT), filho do prefeito da cidade, José Queiroz (PDT). "Ela se saiu bem. Ou já dançou muito na vida, ou tomou umas aulas", disse José Múcio (PTB), ministro das Relações Institucionais.

A falta de clima eleitoral em Caruaru contrasta com pesquisa de intenção de voto divulgada pelo Datafolha sábado. Nela, a distância entre a ministra e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), caiu oito pontos percentuais. Em relação a março, Dilma subiu cinco pontos e está com 16%, o que a deixa tecnicamente empatada com Ciro Gomes (PSB). Na liderança, Serra perdeu três pontos, ficando com 38%.

"É uma pesquisa. E pesquisa é algo volátil. Um dia sobe, um dia desce. E tudo isso é muita espuma. Vamos tratar do forró", disse. Apesar da resposta vaga, Dilma afirmou acreditar que o candidato do governo - "seja lá quem ele for" - tem grandes chances de ganhar.

O levantamento do Datafolha também apurou o impacto do câncer linfático que a ministra trata neste momento por meio de quimiometerapia em uma possível candidatura. Cerca de 81% dos entrevistados aprovaram a decisão da ministra de tornar pública sua doença. Dilma afirmou que em alguns momentos se sente mais debilitada por conta do tratamento. Porém, ela disse que está mantendo o ritmo normal de trabalho. "Eu tenho um ritmo de trabalho muito excessivo em alguns momentos. Esse ritmo eu não estou mantendo", disse

Rumo a 2010: Tucano silencia sobre liderança na corrida ao Planalto

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O governador José Serra não quis comentar ontem o resultado da mais recente pesquisa Datafolha com intenção de voto para presidente, na qual ele aparece como líder isolado em todos os cenários nos quais é testado. Segundo seus assessores, o tucano quer evitar a antecipação do debate eleitoral porque avalia que isso pode prejudicar seu desempenho à frente do Estado.

O Bolsa-Mídia

Fernando de Barros e Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O jornalista Fernando Rodrigues deu uma grande contribuição ao conhecimento da máquina de propaganda do lulismo. A reportagem que publicou ontem na Folha mostra como, na atual gestão, o Planalto adotou uma política radical e sistemática de pulverização da verba publicitária destinada a promover o governo.

Em 2003, a Presidência anunciava em 499 veículos; em 2009, foram 2.597 os contemplados -um aumento de 961%. Discriminada por tipo de mídia, essa explosão capilarizada da propaganda oficial irrigou primeiro as rádios (270 em 2003, 2.597 em 2008), depois os jornais (de 179 para 1.273) e a seguir o que é catalogado como "outras mídias", entre elas a internet, com 1.046 beneficiadas em 2008.

O que isso quer dizer? A língua oficial chama de regionalização da publicidade estatal e a vende como sinal de "democratização". Na prática, significa que o governo promove um arrastão e vai comprando a mídia de segundo e terceiro escalões como nunca antes neste país.

Exagero? Eis o que diz Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo e membro da Frente Parlamentar de Mídia Regional: "Cerca de 50% das rádios e dos jornais do interior pertencem ao comunicador. O dono faz o jornal ou o programa de rádio. Se recebe dinheiro, passa a ter mais simpatia e faz uma comunicação mais adequada ao governo. Há uma reciprocidade".

Enquanto, na superfície, Lula trata de fazer a sua guerra retórica contra a "imprensa burguesa", que lhe dá azia, no subsolo do poder a engrenagem montada pelo ministro Franklin Martins se encarrega de alimentar a rede chapa-branca na base de verbas publicitárias. É o Bolsa-Mídia do governo Lula.

Essa mídia de cabresto que se consolidou no segundo mandato ajuda a entender e a difundir a popularidade do presidente. E talvez explique, no novo mundo virtual, o governismo subalterno de certos blogs que o lulismo pariu por aí.

Lula, certeza única

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Quando a popularidade de Lula caiu cinco pontos percentuais, há dois meses, frequentou os céus de Brasília a hipótese do "ponto de inflexão" para o petista. Pela análise propagada, legítima, estaria em curso a inexorável trajetória crepuscular na taxa de aprovação de todo o presidente rumo ao fim do seu mandato.

A julgar pela pesquisa Datafolha publicada ontem, a inflexão, se é que houve, foi só um soluço.

Por ora, está abortada. A popularidade de Lula segue como uma das únicas certezas sobre o cenário sucessório de 2010. Há dúvidas sobre quem serão os candidatos do PT e do PSDB e se a tese do terceiro mandato tem ainda alguma chance remota de prosperar. Mas inexistem pontos de interrogação sobre o poder de influência do atual presidente no processo de escolha do próximo ocupante do Planalto.

Certeza em política, manda a prudência, é algo a ser tomado com muito cuidado ou desdém. Um fator extra campo, para emprestar uma metáfora futebolística ao gosto de Lula, poderia muito bem ceifar a popularidade presidencial. Mas é necessário reconhecer que a gordura acumulada pelo petista confere a ele resistência para atravessar um eventual deserto. O momento, como se sabe, era outro, mas não custa recordar que nesta mesma época, em 2001, Fernando Henrique Cardoso tinha 19% de "ótimo" e "bom" no Datafolha. Lula está com 69%.

A resiliência inaudita do petista não surge por geração espontânea. Tampouco é fruto apenas da capacidade de comunicação do ex-sindicalista. Tudo é resultado de uma complexa estratégia de marketing. O governo brasileiro pré-PT sempre foi o maior anunciante do país. Agora, sob Lula, elevou essa condição ao paroxismo. Chega sozinho a 5.297 veículos de mídia impressa e eletrônica. O sabão em pó Omo ou políticos de oposição, por enquanto, não são páreo para Lula.

Greenpeace: governo é sócio de desmatadores

José Meirelles Passos
DEU EM O GLOBO

BNDES financia pecuaristas responsáveis por 80% da devastação da Amazônia, e planeja duplicar a produção

Além de não conseguir evitar o desmatamento da Amazônia, o governo brasileiro contribui ativamente com ele, pois se tornou sócio de quem produz a destruição. Nos últimos dois anos, bilhões de dólares do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram concedidos a empresas pecuaristas responsáveis por 80% da devastação da floresta. A cada 18 segundos, um hectare da Mata Amazônica vira pasto. Só o setor pecuário na Amazônia brasileira responde por 14% do desmatamento global anual.

As três cifras foram retiradas de dados registrados pelo próprio governo e agora estão reunidas num informe de 140 páginas que o grupo ambiental Greenpeace divulgará hoje, sob o título "Abatendo a Amazônia".

"Através do BNDES, o governo tem formado alianças estratégicas com as cinco maiores empresas da indústria pecuária. Entre 2007 e 2009, essas empresas, responsáveis por mais de 50% das exportações brasileiras de carne, receberam US$2,65 bilhões do BNDES, em troca de ações do governo brasileiro", diz o documento. O Plano Agrícola e Pecuário 2008/09 liberou US$41 bilhões em linhas de crédito para aumentar a produção do setor agropecuário, 85% delas para agricultura industrial.

Fazendas em terra indígena e uso de mão de obra escrava

A entidade constatou que áreas protegidas foram invadidas pelos pecuaristas, localizando uma fazenda de gado instalada ilegalmente em terra indígena. O Greenpeace descobriu que fazendas brasileiras que fornecem gado para o mercado mundial utilizam trabalho escravo.

"O maior incentivo econômico para a expansão do setor pecuário na Amazônia é a falta de governança. Fatores contribuintes incluem a corrupção, a desorganização, a capacidade limitada e a falta de coordenação entre diferentes setores do governo" - diz o documento.

O Greenpeace alerta que, ao financiar os desmatadores com dinheiro do BNDES, em troca de ações das empresas responsáveis pela destruição, o governo não só se torna parceiro na devastação como alimenta uma cadeia de outras indústrias, que "impulsionam involuntariamente" o desmatamento, através do que o grupo define como o "consumo cego" de matéria-prima resultante da devastação.

"A indústria pecuária na Amazônia brasileira é o maior vetor de desmatamento do mundo, responsável por um em cada oito hectares destruídos globalmente. Esforços para reduzir as emissões globais devem incluir mudanças no modo de produção do setor", diz o informe.

O Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo, sendo o maior exportador mundial de carne. Em 2008, de cada três toneladas comercializada internacionalmente, uma tinha o Brasil como origem. A preocupação do Greenpeace é com a disposição do governo em duplicar a participação brasileira no comércio global de carne, até 2018, sem tomar medidas para evitar que isso signifique a ampliação da derrubada da floresta. O plano do governo é que nesse período o Brasil forneça duas de cada três toneladas de carne comercializadas no mundo.

Para o coordenador do estudo, André Muggiati, a pesquisa revela como a destruição da Amazônia está conectada ao mercado mundial:

- A situação é gravíssima. O governo brasileiro tem papel fundamental, porque investe em indústrias localizadas na Amazônia que, ao se expandirem, estimulam o desmatamento.

Para Muggiati, o governo precisa redirecionar investimentos para iniciativas sustentáveis:

- Há necessidade de limpar a cadeia do desmatamento. Se as indústrias da pecuária assumirem compromisso de não comprar animais criados em áreas desmatadas, ganharão competitividade no mercado e vão agregar valor ambiental a seus produtos.

Colaborou Cássio Bruno

No arranco cego da turba

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

O amálgama da multidão violenta mescla inconformismo, gente à procura de si mesma, covardia difusa

SÃO PAULO - Ocorrências violentas envolvendo multidões têm se amiudado no Brasil, não raro com mortos e feridos. Nos últimos dias, a tragédia de quatro mortos e oito feridos num show de música country em Jaguariúna; uma invasão de 80 torcedores descontentes na sede do Flamengo, no Rio, com agressão a um jogador; mais de 150 torcedores do Palmeiras, num confronto com a PM, levados para uma delegacia da zona leste, 20 feridos. Em duas décadas, ocorreram muitos episódios de depredação de estações ferroviárias, queima de ônibus, invasão e depredação de recintos públicos, como a própria Câmara dos Deputados e universidades e, sobretudo, linchamentos.

Na maioria dos casos o ímpeto da massa vem do descontentamento e do protesto.
Residualmente, em alguns casos, como em Jaguariúna, vem do medo e do pânico.
Eventualmente, a provocação irresponsável de uma bomba junina no meio da multidão, um grito, uma correria que arrasta outras pessoas que, no geral, nem sabem por que estão correndo. No meio, vítimas deliberadas, como nos linchamentos, ou vítimas casuais, como no caso do show de Jaguariúna. Ou casos mais graves, em que a turba não é massa informe que só adquire perfil e identidade depois da ocorrência que a mobiliza, mas é multidão já polarizada, como o conflito da Praça da Matriz, em Porto Alegre, em 1990, entre a Brigada Militar e o MST, em que, além dos feridos dos dois lados, um cabo da Brigada Militar foi morto com uma foiçada. Ou mesmo no caso do massacre de Eldorado de Carajás, em 1996, quando 19 acampados foram mortos num confronto típico de multidão, os dois lados, no entanto, dotados de identidades em conflito. Ou os casos mais frequentes de confrontos violentos entre torcidas de futebol. Fatos próprios de uma sociedade intolerante, organizada em cima de identidades antissociais, como se nela não houvesse espaço e oxigênio para todos e para a democracia da diferença.

O comportamento de multidão não se restringe àquelas manifestações de massa anônima que se dissolve após a ocorrência, sem nenhuma referência identitária.

O que chama a atenção nos últimos tempos é justamente a típica manifestação de turba em ações de natureza política. Esse é um campo em que o protesto só tem sentido como protesto racional, movido por um projeto social e político. O comportamento de multidão é um atuar às cegas, que despolitiza qualquer ato político.

A contaminação crescente da atuação política, sobretudo dos movimentos sociais, pelo comportamento de multidão esvazia a demanda que os move de sua dimensão propriamente política. Os sociólogos que fizeram os primeiros estudos sobre o tema definiam tais ações como comportamento coletivo. Mas nem toda multidão atua por comportamento de multidão. Por isso, decantaram o comportamento coletivo para nele identificar os movimentos sociais, que são aquelas condutas que têm sentido, que discrepam das irracionalidades próprias da multidão. Na multidão, LeBon, seu primeiro estudioso, reconhecia uma individualidade coletiva enlouquecida. Comportamento de multidão nos movimentos sociais é justamente a mais significativa indicação de impasse e retrocesso, de falta de projeto com clareza política quanto à própria busca.

O comportamento coletivo que caracteriza essas ocorrências, apesar de sua diversidade, segue um padrão sociologicamente reconhecível. São ocorrências geralmente súbitas, em que os valores de referência da conduta social perdem momentaneamente sua eficácia em face de um fato extraordinário que desperta ações autodefensivas e de sobrevivência. Apesar de ocorrer, muitas vezes, em imensos ajuntamentos, a ação individual do membro da multidão é individualista e no geral covarde, como se viu em Jaguariúna, a multidão pisoteando e matando jovens indefesos. Na extensa pesquisa que fiz sobre meio século de linchamentos no Brasil, a forma mais radical e perigosa de ação de multidão, a proporção de linchamentos fatais é muito maior nos linchamentos noturnos do que nos diurnos. A escuridão, ao proteger a identidade individual, aumenta a agressividade do participante e torna a multidão muito mais real e perigosa.

Na multidão há difusa busca de identidade, sobretudo entre os jovens, que na transição de gerações perdem uma identidade sem adquirir outra. O ajuntamento de quase 30 mil pessoas jovens em Jaguariúna para ouvir uma dupla de música country é bem significativo dessa modalidade de busca. A imensa maioria com idade ao redor dos 20 anos, aparentemente com predominância de moças, as que pagam o preço mais alto pela mudança social sem rumo. As músicas da dupla que se apresentava naquela madrugada são marcadas por versos característicos de rupturas e instabilidades, como "não era pra você se apaixonar, era só pra gente ficar", "paixão de uma noite que logo tem fim", "não venha me perguntar qual é a melhor saída". Aí se proclama um modo de ser e de viver pautado por uma cultura do precário e do provisório. Uma cultura que marca a existência de amplos setores da geração atual, predispondo-os à aceitação do risco e da incerteza.

JOVENS

A presença cada vez maior dos jovens nas grandes aglomerações sugere ainda uma busca, uma tentativa de encontro de si mesmos nos outros, uma improvisação do fazer parte e do pertencer, sabendo que os vínculos são os do instante, que se dissolverão no fim da festa. Nada de muito compromisso, porque o compromisso demanda estabilidades que os jovens já não conhecem na incerteza de uma economia de relações provisórias, o trabalho literalmente reduzido a trabalho puro regulado pelos estritos custos da produção e do lucro, sem compromissos morais com quem trabalha.

Não é estranho, portanto, que com mais facilidade do que as gerações anteriores, os jovens se adaptem ou estejam predispostos ao comportamento de multidão, cuja característica é a improvisação, a invenção de relações sociais de sobrevivência, na fuga, no justiçamento, na depredação, eventos que duram não mais do que dois ou três minutos, como ocorreu em Jaguariúna.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

Novo ciclo de inserção internacional

Ricardo Ubiraci Sennes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

As transformações políticas e econômicas por que o Brasil tem passado desde a década de 1990 estão mudando o padrão de inserção externa do País e redefinindo suas bases e seus interesses internacionais. Essa situação abre um leque de oportunidades para o País se posicionar em áreas que antes recebiam pouca atenção dos formuladores de políticas. Mas, apesar de esse movimento de atualização da agenda internacional ser notório, ainda não foi assumido como parte essencial da estratégia de desenvolvimento nacional.

Como tende a acontecer em nações com forte diversidade socioeconômica, a redefinição da inserção externa não está ocorrendo de maneira linear e homogênea. Ao contrário, convivem lado a lado estratégias e ações diversas, tanto dentro como fora da esfera estatal. E uma de suas dimensões mais interessantes está associada às reformas econômicas de caráter seletivo, que combinaram abertura forte de alguns setores e comedida de outros, com algumas políticas públicas bem-sucedidas que, ao final, criaram incentivos para uma surpreendente expansão brasileira no exterior.

Houve um crescimento de mais de 440% do fluxo comercial do Brasil com o mundo, de 1990 até 2008. Isso dobrou a importância do comércio exterior no PIB nacional, que saltou de 11% para 22%. Simultaneamente, a pauta de exportação se diversificou, abrindo espaço para segmentos como os de serviços, incluindo as áreas de tecnologia da informação (TI), financeira e de engenharia e construção - todas intensivas em tecnologia, pesquisa e conhecimento. Outro indicador que teve alterações significativas foi o de investimento externo direto no País, que saiu de menos de US$ 1 bilhão em 1990 para US$ 45 bilhões em 2008.

Um dos mais importantes reflexos dessa dinâmica foi a recente quitação da dívida com o FMI e o aumento das reservas internacionais ao maior nível na História. O montante das reservas coloca o Brasil, pela primeira vez, como credor internacional, o que certamente tem efeitos positivos sobre sua respeitabilidade e seu poder de barganha no cenário externo.

Dentre as frentes de internacionalização do País, um dos maiores destaques é o rápido avanço de multinacionais brasileiras no exterior. Além de crescente, essa presença é cada vez mais diversificada em termos de porte, de setores - incluindo áreas como siderurgia, mineração, financeira, TI, engenharia e construção, energia e aviação, entre outras - e de mercados, como América Latina, EUA, Europa e China. O estoque de investimento brasileiro direto no exterior alcançou US$ 114 bilhões em 2006. Isso colocou o Brasil como o 12º maior investidor externo do mundo e o 2º entre os países emergentes.

Pesquisa e inovação também deram um importante salto nos últimos anos e acompanharam a internacionalização, e em alguns campos científicos o País deixou de ser apenas importador de conhecimento e passou a exportar capital intelectual. Há esforços para diminuir o gap nessa área, como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), a Lei de Inovação, a Lei do Bem e as linhas de crédito do BNDES, da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), além de iniciativas dos governos estaduais e municipais.

Os pesquisadores brasileiros quadruplicaram a publicação de artigos em periódicos científicos internacionais e foram, em 2006, responsáveis por quase 50% de toda a produção científica indexada na América Latina. A contínua falta de conexão entre a academia e o meio empresarial, no entanto, contribui para o descompasso entre o grande crescimento das publicações internacionais e a evolução do número de patentes de residentes brasileiros no Brasil e no exterior.

Essa internacionalização multifacetada tem acarretado mudanças dos fóruns e meios prioritários de atuação do País. Por exemplo, as arenas estritamente formais e diplomáticas perdem importância relativa e ganham relevância novos atores, como agências reguladoras, bancos de fomento, instituições de pesquisa e inovação e empresas. A participação desses atores tem redefinido a ação internacional do País e forçado uma articulação crescente deles com a orientação da política externa. Em geral, isso tem contribuído para a posição do governo externamente se alinhar às estratégias setoriais e às políticas públicas internas.

A definição de uma nova estratégia de inserção internacional precisa considerar, acima de tudo, que a economia brasileira é razoavelmente aberta, competitiva e com razoável potencial de crescimento, o que coloca o País num patamar bastante distinto daquele em que se encontrava há alguns anos. O crescimento do comércio e do investimento no exterior, tanto industrial como de serviços, incluindo média e alta tecnologias, tornou-se parte essencial da estratégia de uma vasta gama de empresas aqui sediadas. O padrão regulatório nacional em áreas como telecomunicação, concorrência, inovação e sistema financeiro já está bastante alinhado ao de países desenvolvidos e, por vezes, é até mais aberto e moderno que o deles. Por isso esse padrão precisa ser incorporado à agenda estratégica do Brasil. Não há por que o País não ser mais ativo e propositivo também nesses campos, tanto regional quanto globalmente.

Diferentemente dos outros ciclos de inserção internacional do Brasil, o atual é, por sua própria natureza, mais amplo e multifacetado e não se restringe a ajustes da política externa. Envolve novos atores e fóruns dentro e fora do País e implica redefinições de estratégias e alianças internacionais. O Brasil está diante de um enorme desafio: incorporar integralmente as variáveis internacionais na equação do desenvolvimento nacional e redesenhar, de forma coerente e criativa, o papel que espera desempenhar no mundo nas próximas décadas.

Ricardo Ubiraci Sennes, economista, doutor em Relações Internacionais (USP), é professor de Relações Internacionais (PUC-SP) e sócio-diretor da Prospectiva Consultoria

De Kim Jong-il à reforma política



Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Alguns dias atrás, a imprensa noticiava a associação, revelada em experimentos de neurocientistas estadunidenses, entre as escolhas feitas em vários campos, incluído o financeiro, e a atividade de zonas cerebrais diversas, que varia em tipos diferentes de pessoas. O achado, corroborando a perspectiva da "neuroeconomia" como nova área de pesquisa, ajudaria a colocar em xeque a suposição de racionalidade nas decisões econômicas - na verdade, na "Folha de S. Paulo" a notícia é acompanhada de artigo de Hélio Schwartsman sobre as implicações negativas para a própria noção de livre-arbítrio.

Curiosamente, a matéria a respeito coincide com o questionamento da racionalidade envolvida nos desafios belicosos do governo de Kim Jong-il, da Coreia do Norte, nos últimos dias. Na mesma "Folha de S. Paulo", artigo reproduzido do "The Independent" aponta para "uma possibilidade aterrorizante: a de que as manobras de Pyongyang representem não uma política implementada racionalmente, e sim um momento de paranoia frenética". O aspecto visto como aterrorizante emerge em confronto com o que teríamos tido durante o enfrentamento entre Estados Unidos e União Soviética na Guerra Fria, quando teria sido possível evitar o holocausto nuclear pela racionalidade que supostamente orientaria as decisões dos protagonistas.

De fato, é conhecida a teoria da dissuasão nuclear explorada décadas atrás por especialistas famosos, que recorriam à teoria dos jogos e a complicadas elaborações em torno da ideia de racionalidade. A perspectiva geral certamente contava com a disposição ao cálculo racional como trunfo decisivo para evitar a eventual destruição final da humanidade, incluindo cenários assustadoramente sombrios em que um processo de escalada que já houvesse resultado em muitos milhões de mortos de parte a parte ensejaria, ainda assim, a retomada de negociações entre os líderes dos campos opostos. Mas uma ambiguidade crucial quanto ao recurso à racionalidade, por si só, se tornava evidente no jogo de nome inspirado em certas disputas de adolescentes americanos, o "chicken game", em que o caráter catastrófico do resultado negativo para qualquer dos jogadores (algo inerente ao efetivo conflito nuclear, mesmo de proporções limitadas) permite que, contando com a racionalidade do adversário, o jogador que consiga transmitir justamente a imagem de irracionalidade possa levar vantagem e prevalecer: não controlo minhas ações, não se metam comigo... Aplicada de maneira torta (pois não se passa ao outro lado a informação relevante), é a lógica envolvida no humor negro da "máquina do Juízo Final" do filme de 1963 de Stanley Kubrick, o "Dr. Fantástico", em que um dispositivo da União Soviética provocaria inevitavelmente o lançamento arrasador do arsenal disponível se alguma ação do campo inimigo fosse por ele captado como ameaça. Sem as proporções de Juízo Final, o jogo de uma Coreia do Norte nuclearizada e marcada pela imagem de loucura é um exemplo de "chicken".

Se as coisas são consideradas do ponto de vista do agente individual ou singular e de suas decisões, a questão da racionalidade pode ser tomada de maneira que autoriza distinções importantes: o agente será tanto mais racional quanto maior seja a informação de que dispõe, ou quanto mais longa sua perspectiva de tempo e mais complexa a cadeia de fins e meios que leva em conta. Isso permitiria contrapor à mera procura míope dos interesses ou objetivos imediatos uma postura reflexiva, e "autenticamente" racional, capaz de subordinar aquela procura a objetivos maiores - eventualmente mesmo a um ideal moral de vida ou a objetivos transcendentais. Schwartsman fala, a respeito, de desejos "de primeiro grau" e "de segundo grau" e do controle daqueles por estes, o que pode ser aproximado de uma distinção que aqui já mencionei entre uma concepção "libertina" de autonomia, em que se faz simplesmente o que se quer, e a ideia de autonomia como autocontrole, a qual deve estar presente, em alguma medida, numa cultura propícia à democracia.

Não obstante sua aparência abstrata, questões como essas são de grande relevância no plano social e político e especialmente com respeito à construção institucional, que o tema da reforma política de vez em quando, como agora, traz de volta entre nós. O dado imediato pode ser descrito como o embate dos interesses, ou dos desejos de primeiro grau de Schwartsman, e a questão é como implantar instituições que redundem, em algum grau, em focos de reflexividade e racionalidade coletiva. Dois aspectos podem ser ressaltados nas dificuldades envolvidas. Em primeiro lugar, o paradoxo de que construir instituições redunda em pretender criar deliberadamente mecanismos ou dispositivos que, justamente, dispensem as pessoas da necessidade de ponderar e deliberar a cada passo, vindo a produzir, ao contrário, certo automatismo quanto às ações que as instituições e suas normas prescrevam - ou que prescreva a cultura que passará a prevalecer, a qual, naturalmente, tem de afirmar-se contra uma cultura velha que é sempre dada ela própria. Em segundo lugar, o fato de que a ação política de que depende a construção institucional não pode prescindir do jogo estratégico entre múltiplos atores, em que o que sobressai não é senão o "dado imediato" que mencionei, marcado pelos interesses e desejos míopes do embate cotidiano. O desafio é o de edificar os atores - lideranças, movimentos, partidos - capazes de conciliar tais tensões e paradoxos na junção dos objetivos propostos à coletividade com seus interesses e objetivos próprios.

Claro, é possível, como querem alguns, deixar tudo como estar para se ver como é que fica. Instituições e cultura de algum tipo existirão sempre. E gente afeita a joguinhos como o "chicken".

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

A esquerda e a crise

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A esquerda não se beneficia da crise porque, quando esteve no poder, fez muitas concessões ao neoliberalismo

O DESASTRE econômico que estamos vivendo é consequência da hegemonia, nos últimos 30 anos, do neoliberalismo -uma ideologia de direita que desregulou os mercados financeiros.

Entretanto, nas eleições para o Parlamento Europeu que se realizarão nesta semana, não se prevê que os partidos de esquerda avancem e logrem recuperar a maioria detida pela direita.

Como explicar esse fato? Por que os eleitores europeus, que sempre se revelam mais conscientes politicamente -mais capazes de votar de acordo com princípios ideológicos e levando em consideração os resultados alcançados-, não estão dando agora uma guinada para a esquerda?

Meu diagnóstico é o de que a esquerda não está se beneficiando da crise porque nos momentos em que esteve no poder nestes últimos 30 anos ela fez tantas concessões ao fundamentalismo de mercado neoliberal que, afinal, sua política muitas vezes se aproximava daquelas propostas pela direita. No plano social, isso não aconteceu porque os partidos de esquerda se mantiveram fiéis à ideia de que cabe ao Estado aumentar a despesa social em educação, cuidados de saúde, previdência e assistência social e, dessa forma, diminuir a desigualdade. Enquanto o neoliberalismo defendia um individualismo competitivo extremo baseado em princípios meritocráticos, a centro-esquerda rejeitava o pressuposto do caráter inerentemente egoísta do ser humano e, a partir do pressuposto alternativo de que o comportamento humano é fruto de uma dialética entre dois instintos fundamentais -o da sobrevivência e o da convivência-, afirmava a possibilidade e a necessidade da solidariedade ou das virtudes cívicas e defendia um papel ativo para o Estado na redução das desigualdades. Essa foi sua força.

No campo econômico, porém, o histórico da esquerda não é tão favorável. Ela teve uma enorme dificuldade em 1) resistir à proposta de desregulação neoliberal; e 2) em ver uma alternativa econômica à teoria econômica neoclássica e às políticas econômicas convencionais. Não resistiu à desregulação porque se deixou convencer do argumento dos mercados eficientes e autorregulados. E não foi capaz de praticar política econômica alternativa -ainda que uma alternativa keynesiana e desenvolvimentista exista- não apenas porque a hegemonia ideológica era muito forte mas também porque economistas keynesianos e desenvolvimentistas medíocres interpretavam mal Keynes e pregavam algo que os políticos sabem ser desastroso: a irresponsabilidade fiscal.

O episódio mais triste de rendição da esquerda perante o neoliberalismo foi, em 1983, o da virada para a direita do governo de esquerda de François Mitterrand. A política incompetente adotada pelo governo nos dois anos anteriores levou o país a uma crise econômica, e, em consequência, esse mesmo governo se viu, de uma hora para outra, sem alternativa senão adotar a ortodoxia reclamada pelo establishment conservador. Uma política econômica de esquerda exige a capacidade de seus formuladores de reduzir as desigualdades sem prejudicar as oportunidades de investimento dos empresários. Para isso, precisa, de um lado, promover o aumento dos salários com a produtividade e estimular a produção de bens de consumo básico, e não de luxo; e, de outro, distinguir empresários, cujos lucros devem ser satisfatórios, dos juros e aluguéis dos rentistas, que devem ser moderados. Se a esquerda houvesse sido capaz de orientar sua política econômica nessa direção, certamente estaria sendo hoje beneficiada pela crise.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

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