sábado, 30 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DO DIA – Hegemonia 2 – (Gramsci)

“A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um dado de fato mecânico, mas um devir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no sentimento de “distinção”, de “separação”, de independência quase instintiva, e progride até a aquisição real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica , mesmo que dentro de limites ainda restritos.”

(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1 pags. 103-104 – Civilização Brasileira, 2006.)

''Hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: Lula''. Entrevista especial com Luiz Werneck Vianna

DEU NO INSTITUTO HUMANISTA UNISINO

"O movimento social foi cooptado e trazido para dentro do Estado que, a partir daí, exerce essa influência. O MST, os sindicatos, o movimento negro, estão todos dentro do aparelho do Estado. E lá eles se neutralizam", constata o pesquisador do Iuperj.

Pensando nas eleições presidenciais de 2010, o professor Luiz Werneck Vianna defende que, em função da semelhança entre os principais candidatos até então, José Serra e Dilma Rousseff, “não se discutirá política nem quais rumos seriam melhores para o país, mas sim administração”. Para ele, a sucessão de Lula, “a continuar nesta toada, neste andamento, será muito pouco emocionante e dramática, alcançando mais a continuidade do existente do que a descoberta de novos caminhos”. E completa: “O horizonte de 2010 mostra que a disputa política, de projetos alternativos, para o país não terá uma presença muito forte”.

Na entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Werneck Vianna ainda identifica um claro domínio da vida partidária, política e eleitoral brasileira por dois partidos: PT e PSDB. “Embora, nenhum deles possa se intitular como o maior partido brasileiro, tanto um como o outro, para vencerem, precisam de um terceiro partido: o PMDB. O que os aproxima mais ainda”, argumenta. E, reiterando uma opinião que defende há mais tempo, o professor repete: “hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: o Lula. É o único que tem os condões efetivos da política nas mãos. O resto da sociedade está destituído da capacidade de fazer política real. Temos a política de um só”.

Luiz Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Doutor em Sociologia, pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2004), A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999), Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002) e Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula (Rio de Janeiro: Revan, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor vê a possibilidade de um terceiro mandato de Lula?

Werneck Vianna – Seria uma solução infeliz para os rumos da sociedade e da democracia brasileira. Não vejo o que justificaria isso do ponto de vista político, físico, econômico e social. Não vejo motivo, a não ser a manutenção do que já vem ocorrendo.

IHU On-Line – Considerando a opção entre Dilma Rousseff e um possível terceiro mandato de Lula, como fica o PT hoje?

Werneck Vianna – Ele já abdicou há algum tempo de um papel mais autônomo. Tornou-se cativo do governo, do presidente, perdeu inteiramente a capacidade de agir autonomamente. Isso se é que, alguma vez, o PT, como partido, teve condições de agir a partir de deliberação própria. Ele sempre esteve muito dependente da ação seletiva e arbitral do Lula. Precisamos considerar, aqui, uma frente de vários segmentos e de pendências, como, por exemplo, a esquerda católica, o pessoal da outra esquerda que vinha da luta armada, o sindicalismo do ABC, uma intelectualidade mais antiga (tipo Sérgio Buarque, Florestan Fernandes, Raimundo Faoro), que tinha expectativas em relação a um partido de novo tipo. O PT sempre agasalhou essas pendências, e a única pessoa capaz de mantê-las unidas em torno de um projeto comum é Lula. O PT está em uma encruzilhada muito difícil. Ele precisa se afirmar autonomamente diante da máquina do Estado, diante da sua liderança maior, ou, então, perderá as credenciais que já teve, de ser o novo e representar os movimentos sociais, o que já vem acontecendo, visto que esses estão todos dentro do Estado.

IHU On-Line – Pensando ainda nas eleições presidenciais de 2010 e no cenário constituído pela disputa entre José Serra e Dilma Rousseff, o senhor identifica diferenças do ponto de vista da política econômica entre eles ou, independente de quem vencer, tudo continuará igual?

Werneck Vianna – Dilma e Serra têm um perfil muito semelhante, de administradores públicos, de técnicos competentes. São pessoas operativas, eficientes. Os dois são testados em posições difíceis (Ministério da Saúde e da Casa Civil). Não vejo maior distância entre os candidatos, não. Ambos têm uma visão da questão nacional bem definida e são valorizadores do papel do Estado. No entanto, se os governos deles seriam parecidos em função dessas semelhanças, acho que não. Diferenças haveria. É claro que o peso de São Paulo, no caso de Serra ser o vencedor, terá muita significação. E, no caso da Dilma, ela não está encravada nos movimentos sociais. Com a Dilma, talvez se possa imaginar um papel mais desenvolto do Estado e das suas agências.

IHU On-Line – Quais são suas perspectivas de forma geral para as eleições de 2010?

Werneck Vianna – O fato é que o horizonte de 2010 mostra que a disputa política, de projetos alternativos para o país, não terá uma presença muito forte. Inclusive em razão da similitude dos dois principais candidatos até então. Não se discutirá política nem quais rumos seriam melhores para o país, mas sim administração. Essa sucessão, a continuar nesta toada, neste andamento, será muito pouco emocionante e dramática, alcançando mais a continuidade do existente do que a descoberta de novos caminhos, como, por exemplo, a sucessão de Barack Obama significou nos Estados Unidos. Estamos muito longe de uma sucessão marcada pela possibilidade da inovação, da invenção, da descoberta. Agora mesmo o PSDB reafirma o seu apoio à Bolsa Família. Em que irá mudar? Pensando ainda num tempo mais largo, nós estamos nesta política desde 1994. Com flexibilizações para lá e para cá, mas no fundo e no cerne, essa política tem uma continuidade imensa e deve continuar, olhando da perspectiva de hoje, com Serra e Dilma, por mais quatro anos. Temos um domínio da vida partidária, política e eleitoral brasileira por dois partidos: PT e PSDB. Embora nenhum deles possa se intitular como o maior partido brasileiro, tanto um como o outro, para vencerem, precisam de um terceiro partido: o PMDB. O que os aproxima mais ainda. Nesse sentido, o programa de inovação que eventualmente eles venham a ter está muito referido, muito constrangido, pelo fato de o PMDB aprovar ou desaprovar o caminho que eles quiserem assumir. Esta política toda orbita dentro do centro político, ancorada na presença majoritária do PMDB na vida partidária e parlamentar brasileira, embora esse partido não tenha representação forte nos movimentos sindicais.

IHU On-Line – Então, do ponto de vista político, Lula não trouxe novidade?

Werneck Vianna – Ele trouxe, sim. Mas as novidades não significaram uma nova estrada. Não significaram a abertura de caminhos, de sinais, de mudanças. Em primeiro lugar, na questão econômico-financeira, houve mudança? Não houve. Onde houve mudança? Na questão social, sem dúvida nenhuma. Esse governo demonstrou uma capacidade forte de atuar nessa direção. No entanto, alguns programas sociais do governo Lula foram criados no governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Não foram descobertas, invenções novas. Houve mudança na política externa? A política externa para a América do Sul vem de antes, de José Sarney, de Itamar Franco. Fernando Henrique também deu um passo nisso. Podemos dizer que o Lula aprofundou esse caminho. Qual a grande mudança que se podia esperar de seu governo? Governar com uma crescente mobilização dos movimentos sociais na direção de realizar determinadas reformas indispensáveis para a mudança econômica, social e política do país. Entre essas reformas, estariam a Reforma Agrária e a Reforma Política, que não saíram e possivelmente não sairão, no sentido de chamar a cidadania para mais perto da esfera pública. O sujeito hoje vota e não comparece nunca mais. Era de se esperar que houvesse mudanças nessa direção. O que aconteceu foi um aumento da representação simbólica dos setores subalternos, dos movimentos sociais no governo.

IHU On-Line – O movimento social ainda tem peso no jogo de forças da política brasileira hoje?

Werneck Vianna – Tem, embora, ele não esteja ativado. O movimento social foi cooptado e trazido para dentro do Estado que, a partir daí, exerce essa influência. O MST, os sindicatos, o movimento negro, estão todos dentro do aparelho do Estado. E lá eles se neutralizam. Recuperando uma entrevista que eu dei para a IHU On-Line há algum tempo, eles têm o parlamento dentro do governo, uns têm poder de veto sobre os outros. Além disso, eles evitam ir à sociedade nas suas disputas, porque isso poderia desandar esse compromisso que existe dentro do Estado. E quem arbitra e decide tudo é o presidente. Hoje, no Brasil, só uma pessoa faz política: o Lula. É o único que tem os condões efetivos da política nas mãos. O resto da sociedade está destituído da capacidade de fazer política real. Temos a política de um só.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a popularidade do governo Lula mesmo com a crise do capitalismo e do emprego?

Werneck Vianna – O governo tem sabido manobrar com muita lucidez e habilidade nesta crise. Tornou-se o interlocutor dos países fortes, conseguiu alguma representação dos países emergentes, tem uma posição muito boa na vocalização das grandes questões internacionais. Agora, essa é uma crise que deixará sequelas. De fato, as concepções neoliberais foram derrotadas. E sem retorno. A partir daí, deveremos ter um fortalecimento de mecanismos de regulamentação internacionais, além de uma presença da política, do direito e das instituições sociais no controle e na regulação da economia. O que não quer dizer uma volta a concepções já vividas historicamente, como o Estado-Providência, ou o mundo do estado do socialismo real. Isso tudo ficou para trás. Também não significa que, daqui para a frente, a única coisa que esteja em vista seja uma volta maquiada da ordem neoliberal. Essa ordem demonstrou sua incapacidade. A economia não tem como trazer harmonia e coordenação, por si só, aos complexos mecanismos da vida financeira mundial. Uma ordem internacional mais justa se torna uma possibilidade. Esses organismos internacionais, como a ONU, e tudo o que está perto dessa experiência, crescem em expressão. Por exemplo, essa gripe suína trouxe à cena um ator extremamente fundamental, que é a Organização Mundial da Saúde, com capacidade de induzir comportamentos em escala mundial, e, mais à frente, capacidade de induzir normas em relação à vigilância sanitária, o que já vem ocorrendo. Estamos em uma passagem de época, e, como isso ainda é embrionário, nesse nevoeiro ainda não é possível perceber inteiramente para onde se vai. Mas é claro que se vai para uma nova ordem mundial, com o exercício de uma coordenação mais efetiva sobre um mundo sistêmico. A economia não pode mais ter a pretensão de ser uma dimensão autorregulada. Ainda estamos tateando, mas em boa direção. E o que se pode dizer do Brasil, nesse contexto, é que a nossa política externa tem dominado isso e operado num sentido bastante lúcido em relação a essas questões, com um fator de paz e de harmonia na ordem internacional. O Brasil está se comportando de maneira afim, homóloga a esses processos societais de fundo, que agem como fenômenos glaciais, como mudanças de “placas tectônicas” da nossa sociedade.

IHU On-Line – No governo Lula, a balança oscila mais para o lado do trabalho ou para o lado do capital?

Werneck Vianna – Entre os dois lados, o coração de Lula balança. E ele arbitra, dependendo da natureza dos impasses e da gravidade do contexto. O governo é muito aplicado na defesa de si mesmo e procura abarcar todos os interesses. A meu ver, o que muda, de fato, com a sucessão do Lula, perante as candidaturas Serra e Dilma, é que, com eles, essa situação não poderá se reiterar. Sempre haverá perdedores. Nenhum deles têm a capacidade, que é própria do Lula, e que ele conquistou ao longo da vida, pelo seu carisma, pela sua força pessoal, de resolver arbitralmente essas questões. Com Dilma e com Serra, os perdedores e os vencedores serão mais claros. Essa será uma mudança significativa.

IHU On-Line – O senhor compartilha da opinião de que governo e sociedade seguem o mesmo modelo de desenvolvimento que privilegia o crescimento a todo custo, sem muita preocupação ambiental, mesmo diante da crise ecológica?

Werneck Vianna – Precisamos reconhecer que os ambientalistas estão presentes no governo. O fato é que a ação deles está sendo mais ponderada agora em função das necessidades de expansão das forças produtivas que esse país experimenta. Tem havido uma inflexão ao longo do governo Lula e que ficou muito mais caracterizada no segundo mandato, no sentido de uma orientação nacional desenvolvimentista, que apresenta tensões com a questão ambiental. A meu juízo, essa questão vendo sendo bem administrada. O ministro do meio ambiente é um ambientalista convicto. Não creio que ele esteja capitulando.

IHU On-Line – O modelo de desenvolvimento de Lula lembra mais Getulio Vargas ou mais JK?

Werneck Vianna – (Risos). Ele lembra ambos. Essa nova ênfase nas questões nacionais desenvolvimentistas o aproxima muito de Vargas. E, quando pensamos no PAC, ele lembra muito Juscelino. De qualquer forma, o que importa é que o PT, um partido que nasceu em clara oposição a esse passado, a Vargas, a JK, vem se aproximando cada vez mais desse inventário, o que nos remete ainda para o tema da continuidade neste outro registro. No governo Lula, o PT não se comportou como um agente da descontinuidade na política brasileira, mas sim da continuidade. O que não quer dizer que, nessa ação da continuidade, não tenha havido releituras nem transformações importantes. A principal delas tem sido o reforço e a consolidação da democracia política entre nós. E, voltando à sua primeira pergunta desta entrevista, o terceiro mandato pode ameaçar esse patrimônio do que tem sido esses dois mandatos do governo Lula, ou seja, de ter sido o reator que vem aprofundando a experiência democrática brasileira. O terceiro mandato pode significar um divisor de águas muito complicado.

Em tom de comício, Lula entrega obras do PAC em favelas do Rio

Alexandre Rodrigues e Felipe Werneck, Rio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ao lembrar que passará o cargo em 2010 ?para outra pessoa?, ele motivou plateia a clamar por Dilma, a seu lado

Numa retomada da ofensiva para popularizar a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como pré-candidata a sua sucessão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu tom eleitoral ontem à inauguração das primeiras obras de urbanização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em duas favelas da zona norte do Rio. Em Manguinhos, ao lembrar que passará o cargo em 2010 "para outra pessoa", Lula motivou a plateia a clamar por Dilma, a seu lado, como a substituta. No entanto, algumas pessoas também gritaram o nome do presidente e o apelo "fica, fica".

"Quero pedir o seguinte... Depois vão dizer aqui que o Lula não falou em campanha política. Vocês é que se meteram a cantar, a gritar o nome aí", reagiu Lula ao coro, que aclamava Dilma, apesar das restrições legais ao uso eleitoral de inaugurações. "Espero que a profecia que diz que a voz do povo é a voz de Deus esteja correta", disse o presidente, encerrando o discurso. Ao ouvir seu nome cantado pelas cerca de 300 pessoas, Dilma apenas sorriu.

Em fevereiro, o DEM e o PSDB acusaram Lula e Dilma de fazer propaganda eleitoral antecipada em inaugurações e recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra suposto uso político da reunião de prefeitos realizada naquele mês em Brasília. O TSE, contudo, concluiu que faltaram evidências para caracterizá-la.

Em discurso no Complexo do Alemão, Lula repetiu que não podia falar de sucessão, mas não deixou de se manifestar. "Todo mundo sabe que vamos ganhar as eleições de 2010", afirmou. Em seguida, entregou uma flor, retirada de um vaso no palco, para Dilma. "Quando chegar a hora certa vamos para a disputa", declarou. " Vocês vão ver aquele (candidato) que promete o céu e aquele que está junto de vocês." Em Manguinhos, ele também conclamou a população a qualificar seu voto e disse que, para transformar o País, é preciso evitar a eleição de "vigaristas".

"O que a gente está mostrando é que este país pode ser diferente se a gente aprender a não eleger mais vigaristas, se a gente aprender a eleger pessoas que tenham compromisso com o povo, que não tenham medo de pegar na mão de um doente, abraçar um pobre, abraçar um negro", afirmou.

Lula se referiu à própria sucessão ao dizer, em tom de brincadeira, que pretende se esconder do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), até 2010, pois ele sempre pede mais verbas federais para obras no Estado. Só no PAC de favelas, que atinge cinco comunidades do Rio, o governo federal entra com mais de 70% dos recursos de quase R$ 1 bilhão. Como o Estado mostrou ontem, o governo de Cabral, candidato à reeleição e cabo eleitoral de Dilma, acelerou as obras este ano nas principais comunidades do projeto (Manguinhos, Complexo do Alemão e Rocinha) para inaugurar todas até setembro de 2010, um mês antes da eleição.

Em sua terceira visita a favelas em dois anos, Lula desafiou a população a apontar outros presidentes que "tiveram coragem" desse gesto. O presidente pegou criança no colo, acompanhou uma demonstração de natação e jogou futebol com Cabral na inauguração de instalações esportivas. Em Manguinhos, também abriu um centro profissionalizante e uma unidade de saúde. No Alemão, entregou 56 apartamentos.

Minc critica ‘casa da mãe joana’ no governo Lula

Leonencio Nossa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) disse que o presidente Lula lhe deu “toda a razão” ao reclamar que outros ministros estão fazendo lobby no Congresso para modificar acordos relativos a sua pasta. “Alguém do governo solapar a própria posição do governo é a casa da mãe Joana”, afirmou Minc em entrevista ao Estado.

Crise entre Minc e ministros preocupa Planalto

Temor é de que o mal-estar contamine o anúncio de balanço das obras do PAC na quarta-feira

O mal-estar dentro do governo provocado pelos ataques do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a colegas de Esplanada e ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) passou a preocupar o Planalto, que teme que a crise contamine o anúncio, pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), do 7º balanço parcial das obras, previsto para a próxima quarta-feira.

Anteontem, Minc disse que estava impedido "eticamente" e "moralmente" de conceder licença ambiental para a pavimentação da BR-319 e a construção de hidrelétricas no Rio Araguaia, ações prioritárias do programa de infraestrutura.

Assessores do governo avaliam que o tom das críticas de Minc reacendeu o interesse pela solenidade ao pôr em xeque até mesmo os "bem elaborados" selos de classificação do andamento das obras do Programa de Aceleração do Crescimento.

No último levantamento do PAC, em fevereiro, as obras da BR-319 ganharam selo verde, por estarem em situação adequada, na avaliação dos técnicos. Mesmo que a decisão de Minc em negar a licença ainda não tenha reflexo no cronograma das obras, o selo verde no balanço da semana que vem perde importância diante das dúvidas e temores de investidores, segundo assessores presidenciais.

Minc ainda afirmou que não pretende dar licença ambiental para a construção da Hidrelétrica de Santa Isabel, no Rio Araguaia, entre o sul do Pará e o norte do Tocantins. A obra está prevista no PAC, mas não foi citada no caderno do balanço de dois anos do programa, divulgado em fevereiro.

As declarações do ministro contra essa a obra, que já foi licitada, esquentaram uma antiga luta de entidades ambientalistas a favor da preservação do rio que corta os Estados de Goiás e do Tocantins até desaguar no Pará. A polêmica levantada pelo ministro do Meio Ambiente também colocou em xeque a real situação das obras da Hidrelétrica de Jirau, avaliada com selos verdes nas últimas duas edições do balanço do PAC.

Na quinta-feira, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou, numa audiência concedida a Minc, que a licença não tinha saído, como estava previsto. O ministro jogou a culpa no governador de Rondônia, Ivo Cassol (sem partido). Minc, avaliam assessores do Planalto, vai tirar até o brilho da oposição, que nos últimos balanços propagou que o governo só consegue repassar 11% dos recursos previstos em investimentos.

Além de Dilma, participam do anúncio do balanço do PAC os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo. A previsão é de que neste fim de semana o levantamento da situação das obras seja encerrado, com a elaboração de um caderno com informações atualizadas de uma série de ações do governo nas áreas de energia, transportes e infraestrutura social e urbana.

Metas para 2020

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A crise entre o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, os produtores rurais, a quem chamou de “vigaristas”, e os ministros “desenvolvimentistas” chega em um momento delicado, em que o Brasil é chamado a ter um papel relevante na política internacional de preservação do meio ambiente. O governo do presidente Lula parece preso a um paradoxo: gosta da parte ambiental que favorece o Brasil, como os combustíveis alternativos. Mas não se conforma com as normas ambientais que atrasam as obras do PAC.

O filósofo e historiador americano Jim Garrison, presidente do State of the World, uma ONG criada por Mikhail Gorbachev dedicada à preservação do meio ambiente, está no Brasil desde o início do ano tentando obter o apoio do governo brasileiro para um plano ambicioso de antecipar de 2050 para 2020 as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa que devem ser definidas em uma reunião da ONU em Copenhagen no final do ano, em substituição ao Protocolo de Kyoto.

A ideia de Garrison é fazer uma conferência em uma cidade diferente nos próximos dez anos, “para chamar a atenção para esse enorme desafio”, e o Brasil seria a sede de 2010.

Para ele, o Brasil deve ser um dos líderes desse movimento, levando em conta justamente a política de combustíveis alternativos como o biodiesel e as condições climáticas favoráveis também à energia solar e de ventos.

Jim Garrison acha que o Brasil, por ser um dos maiores países do mundo, ter recursos naturais, viver em paz com os vizinhos e ser grande produtor de energia de fonte limpa (hidrelétricas), pode assumir a liderança desse movimento.

Garrison cita como bom exemplo a Cemig, companhia de energia de Minas, que tem 82% de sua geração de fonte limpa. Segundo ele, a Cemig, cujas ações são cotadas em Nova York, é considerada pela Dow Jones um destaque entre empresas do mundo que atuam na economia sustentável.

Diz Garrison que, segundo estudo do MIT (Massachusetts Institute of Tecnology), mesmo que fosse alcançada uma redução de 80% nas emissões até 2050, a temperatura subiria 4 graus. Por isso a necessidade de antecipar a meta para 2020.

Outra consequência preocupante do aquecimento global seria a subida do nível dos oceanos. Com o derretimento do Ártico e Groenlândia, o nível dos oceanos subirá, no mínimo, 25 metros, adverte Garrison, o que atingiria todos os países que têm grandes costas marítimas, como o Brasil.

A elevação do nível dos oceanos forçará a migração das populações litorâneas para o interior, em meio à falta de alimentos.

O derretimento de geleiras afetará cerca de 2,5 bilhões de pessoas, especialmente na China e na Índia.

A ocorrência de secas também na América Central levará a que haja migrações para os Estados Unidos, e destes para o Canadá.

Será um “cataclismo”, segundo Garrison, que não acredita que os Estados Unidos possam liderar uma mudança nos hábitos da humanidade por estarem envolvidos com uma crise econômica de graves proporções, embora acredite que o governo de Barack Obama estará comprometido, na reunião do fim do ano, com um programa de redução do efeito estufa.

Garrison levará o resultado das discussões no Brasil para uma reunião em Washington, em novembro, quando será debatido o que levar para Copenhagen onde, defende, deve-se lutar para fixar para 2020 a meta de corte de 80% das emissões.

Jim Garrison volta a alertar: “Se as emissões parassem amanhã, seriam necessários milhares de anos para o ambiente se recuperar”.

Segundo ele, “o momentum (das emissões) é tão forte que já não se pode mais evitar que a temperatura suba de 4 a 5 graus até 2050”.

Garrison alerta sobre as emissões naturais do metano para a atmosfera, causadas pelo degelo, segundo ele, em quantidade seis vezes maior que tudo que a Humanidade produziu desse gás até hoje.

Ele conta que um comandante russo de navio, ao navegar pelo Ártico, testemunhou que a água borbulhava. Era o escapamento de metano. Sobre o que fazer, ele afirma que não podemos mais evitar o aquecimento, mas podemos evitar “o pior”.

“Se temos dez anos para nos preparar, temos que fazêlo decididamente”.

Há dias, encerrou-se em Copenhagen um encontro empresarial internacional de preparação à reunião do fim do ano, e seis medidas foram decididas, algumas delas já para 2020.

O pressuposto de Jim Garrison de que é inevitável o aquecimento de 4 a 5 graus até 2050 não é aceito pelo fórum, que está propondo medidas para limitar esse aquecimento a 2 graus. São as seguintes as medidas: — Acordo para o estabelecimento de metas de redução do efeito estufa que sejam atingidas em 2020 e 2050, de forma a limitar a média do crescimento da temperatura a 2 graus. Medidas de curto prazo devem ser tomadas, e as de longo prazo devem focar o objetivo de fazer com que as emissões globais caiam pelo menos à metade dos níveis de 1990.

— Medição das emissões por atividade de negócios para que as metas possam ser verificadas.

— Incentivos para um aumento dramático nos financiamentos de tecnologia de baixas emissões.

— Desenvolvimento de novas tecnologias de baixas emissões.

— Fundos para tornar as comunidades mais capazes de se adaptar aos efeitos da mudança climática.

— Meios para financiamento da proteção das florestas.

A grande surpresa do encontro empresarial em Copenhagen foi a posição dos empresários chineses , comprometidos com metas de redução dos gases de efeito estufa e com energias alternativas. (Continua amanhã)

A estiva da tropa

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O líder do governo no Senado, Romero Jucá, tem um bom dilema pela frente. Cotado para assumir o posto de relator da CPI da Petrobrás, o senador se adiantou à indicação oficial e não só aceita, como assegura total imparcialidade no exercício da função.

Essa é a parte mais fácil, a da mistificação. Frente a frente com a realidade, entretanto, Jucá terá de escolher: ou cumpre a promessa de ser imparcial e deixa a liderança do governo ou continua líder e deixa a imparcialidade para outra ocasião.

As duas mercadorias não cabem no mesmo pacote.

Tivesse a neutralidade a mais pálida intenção de comparecer às sessões da CPI, a escalação do comando não seria a que se cogita. A escolha do líder do governo equivale a uma assinatura de compromisso com o resultado.

O mesmo ocorre com a ideia de a senadora Ideli Salvatti, líder do governo no Congresso, ocupar a presidência da comissão. Se confirmada, esperemos que a bem da verdade se abstenha de firmar compromisso com a isenção.

Mais não seja, para que não se extrapolem os limites do razoável no quesito embromação.

Ideli e Jucá são cogitados exatamente para prestar serviço à parcialidade. São líderes de governo, nomeados pelo Planalto, e isso define os contornos da atuação que o governo espera de sua base de apoio e o peso dado ao potencial de dano da CPI.

Sobre a relatividade da garantia proporcionada pelo controle do comando de uma CPI já se escreveu à vasta. Há disponíveis exemplos de comissões supostamente controladas que saíram do controle, mas não há registro de CPI cujo êxito possa ser atribuído ao fato de o presidente ou o relator serem de oposição.

Portanto, perfeitamente entendido que dois governistas por si sós não fazem um verão.

Ocorre que a composição da CPI da Petrobrás está obedecendo a critérios mais rígidos. E inéditos. Nunca se viu governo algum pensar em deslocar seus líderes no Senado e no Congresso para a linha de frente desse tipo de combate.

Justamente para preservar o ofício da liderança, de um lado, e, de outro, evitar a explicitação da presença do Executivo na direção da CPI. Mas aqui não há essa preocupação. Importam menos as aparências que a essência.

E de essencial o que existe é o plano de fazer a CPI fracassar. Custe o que custar, doa a quem doer.

O Planalto está suficientemente escaldado com experiências anteriores para se dar ao desfrute de fazer concessões à figuração. O senador Delcídio Amaral, do PT, e o deputado Osmar Serraglio, do PMDB, governistas, credenciaram-se no quesito impessoalidade ao comandarem a CPI dos Correios, cujo relatório final serviu de base à denúncia da Procuradoria-Geral da República contra os acusados de participar do esquema do mensalão.

Pois Delcídio foi parar numa terceira suplência da CPI da Petrobrás e, fosse a comissão mista, o deputado Serraglio estaria fora, dado ter-se transformado em persona non grata nas hostes pemedebistas.

Os quatro senadores do PMDB que assinaram o requerimento da CPI - Jarbas Vasconcelos, Mão Santa, Geraldo Mesquita e Pedro Simon - nem sequer foram cogitados, embora tenham aptidões suficientes para participar. O problema é que seus atributos não são convenientes.

A tarefa adiante é dura, pesada e requer biografias compatíveis. Daí, a escalação da tropa de estiva comandada pelo líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, cuja influência na CPI se estende para além de seu partido.

E qual é o ofício? Simplesmente impedir que a CPI saia do lugar. Com o regimento interno na mão, uma ordem na cabeça, nenhum pudor nas faces e muita desfaçatez no espírito, a maioria tentará partir para a obstrução total: nada de requerimentos de informações (a não ser as irrelevantes), nada de depoimentos importantes, nada de quebra de sigilo. Nada de nada.

Brigas, desaforos, exacerbação artificial de ânimos, chicanas de toda sorte, isso haverá a mancheias, pois a meta é muita confusão e pouca investigação.

No Congresso, portanto, o campo está todo dominado.

Isso assegura a falência da CPI? Não necessariamente, porque a imprensa o governo não controla, embora tenha tentado exercer o domínio por meio do malfadado Conselho Federal de Jornalismo, que teria a função de fiscalizar, regulamentar e disciplinar o exercício da atividade.

Resolveria os problemas de azia que acometem o presidente Lula quando da leitura de jornais e poderia se arvorar a prerrogativa de considerar qualquer notícia mais embaraçosa sobre os meios e modos de administração da Petrobrás um ato de lesa-pátria a ser combatido a bem da soberania nacional.

Cão que ladra

A emenda que autoriza à disputa do terceiro mandato faz barulho, mas não morde. Se alguém porventura quiser que morda, precisará atuar à luz do dia porque casuísmo não sobrevive sem dono nem prospera no escuro.

A saída da proposta de Genoino

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Não sei como anda o prestígio do deputado José Genoino (PT-SP), que já desfrutou os seus dias de prestígio antes cometer o pecado de envolver-se nas trapalhadas do PT e aliados do mensalão para o rateio entre parlamentares ou do caixa 2 para a ajuda na campanha eleitoral. O certo é que purgou anos de ostracismo, na semiobscuridade do plenário nos seus quatro dias da semana inútil, e, afinal, está recomeçando do ponto de partida, inclusive nas cogitações petistas para a escolha do candidato a governador de São Paulo ou da mais provável candidatura a senador. Em voo mais ousado, mas com as devidas cautelas, o deputado José Genoino anuncia a apresentação, na próxima semana, de uma emenda aglutinativa de uma revisão constitucional, em 2011. O Congresso revisor se reuniria entre 15 de março e 15 de novembro, com amplos poderes para analisar e revisar a organização dos poderes e o sistema político eleitoral.

A amplitude da pauta atende à evidência de que não se convoca uma Constituinte para simples remendos de emergência. Não se discute que a crise moral e ética em que patina o pior Congresso de todos os tempos desafia a competência dos poucos em condições de propor saída e não perder a hora. É o que a emenda atende, no encaixe entre a realização das eleições de 2010 e o início da próxima sessão do Legislativo. Entre as suas virtudes, o destaque para a valorização da eleição de 5 de outubro de 2010, que elegeria o futuro Congresso Revisor que funcionaria paralelamente com a Câmara e o Senado.

A proposta do deputado José Genoino conta com apoios significativos, inclusive dos autores de propostas semelhantes, como a Proposta de Emenda Constitucional do ex-deputado Luiz Carlos Santos, na fila e pronta para ser submetida a votação no plenário. Duas outras, dos deputados Miro Teixeira (PDT-RJ) e Flávio Dino (PCdoB-MA) também aguardam o encaminhamento ao plenário.

Os novos deputados eleitos em 2010 seriam os responsáveis pela revisão constitucional, o que justificaria a esperança da correção dos erros, distorções e casuísmos que contaminam a pobre Constituição de 1988, quase irreconhecível com os remendos que a desfiguram. Para não desperdiçar o tempo encurtado pela madraçaria da semana de quatro dias úteis, às vezes apenas três, com a antecipação para as quintas-feiras da volta para as bases eleitorais, com as passagens aéreas pagas pela Viúva, além da verba indenizatória, agora pendurada no subsídio, o Congresso revisor funcionaria paralelamente com a Câmara e o Senado, seguindo o modelo das Constituintes de 1987 e 1988. As sessões seriam unicamerais, e a aprovação das emendas por maioria absoluta. No toque democrático de absoluta oportunidade, ao final da elaboração das propostas aprovadas pelo Congresso Revisor, elas passariam por referendo popular em 2012.

Certamente há um longo trajeto a percorrer, com todas as imprevisões de um período tenso. No Senado, a CPI da Petrobras é uma autêntica caixa-preta. O gigantismo da maior empresa do país, a sua importância econômica e política, a sua evidente invasão por petistas a exigir o emprego, a amplitude da sua área de atuação, o interesse guloso de prefeituras e governos estaduais justificam os receios de denúncias que projetem a CPI no noticiário de jornais, revistas, noticiário das redes de televisão.

A véspera de campanha, ao mesmo tempo que esvazia as sessões da Câmara e do Senado, é a arena de ásperos debates, da troca de desaforo das quizílias municipais e estaduais. E fumaça que oculta as tramas de bastidores deixam entrever a sombra das hesitações do PMDB e do desconforto das áreas do partido que se consideram marginalizadas dos conchavos dos donos da casa. Centrados na luta pelo voto que garanta mais quatro anos de desfrute do mandato e suas mordomias, poucos terão vagares para acompanhar a trama de bastidores em torno de uma proposta que valoriza o Legislativo e pode dar um jeito na bagunça constitucional que contamina os três poderes.

E, se o Executivo participa dos entendimentos através dos seus líderes na Câmara e no Senado, o Supremo Tribunal Federal (STF) não pode ficar ausente. Pois o mais politizado STF dos últimos dias é um parceiro compulsório num esforço de moralização do país e de melhoria do desempenho da trinca que está sendo convidada a participar do mutirão.

É a economia, estúpido?

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A PESQUISA GPP de 16 e 17 de maio no Estado do Rio mostrou níveis de aprovação de Lula que nunca antes no Rio se havia visto.

Quando pesquisas nacionais apontavam níveis superiores a 70% (2008), a avaliação "ótimo-bom" de Lula na capital do Estado não chegava a 50%. Nessa última pesquisa, obteve no Estado 65% -na capital, 59%; na Baixada (popular), 74%; no interior industrial, 72%; no interior, 65%. As avaliações do governador permanecem entre 30% e 35%, apesar de feéricas campanhas publicitárias na TV, colagem em Lula e a boa vontade da imprensa local.

Lá se vão oito meses da crise econômica, com dados graves de desemprego, quebra de empresas e um futuro de incertezas. O Brasil, neste período, ficou entre os países com dados mais acentuados de queda na indústria, no PIB e no comércio exterior. Por que razão a máxima "é a economia, estúpido", de Carville (assessor de Clinton na época), que relaciona a economia à política não atingiu Lula? O indicador mais óbvio seria o desemprego, que afeta alguns diretamente e indiretamente os que temem o desemprego.

A Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE pode ajudar. Sendo pesquisa, tem alguma margem de erro. Mas a série de muitos anos sempre foi incorporada como sinal dos fatos nas principais regiões metropolitanas e em seu conjunto. Compare-se a PME de abril, de 2008 e de 2009. Pessoas em idade ativa aumentaram 496 mil, ou 1,2%. Pessoas economicamente ativas (PEA), 148 mil, ou 0,6%.

E não economicamente ativas (Pnae) 348 mil, ou 2%. Em seguida, abram-se os elementos negativos da Pnea. As pessoas que gostariam e estavam dispostas a trabalhar diminuíram de 12,2% para 12%. As marginalmente ligadas às PEA cresceram de 4,6% a 5,2%.

As desalentadas diminuíram de 0,1% a 0%. A taxa de desocupação cresceu de 8,5% para 8,9%, mas, paradoxalmente, o percentual de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas caiu de 3,4% a 3%. Vale dizer: a taxa efetiva de desocupação, somando o desemprego aberto com o emprego precário, ficou estável em 11,9%.

Questionar os números vis a vis da crise é infantil depois de tantos anos. Os trabalhadores metropolitanos irem para o interior? A lógica é o inverso. É provável que o Bolsa Família tenha reduzido a migração, e isso ajudaria a explicar os números. Passando à lógica política, talvez os discursos de Lula o situem como um protetor.

Isso explicaria até números piores e sua avaliação. O mais provável é que os números estejam certos e que os primeiros meses de desemprego estejam protegidos pela indenização, FGTS, seguro-desemprego e a esperança. Mas não explicam a avaliação crescente de Lula no Rio.

Cesar Maia escreve aos sábados nesta coluna.

Ideias, apenas ideias

Clovis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O cientista político espanhol Antonio Elorza resgatou ontem, em coluna para "El País", editorial de quase 50 anos atrás do jornal cubano "Prensa Libre".

Para protestar contra o fechamento, pelo recém-inaugurado regime castrista, do "Diario de la Marina", aliás adversário ideológico de "Prensa Libre", o editorial dizia: "Se se começa perseguindo um jornal por manter uma ideia, se acabará perseguindo todas as ideias". Vale, até certo ponto, para a Venezuela de Hugo Chávez, se seu socialismo do século 21 se mantiver na recaída cada vez mais intensa em uma das mais abomináveis características do socialismo do século 20, a perseguição a ideias.

O mais recente exemplo foi o constrangimento imposto ao escritor peruano Mário Vargas Llosa, instado a não emitir ideias sobre política venezuelana. Antes, Álvaro, o filho de Mário, sofrera idênticos constrangimentos. Diga-se que Álvaro Vargas Llosa é coautor do "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", no qual se busca desclassificar todos os que têm ideias diferentes das dos autores, chegadinhos ao mais puro e duro liberalismo.

Em vez de proibir o livro, a melhor reação seria escrever um texto tipo "O Manual do Perfeito Idiota Neoliberal" -livro, aliás, que a presente crise mais que justificaria. Louve-se, aliás, Chávez por ter seguido essa linha ao propor um debate entre intelectuais de direita e de esquerda. Ideias se combatem com ideias, não com a censura, a prisão ou o banimento de quem as difunde.

Aplicada a proposta ao Brasil, os intelectuais chapa branca repetiriam a safada teoria da conspiração que inventaram quando as notícias não eram agradáveis ao chefe? Nem ele acreditou, tanto que pediu desculpas publicamente pelos deslizes do PT. Mas foi a única ideia que essa gente produziu.

Frente externa

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia disse que nunca viu “tamanha série de enganos e equívocos” no Itamaraty. O cientista político Amaury de Souza acha que o governo não atingiu suas metas na política externa. Uma pesquisa feita por Amaury mostra que os brasileiros querem maior presença no exterior e só 1% quer que o país “cuide apenas dos seus próprios problemas”.

Entrevistei os dois na GloboNews sobre os desafios da política externa. Ambos listam erros e fracassos da atual política do governo Lula.

— Entrei no Itamaraty em 1963. Antes disso, meu pai era diplomata, de maneira que estou no Itamaraty desde que nasci. Confesso a você que nunca vi tamanha série de enganos e equívocos, que derivam em parte de falta de profissionalismo, em parte de perspectiva equivocada, de falta de planejamento e um certo ’juvenilismo’, um entusiasmo ideológico — disse o embaixador.

Nessa lista de equívocos, Lampreia inclui a ideia de mandar um embaixador para a Coreia do Norte — que teve de ser abortada — e a decisão de apoiar a candidatura do egípcio Farouk Hosny para a direção-geral da Unesco: — Eu creio, sinceramente, que a explicação básica está no fato de que o dr.

Márcio Barbosa, um homem de extrema competência e grande posição na Unesco, padece de um vício enorme: o de ter servido ao governo Fernando Henrique Cardoso. O Itamaraty tem longa tradição de respeitar posições diferentes e não ter facciosismo.

Ele acha que os árabes merecem um gesto nosso, mas esse foi o sinal errado.

— Primeiro, há um candidato brasileiro. Segundo, o egípcio é uma pessoa inaceitável.

Uma organização que se propõe a defender a educação e a cultura não pode ter como diretor um homem que diz que vai queimar livros. É uma contradição — afirmou.

Amaury, que está lançando o livro “A Agenda Internacional do Brasil”, disse que o Itamaraty está reagindo aos insucessos dos últimos anos: — Até fizemos alguns movimentos certos. Apostamos em Doha, mas não prosperou; derrubamos a Alca, mas nada foi colocado no lugar; não conseguimos reorientar o Mercosul e inventamos ao mesmo tempo uma Unasul, que não tem futuro brilhante. Nenhuma das metas do governo Lula foi alcançada: não conseguimos assento permanente no Conselho de Segurança da ONU; a aproximação Sul-Sul ficou difícil porque a China se considera do mundo desenvolvido; a integração da América do Sul avançou apenas retoricamente.

Continuamos precisando de uma infra-estrutura que ligue as costas do Atlântico e do Pacífico, de união energética e mais comércio. O nosso comércio é feito 96% por via marítima. Ou seja, não conseguimos atravessar nossas fronteiras terrestres comuns. Essa não é uma história de sucesso — afirmou Amaury.

No caso do Paraguai, Lampreia conta que o conflito em Itaipu é a bandeira que resta ao presidente Lugo, que não consegue vencer as máquinas dos partidos tradicionais, entrincheirados no governo, e que resistem à agenda dele.

Sobre Hugo Chávez, ele diz que definitivamente não se trata de um democrata: — É uma falácia dizer que a Venezuela é uma democracia só porque faz eleições plebiscitárias. A democracia não se compõe só de eleições. É independência de poderes, liberdade de imprensa, segurança jurídica, Estado de Direito. Nenhuma delas existe na Venezuela.

O livro de Amaury traz o resultado de pesquisas feitas com líderes de várias áreas sobre a política externa brasileira.

— Entrevistamos diplomatas, congressistas, senadores e deputados na Comissão de Relações Exteriores das duas Casas, empresários, empresas que estão voltadas para o comércio internacional, jornalistas, órgãos de representação de classe, Fiesp, CUT, MST. Há uma concordância enorme em relação à importância da ação internacional do Brasil. Só 1% dos entrevistados acredita que o Brasil deveria cuidar dos seus próprios problemas e esquecer o mundo. Todos querem ser parte da cena internacional. Não há consenso no que se tornou a linha mestra do governo Lula, como a de que o Brasil deveria priorizar o eixo das nações em desenvolvimento e baixar a prioridade da relação com Estados Unidos, Japão e Europa. Isso racha essa comunidade no meio — disse Amaury.

Na visão dele, a concepção original do Mercosul acabou. Agora, há uma grande incógnita.

— Se a Venezuela passa a integrar o Mercosul, qual é o modelo de futuro? Hugo Chávez não aceita as regras básicas de conformação do bloco, quais sejam: economia de mercado, uma área comercial para negociar com o mundo e democracia — diz Amaury Sobre a Coreia do Norte, Lampreia é direto: — O governo da Coreia do Norte é louco, louco de hospício.

Mas tem mísseis e bombas atômicas, o que é altamente perigoso. A comunidade internacional pode fazer muito pouco. O Conselho de Segurança pode aprovar quantas resoluções quiser, que eles não vão dar a menor bola. A única solução real é a China deixar de proteger discreta ou abertamente a Coreia do Norte.

O Brasil terá que lidar cada vez mais com questões globais, por isso, é melhor não cometer tantos erros.

Uma CPMF global

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo da França apresentou quinta-feira, em Paris, durante um evento realizado na sede da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a proposta de taxação das operações financeiras internacionais.

A ideia é instituir uma espécie de CPMF cuja criação foi defendida pela primeira vez em 1972 pelo economista James Tobin, Prêmio Nobel de 1982, que na ocasião se preocupava com o aumento do risco de crise internacional, uma vez que o presidente Nixon havia acabado com o padrão-ouro. Funcionaria como um pedágio que desestimularia operações especulativas.

A proposta ficou conhecida como Taxa Tobin e nunca teve boa acolhida. Em 2001, poucos meses antes de morrer, o próprio Tobin desistiu da sugestão, alegando que fora desvirtuada.

Ela havia sido incorporada pela Internacional Socialista como fonte de recursos para combater a pobreza. Mais interessados na arrecadação do que na sua função regulatória, também os movimentos antiglobalização liderados pela ONG francesa Attac se encarregaram de manter a peteca no ar.

Tal como apresentada agora pela França, essa taxa corresponderia a 0,005% (cinco milésimos) do valor das operações financeiras, o suficiente para proporcionar uma arrecadação anual de US$ 60 bilhões.

Em 1998, o então presidente brasileiro Fernando Henrique pediu, em carta enviada aos chefes de Estado do Grupo dos Sete (G-7), a instituição dessa taxa. Quatro anos mais tarde, o presidente Lula fez a mesma colocação no Fórum Econômico Mundial de Davos, repetida em 2005 pelo então presidente conservador da França, Jacques Chirac.

Os obstáculos políticos para a implantação da taxa são enormes. Os Estados Unidos e a Inglaterra nunca a aceitaram, um pouco por motivos ideológicos e outro pouco por razões práticas. Além disso, um imposto desse tipo exigiria cobranças e controles globais, mais a criação de uma instituição supranacional com poderes para cobrar, transferir recursos e punir sonegadores.

Os obstáculos técnicos também são relevantes. Não há, por exemplo, como distinguir rapidamente uma operação financeira de outra comercial, já que o comércio mundial (de mercadorias e serviços) é largamente financiado. Uma análise sobre a natureza de uma operação dessas levaria dias e, no entanto, as transações são feitas à velocidade da luz, 24 horas por dia.

Numa União Monetária, como a que prevalece na Europa, onde as operações de câmbio entre países foi eliminada, boa parte do fato gerador do imposto desapareceu. Além disso, uma taxa assim criaria mecanismos de compensação que evitariam transferências entre países. Se o Itaú, por exemplo, devesse US$ 1 milhão para o Deutsche Bank e este devesse US$ 1 milhão para o Bradesco, ficaria tudo resolvido se o Itaú passasse US$ 1 milhão para o Bradesco. Não existiria transferência, o imposto estaria sendo driblado e não haveria como impedir esse jogo.

O próprio Partido Socialista Francês uma vez no governo, sob o primeiro-ministro Lionel Jospin, havia desistido da proposta por considerá-la impraticável. Mas, como ocorreu com a ideia do idioma único (o esperanto), sempre aparece alguém que desenterra a Taxa Tobin e proclama que ela tem de ser adotada.

O pavor da grande inflação

Paul Krugman*, The New York Times
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


De repente, todo mundo está falando de inflação. Matérias de opinião severas advertem que a hiperinflação está virando a esquina. E alguns mercados podem estar prestando atenção nessas advertências: os juros de títulos do governo de longo prazo estão subindo, e o medo da inflação futura é a possível razão para essa subida.

Mas será que o medo da grande inflação faz sentido? Basicamente, não - com uma condição da qual tratarei mais adiante. E suspeito que o medo tem a ver, ao menos em parte, mais com política do que com economia.

O mais importante é perceber que não há indícios de pressões inflacionárias neste momento. Os preços ao consumidor estão mais baixos agora do que estavam há um ano e os aumentos salariais perderam a velocidade, em face do alto desemprego. A deflação, e não a inflação, é o perigo claro e presente.

Portanto, se os preços não estão subindo, por que a inflação preocupa? Alguns alegam que o Federal Reserve (Fed) está imprimindo muito dinheiro, o que deve ser inflacionário, enquanto outros afirmam que os déficits orçamentários acabarão obrigando o governo a diminuir seu endividamento pela via da inflação.

A primeira suposição está errada. A segunda poderia estar certa, mas não está.

Agora, é verdade que o Fed tomou ultimamente medidas sem precedentes. Mais especificamente, ele andou comprando muita dívida tanto do governo como do setor privado, e pagando por essas compras creditando reservas extras aos bancos. E, em tempos normais, isso seria altamente inflacionário: os bancos, repletos de reservas, aumentariam seus empréstimos, que impulsionariam a demanda, que empurraria os preços para cima.

Mas estes não são tempos normais. Os bancos não estão emprestando suas reservas extras. Estão simplesmente sentados nelas - aliás, estão enviando o dinheiro de volta ao Fed. Portanto, o Fed não está realmente imprimindo dinheiro, afinal.

Mesmo assim, essas ações não acabariam sendo inflacionárias mais cedo ou mais tarde? Não. O Banco do Japão, diante das dificuldades econômicas não muito diferentes das que enfrentamos hoje, comprou dívida em larga escala entre 1997 e 2003. O que aconteceu com os preços ao consumidor? Caíram.

Tudo por tudo, boa parte da discussão atual sobre inflação traz à lembrança o que aconteceu durante os primeiros anos da Grande Depressão, quando muitas pessoas influentes faziam advertências sobre a inflação mesmo enquanto os preços despencavam.

Haverá risco de inflação depois que a economia se recuperar? Essa é a suposição dos que observam projeções de que a dívida federal poderá subir a mais de 100% do PIB e dizem que a América acabará tendo de reduzir sua dívida pela via da inflação - isto é, empurrar os preços para cima para que o valor real da dívida seja reduzido.

Essas coisas aconteceram no passado. Por exemplo, a França, em último recurso, reduziu as dívidas que contraiu para travar a 1ª Guerra Mundial por meio da inflação. Mas faltam exemplos mais modernos. Nas duas últimas décadas, Bélgica, Canadá e, é claro, Japão passaram por episódios em que suas dívidas excediam 100% do PIB. E os próprios EUA saíram da 2ª Guerra com a dívida excedendo 120% do PIB. Em nenhum desses casos o governo recorreu à inflação.

Então, haverá razão para pensar que a inflação está chegando? Alguns economistas defenderam uma inflação moderada como política deliberada, como maneira de estimular o empréstimo e reduzir o ônus do endividamento privado. Sou simpático a esses argumentos e defendi uma coisa parecida para o Japão nos anos 1990. Mas a defesa da inflação não progrediu entre as autoridades econômicas japonesas de então e não há nenhum sinal de que esteja ganhando força com as autoridades americanas de hoje.

Tudo isso coloca a questão: se a inflação não é um risco real, por que todas as suposições de que ela é? Bem, como vocês podem ter notado, os economistas, às vezes, discordam. E grandes discordâncias são especialmente prováveis em tempos estranhos como os atuais, quando muitas das regras normais já não se aplicam.

Mas é difícil escapar da sensação de que o alarmismo com a inflação é, em parte, político, saindo de economistas que não tiveram nenhum problema com os déficits causados por cortes de impostos, mas, de repente, se tornaram censores fiscais quando o governo começou a gastar dinheiro para salvar a economia. E seu objetivo parece ser pressionar a administração Obama para que abandone esses esforços de salvamento.

É dispensável dizer que o presidente não se deve deixar pressionar. A economia continua em estado lastimável e precisa de ajuda contínua. Sim, temos um problema orçamentário no longo prazo, precisamos começar a assentar os alicerces para uma solução no longo prazo. Mas, no que trata da inflação, a única coisa de que devemos ter medo é do próprio medo.

*Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Natureza humana e privilégios

Leandro Konder
DEU NO JORNAL DO BRASIL / Idéias & Livros

Comecemos pela natureza humana. Afinal, ela existe ou não existe? Em que medida ela pode ser modificada?

Se fosse feita uma pesquisa capaz de observar, empiricamente, milhões de pessoas, os pesquisadores achariam alguma coisa em comum, presente em todos os indivíduos, os que ainda existem e os que já existiram?

Assim como os homens têm dois olhos, dois braços, duas pernas, nem por isso podemos dizer que, se uma infeliz intervenção cirúrgica amputar uma de suas mãos, o indivíduo poderá até ter se transformado no Capitão Gancho, inimigo mortal de Peter Pan, mas não terá perdido aquilo que se convencionou chamar de "natureza humana".

Por outro lado, é evidente que, se um ser tiver somente uma perna, nem por isso terá deixado de pertencer à natureza humana.

No plano psicológico, o problema se complica ainda mais. Quando a alma interfere no corpo, esse poder de interferência é que a torna completamente real.

Ao serem descobertos pelos navegadores europeus, estes se perguntavam qual poderia ter sido a origem dos povos nativos; e acreditavam que eles vinham da Índia (por isso eram chamados índios). Os europeus sabiam que deviam dispor de uma escala de valores para se orientar. Mas o impacto da conquista causou estragos consideráveis tanto no espírito dos índios como no espírito dos colonizadores.

Os valores não são, em geral, criados pelos indivíduos: são inventados pela comunidade. Mas a conquista e a colonização foram feitas por gente que destruía as comunidades indígenas. Ao longo de várias gerações, os espanhóis e os portugueses exploraram e oprimiram os índios e os negros. Assumiam, com desenvoltura, o racismo que lhes convinha.

Pouco a pouco, foram se sofisticando, fizeram um aprendizado de hipocrisia. Aprenderam com seus correligionários ingleses e franceses a fazer concessões à retórica liberal. Condenaram (da boca para fora) procedimentos sórdidos, aos quais recorriam na prática.

Nossos antepassados insistiram há mais de um século na afirmação de que a sociedade brasileira não precisava fazer mudanças, porque já as havia feito. Não carecia de reformas, porque já era uma república, que estava sendo reformada pelo progresso.

República, como o nome indica, era a res publica, a coisa pública. Nossos teóricos inventaram coisa melhor: quando a "coisa pública" dava lucros imponentes, era tratada como "coisa privada" e seus proventos eram desviados para o bolso dos muito ricos, sob a alegação de que, já tendo roubado muito, eles roubariam menos do que os outros.

O maior orgulho dos donos do país é a sinceridade com que eles argumentam: "Somos muito francos. Sabemos que o mito de um regime democrático-igualitário tem feito muito mal à humanidade". E acrescentam: "Os homens são por natureza desiguais. Então a distribuição da riqueza só pode, sensatamente, respeitar e consagrar a desigualdade".

O filósofo Antonio Gramsci, italiano, dizia que, para entender o pensamento político de uma criatura, o que se pode fazer de mais razoável é perguntar a ela se acredita que em algum tempo, no futuro, vamos edificar uma sociedade na qual não existirão nem mandantes, nem mandados. Se, porém, a criatura for pessimista e declarar que "vai ser sempre assim", e insistir em aceitar resignadamente o privilégio dos que exercem o poder, então ela estará contribuindo para que o privilégio se perpetue.

Hoje, o privilégio não só perdura como pisa com firmeza sobre um terreno sólido e amplo, que nós, democratas, socialistas, infelizmente conhecemos mal. Lembro que Marx, no século 19, escreveu: "Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo; trata-se, porém, de transformá-lo". Nas atuais condições, podemos – provocadoramente – dizer que os revolucionários não conseguiram, em geral, revolucionar a sociedade, como pretendiam.

Trata-se de conhecê-la, de interpretá-la de maneira mais efetiva, para transformá-la.

Ofensiva digital

Prosa & Verso
DEU EM O GLOBO

Na capa deste sábado do Prosa & Verso, matéria de Rachel Bertol mostra como as editoras estão investindo em novos tipos de marketing para o livro, com sites, TVs na web e ações em redes sociais. Nos próximos dias, o grupo Ediouro começa a testar na internet a primeira TV digital feita por uma editora no Brasil, cujos programas serão voltados para o conteúdo produzido pelo grupo - além de literatura, a empresa tem muitas revistas, a maioria na área de conhecimento, como ciência e história. De Nova York, a correspondente Marília Martins conta como editoras como Simon Schuster e HarperCollins estão vendo no marketing pela internet uma maneira de "caçar os leitores em casa" em períodos de crise. Da Alemanha, a correspondente Graça Magalhães-Rueter mostra os movimentos feitos por autores europeus contra a digitalização dos livros realizada pelo Google. Miguel Conde faz matéria sobre como o sistema de impressão digital cria novo modelo de relação entre escritores e editores.

Em sua coluna, José Castello escreve sobre "O livro de travesseiro" (Editora Escritos), de Sei Shônagon. Elias Fajardo faz resenha de "Pequenas biografias não autorizadas" (7Letras), de Leonardo Marona. E Marcelo Jacques, professor de literatura francesa da Faculdade de Letras da UFRJ, escreve a respeito de "Zazie no metrô" (Cosac), de Raymond Queneau, um clássico da literatura francesa no Brasil que ganha nova tradução, assinada por Paulo Werneck. Queneau, como diz Marcelo Jacques, foi "um típico intelectual francês do século XX, curioso, inquieto e intensamente envolvido com as grandes questões de seu tempo". O romance foi publicado em 1960 e, um ano depois, Queneau fundou, junto com o matemático François Le Lionnais, o OuLiPo, o Ateliê de Literatura Potencial, seu projeto mais conhecido.

Na edição, ainda, Télio Navega, titular do blog Gibizada, do Globo Online, faz matéria sobre os primeiros títulos da coleção da Companhia das Letras dedicada às histórias em quadrinhos. Entre outros, Navega entrevista Craig Thompson, autor de "Retalhos", premiadíssima HQ.

Boas leituras

Uma celebração recatada ao prazer e à dor de existir

Francisco Quinteiro Pires
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Ana Maria Machado estreia nos versos com Sinais do Mar, obra inspirada na observação dos movimentos marítimos

Ana Maria Machado está celebrando seu amor à vida, no que ela tem de prazer e dor, com um gesto inédito. Pela primeira vez, a consagrada autora de obras infanto-juvenis publica uma antologia de poemas - Sinais do Mar (Cosac Naify, 56 págs., R$ 32), que chega às livrarias neste fim de semana. "A poesia permite que eu faça essa celebração de modo recatado, escondido", confessa. A sua poética de temática única e ritmos diversos não é para crianças somente. É para aqueles que veem o mar como o maior dos mestres dedicados a ensinar lições sobre a condução da existência. "O mar nos ensina a noção do tempo cíclico - é só lembrar que a onda vai e vem, a maré enche e vaza", diz. "Essa é uma lição que nós, os ocidentais, não temos arraigada."

A situação piorou, segundo Ana Maria, com a urbanização, que trouxe a luz elétrica, alterando a noção de tempo dada pela natureza. Mesmo modificada pelo avanço tecnológico, essa percepção está intacta nos 19 poemas de Sinais do Mar. A explicação talvez esteja na história familiar da autora, cujos genes podem ser classificados de marítimos: a sua bisavó portuguesa era conhecida na aldeia como Rosa, a Marinheira, e os seus avós capixabas tinham o oceano na soleira do quintal. As caminhadas diárias à beira-mar apenas reforçaram essa tendência natural a relacionar-se com as águas salgadas.

Interessa à escritora carioca, de 67 anos, lembrar que, desde pequena, quando ia à praia acompanhada pelos pais, as ondas como a vida exigiam coragem e respeito. "Se você tenta fugir da onda, ela é mais rápida que você", diz. "A única coisa a fazer é enfrentá-la, mergulhando por baixo, e se deixar sacudir." E uma nunca vem sozinha. É bom pegar ar e mergulhar de novo, ela explica. "Quis mostrar isso num poema, mas tive de jogá-lo fora por não ter ficado satisfeita com a sua forma."

Ela compara o ato de escrever ao movimento das ondas. "Primeiro você rema até o fundo, passando a arrebentação, onde tudo está acumulado, fervendo", diz. "Daí você fica à espera da onda certa para aproveitar a forte energia que vem da profundeza." Depois, vem o processo racional da escrita, quando há a consciência de que não é possível conter o impulso arrebatador da inspiração. "A poesia é uma força da natureza que não domamos, mas com a qual podemos navegar."

A navegação literária de Ana Maria Machado durou mais de 20 anos, tempo em que trabalhou nos poemas. "E era capaz de ficar mais 50 anos a reescrevê-los, porque jamais me dou por satisfeita." Para se explicar, a escritora recorre ao norte-americano Henry James que dizia - "Quem não escreve acha que o maior problema de um autor é por onde começar, mas o problema é saber onde colocar o ponto final." É muito difícil lidar com a criação, esse universo em dilatação que tem de ser enquadrado em letras. "Meus escritos originais vão, aos poucos, se contraindo para ver se seguro essa expansão", diz. "Quando escrevo poesia, sou mais da família do Graciliano Ramos do que do Guimarães Rosa, porque estou preocupada com a economia de meios."

Ana Maria Machado percebe três vertentes em Sinais do Mar, classificadas de "concretas, narrativas e sensoriais". A primeira se refere aos poemas que citam animais como a gaivota (Revoada), o siri (Siri), o caramujo (Bernardo Eremita), a arraia (Arraia) e a água-viva (Dúvida). A segunda se estrutura na evocação sensorial de sons, visões e cheiros ligados ao mar: é o caso de Aquarela, Terral, Salsugem, Maresia, Gala Solar, Facho, Maré Baixa e Farol. A terceira é composta de poemas narrativos, Naus e Nós e Primeiro Mar, os dois trabalhos mais longos, que finalizam a antologia.

Inspirado na figura do marroned, homem castigado com o abandono numa ilha deserta, Naus e Nós é um poema sobre o homem abandonado à própria sorte. Primeiro Mar é uma homenagem à literatura, à imaginação que o domínio das palavras proporciona. "O que se leu mostrava o infinito/ Só não se imaginava tão bonito/ Tão pleno de surpresas e imprevistos." O ritmo é variado. "Alguns poemas são francamente musicais, com exploração de aliterações, outros são mais focados no jogo com as palavras e na disposição delas na página." A forma varia da métrica tradicional à estrutura do cancioneiro popular.

Pintora, Ana Maria Machado pensou em fazer as ilustrações da sua obra. Mas desistiu. A editora apresentou um livro gráfico, inspirado em poemas e canções de Fernando Pessoa (Ode Marítima), Martin Codax (Ondas do Mar de Vigo) e Dorival Caymmi (O Mar). As letras mimetizam movimentos marítimos; o papel evoca a textura da areia. Em Sinais do Mar, a imaginação navega livremente. Ela reafirma a validade de uma crença de Ana Maria Machado - apesar das instituições que estabelecem limites, "todos os artistas continuam imaginando". E provocando o desejo de liberdade em todo indivíduo.

"RUBEM BRAGA É MESTRE ABSOLUTO", DIZ AUTORA

BELEZA LETRADA: "No Brasil temos dois mestres absolutos. Machado de Assis e Rubem Braga", diz Ana Maria Machado, ganhadora do Hans Christian Andersen (2000), o mais relevante prêmio de literatura infantil, e membro da Academia Brasileira de Letras. "Você até pode dizer que o Guimarães Rosa era um escritor maior, mas não dá para aprender a escrever com ele", diz. Aos 14 anos, ela conheceu o velho Braga. "Quando tive vontade de escrever igual a alguém, foi com o Rubem, queria participar da beleza que ele criava com as palavras." E falou de cor parágrafos inteiros das crônicas de Braga. "Era um fascínio total pela maneira de escrever de um homem que mal sabia falar e que expressava coisas profundas com simplicidade." Quando conversa sobre Sinais do Mar, Ana Maria se lembra de Mar, publicado em 200 Crônicas Escolhidas (Record). Rubem Braga relata a primeira vez em que vê o mar. E ele conclui: "Este homem esqueceu muita coisa mas há muita coisa que ele aprendeu contigo e que não esqueceu, que ficou, obscura e forte, dentro dele, no seu peito.

"Naus e Nós

Naus

saem de Sagres
e deixam infantes,
partem de portos
e deixam mortos,
sangram amores
e rumam ao longe.

Singram
águas salgadas
algas sargaças
a pouco nós.Lonas e telas
pranchas e cascos
cordas e cabos
rangem e puxam,
fazem e desfazem

nós.

Velas sem vento
almas sem calma
encalham em sargaços
nas águas salgadas.

Algumas naufragam
soçobram em escolhos
só sobram
sem escolha,
sem escolta,
poucas naus
- e nós.

O desejo do contemporâneo

Antonio Cícero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

As pessoas que só desejam estar "up to date" acabam por jamais ler os clássicos

O FILÓSOFO Gilles Deleuze diz que "uma boa maneira de ler, hoje em dia, seria tratar um livro assim como se escuta um disco, assim como se vê um filme ou um programa de televisão, assim como se acolhe uma canção: qualquer tratamento do livro que exija para ele um respeito, uma atenção especial, corresponde a outra época e condena definitivamente o livro".

Por mim, cada qual que leia o que quiser da maneira que lhe aprouver. Contudo, quando leio, por exemplo, as bobagens ou trivialidades que são cotidianamente escritas sobre Nietzsche por alguns dos seus fãs, tenho a impressão de que hoje praticamente todo o mundo já adotou a maneira de ler recomendada pelo autor de "Diferença e Repetição". E então tendo a achar que Heidegger é que estava certo, quando recomendava aos seus alunos que adiassem a leitura de Nietzsche para depois que estudassem Aristóteles durante uns dez ou 15 anos.

Deleuze jamais concordaria com isso, pois considerava repressiva a história da filosofia. Segundo ele, as pessoas não se sentem no direito de pensar antes de terem lido Platão, Descartes, Kant e Heidegger. Talvez. Mas eu diria antes que quem não quer pensar sempre acha uma desculpa para tal. Se, na França, é a história da filosofia, no Brasil é a filosofia contemporânea que tem esse papel.

Tradicionalmente o brasileiro, tendendo a considerar-se atrasado em relação ao que se discute no Primeiro Mundo, não se dá o direito a pensar antes de estar a par do "dernier cri" europeu ou norte-americano. Ora, mal se conhece o "dernier cri" e ele já deixou de o ser, de modo que, correndo-se atrás do próximo, deixa-se para pensar por conta própria mais tarde.

Além disso, quem só deseja estar "up to date" acaba por jamais ler os clássicos. A leitura dos contemporâneos toma-lhe todo o tempo.

Quem idolatra o contemporâneo faz pouco caso do passado. Tal pessoa espera que os autores da moda lhe indiquem quais dos autores do passado ainda devem ser respeitados (por exemplo, Spinoza e Nietzsche) e quais devem ser desprezados (por exemplo, Descartes e Hegel).

E, no mais das vezes, como aquilo que os contemporâneos escrevem sobre os autores que recomendam é considerado justamente o supra-sumo destes, torna-se supérflua a leitura dos originais.

Pensemos no significado desse desejo de ser contemporâneo. "Contemporâneo" quer dizer "do mesmo tempo" ou "do mesmo tempo que". Quando dizemos, por exemplo, "Mário e Oswald foram contemporâneos", queremos dizer: "Mário e Oswald foram do mesmo tempo"; e quando dizemos "Leonardo foi contemporâneo de Michelangelo", queremos dizer: "Leonardo foi do mesmo tempo que Michelangelo".

Quando, por outro lado, digo que uma coisa ou pessoa é contemporânea, sem explicitar de quê ou de quem, fica sempre implícito que essa coisa ou pessoa é contemporânea de mim, que estou a dizê-lo. Se digo, por exemplo, "Giorgio Agamben é um filósofo contemporâneo", quero dizer que ele é meu contemporâneo: o que poderia ser dito pelas palavras "Giorgio Agamben é um filósofo do mesmo tempo que eu". Ou seja, o que quer que seja contemporâneo, sem mais, é contemporâneo de mim (seja quem eu for). É claro que, como a contemporaneidade consiste em uma relação comutativa, não posso deixar de, reflexivamente, me reconhecer contemporâneo das coisas ou pessoas que me são contemporâneas.

Isso significa que não tem sentido que eu -seja quem eu for- me diga contemporâneo, sem mais. "Eu sou contemporâneo" significa apenas: "Eu sou do mesmo tempo que eu". Assim também, não tem sentido desejar ser contemporâneo, sem mais, pois "desejo ser contemporâneo" significa apenas:

"Desejo ser do mesmo tempo que eu". Finalmente, não tem sentido desejar ser contemporâneo de alguma coisa ou pessoa contemporânea, uma vez que as coisas ou pessoas só são contemporâneas, sem mais, exatamente na medida em que são contemporâneas de mim e, nessa mesma medida, eu já sou contemporâneo delas.

Assim, o desejo do contemporâneo não passa de sintoma de um agudo provincianismo temporal. Quando se manifesta no campo da filosofia, talvez o melhor antídoto para ele seja exatamente a leitura cuidadosa dos clássicos.

E, de volta a Deleuze, devo dizer que, no lugar de tratar um livro como normalmente se escuta uma canção, acho mais proveitoso, de vez em quando, escutar algumas canções com o respeito e a atenção especial que o bom leitor jamais deixará de dedicar aos bons livros.

Guerreira

Clara Nunes
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