quinta-feira, 28 de maio de 2009

Sob controle

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

O governo já teve muita dor de cabeça com CPIs em que dominava tanto a presidência como a relatoria, como no caso da CPI dos Correios. É verdade que, naquela ocasião, o PMDB não estava tão ligado ao governo quanto hoje, e o relator Osmar Serraglio tinha espaço para ser isento a ponto de seu relatório ter servido de base para que o Ministério Público acusasse o ex-ministro José Dirceu de comandar uma quadrilha que trabalhava à sombra do Palácio do Planalto, acusação esta aceita pelo Supremo Tribunal Federal e em fase de depoimentos.

Já a CPI dos Bingos foi apelidada de CPI do "fim do mundo", porque lá qualquer coisa poderia acontecer. O então ministro Antonio Palocci acabou ferido gravemente em suas audiências, e teve que deixar o governo sob a acusação de ter quebrado o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que o acusara de frequentar uma casa no Lago Sul onde se misturavam lobbies e festas.

No próximo dia 4 de junho, o inferno astral de Palocci pode acabar com sua absolvição pelo Supremo, o que possivelmente lhe abrirá novamente as portas de um futuro político.

Mas nenhum susto desse tipo parece ameaçar o governo com a CPI da Petrobras, que será instalada na próxima semana. A decisão do presidente Lula de não abrir mão dos dois principais cargos da CPI - a presidência e a relatoria - dá pouca margem de manobra para a oposição, que também vai dividida para o embate político.

O DEM não parece tão entusiasmado com a CPI quanto o PSDB, e desde o início da disputa política foi acusado de fazer corpo mole para a sua aprovação.

Não é possível afirmar que o partido, depois de aprovada a CPI pedida pelo senador tucano Álvaro Dias, esteja se comportando de maneira dúbia, mas é evidente que não existe grande entusiasmo dos democratas pelo tema.

Somente a intransigência do governo, se recusando a dar a presidência para a oposição, acendeu o ânimo beligerante do líder do DEM, senador Agripino Maia, que propôs a obstrução do plenário do Senado como retaliação política.

Mas a obstrução é um instrumento da minoria para forçar uma negociação, e não um fim em si mesmo. Tanto que a oposição partiu para uma "obstrução seletiva", pois não tinha condições políticas de se opor à medida provisória que aumenta o salário mínimo.

Ainda existe uma possibilidade remota de o governo vir a abrir mão da presidência da CPI, como defendem alguns de seus importantes líderes, como Aloizio Mercadante ou o provável relator, Romero Jucá.

Mas ninguém está defendendo essa tese com muito entusiasmo, porque o presidente Lula colocou as coisas em termos de defender a Petrobras com todos os instrumentos possíveis.

A composição dos membros da CPI mostra, por si só, a importância que o governo está dando ao assunto. Todos são políticos "orgânicos", isto é, ligados aos interesses partidários mais imediatos e submetidos a uma disciplina que deixa poucas brechas para surpresas.

Três deles são suplentes, o que os liga diretamente aos "donos" das vagas, ou seus grupos políticos: Paulo Duque substitui o governador Sérgio Cabral; João Pedro é suplente do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Os dois não devem criar problemas para o governo. Já Jefferson Praia é suplente do falecido senador Jefferson Péres, e, se cumprir a promessa de seguir os ensinamentos de seu mestre, de quem foi aluno e assessor, pode ser uma figura independente durante os debates. Mas terá que construir sua história política, e não se sabe se tem fôlego para tanto.

O senador Inácio Arruda batalhou para fazer parte da CPI. Além da fidelidade total ao governo, tem uma tarefa específica: defender seu partido, o PCdoB, que domina a agência reguladora do petróleo (ANP), um dos alvos preferenciais da CPI, devido às denúncias de irregularidades na distribuição dos royalties do petróleo.

É muito provável que vejamos, no decorrer desta CPI, diversos recursos da oposição ao Supremo Tribunal Federal, a fim de defender seus pontos de vista fora do rolo compressor do plenário da CPI.

O problema é que os argumentos, na maioria políticos, não servem nos tribunais. Essa diferença entre as instâncias técnica e política é fundamental: no Congresso, as negociações são feitas visando ao interesse e à conveniência políticas, enquanto no Supremo o que norteia as decisões são a legalidade e a constitucionalidade.

Os políticos se queixam da "judicialização" da política, enquanto os ministros do Supremo, em diversas ocasiões, citam a "espetacularização" das investigações das CPIs, devido ao fato de serem transmitidas pela televisão.

O hoje ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando discursou se despedindo do Supremo, advertiu que, se os políticos não são capazes de resolver seus conflitos e os perdedores querem continuar a disputa política nos tribunais, têm que saber que estão abrindo mão de seu poder de negociação e se submetendo a critérios que nada têm de políticos.

Na verdade, o Supremo, ao ser instado pelos políticos a se pronunciar sobre quebra de sigilo ou direitos individuais, acaba na prática criando uma jurisprudência sobre como devem funcionar as CPIs.

Por isso, já foi sugerido que o Congresso tomasse a iniciativa de fazer um documento com as principais normas, para que as próximas CPIs possam funcionar mais a contento. Já o ministro Cezar Peluso defendeu que o próprio STF edite uma súmula para "cristalizar" o entendimento dos ministros sobre os procedimentos legais que devem seguir os pedidos de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico de um investigado.

Fracasso invulgar

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A recente derrota do Brasil na disputa por uma representação na Organização Mundial do Comércio (OMC) não foi uma derrota qualquer. Destaca-se não pelo resultado em si, mas pelo conjunto da obra absolutamente desastrosa.

Ficou ruim para todo mundo: para a ministra Ellen Gracie, para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e para o Brasil, que já se notabiliza como um colecionador de fracassos individuais naquele tipo de certame, tantas foram as apostas erradas feitas durante o governo Luiz Inácio da Silva.

Celso Amorim, como bem aponta o embaixador Rubens Ricupero, conhece o nome e as regras do jogo. Portanto, seria leviano atribuir os equívocos grosseiros e os argumentos mal-ajambrados usados na defesa do nome de Ellen Gracie à qualificação dele como diplomata.

Tampouco é verossímil que o presidente da República tenha tomado a si a questão e imposto a Amorim a forma de agir. No mínimo teria consultado o chanceler a respeito dos prós e contras envolvidos.

É de se supor que um diplomata experiente como Celso Amorim soubesse que as chances eram pequenas tendo em vista que o posto reivindicado acabara de ser ocupado por outro brasileiro (Luís Olavo Baptista) durante oito anos.

É de se imaginar também que um diplomata experiente como Celso Amorim soubesse das exigências do comitê de seleção da OMC em relação ao conhecimento na área de comércio internacional, tido como insuficiente no currículo da candidata.

É de se presumir que um diplomata experiente como Celso Amorim soubesse da impropriedade do argumento rudimentar de que a candidata brasileira era a escolha acertada justamente pela carência de conhecimento específico. Daria a ela um olhar livre de preconceitos sobre as questões em julgamento.

Portanto, é de se concluir que o chanceler seguiu uma orientação. Se foi apenas realista, no tocante à realidade de governo que o cerca, ou se foi mais realista que o rei, não importa.

Em qualquer das duas hipóteses, uma coisa é certa: Celso Amorim segue à risca o propósito anunciado desde o início de "servir ao governo Lula".

Por mais caro que isso custe ao Estado brasileiro a quem o Itamaraty, assim como as Forças Armadas, deve por princípio de ofício servir, sejam quais forem os compromissos ideológicos do governo em curso.

Em tese, o dever de um diplomata experiente como Celso Amorim é alertar o governo sobre as condições adversas, ponderar a respeito dos riscos e, se for o caso, orientar a estratégia de forma a reduzir os danos.

O que se vê neste, nos casos anteriores e no perigo da repetição do fracasso na escolha da diretoria-geral da Unesco é um diplomata experiente pondo sua competência em xeque em nome do desejo de "servir".

Uma estranha aspiração, pois nem sempre a subserviência compensa.

Santa de casa

A ministra Ellen Gracie não deu sorte. Vários candidatos brasileiros a organismos internacionais já perderam disputas parecidas - é do jogo -, mas ela perdeu por uma conjugação de fatores especialmente desagradáveis, cuja ordem numa escala de importância não altera a má qualidade do produto.

Ex-presidente do Supremo, dona do dístico "primeira mulher a ocupar uma cadeira no STF", respeitada por sua capacidade na área jurídica, admirada pela categoria nas maneiras, Ellen Gracie sai do episódio maculada.

Não merecia, embora não se possa atribuir toda a responsabilidade ao governo. Se há um atributo que um magistrado precisa conservar aguçado é o discernimento.

Assim, intriga o fato de a ministra não ter aplicado sua capacidade de examinar as variantes, pesar as condições existentes e julgar a situação de modo a se preservar.

Vitória régia

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, participa de passeata em prol da legalização da maconha, chama a bancada ruralista de "vigarista" e do governo não se ouve reparo algum.

De duas, uma: ou Minc está com carta-branca para pintar e bordar ou é visto como espécime de extravagância rara e, por isso, destinado à preservação.

Tropa de elite

Se confirmada a escalação da líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti, como presidente, e do líder do governo no Senado, Romero Jucá, como relator da CPI da Petrobrás, fica patente a intenção do Planalto.

Não é só controlar os trabalhos da comissão. Isso todo governo faz apoiado no regimento, embora a maioria nem sempre garanta o controle de fato. Muito menos dos fatos.

A ideia é tentar impedir que a CPI ande para qualquer lado, transformando qualquer questão - da requisição de documentos à convocação de depoentes - em uma batalha regimental que tomará tempo e renderá desgaste.

PMDB vira noiva de novo

Bertha Maakaroun
DEU NO ESTADO DE MINAS

Governador Aécio Neves diz que o PSDB está bem mais próximo dos peemedebistas nos estados do que o PT. Por isso, segundo ele, tem mais chances de formar alianças

Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manifestar aos seus interlocutores simpatia pela hipótese de o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), vir a compor a chapa presidencial de Dilma Rousseff (PT), os tucanos reagem. O governador Aécio Neves (PSDB) disse ontem que o seu partido está muito mais próximo do PMDB nos estados do que os petistas. “Se analisarmos do ponto de vista regional, se fizermos uma contabilidade, há proximidade natural maior do PMDB com o PSDB em mais estados do que há essa harmonia com o PT”, afirmou.

Segundo o governador, por um equívoco da legislação eleitoral, não há mais verticalização das coligações, prevalecendo nas coligações acertos regionais, e não a lógica nacional, que neste momento faz do PMDB base de sustentação do governo Lula. “As alianças são livres nos estados, não precisam ter compatibilidade com aquilo que é feito em nível nacional. Vão prevalecer os interesses regionais e aí eu acho que o PSDB tem boas chances de apresentar alianças, além do Democratas e do PPS, que é o núcleo da nossa ação de governo, com o PMDB num número muito expressivo de estados”, acrescentou.

O PSDB deverá tentar ampliar o seu leque de aliados, fazendo investidas inclusive dentro da base aliada de Lula. Nesse sentido, o foco preferencial é o PMDB. “No que depender de mim, eu gostaria de ampliar as alianças que já temos formalizadas hoje para outros partidos que estão na base de sustentação do presidente Lula, mas que não necessariamente estarão apoiando uma candidatura do PT. Não necessariamente”, afirmou.

Em Minas, o PMDB tem conversado não apenas com o PT, ligado ao ministro do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, Patrus Ananias, como também com o PSDB de Aécio Neves. Hélio Costa, pré-candidato da legenda ao governo, se respalda em bom desempenho nas pesquisas eleitorais. Ao mesmo tempo em que Costa e Patrus, também pré-candidato ao Palácio da Liberdade, ensaiam um namoro público de declarações amistosas, simpáticas à tese da “união da base aliada” no estado, os peemedebistas mantêm interlocução com o governador mineiro.

“O que eu posso dizer é que o PSDB de Minas já iniciou também conversas com o PMDB. Eu próprio recebi na última semana o presidente regional do PMDB, deputado federal Fernando Diniz. Outras conversas entre dirigentes partidários ocorrerão”, afirmou o governador.

Para Aécio, o PSDB deve construir o seu programa para concorrer aos governos sem perder de vista a aproximação com os aliados. “Em Minas, temos conversado com aqueles partidos que estão na nossa base de sustentação, mas iniciamos conversas importantes também com o PMDB. O tempo é que vai tomar essas decisões”, considerou, acrescentando que pessoalmente não acredita em nenhuma decisão formal em torno de composição de chapas antes do fim deste ano.

Guerra fiscal

“A guerra fiscal não pode prevalecer.” O comentário foi feito ontem pelo governador Aécio Neves (PSDB) em relação à perda da unidade da Itambé de Minas para São Paulo. Salientando que Minas também tem atraído empresas de São Paulo, o que inclusive tem sido objeto de reclamação do governador paulista, José Serra (PSDB), Aécio considerou: “Hoje, o que prevalece é olho por olho e dente por dente. Isso não é bom para o país, isso não é racional do ponto de vista tributário”.

Terceiro mandato com a ajuda da oposição

Eleições 2010
Izabelle Torres
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Até parlamentares do DEM assinaram proposta do peemedebista Jackson Barreto que permite nova reeleição. Projeto deve ser apresentado hoje

A proposta que permite um terceiro mandato para o presidente Lula pode ganhar forma hoje, quando o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) promete apresentar uma proposta de emenda constitucional que, segundo ele, conta com o apoio de 180 parlamentares, inclusive integrantes da oposição. “Já tenho as assinaturas e agora é só protocolar. É um gesto de reconhecimento ao trabalho do atual governo. Consegui o apoio de integrantes de todas as legendas. Faltará somente um acordo para fazer a matéria caminhar”, disse ontem o parlamentar.

Na lista de assinaturas de apoiadores da proposta constam pelo menos oito integrantes do DEM.
Alguns deles admitiram o apoio ao projeto, mas dizem que o mérito ainda precisa ser amplamente discutido. “Devo ter assinado sim. Não vejo qualquer problema em discutir esse assunto. Até porque isso valerá para prefeitos e governadores também. Acho que o Parlamento é um lugar de debates”, comenta Fernando de Fabinho (DEM-BA). “A gente assina para que a matéria consiga tramitar. É um gesto de coleguismo. Mas na hora de votar o mérito, a tendência é votar com o partido”, analisa Betinho Rosado (DEM-RN). “Não há nada demais ajudar um colega a colocar seu projeto em discussão”, completa Jerônimo Reis (DEM-SE).

A boa vontade de integrantes do Democratas tem preocupado a liderança do partido. Por conta disso, deputados com posição mais radical contra o governo já articulam uma ofensiva para convencer os colegas oposicionistas a retirarem as assinaturas de apoio ao projeto de Barreto.
“Não podemos nem começar essa discussão. Faremos um verdadeiro corpo a corpo para convencer os colegas a retirarem as assinaturas. O DEM não pode sequer cogitar isso”, conta o deputado André de Paula (PE).

O líder da legenda vai além. Ronaldo Caiado (GO), disse que quem defender a tese poderá sofrer sanções da executiva do partido. “Se a assinatura foi um ato de coleguismo não é tão grave. Até porque duvido que isso chegue a tramitar. Mas se a pessoa realmente defender a ideia, o problema será levado à direção partidária”. Na semana passada, o mineiro Vitor Penido disse que apoiar uma proposta permitindo um terceiro mandato seria um ato aplaudido pela população, visto que Lula tem popularidade e não tem feito “um governo ruim”.

A proposta entretanto, tem preocupado alguns governistas. Eles alegam que a insistência na ideia e a colocação do nome de Lula como possível candidato pode enfraquecer o nome da ministra Dilma Rousseff. “O próprio presidente mandou a gente desistir disso para não dificultar o nome do PT. Por isso nem assinei o apoio ao projeto do Jackson Barreto”, disse Devanir Ribeiro (PT-SP), que por dois anos foi um defensor declarado da tese do terceiro mandato.

De acordo com a proposta do deputado Barreto, presidente da República, governadores e prefeitos poderão ser eleitos para até dois períodos imediatamente subsequentes. A emenda, entretanto, só passa a vigorar se for aprovada em um referendo popular, que deve ser realizado no segundo domingo de setembro deste ano. --> --> --> -->

Memória

Ideia surgiu em 2007

As discussões em torno da possibilidade de permitir um terceiro mandato para o presidente Lula começaram em outubro de 2007, depois que o Correio divulgou a intenção dos deputados Devanir Ribeiro (PT-SP) e Carlos William (PTC-MG) de apresentarem projetos que possibilitassem a permanência de Lula no poder mais quatro anos. Diante da polêmica em torno da ideia, William resolveu engavetar a proposta de sua autoria. Ribeiro, por sua vez, insistiu na tese. Tinha muito a ganhar. Além de aparecer como um fiel defensor do compadre Lula, o deputado saiu do grupo dos parlamentares desconhecidos.

No PT, o deputado chegou a tornar-se tema de discussão e chegou a ser chamado no Palácio do Planalto pelo próprio presidente da República. Na ocasião, Lula exigiu explicações sobre a proposta de Devanir e lhe disse que não tinha interesse em um terceiro mandato. O presidente reclamou da repercussão da ideia e pediu ao deputado para desistir do projeto. Insistente, Devanir Ribeiro reformulou o texto duas vezes e somente no fim do ano passado anunciou a desistência, depois de o PT fechar questão sobre o assunto. Na semana passada, depois de uma reunião de peemedebistas, o deputado Jackson Barreto (SE) anunciou a ideia de apresentar uma proposta semelhante a de Devanir.

Aécio aposta em alianças regionais com o PMDB

Eduardo Kattah
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), disse ontem que PMDB e PSDB possuem uma "proximidade natural" majoritária nos Estados. Ele reafirmou que trabalha para ampliar alianças e garantir palanques regionais fortes para um presidenciável tucano.

"Nós fizemos aí uma contabilidade. Há proximidade natural maior do PMDB com o PSDB em mais Estados do que há essa harmonia com o PT", observou Aécio, que disputa com o governador de São Paulo, José Serra, a indicação do partido.

Com o fim da verticalização - que impedia alianças estaduais diferentes das concretizadas na disputa presidencial -, o mineiro acredita que nas eleições de 2010 vão prevalecer os interesses regionais. "Acho que o PSDB tem boas chances de apresentar alianças, além do Democratas e do PPS - que representam o núcleo de nossa ação de governo -, com o PMDB em um número muito expressivo de Estados."

Ao comentar notícia de que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, estaria cotado para ser vice de uma chapa encabeçada pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, Aécio disse não acreditar em decisões formais até o fim do ano.

O PMDB já lançou a pré-candidatura de Costa ao Palácio da Liberdade. O ministro lidera as pesquisas de intenção de voto e busca o apoio de Aécio ou aliança com o PT.

""LASTRO ELEITORAL""

Aécio reiterou que a escolha do candidato tucano à Presidência deve ser feita sem "açodamento". Para ele, o PSDB está no "tempo absolutamente correto". "Lá o governo busca construir candidatura que não tem lastro eleitoral. No nosso campo, as candidaturas têm já espaço eleitoral", ressaltou.

Serra faz blitz contra nepotismo em S. Paulo

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Medida visa a livrar o governo de responsabilidade pela infração

Nove meses depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu a prática de nepotismo nos três Poderes, o governo de São Paulo determinou que seja feito em toda a administração um levantamento sobre casos de contratação de parentes. O alvo são os cerca de 12 mil funcionários que exercem hoje função comissionada - o chamado cargo de confiança.

Um decreto do governador José Serra (PSDB), publicado ontem no Diário Oficial, exige que todos os comissionados declarem ao governo se têm ou não parentes até o 3º grau na administração pública. A medida é uma resposta à decisão do Supremo de agosto do ano passado que proibiu a prática do nepotismo nos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -, inclusive na modalidade cruzada, quando um agente público emprega o familiar do outro e vice-versa, como troca de favor.

Para fins de nepotismo, o tribunal considera o parentesco até o 3º grau com autoridades e funcionários que foram nomeados para cargos de confiança no serviço público. Mesmo que estejam há tempo no posto, esses parentes terão de sair. Os parentes atingidos pela súmula são cônjuge, companheiro, pai, filho, tio, sobrinho, cunhado, avô, neto, sogra, sogro, genro, nora, bisavô e bisneto.

Aparentados que ocupam cargos fora da órbita direta da autoridade terão sua situação analisada caso a caso. Ficam de fora do alcance da súmula os cargos de caráter político, como ministros de Estado e secretários de Estado e de município. Os parentes concursados também não perderão o emprego.

DECLARAÇÃO

No caso paulista, o funcionário terá até 60 dias para preencher uma declaração informando se é parente da "autoridade nomeante" - governador ou superintende de autarquia - ou de servidor investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento.

O governo pede ainda que sejam informados casos de familiares no Legislativo, no Judiciário e no Ministério Público. Quem não entregar a ficha será automaticamente considerado pelo governo cumpridor dos dispositivos da súmula.

Segundo a Secretaria da Casa Civil, se comprovado o nepotismo, o funcionário será exonerado. Em casos de dúvida caberá à Secretaria de Gestão e à Unidade Central de Recursos Humanos se manifestar. A mesma regra valerá para as empresas em que o Estado tenha maioria do capital votante.

NOVAS CONTRATAÇÕES

O governo também exigirá a partir de agora que todas as contratações para cargos em comissão sejam acompanhadas de declaração negativa para o nepotismo.

Na prática, o decreto visa a retirar do governo e transferir para o funcionário qualquer responsabilidade sobre casos de descumprimento à ordem do Supremo. A administração entende que, ao pedir uma declaração dos contratados, cumpre o seu papel e não poderá ser acionada judicialmente.

A medida foi a mesma adotada no ano passado pela Assembleia Legislativa de São Paulo, que exigiu dos deputados e funcionários a declaração de parentes trabalhando na Casa.

A administração estadual tem cerca de 12 mil funcionários em cargos de comissão. Mais da metade (6.638) está na administração direta. O restante, em autarquias, fundações, entre outros.

Dos 6.638 contratados diretamente pelo governo, informou a Secretaria de Gestão, quase 4 mil são funcionários concursados que estão, temporariamente, exercendo uma função de confiança. Os que não passaram por concurso público somam 2.728. O Estado tem, no total, 764 mil servidores.

NÚMEROS

764 mil é número total de servidores do governo de São Paulo

12 mil são funcionários comissionados

6.638 estão na administração direta. Destes, 3.910 são concursados e estão temporariamente ocupando um cargo de confiança

PMDB retoma discussão de 'janela' que permite troca-troca de partidos

Cristiane Jungblut e Isabel Braga
DEU EM O GLOBO

Estratégia é tentar aprovar emenda até setembro ou recorrer a projeto de Cunha
BRASÍLIA. Um dia depois de enterrar a proposta de voto em lista fechada para as eleições proporcionais, o PMDB e os demais partidos governistas retomaram a discussão de uma "janela" para a troca de partidos de detentores de mandato - brecha para a infidelidade partidária. A estratégia é tentar aprovar até setembro a emenda constitucional que abre essa janela e, se não houver tempo hábil, recorrer ao polêmico projeto do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que reduz de um ano para seis meses antes da eleição a exigência de filiação partidária para concorrer. O PMDB assumiu ontem a proposta de Cunha como sendo do partido.

Na prática, a proposta de Cunha permite negociações de última hora, já que o prazo final para a filiação de candidatos passaria a ser em abril do ano da eleição - coincidindo com prazo legal de desincompatibilização de cargos majoritários ou em governos - e não um ano antes, como é hoje. Depois de, na semana passada, praticamente descartar o projeto de Cunha, bombardeado pelos demais aliados, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), sinalizou a mudança de posição:

- A janela seria a possível. É uma emenda constitucional, mas, se não der tempo de votá-la, tem esse remédio (o projeto do Cunha) - disse Alves.

A comissão especial para analisar a emenda constitucional que cria a janela de 30 dias, em setembro do ano anterior à eleição, de Flávio Dino (PCdoB-MA), foi instalada ontem.

Atualmente, vale a regra do Supremo Tribunal Federal de que o mandato pertence ao partido, permitindo a cassação do político infiel.

Minc chama ruralistas de vigaristas, e PT se desculpa

Catarina Alencastro e Isabel Braga
DEU EM O GLOBO

Ministro acirra crise com agronegócio e Caiado reage

BRASÍLIA. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, se exaltou ontem ao discursar para 4.000 agricultores familiares que marchavam em frente ao Congresso e chamou os ruralistas de vigaristas. A fala de Minc gerou reação no Congresso, obrigando-o a se retratar, por intermédio do líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS).

- Não podemos cair no canto da sereia. Fingem que são amiguinhos de vocês. Amanhã vão pedir para parar a reforma agrária, o crédito para a agricultura familiar. Não confiem nesses vigaristas! Estão querendo usar vocês contra o meio ambiente, quando a boa aliança é entre o ambientalista e a agricultura familiar - disse, do alto de um carro de som e com o boné da Contag, a confederação dos trabalhadores na agricultura.

Minc disse que "essa turminha rica" polui rios e fala como se representasse pequenos agricultores. Acusou líderes do agronegócio de chantagear o governo para conseguir recursos:

- Encolheram os dentes de vampiro, o rabinho de capeta. Mas eles não enganam o povo.

O líder do DEM e deputado ruralista Ronaldo Caiado (GO) retrucou no plenário da Câmara:

- Como responder a um desqualificado moral como esse? Esse homem não tem estatura, é irresponsável por tratar um segmento, o setor produtivo rural, com essas palavras. É um palavreado característico dele, nos morros do Borel e da Rocinha com traficantes. Não venha trazer esse palavreado para cá.

A pedido de Minc, o petista Henrique Fontana solicitou a palavra no plenário e disse que o ministro se exaltara, mas se preocupa com a aliança de latifundiários e agricultores familiares. Em nota, Minc justificou seu discurso e reprovou a fala de Caiado: "Fiquei estarrecido com a virulência e o baixo nível das expressões. Repudio suas alegações de qualquer contato meu com traficantes. É uma afirmação falsa, não condizente com a liturgia do cargo".

Reforma engavetada

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O projeto que instituiria o sistema de lista fechada nas eleições para deputados e vereadores, pelo qual o eleitor vota em partidos e não diretamente em candidatos, foi sustado na Câmara antes até de entrar na ordem do dia. Os líderes de 8 partidos médios e pequenos (PTB, PSB, PDT, PR, PP, PSC, PMN e PRB), todos da base aliada, que reúnem 177 dos 513 membros da Casa, recusaram-se a assinar o pedido de urgência para a discussão da matéria, o que a dispensaria de passar pelas comissões técnicas antes de chegar ao plenário.

Foram além: ameaçaram obstruir os trabalhos caso as legendas que apoiam a mudança (PMDB, PT, PSDB, DEM, PPS e PC do B) tentassem colher, uma a uma, as 257 assinaturas para o pedido de urgência. Sem a urgência, não haveria tempo hábil para a sua votação até setembro, prazo-limite para a definição das regras do pleito de 2010. O governo, de quem partiu a iniciativa da reforma, e o presidente da Câmara, Michel Temer, que a encampou, incumbindo o seu colega do PMDB Ibsen Pinheiro de redigir o projeto, acreditavam que poderiam liquidar a fatura com relativa facilidade.

Para o grupo dos 8, no entanto, barrar as listas fechadas - ou pré-ordenadas, porque o partido estabelece a ordem de precedência dos candidatos - era, no entanto, questão crucial. Não porque o novo modelo, seguido na maioria dos países que adotam o sistema proporcional para a eleição de suas câmaras legislativas, representasse para o eleitor um retrocesso em relação ao formato em vigor, como alegam os seus adversários. Mas porque provavelmente afetaria as suas chances de manter os espaços ocupados na Câmara.

De fato, com mais visibilidade e mais tempo de TV, as agremiações que formam o primeiro pelotão parlamentar - PMDB, PT, PSDB e DEM - tenderiam a colher uma proporção de votos ainda maior, consolidando a sua hegemonia na política nacional. Em outras palavras, a fronda do status quo se mobilizou contra o que a inovação tem de melhor, quaisquer que sejam os seus defeitos, em comparação com a fórmula atual: é um freio à fragmentação do sistema partidário, com a proliferação de bancadas legislativas - e o seu conhecido séquito de malefícios.

Significativamente, dois pequenos partidos de tradição ideológica, o oposicionista PPS, descendente do velho PCB, e o seu rival histórico, o governista PC do B, defendem as listas fechadas como instrumento de modernização política. É a mesma posição do diminuto PSOL, nascido da costela esquerda do PT. Significativamente também, do outro lado da divisa não estão apenas siglas. Os inimigos da reforma que não ousam dizer o seu nome são as bancadas que atravessam as fronteiras partidárias, como a dos evangélicos, cujos integrantes se beneficiaram da votação em nomes e da eleição de candidatos com inexpressivo número de sufrágios.

Os cálculos de conveniência das legendas e grupos antagônicos à reforma só vingaram graças aos interesses eleitorais do lulismo. Embora ela tivesse origem em um pacote de propostas do Planalto e contasse presumivelmente com a maioria dos votos na Câmara, foi sacrificada para não fazer marola na coalizão governista a caminho de um ano eleitoral sob o signo da incerteza. "O PT tem duas prioridades", diz o presidente da agremiação, Ricardo Berzoini. "Fazer a reforma política e trabalhar pela unidade da base." Falso. Até outubro de 2010, a prioridade petista é apenas uma: eleger o sucessor do presidente Lula. O resto é o resto.

O que dá razão ao líder tucano José Aníbal, cuja bancada, por ampla maioria, acabou aderindo ao projeto depois de ficar algum tempo no muro. "No primeiro ranger de dentes, o governo e os líderes dos maiores partidos refluíram", protestou. "É a coalizão do imobilismo", concorda o deputado Chico Alencar, do PSOL. A reforma que não vem nunca agora depende de outro projeto discutível: a emenda constitucional do deputado petista José Genoino, que daria ao próximo Congresso poderes especiais para revisar a legislação política e eleitoral. O chamado Congresso Revisor funcionaria entre 15 de março e 15 de novembro de 2011 e as mudanças seriam aprovadas por maioria absoluta - e não por três quintos - em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Não está claro, porém, se a ideia tem amparo na Constituição.

Os impasses da reforma política

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A reforma política foi enterrada essa semana. Não será nem a primeira vez, nem a última, que isso acontece. A diversidade de interesses que envolve uma mudança eleitoral e partidária é tal que não favorece a formação de maiorias parlamentares sólidas. O dissenso acaba sendo, sempre, o responsável pela estabilidade das regras eleitorais e partidárias. A rigor, as alterações introduzidas nas regras partidárias e eleitorais pela Constituição de 88 não negaram as tradições políticas - antes disso, adequaram as normas à nova democracia sem romper com as tradições partidárias arraigadas na vida brasileira, como o voto proporcional e personalizado que consagra o eleito como dono de seu mandato, com mais poder sobre ele do que o seu próprio partido. O poder constituinte atuou, assim, em duas direções: como reação ao período ditatorial anterior, deu forte conteúdo democrático ao texto constitucional, consagrando eleições em todos os níveis e instituindo enorme liberalidade para a constituição de partidos políticos; como restabelecimento de tradições afrouxadas no regime autoritário, consolidou um sistema político sem obrigações de lealdade partidária e restabeleceu, assim, o poder dos líderes regionais donos de votos sobre os partidos.

Ao longo de toda a Constituinte, e após a promulgação da nova Constituição, em 1988, propostas de alterações substantivas nessa realidade foram abandonadas por ausência de maiorias. Assim, o eterno debate sobre o fim do voto proporcional para a eleição de parlamentares municipais, estaduais e federais foi inviabilizado; a cláusula de barreira para o funcionamento dos partidos políticos (mínimo de votos para ter funcionamento parlamentar) foi instituída, mas sua vigência sucessivas vezes adiada, até que foi definitivamente derrubada pelo Judiciário. Na verdade, a única mudança de fato instituída nesse período foi a possibilidade de reeleição para cargos executivos - ainda assim, em termos. Na tradição brasileira, a proibição de reeleição era contornada pela alternância de candidaturas dentro de um mesmo grupo ou família; a partir da reeleição, essa manobra passou a ser feita apenas depois de uma reeleição.

Uma mudança proposta na legislação eleitoral ou partidária sempre prejudicará alguns partidos - aí reside a impossibilidade do consenso. É curioso, todavia, como não existe maniqueísmo nisso.

Na reforma política enterrada essa semana, por exemplo, convergiram favoravelmente à instituição da lista fechada para as eleições parlamentares o PT, o PSDB, o DEM e o PCdoB.

"Racharam" com o PT oito pequenos partidos da base aliada. A lista fechada é uma forma de controle efetivo da agremiação sobre os eleitos, de forma a garantir fidelidade aos seus princípios nas votações do Legislativo. O PT sempre foi favorável a essa mudança. O PSDB e o DEM, como principais partidos de oposição, convergiram para isso. A lista pode ser uma forma de neutralizar o poder de atração que o governo federal exerce sobre as lideranças estaduais, seja ele e elas de que partido forem, na tradição política brasileira. Uma oposição mais orgânica só é possível com partidos mais sólidos.

Como a questão diz respeito à sobrevivência de cada político e de cada partido, a solução defendida pelo deputado José Genoíno (PT-SP) para desenterrar a reforma política no futuro é uma tentativa de sair desses reiterados dilemas colocados pelo sistema político a cada proposta de mudança. Genoíno sugere que os eleitos em 2010 para a Câmara e para o Senado, no período de um ano, tenham simultaneamente às suas funções legislativas normais poderes constituintes para mudar as normas constitucionais relativas ao Executivo e Legislativo. Isso incluiria não apenas as regras de funcionamento partidário e as normas eleitorais, como o papel do Senado, que não constitui efetivamente uma casa revisora, e as regras de edição de medidas provisórias, que dão poder excessivo ao Executivo. Nesse amplo escopo, estão incluídas questões tão polêmicas como as cláusulas de barreira e a fidelidade partidária, que estão hoje no formato definido pelo Judiciário; a suplência dos senadores; o fim das alianças nas eleições proporcionais; além, é lógico, da eleição para o Legislativo por listas partidárias.

Os temas continuarão polêmicos, mas o parlamentar acredita que uma eleição em que está em jogo também um mandato constituinte obrigará os partidos a conformarem-se de forma mais orgânica no pleito, de forma a garantir que seus eleitos ajam de acordo com os interesses e convicções da agremiação, não os seus particulares. Genoíno acha que esse mandato específico levará o tema reforma política para a campanha eleitoral, obrigando um debate direto com o eleitor sobre o tema. As mudanças seriam feitas pela maioria simples dos votos, o que facilitaria os acordos interpartidários - para se alterar uma Constituição, é preciso ter três quintos da Câmara e três quintos do Senado, em dois turnos, em cada casa, e isso nenhum governo conseguiu, exceto o de FHC para instituir a reeleição. Para garantir que as reformas se configurem como produto de um debate mais popular, o deputado defende um referendo às mudanças feitas pelos constituintes de 2011.

Nada garante que a Constituinte desempaque o debate e a reforma política, mas pode ser uma discussão definitiva sobre o tema. Há quem defenda que o problema do sistema político não são as regras eleitorais ou partidárias, e que sucessivas mudanças, em vez de melhorá-lo, interrompem um processo de amadurecimento que é natural e obrigatório, dada a pouca tradição da democracia brasileira. O simples fato de que, dessa vez, o fim da reforma política perdeu de vez coloração ideológica, todavia, pode ser um sinal de que o estágio da recente democracia brasileira requer um debate sobre o formato institucional dos poderes que emanam do voto popular - Executivo e Legislativo - e das eventuais deficiências formais no sistema representativo instituído pelas Constituição de 1988. Não custa pagar para ver.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Câmara: Sem apoio da base, discussão de reforma política é enterrada

Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O plenário da Câmara não votou ontem o requerimento de urgência para análise do projeto da reforma política, que tinha sido acordado na semana passada. Com isso, o financiamento público de campanha e a votação em lista fechada (em que o eleitor vota no partido e não no candidato) não serão analisados neste momento pela Casa.

Os principais partidos de oposição ao presidente Lula criticaram a quebra do acordo para votar ontem o requerimento, que foi assinado apenas por DEM, PSDB e PPS. Pressionados pelas pequenas e médias legendas -PP, PTB e PR-, as siglas da base resolveram não apoiar o documento, que não conseguiu as assinaturas suficientes para ir ao plenário.

Diante de mais um fracasso da reforma política, deputados falam agora da possibilidade de votar a emenda, de autoria do deputado José Genoino (PT-SP), que propõe a instituição de um congresso revisor. Ele seria feito apenas em 2011, com a função de modificar pontos do sistema político-eleitoral.

O texto que deveria ter sido apreciado ontem estava sob responsabilidade de Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).

Opinião pública e reforma política

Leonardo Avritzer
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Aqui está, provavelmente, a raiz do atual problema no Brasil: a opinião pública não partilha as regras pelas quais se rege o sistema político

A IDEIA de opinião pública ou de espaço público supõe que os sistemas políticos modernos operam com uma noção mais ampla de representação do que a legitimidade da autorização dada pelo eleitorado. Ao lado da autorização pelos eleitores, que é a base do sistema representativo em vigor em todas as democracias contemporâneas, existe também um processo informal de formação da opinião pública sem o qual a democracia não pode sobreviver.

O papel da opinião pública é discutir questões políticas em geral, estabelecer novos padrões de moralidade política, avaliar e criticar os governantes, de forma tal que possa se estabelecer entre os representantes e os representados algum tipo de convergência nos momentos não eleitorais.

Afinal, ainda que as eleições justifiquem os mandatos, quatro anos é um período longo, e há a necessidade de criar legitimidade entre os períodos eleitorais. Para tanto, é preciso que os representantes atribuam à opinião pública importância. Caso contrário, continuará havendo representação, mas a sua legitimidade será baixa, e a democracia passará por aquilo que se convencionou chamar de "crise da representação política", um fenômeno certamente em vigor no Brasil hoje.

O Brasil é um país que teve uma formação tardia da opinião pública. A urbanização tardia, ao lado da persistência de níveis de escolaridade relativamente baixos, permitiu que o sistema político se acostumasse com um baixo grau de controle pela opinião pública e pela sociedade civil.

Essa situação mudou com a modernização acentuada a partir dos anos 1950, com a constituição de uma sociedade civil mais organizada e com a redemocratização em 1985. Hoje, o país tem uma sociedade civil com práticas políticas mais avançadas do que o seu sistema político, e a opinião pública percebe tal fato.

Em pesquisa por nós realizada no ano passado para o livro "Corrupção: Ensaios e Crítica", colocamos a pergunta sobre quais são as instituições consideradas mais corruptas no país. A Câmara dos Deputados apareceu em segundo lugar nesse ranking (com nota 8,34 em um máximo de 10), atrás apenas dos Legislativos municipais.

Vale a pena mencionar também que instituições da sociedade civil, tais como ONGs e associações de bairro, foram consideradas sistematicamente menos corruptas do que as instituições políticas, situando-se em um patamar em torno de 6,32. q Aqui está, provavelmente, a raiz do problema que o Brasil enfrenta: a opinião pública não partilha as regras pelas quais se rege o sistema político -e cabe a esse último se adaptar a essa nova situação.

A frase recente de um obscuro deputado pelo Rio Grande do Sul ("Estou me lixando para a opinião pública") dá uma dimensão da dissociação entre sistema político e opinião pública no país.
Na medida em que a opinião pública vai refletindo novos padrões de moralidade política e cobrando mudança de comportamento por parte dos parlamentares, duas possibilidades aparecem: a adaptação do sistema político a esse novo padrão e uma reação no interior do próprio sistema político contra a opinião pública.

Aí está a raiz do conflito em curso entre imprensa e sistema político. A afirmação do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) expressa uma posição no interior do Congresso Nacional de desconsiderar a opinião pública. Essa posição se refletiu também no adiamento da proposta de reforma política ocorrido nesta semana. Ambas as atitudes expressam uma visão de autonomização do Parlamento em relação à opinião pública.

Essa é uma posição equivocada, porque supõe que apenas a autorização eleitoral pode legitimar o exercício da representação.

É hora de a opinião pública reagir, e a maneira correta de reagir é por meio de uma ampla campanha pela reforma política. Para além de questões que estão na pauta, tais como financiamento público das campanhas políticas e lista fechada nas eleições proporcionais, é preciso tratar dos elementos que fazem os congressistas se sentirem um grupo privilegiado em relação à sociedade.

Entre os elementos dessa reforma devem estar o fim da imunidade para delitos civis cometidos pelos parlamentares (tal como o duplo atropelamento ocorrido no Paraná) e a retirada do poder dos parlamentares de julgar os crimes ou delitos cometidos por seus colegas.

O Parlamento com certeza sairá reforçado de uma reforma política que institua a ideia de que a representação não implica privilégios, mas responsabilidades assumidas perante os eleitores e a opinião pública.

Leonardo Avritzer, 49, mestre em ciência política e doutor em sociologia, é professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). É autor de "A Moralidade da Democracia", entre outras obras.

Lula está à direita de FH, diz sociólogo ex-petista

Adauri Antunes Barbosa
DEU EM O GLOBO

"Presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres", afirma

SÃO PAULO. A visão de um ex-petista, o sociólogo e cientista político Francisco de Oliveira, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), provocou reações no PT. Em entrevista ao jornal "Valor", Chico Oliveira, como é conhecido, disse que o presidente Lula está à direita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e que o governador José Serra (PSDB) é "o grande líder conservador" do país. Para Chico Oliveira, Lula está à direita de FH por "não recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos".

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, rebateu:

- É uma visão profundamente equivocada. Na política você tem sempre que respeitar opiniões, mas nas categorias sociológicas da ciência política do que é esquerda e direita, no padrão clássico, é impossível concordar - afirmou Berzoini.

O presidente do PT disse, porém, concordar com Chico Oliveira na crítica a Serra. Para o sociólogo, Serra "faz um governo gerencial e até reacionário, ao lidar com funcionalismo e com a universidade pública. É um político que gradualmente se converteu, quando vemos o passado dele e o local onde atua agora".

Procurado, por meio de sua assessoria, Serra não comentou a entrevista do sociólogo.

Chico Oliveira disse ainda que o país vive "um consenso conservador" que impede mudanças. Ele criticou o Bolsa Família: "O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, é uma dádiva".

E também criticou a candidatura de Aécio Neves (PSDB), governador de Minas, à Presidência: "Aécio parece mais um político superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi uma opinião dele que impressionasse".

"Consenso despolitiza sociedade e coloca Lula à direita de FHC"

César Felício, de Belo Horizonte
Entrevista com Chico de Oliveira
DEU NO VALOR ECONÔMICO (ontem
)

Intelectual historicamente identificado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo sido filiado ao PT até 2003, o professor aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) Francisco de Oliveira tornou-se ao longo do atual governo um dos mais cáusticos críticos à esquerda do lulismo. Para este ano, o acadêmico pernambucano de 75 anos, conhecido como Chico de Oliveira, prepara um livro que irá retratar a construção de uma hegemonia às avessas. Ou seja: como um líder popular carismático trabalharia no sentido contrário aos interesses da base que o elegeu.

No ano em que rompeu com o PT, Oliveira desferiu no front literário um dos mais contundentes ataques sofridos por Lula, ao escrever "o Ornitorrinco", um posfácio ao seu livro "Crítica da Razão Dualista", editado pela primeira vez em 1972.

Neste posfácio, Oliveira procurou fazer uma aproximação entre a elite dirigente do PT e a da oposição tucana, que teriam como grande traço de união o controle do acesso a fundos públicos.

Em setembro de 2004, Oliveira participou da criação do P-SOL, formado por dissidentes do PT que discordavam da moderação econômica do governo Lula, particularmente da reforma da previdência. Meses depois, o partido receberia outra maré de adesões de desiludidos com o petismo depois da eclosão do escândalo do mensalão.

Com a eleição de 2006, ocorre um novo afastamento. Oliveira discordou da condução da candidatura presidencial da então senadora Heloísa Helena (AL), sobretudo da decisão da sigla de permanecer neutra no segundo turno da eleição presidencial, e declarou voto pela reeleição de Lula. Chegou a definir a campanha da candidata do P-SOL, calcada nas denúncias contra o governo federal no plano ético, como um "udenismo de esquerda".

No início da crise econômica global, em janeiro deste ano, Oliveira propôs que o governo federal radicalizasse suas políticas de desenvolvimento, sugerindo que se criassem "cinco Embraer por ano", uma maneira de defender a maior participação do Estado na economia. Mas a ausência de mudanças na estratégia governamental ao longo deste ano fez com que o sociólogo voltasse à posição crítica dos últimos tempos.

Nesta entrevista, concedida por telefone ao Valor, Chico de Oliveira demonstra ceticismo em relação a mudanças no quadro político com as eleições presidenciais do próximo ano. Eis a entrevista:

Valor: Qual a avaliação que o senhor faz do governo Lula, já em seu penúltimo ano? O senhor rompeu publicamente com o PT em 2003, mas depois declarou voto pela reeleição de Lula em 2006...

Francisco de Oliveira : A minha declaração de voto em 2006 foi uma atitude política. Lula estava sob ataque de forças opositoras naquele momento e havia a esperança, uma palavra que nem gosto de usar, de que um segundo mandato fosse promotor de mudanças, mas hoje podemos ver que não houve nenhuma mudança e essa chance passou. O governo de Lula, concretamente, não demonstrou nenhum avanço social no plano dos direitos. Do ponto de vista da condução econômica é uma administração medíocre, que pensou que se salvaria da crise global e percebe-se que não tem nenhum domínio da situação. Economicamente o governo Lula é um barco à deriva, que se as ondas forem boas chega a um bom porto, e caso contrário, não.

Valor: Que comparação pode-se fazer com o governo FHC?

Oliveira: Lula está à direita de Fernando Henrique [Cardoso] ao não recompor as estruturas do Estado e não avançar na ampliação de direitos. O presidente tenta se legitimar promovendo consensos que passam pela cooptação dos mais pobres. O Bolsa Família não é um direito, mas uma dádiva. Neste sentido, vivemos na gestão dele uma regressão política, porque no governo Lula houve uma diminuição do grau de participação popular na esfera pública. E quando se projeta o cenário de 2010 percebe-se como Lula resulta regressivo. Com a força perdida pelo PT e a ausência de alternativas de Lula, uma vez que a doença de sua candidata mostra sinais de gravidade, aparece o terceiro mandato.

Valor: O senhor acha que o governo está criando um caldo de cultura para o terceiro mandato?

Oliveira: Sim, porque Lula aparece, para os olhos de determinados segmentos do meio político e popular, como o homem providencial. E neste sentido a possibilidade de um terceiro mandato é perigosa. Getúlio [Vargas] ensaiou isso com o queremismo, em 1945. Agora, pode muito bem surgir um queremismo lulista: o povo ir às ruas para pedir a continuidade do governo.

Valor: E o senhor acha que o povo irá às ruas?

Oliveira: Não digo o povo, uma categoria imprecisa, mas o PT e a CUT ainda têm capacidade para promover barulho, e barulho é o que é decisivo em uma questão como essa.

Valor: Porque no campo da esquerda nem o P-SOL, nem outras siglas conseguiram se firmar como alternativas a Lula?

Oliveira: Nada surgiu porque, ao tornar-se um mito popular, Lula tornou-se infuso à política. Ele produz um consenso de forças sociais, que estão todas muito contentes com o governo, e assim torna impossível ao eleitorado fazer escolhas reais. Isto explica porque Heloísa Helena, apesar do apelo popular que teve e tem, não se tornar uma alternativa. Vivemos um consenso conservador, no sentido de não se transformar nada, mesmo com a presença das massas populares neste consenso.

Valor: Ao romper com o PT, o senhor disse que o partido poderia ter o mesmo destino do peronismo, tornando-se uma força política que não consegue ter referências ideológicas e prende-se ao espólio de uma liderança...

Oliveira: Se fiz esta aproximação, foi um equívoco meu. A mídia brasileira por vezes passa uma ideia equivocada do que foi [Juan Domingo] Perón na Argentina. O Perón não despolitizou o país. Sob o vezo do autoritarismo, em seu período se produziu uma ampliação de direitos tal que a tradicional oligarquia argentina jamais se recuperou. No caso de Lula, está ocorrendo exatamente o contrário, a diminuição do espaço da política na sociedade.

Valor: O governo Lula não investiu na inclusão de minorias nos espaços de poder, por meio de políticas de ação afirmativas para negros e mulheres?

Oliveira: Ele tomou os vestígios de um discurso sociológico fajuto para negar o conflito de classes. Veja, com a análise da questão das classes se mata as charadas no Brasil. Quando a gente pensa a sociedade por meio destas clivagens de gênero e raça, não se mata charada nenhuma. O problema do Brasil é de uma grande maioria, virtual totalidade mulata, e não pode ser resolvido por políticas afirmativas étnicas, diferentemente do que ocorre na Bolívia e na Venezuela, onde a chave étnica é decisiva. Para resolver os problemas de exclusão social no Brasil, é preciso enfrentar problemas de classe. A política de cotas só faz reafirmar a exclusão. Qual as chances concretas que um negro com grau universitário obtido graças às cotas ampliação de direitos combatem a discriminação.

Valor: O senhor analisa o governo Lula como o autor de uma guinada conservadora, mas, com instrumentos como a Carta ao Povo Brasileiro, Lula já não se elegeu sob este signo?

Oliveira: Pelo contrário, Lula foi eleito em um processo de força popular crescente de um movimento político, que acumulou energia de eleição em eleição desde os anos 80. Não foi um episódio que se resume à crônica de 2002, foi um processo longo. Lula foi eleito com uma base progressista. Não houve nenhuma chancela do eleitorado para o que ele faria a seguir.

Valor: Além de sua gestão econômica até certo ponto surpreendente, o primeiro mandato de Lula foi marcado pelos escândalos na área ética, dos quais o do mensalão foi o mais emblemático. Por que a ressonância popular destes problemas foi zero?

Oliveira: Há uma tendência popular de nivelar a todos. Historicamente, a questão ética só estigmatiza políticos de estatura menor, como os exemplos recentes de [Paulo] Maluf e [Orestes] Quércia. Gostaria que tivesse sido diferente, mas este fator jamais foi decisivo em eleições brasileiras e não será na próxima.

Valor: Qual o balanço que o senhor faz da oposição brasileira nestes últimos sete anos?

Oliveira: Que crítica a oposição pode fazer ao governo Lula? Objetivamente nenhuma. Os governadores José Serra e Aécio Neves estão do mesmo lado. Em termos concretos, já há tempos a oposição deixou de existir. Isto porque a política no Brasil perdeu a capacidade decisória.

Valor: Que diferenças o senhor identifica entre Serra e Aécio?

Oliveira: Rejeito ambos por motivos diferentes. Aécio parece mais um político superficial que se faz sob a herança política familiar. Nunca vi uma opinião dele que impressionasse. Serra é uma surpresa. Faz um governo gerencial e até reacionário, ao lidar com o funcionalismo e com a universidade pública. É um político que gradualmente se converteu, quando vemos o passado dele e o local onde atua agora. É o grande líder conservador.

Valor: Sob que signo será disputada a eleição presidencial do próximo ano?

Oliveira: A eleição de 2010 será despolitizada e regionalista. Vejo agora a articulação entre São Paulo e Minas. Antes era o café com leite, hoje talvez seja o café com leite de um lado, a cana e a indústria do outro... a eleição caminha para ser uma disputa entre a confluência de São Paulo com Minas em contraposição à confluência do Nordeste e do Norte. É uma disputa que se dá em termos regionais, sem nenhum ponto político, nenhuma discussão de concepção propriamente política. Ao criar um consenso, Lula foi fortemente despolitizador. É uma dinâmica diferente do tempo de Fernando Henrique. Fernando Henrique buscou subjugar as forças contrárias, Lula as desmobiliza.

Valor: E que papel jogam atualmente os movimentos sociais?

Oliveira: Os movimentos sociais estão apagados, porque tratam-se em sua maioria de articulações em torno de objetivos pontuais, o que tornam limitadas as possibilidades de crescimento. O mais importante deles, que é o MST, busca saídas para a sobrevivência.

Valor: Esta desmobilização política não é um fenômeno global?

Oliveira: Ela é um fenômeno mundial. A França elegeu [Nicolas] Sarkozy, um direitista que se disfarça. Nos Estados Unidos, temos [Barack] Obama, que está recuando de suas posições iniciais. Na Alemanha, Ângela Merkel faz uma conciliação que junta sociais democratas e conservadores. E na Rússia, há um florescer do autocratismo. Todo mundo está convergindo para um ponto médio, que é uma espécie de anulação das posições. Mas no Brasil é mais grave, porque aqui a desigualdade é muito maior.

Chávez. Da abundância dos petrodólares ao pedido de empréstimo ao BNDES



Jarbas de Holanda
Jornalista


O Hugo Chávez que se reuniu ontem em Salvador com o presidente Lula tem um diferencial básico em relação ao poderoso líder da “revolução bolivariana” de até oito ou nove meses atrás, detentor de vultoso volume de petrodólares. Que lhe propiciavam ostentar altas taxas de crescimento (artificial) do PIB venezuelano, bem como promover generosos financiamentos a vários países sul e centro-americanos para a montagem do “socialismo do Século 21” (inclusive em ajuda clandestina aos Kirchners no pleito presidencial argentino do ano passado).

O Chávez de agora lida com os efeitos de vertiginosa queda da receita do petróleo (o da Venezuela tem preço bem menor que o dos árabes e outros grandes exportadores, pois a qualidade é inferior; a quantidade vem caindo pelo debilitamento gerencial e tecnológico da PDVSA; e é enorme o desvio de recursos da estatal para o populismo chavista). Esses efeitos se traduzem em progressiva redução do cacife e da influencia da sua política externa (apesar da persistência da agressividade retórica). E desencadeiam aguda deterioração da economia doméstica.

Do Chávez anterior o que se mantém e se acirra é o radicalismo esquerdista e autoritário das decisões internas do governo, como tentativa de resposta a tais efeitos através de desenfreada estatização de empresas nacionais e estrangeiras, e, para conter o crescente descontentamento social, com mais restrições ao que resta de liberdade de imprensa e maiores ameaça e cerco às forças políticas oposicionistas.

É um Chávez externamente enfraquecido que, na Bahia, tentou – sem sucesso – a efetivação de parceria com o governo brasileiro na construção da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, que a Petrobras está tocando sozinha, e formalizou junto a Lula pedido de empréstimo ao BNDES, de R$ 1,490 bilhão para , para execução das obras do metrô de Caracas.

Pode ter constituído mero expediente de Lula para driblar um compromisso sobre a referida parceria, deixando por isso de representar um ato de irresponsabilidade política e diplomática, a revelação feita pela imprensa de declaração reservada dele a Hugo Chávez (que vazou dos aparelhos de tradução simultânea de áudio, não desligados, para os repórteres que esperavam a coletiva dos dois presidentes): “Se eu conseguir eleger a Dilma, eu vou ser o presidente da Petrobras e você, Gabrielli (presidente da estatal brasileira, que estava ao lado dos dois) vai ser meu assessor, aí o acordo sai”.

Reações do Judiciário obstruem a articulação para 3º mandato

As fortes manifestações dos presidentes do TSE e do STF, feitas esta semana, contra a hipótese de um terceiro mandato do presidente Lula reforçarão certamente os receios do Palácio do Planalto, e dele próprio, de qualquer envolvimento com passos de setores do PT e da base governista voltados à abertura de espaço na agenda do Congresso para propostas com esse objetivo.

Primeiro, o presidente do TSE, Carlos Ayres de Britto, afirmou: “A república postula a temporalidade e a possibilidade de alternância de poder. Quanto mais se prorroga o mandato, mais (o país) se distancia da república e se aproxima da monarquia. Dizer que é constitucional o terceiro mandato é dizer que o quarto, o quinto também o seriam”.

Por seu turno, e respaldando as declarações de Ayres de Britto, o presidente do STF, Gilmar Mendes, condenou tanto um terceiro mandato presidencial quanto a prorrogação geral de mandatos até 2012, objeto de outra proposta recentemente lançada. Palavras de Gilmar: “Acho extremamente difícil fazer uma compatibilização (das referidas propostas) com o princípio republicano. As duas medidas têm características de casuísmo. E vejo que dificilmente serão referendadas ou ratificadas pelo STF”.

Ao menos no horizonte visível, tais reações apontam para a exclusão do recurso de mais um mandato para Lula como alternativa a uma eventual impossibilidade de concretização (por motivo de saúde) da candidatura da ministra Dilma Rousseff. Com o que restaria só a da busca de outro nome, em grande medida dependente do aval do PMDB

Passado, futuro

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

No dia em que o presidente Barack Obama indicou o nome de Sonia Sotomayor para a Suprema Corte, o escritor William Gibson, fundador da cibercultura, postou em seu Twitter: "Lembram-se quando parecia que o primeiro hispânico na Suprema Corte de Justiça seria Alberto Gonzales?" A diferença entre os dois é que enquanto ele tentava dar base legal para a tortura, ela desbravava o Ciberdireito.

Os poucos toques do recado de Gibson disseram tudo. A diferença é enorme. Além de atuar em uma nova fronteira do Direito, até então inimaginada, Sonia representa o futuro por vários outros pontos de sua biografia. Alberto Gonzales foi nomeado por Bush para o cargo equivalente ao de ministro da Justiça, no Brasil, e se tornou o "justificador-geral" do governo. Quando seu nome começou a circular para a Suprema Corte, 200 professores de Direito escreveram uma carta aberta ao Congresso e à Casa Branca, dizendo que "Gonzales e outros advogados do governo não cumpriram com sua mais elevada obrigação de defender a Constituição".

Saiu de um memorando de Gonzales a tese, vitoriosa no governo Bush, de que a Convenção de Genebra sobre os direitos de prisioneiros de guerra não se aplicava à luta contra o terrorismo. Foi ele, também, quem definiu com pouquíssimos termos o que seria considerado prática de tortura por parte de militares e agências de segurança. Gonzales deixou de incluir o afogamento simulado.

A indicação de Sonia Sotomayor, a primeira pessoa de origem hispânica a chegar à Suprema Corte também está agitando os Estados Unidos. Os republicanos tentam comprovar que ela seria uma juíza partidária. Seu nome ainda terá que ser aprovado pelo Senado. Na blogosfera, ela é um dos temas mais quentes do momento, mas por outras razões: ela é o oposto de Gonzales e é isso que explica a pergunta de Willian Gibson.

Sotomayor nasceu em uma família porto-riquenha no South Bronx, em Nova Iorque, um bairro de latinos e negros empobrecidos nos anos 60 e 70, período em que era violento e discriminado. Famoso por ser o local do celebrado Yankee Stadium, do conhecido time de beisebol, o bairro começou a ser objeto de políticas de renovação, nos anos 80. Com isso, atraiu jovens profissionais de classe média para seus novos condomínios.

Sonia viveu no velho e pesado South Bronx, em um projeto habitacional de baixa renda da prefeitura, onde normalmente o sonho americano acabava em drogas ou à bala. Seu pai era um operário e morreu pouco antes de a menina completar nove anos. Logo depois, Sonia teve a confirmação do diagnóstico de diabetes, numa época em que o tratamento da doença era muito menos desenvolvido. A mãe, enfermeira, trabalhou duro para criar os dois filhos: Sonia e o irmão. Para escapar das dores da perda do pai e da vida em um ambiente tão inóspito, refugiou-se nos livros, que a levaram ao Direito.

Não foi uma aluna qualquer. Nos dois colégios em que estudou antes da faculdade, Blessed Sacrament e Cardinal Spellman, foi a primeira da classe. Ganhou uma bolsa de estudos para Princeton, onde se formou Summa Cum Laude e Phi Beta Kappa, que são duas das maiores consagrações possíveis do mérito acadêmico. Foi uma das ganhadoras do prêmio M. Taylor Prize, a maior honraria concedida por Princeton a um aluno de graduação. Durante a pós-graduação na escola de Direito da universidade Yale, foi editora do "Yale Law Journal" e do Yale Studies in World Public Order.

Ela ainda foi procuradora-geral assistente em Nova Iorque e atuou como litigante comercial da cidade. Considerada uma liberal - progressista na acepção do termo liberal nos Estados Unidos - a opinião geral é de que é pragmática. Depois de Nova Iorque, fez uma carreira sólida na magistratura, que a levou até a Corte de Apelações, nomeada pelo presidente Bill Clinton e aprovada pela esmagadora maioria do Senado.

Sonia é a mais progressista na lista que o presidente Obama examinou. Por suas decisões, pode ser julgada como mais ao centro, ora pendendo para o lado conservador, como em duas decisões sobre o aborto, ora pendendo para os liberais, como nos casos relacionados a censura, privacidade e direito de opinião na Internet. A blogosfera está encantada com a nomeação porque ela é considerada a primeira pessoa a chegar à Suprema Corte que conhece e pratica o Ciberdireito. Para seus antigos chefes, é justa e pragmática. Em um artigo, o "The New York Times" a definiu como uma pessoa de opinião forte, que não se intimida na tribuna, nem diante da imprensa.

O presidente Obama disse que queria alguém sensível aos interesses das pessoas comuns. Isso ela tem de sobra, afinal, é uma pessoa comum, que chegou às altas cortes da Justiça dos EUA, pelo esforço enorme da mãe para educar os filhos, por seu talento e méritos, e pelas políticas afirmativas que permitiram aos talentos das minorias chegarem às universidades da elite. Quem nasceu no South Bronx em 1954 e viveu lá as duas mais turbulentas e sombrias décadas do bairro, especialmente a crise dos anos 70, que empobreceu Nova Iorque, levando-a quase à falência, e chegou à Suprema Corte, é uma pessoa comum, mas com uma biografia incomum.

Mixuruca por aqui, esquisito por lá

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Melhoria no crédito em abril foi bem modesta no Brasil; nos EUA, mercado começa a elevar juros de longo prazo

FOI BEM MIXURUCA a alardeada recuperação no crédito em abril. Houve novidade interessante apenas no aumento dos empréstimos para pessoas físicas.

O total de dinheiro emprestado no país cresceu 0,45% sobre março, bem menos da metade do avanço de fevereiro para março -no decerto excepcional ano de 2008, o crédito crescia a 2,3% ao mês.

Caiu o volume de empréstimos novos para as empresas. Bancos estatais continuam a responder por 80% do aumento do estoque de crédito (e por 78% do incremento do estoque de crédito para o setor privado). Antes da crise, de janeiro a setembro de 2008, a fatia dos estatais era de 34%. Note-se que o novo peso dos estatais não se deve a uma atuação incrementada do BNDES.

Quanto a juros e a "spreads", houve melhora, em termos. Os juros médios caíram porque caiu o custo médio do dinheiro para os bancos. No caso do crédito para as empresas, o "spread" até aumentou um pouco.

O estoque de empréstimos em abril ainda era 22% superior ao de abril de 2008. Dado o colapso mundial do crédito, está muito bem. Mas, se continuarmos no ritmo mixuruca verificado de janeiro a abril, o crédito terá crescido apenas uns 3% no final do ano. Menos do que a inflação. Os bancões dizem que o crescimento será de 10% a 15%. A ver.

Enquanto isso, nos EUA...

A diferença de rendimento ("juros") entre papéis de curto e longo prazo do Tesouro americano continua a aumentar (trata-se de papéis de dois e de dez anos). Note-se que essas taxas são definidas no mercado secundário, de acordo com a alta ou a baixa do interesse dos investidores por tais títulos. Quando vendem, o preço deles cai, o rendimento ("juros") sobe. Grosso modo, em suma, os investidores se livram de títulos mais longos, coisa que começou a ocorrer a partir de meados de abril. Agora, a taxa de títulos de dez anos está, na praça, no nível mais alto desde novembro de 2008.

Foi em abril que os economistas de Barack Obama passaram a conversa de que os bancões dos EUA não estariam tão quebrados quanto se pensava e que não haveria mais estatizações. A campanha do governo Obama colou e ajudou os investidores a perder o medo de riscos. Agora, querem ganhar algum, pois papéis do governo americano não rendem nada. De resto, o mercado teme a inundação de papéis do cada vez mais endividado governo americano. Tudo isso, enfim, ajuda a derrubar o dólar (investidores saem dos títulos em dólar e aplicam alhures -como no Brasil).

Mas os "juros longos" continuaram a subir, o que influencia outras taxas do mercado, como a de financiamentos imobiliários (o que ajudou a azedar o mercado, ontem). Isto é, os juros de longo prazo sobem enquanto o banco central dos EUA, o Fed, quer mantê-los ao rés do chão, pois a recessão ainda vai longe, apesar da propaganda.

Não é uma tragédia. O Fed havia conseguido baixar bem o custo do financiamento imobiliário, que nos últimos dias subiu ainda pouco. O Fed pode voltar ao mercado e comprar papéis, a fim de manter os juros no chão. Mas o povo que aposta dinheiro nessas coisas anda alarmado. Os nativos estão inquietos.

A força da Bolsa

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A Bolsa brasileira vai tendo excelente desempenho neste ano. Apesar da leve baixa de ontem, o Índice Bovespa, que mede a valorização das 65 ações mais negociadas no mercado, fechou ontem nos 51.792 pontos. É o nível que aponta uma valorização de 9,5% em maio, 37,9% neste ano e está a 42% do seu nível histórico mais alto, alcançado em maio de 2008.

Os analistas desdobram-se para saber até onde vai essa força. Mas a corda está sendo puxada para os dois lados. O primeiro fator que pressiona em direção a uma retração do mercado de ações é quase uma reação mecânica: vai cair porque subiu rapidamente demais. Em todo caso, é difícil saber o que é demais ou de menos quando o assunto é preço de ações numa conjuntura de crise financeira global. Ninguém garante que o fundo do poço foi ultrapassado. A qualquer momento um grande banco pode ter problemas e já não se vê a mesma confiança no dólar. Em outras palavras, se houver uma recaída séria da crise, as bolsas, inclusive a brasileira, sofrerão.

Outro argumento que conspira contra o avanço da Bolsa é o comportamento do setor produtivo neste ano. Apesar do bom desempenho do consumo interno, o PIB da economia brasileira converge para perto do zero por cento e, assim, as empresas poderão ter resultados fracos.

A política também joga contra. Há uma CPI da Petrobrás rolando no Senado e, no vale-tudo eleitoral, qualquer coisa pode ocorrer. Denúncias graves ameaçam sair de algum buraco e, mesmo sendo inconsistentes, têm potencial para produzir estragos.

Mas a pressão na outra ponta da corda talvez seja mais forte. Há dinheiro demais rolando pelos mercados. Os capitais do Hemisfério Norte passaram muito tempo entocados com medo da crise e vivem um clima de primavera, mais predispostos ao risco.

Ao mesmo tempo, consolida-se a percepção de que a economia dos emergentes (a do Brasil entre elas) sairá mais forte da crise e já mostra descolamento positivo em relação às economias mais avançadas. É o que ajuda a explicar por que as aplicações líquidas de estrangeiros na Bolsa brasileira neste ano alcançaram US$ 4,4 bilhões até 22 de maio.

Enfim, mais dólares podem amarrar-se a ações de empresas brasileiras e isso nem precisa entrar no Brasil. A Bolsa de Nova York tem tudo para negociar um volume maior de ações brasileiras do que a Bolsa de São Paulo, como já tem acontecido.

A queda dos juros por aqui empurra ainda mais o aplicador brasileiro para a renda variável. É um movimento que não está restrito às pessoas físicas. Os fundos de pensão, por exemplo, que têm um patrimônio de R$ 450 bilhões, já não conseguirão produzir o mesmo desempenho do passado graças ao alto peso dos títulos de renda fixa em suas carteiras. Daqui para a frente, suas metas atuariais só serão cumpridas com aumento dos investimentos em renda variável (ações e debêntures conversíveis em ações).

Se alguma conclusão se pode tirar é a de que os fatores positivos parecem prevalecer. O problema é que, num mercado tumultuado e tão sujeito a turbulências, o tempo bom pode virar de repente. A Bolsa pode continuar sendo uma boa aposta, mas apenas para quem estiver disposto a apanhar também chuva forte.

CONFIRA

O homem falou - Pela primeira vez, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, admitiu que o governo pode instituir um Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na entrada de dólares.

Apesar das ressalvas, a declaração é importante. No mínimo, mostra que o Banco Central se incomoda com a forte valorização do real. E fica admitido que as intervenções podem não se limitar a compras "para recompor as reservas e evitar excessivas oscilações".

O problema é que essas restrições dificilmente funcionam numa economia aberta como a brasileira.

Superávit do governo central cai 59,3%

Renata Veríssimo
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Enquanto as despesas do governo federal, excluindo as empresas estatais, cresceram 19,1% de janeiro a abril, as receitas caíram 1,7%

As despesas do governo federal, excluindo as estatais, cresceram 19,1% de janeiro a abril, enquanto as receitas caíram 1,7% no mesmo período. Por isso, o superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida pública) do Tesouro, da Previdência e do Banco Central no primeiro quadrimestre somou R$ 19,5 bilhões, 59,3% menos que os R$ 47,9 bilhões do mesmo período do ano passado. Só em abril, o esforço fiscal do governo foi de R$ 10,12 bilhões, ante R$ 16,72 bilhões em abril de 2008.

Os gastos com pessoal foram os que apresentaram maior expansão nos primeiros quatro meses do ano: 24,23% acima do mesmo período de 2008.

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, atribuiu parte da evolução das despesas a uma sazonalidade no início do ano: foram desembolsados R$ 2,3 bilhões a mais que no ano passado para pagamento de sentenças judiciais favoráveis a servidores, valores que tendem a ser menores ao longo do ano. Mas ele admitiu que os números refletem também os reajustes salariais negociados no ano passado com diversas categorias do funcionalismo público.

Augustin argumentou, porém, que há um aumento dos investimentos. "A tendência que se espera para 2009 é que os investimentos cresçam bem mais que o custeio", disse. Pelos dados do Tesouro, os gastos com custeio subiram 23,2% até abril, em relação ao período de janeiro a abril de 2008.

Os investimentos cresceram 25,8%, somando R$ 6,76 bilhões no período. As despesas do Projeto Piloto de Investimento (PPI), que podem ser abatidas do cálculo do superávit primário, somaram R$ 1,93 bilhão, o que representa elevação de 18,4% em relação ao mesmo período de 2008. O valor é menor que a meta para o PPI, de R$ 2,1 bilhões, prevista no último decreto de programação orçamentária e financeira.

Segundo o secretário, a queda do superávit é coerente com a programação do governo, que recentemente diminuiu a meta prevista para este ano para combater os efeitos da crise econômica mediante aumento de gastos públicos.

A meta de todo o setor público (que inclui estatais, Estados e municípios) foi reduzida de 3,8% para 2,5% do PIB. Mas o esforço fiscal pode ser menor, em até 0,5% do PIB, se o governo usar a prerrogativa de deduzir da conta os investimentos feitos nas obras incluídas no PPI.

Augustin destacou que o governo já conseguiu atingir a meta de superávit primário para o setor público para o primeiro quadrimestre, de R$ 17 bilhões. Segundo ele, considerando o resultado do Tesouro, da Previdência e do BC de janeiro a abril e o resultado das empresas estatais, Estados e municípios de janeiro a março, a economia acumulada é de R$ 21,6 bilhões. O BC divulga hoje o resultado de todo o setor público no mês de abril.

Para FGV, País já está em recessão

Adriana Chiarini
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A avaliação é do recém-criado Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, da FGV, que adota critérios do NBER, dos EUA

O Brasil entrou em recessão já no terceiro trimestre do ano passado, pelos cálculos do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV). Os economistas que compõem o comitê, porém, ainda não determinaram quando o período de contração da economia terminará.

A conclusão do Codace não tem base na definição usual no Brasil de que a ocorrência de dois trimestres consecutivos de variação negativa do Produto Interno Bruto (PIB) configura recessão.

Os critérios usados no estudo seguiram os do National Bureau of Economic Research (NBER), usados no acompanhamento dos ciclos econômicos nos Estados Unidos.

De forma simplificada, por essa ótica, a recessão é vista como o período de pelo menos seis meses, que vai do pico anterior da atividade econômica ao ponto mínimo (vale) seguinte.

De acordo com o Codace, o último pico brasileiro se deu no terceiro trimestre do ano passado, pondo fim a um período de 21 trimestres de expansão, iniciado no terceiro trimestre de 2003.

Foi o mais longo período de crescimento nos últimos 30 anos.

O último vale, portanto, ocorreu no segundo trimestre de 2003. O próximo, que iniciará um novo período de expansão, ainda não foi determinado.

"Não há dúvida de que há recessão de, pelo menos, seis meses e não há indicação de que estamos saindo dela", disse o integrante do comitê e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, João Victor Issler. "Os dados são insuficientes no momento para que se faça uma datação de término", ressaltou o vice-presidente do Ibre-FGV, Vagner Ardeo.

QUEDA GERAL

Apesar de o período avaliado pelo Codace, oficialmente, do primeiro trimestre de 1980 ao quarto trimestre de 2008, o comitê usa, além do Produto Interno Bruto, uma série de outros indicadores, como os de emprego, vendas, produção e renda, cujos resultados de março já foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por esses outros indicadores, o Codace concluiu que a queda da atividade econômica não ocorreu só na indústria, mas em outros setores.

"Depois da queda brusca na produção industrial, outros setores começaram a acompanhar os movimentos negativos", afirmou Issler.

O comitê é coordenado pelo ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore e também integrado pelos pesquisadores Dionísio Dias Carneiro (Casa das Garças), Marcelle Chauvet (Universidade da Califórnia), Marco Bonomo (FGV), Paulo Picchetti (FGV), Régis Bonelli (FGV). Apenas Marcelle Chauvet, Issler e Bonelli participaram ontem da entrevista coletiva.

Bonelli, no entanto, não foi afirmativo. "Suspeitamos que estamos em recessão", declarou. "Suspeitamos, não. Estamos em recessão", retrucou Chauvet, relatora da apresentação.

"Se tivesse alguma dúvida, a gente não teria decretado (o pico no terceiro trimestre de 2008)", disse. "Uma vez que se estabelece o pico e o vale, se define o ciclo. Pode haver crescimento forte do PIB e ainda assim haver recessão."

Chauvet observou que a recessão americana atual já atravessa 18 meses e é a mais longa do pós-guerra. Já a Grande Depressão nos Estados Unidos durou 43 meses.

Issler observou que o período dessa primeira divulgação do Codace vai até o quarto trimestre de 2008, mas está implícito que o comitê vê continuidade da recessão no primeiro trimestre de 2009.
Ardeo explicou que, mesmo que haja uma recuperação neste segundo trimestre, isso não necessariamente significará que passamos a um período de expansão.

Segundo o Codace, do primeiro trimestre de 1980 até o quarto trimestre de 2008, a economia passou por sete ciclos de negócios completos - com expansão e contração. Nesses ciclos, a duração média das expansões foi de 10,4 trimestres e a das recessões, de 5,4 trimestres.

A maior contração ocorreu entre o terceiro trimestre de 1989 e o primeiro trimestre de 1992. "Nenhuma das quatro recessões ocorridas a partir do período de inflação mais baixa, após 1994, durou mais que cinco trimestres", diz o Codace.

Ontem, o comitê fez a sua primeira apresentação pública, desde que foi criado, em 2004. Ardeo contou que não haverá periodicidade na divulgação dos trabalhos e se pronunciará quando tiver "informação relevante, uma contribuição importante a dar".

"Estamos dando uma resposta para um pergunta que importa à sociedade brasileira", completou Issler.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Jackson do Pandeiro - Chiclete com Banana

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Bebop no meu samba

Jotabê Medeiros
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

EXCLUSIVO: disco perdido, gravado em São Paulo, no Estúdio Eldorado, em 1974, por Dizzy Gillespie, monstro do jazz, com o Trio Mocotó, é localizado na Suíça. Ouça faixas e saiba mais sobre achado.

Letra profética de Gordurinha e Jackson do Pandeiro, Chiclete com Banana, já advertia: "Só ponho bebop no meu samba quando o Tio Sam pegar no tamborim/quando ele pegar no pandeiro e no zabumba/quando ele entender que o samba não é rumba."

Em 1974, o trompetista Dizzy Gillespie, um dos monstros sagrados do bebop, já tinha pegado no pandeiro e estava bochechudo de saber que o samba não tem nada a ver com a rumba. Já tinha ido a Cuba, feito batucada no Brasil e realizado fusões fantásticas. Foi então que ele retornou ao Brasil, em agosto daquele ano, disposto a inovações. Recrutou o Trio Mocotó (grupo que lançou o samba-rock ao lado de Jorge Ben) para gravar um disco que juntasse jazz e samba.

Durante 8 horas, no Estúdio Eldorado, sala de 8 canais em São Paulo pertencente ao Grupo Estado, Dizzy gravou com sua banda brasileira - Nereu Gargalo, João Parahyba e Fritz Escovão, do Trio Mocotó, à frente. O plano era lançar um disco em janeiro do ano seguinte.

"Dizzy chegou depois do almoço, por volta das 3 da tarde, e deu um chá de cadeira em todo mundo. Ficou uma hora fazendo meditação, deitado no chão do estúdio", conta hoje o percussionista João Parahyba. Esta semana, 35 anos depois, o percussionista (que tinha 24 anos na época) teve dificuldade para reconhecer a si mesmo nas fotos que registraram o encontro, feitas pelo fotógrafo Osvaldo Jurno, do Estado.

O resultado daquelas sessões nunca ficou conhecido. Dizzy foi embora levando a master do disco debaixo do braço e nunca o lançou. Chegou a fazer discos híbridos de jazz e música brasileira mais adiante, mas não se teve mais notícia daquela master. Até o ano passado. Um produtor suíço, Jacques Muyal, da LaserSwing Productions, achou a famigerada master de "sambabop".

Mas Muyal tinha um problema: não havia nenhuma informação técnica no disco sobre as circunstâncias da gravação e a banda que acompanhava o mito do trompete. Procurou os brasileiros que poderiam tê-las. E foi aí que a música de Dizzy e do Trio Mocotó voltou a dar as caras.

"Irei ao Rio no mês de julho e deverei ir a São Paulo para concretizar o lançamento do disco", disse o produtor Muyal, por e-mail, à reportagem. "Dizzy Gillespie foi um grande amigo meu". O resultado daquela aventura sonora, como o leitor descobrirá, seria revolucionário.

Palma de Ouro a Michael Haneke ainda divide opiniões na França

Luiz Carlos Merten
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Imprensa suspeita que presidente do júri, Isabelle Huppert, favoreceu diretor austríaco, seu grande amigo

Embora pressionada por jornalistas de todo o mundo na coletiva do júri, após a premiação no 62º Festival de Cannes, a presidente Isabelle Huppert negou que tenha favorecido seu amigo Michael Haneke, atribuindo a Palma de Ouro a A Fita Branca. "Non, non, non", dizia Isabelle, mas anteontem mesmo a imprensa francesa ainda repercutia suas escolhas - e seu comportamento à frente do júri. Isabelle teria sido (foi?) uma presidente autoritária, que fez seus colegas conhecerem o inferno, durante as quase duas semanas que durou o evento.

Ela se vestiu de branco para a grande noite final, e isso tanto podia ser um anúncio antecipado de que o austríaco Haneke levara o prêmio - referência ao título do filme -, mas também poderia ser um sinal de paz endereçado a seus colegas jurados, após tantas deliberações que a imprensa daqui chamou de ?ourageuses? (tempestuosas). Neste sentido, é interessante comparar com a ?outra? Isabelle, a Adjani, que se vestiu de tons escuros para entregar a Caméra d''Or, a Palma de Ouro para o melhor filme de diretor estreante, atribuída a Sansão e Dalila, do australiano Warwick Thornton. Isabelle Adjani estava linda, calorosa.

Huppert foi glacial e parecia tão determinada a dizer que estava dando a Palma a Haneke, seu diretor em A Professora de Piano - pelo qual foi premiada melhor atriz em Cannes -, que quebrou o protocolo e ela própria entregou o troféu ao diretor austríaco. Em geral, o presidente do júri anuncia o vencedor, mas a Palma é entregue por alguma celebridade francesa (ou internacional) presente na Croisette.

Boa parte da imprensa da França reclamou da ausência de The Time that Remains, de Elia Suleiman, do Palmarès. Outros reclamaram do prêmio de direção atribuído ao filipino Brillante Mendoza, por Kinatay. O crítico do Le Figaro rotulou o filme de "insuportável" e acrescentou que Et Bientot le Vide nada ganhou porque o júri preferiria premiar o "Gaspar Noë" das Filipinas.

A vitória de Mendoza teria sido uma composição do júri para satisfazer o cineasta turco Nuri Bilge Ceylan, grande defensor de Kinatay. E James Gray foi o mais descontente de todos - era evidente a insatisfação do diretor de Two Lovers, resta saber onde ela residia, exatamente. Anteontem, a imprensa continuou repercutindo o festival. Le Figaro deu duas páginas, mais a capa de Le Figaro et Nous (similar ao Caderno 2) às belas da Croisette. Quem foram as mais elegantes? Robin Wright Penn vestindo Elie Saab na abertura e Chanel no encerramento, Sharon Stone em Dior, Melanie Laurent em Yves Saint Laurent e Charlotte Gainsbourg, melhor atriz (por Anticristo, de Lars Von Trier) em Balanciaga. Cannes, sem glamour, não seria o maior festival do mundo.

Literatura: Canadense ganha Man Booker Prize

DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

A escritora canadense Alice Munro, 77, venceu ontem o prêmio bienal Man Booker International Prize pelo conjunto de sua obra, que inclui os livros de contos lançados no Brasil "Ódio Amizade Namoro Amor Casamento" (ed. Globo) e "Fugitiva" (ed. Companhia das Letras). Ismail Kadaré e Chinua Achebe foram os ganhadores anteriores do prêmio.

Munro é uma das escritoras canadenses mais conhecidas da atualidade. Ao receber a notícia, ela disse estar "totalmente surpresa e satisfeita".

Seu livro mais recente, "Too Much Happiness", será publicado em outubro. Ela vai receber 60 mil libras (cerca de R$ 190 mil) em cerimônia no dia 25 de junho, na Universidade Trinity, em Dublin.

CCBB abre retrospectiva do cineasta francês Chris Marker

Rodrigo Fonseca
DEU EM O GLOBO / Caderno Rio Show

RIO - Será difícil para o Centro Cultural Banco do Brasil conseguir uma foto do documentarista homenageado pela retrospectiva "Chris Marker: Bricoleur multimídia". São raríssimas as imagens que o cineasta francês, nascido Christian François Bouche-Villeneuve há 87 anos, deixa circular de si mesmo. Quando lhe pedem um retrato, ele envia a foto de um gato parecido com os bichanos de louça de "Sem sol" ("Sans soleil", 1982), uma das produções mais emblemáticas de sua carreira.

"Sem sol" está agendado para sábado (30.05), às 19h, na mostra, que segue até 7 de junho com curadoria de Rafael Sampaio e Francisco César Filho.

Confira a programação completa:

Quarta-feira (27.05):

15h - PROGRAMA 3 - "O fundo do ar é vermelho"

18h - PROGRAMA 8 - "As 20 horas nos campos" + "Boina azul" + "Um prefeito em Kosovo"

19h30m - PROGRAMA 5 - "O túmulo de Alexandre"

Quinta-feira (28.05):

15h - PROGRAMA 10 - "A sexta face do pentágono" + "A embaixada" + "Balada Berlinense"

17h - PROGRAMA 9 - "E-CLIP-SE" + "Gato escutando a música" + "Chats Perchés"

19h - Debate: Consuelo Lins e Emi Koide. Mediação: Patrícia Rebello.

Sexta-feira (29.05):

15h - PROGRAMA 13 - 2084. Centenário do Sindicalismo. Videoclipe para uma reflexão sindical e pelo prazer + "Até breve, espero" + "Já que dizemos que é possível"

17h - PROGRAMA 6 - "Nível 5"

19h - PROGRAMA 15 - "Descrição de uma Memória"

Sábado (30.05):

15h - PROGRAMA 7 - "Um dia de Andrei Arsenevich" + "A felicidade"

17h15m - PROGRAMA 11 - "A lembrança de um porvir" + "Viva a baleia"

19h - PROGRAMA 2 - "Junkopia - San Francisco" + "Sem sol"

Domingo (31.05):

15h - PROGRAMA 10 - "A sexta face do pentágono" + "A embaixada" + "Balada berlinense"

17h - PROGRAMA 14 - "Falamos de Praga: o segundo processo de Artur London" + "Falamos do Brasil: Torturas" + "Falamos do Brasil: Carlos Marighela" + "Falamos de Paris: As palavras têm um sentido. Retrato de François Maspéro" + "Falamos do Chile: O que Allende dizia"

19h - PROGRAMA 8 - "As 20 horas nos campos" + "Boina azul" + "Um prefeito em Kosovo"

Terça-feira (02.06):

17h - PROGRAMA 5 - "O túmulo de Alexandre"

19h - PROGRAMA 3 - "O fundo do ar é vermelho"

Quarta-feira (03.06):

15h - PROGRAMA 11 - "A lembrança de um porvir" + "Viva a baleia"

17h - PROGRAMA 15 - "Descrição de uma memória"

19h - PROGRAMA 4 - "As estátuas também morrem"

Quinta-feira (04.06):

15h - PROGRAMA 5 - "O túmulo de Alexandre"

17h - PROGRAMA 13 - "2084. Centenário do Sindicalismo. Videoclipe para uma reflexão sindical e pelo prazer" + "Até breve, espero" + "Já que dizemos que é possível"

19h - PROGRAMA 9 - "E-CLIP-SE" + "Slon-Tango" + "Gato escutando a música" + "Chats Perchés"

Sexta-feira (05.06):

15h - PROGRAMA 14 - "Falamos de Praga: O segundo processo de Artur London" + "Falamos do Brasil: Torturas" + "Falamos do Brasil: Carlos Marighela" + "Falamos de Paris: As palavras têm um sentido. Retrato de François Maspéro" + "Falamos do Chile: O que Allende dizia"

17h - PROGRAMA 7 - "Um dia de Andrei Arsenevich" + "A felicidade"

19h15m - PROGRAMA 12 - "Longe do Vietnã"

Sábado (06.05):

16h - PROGRAMA 8 - "As 20 horas nos campos" + "Um prefeito em Kosovo"

18h - PROGRAMA 1 - "La Jetée" + "A.K. Retrato de Akira Kurosawa"

20h - PROGRAMA 6 - "Nível 5"

Domingo (07.06):

15h - PROGRAMA 2 - "Junkopia - San Francisco" + "Sem sol"

17h - PROGRAMA 9 - "E-CLIP-SE" + "Slon-Tango" + "Gato escutando a música" + "Chats Perchés"

19h - PROGRAMA 10 - "A sexta face do pentágono" + "A embaixada" + "Balada berlinense"

'Chris Marker, bricoleur multimídia' - CCBB - Rua Primeiro de Março 66 - Centro. Ter a dom, das 10h às 21h. Tel: 3808-2020. R$ 6