quarta-feira, 27 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA (Gramsci)

“A posição da filosofia da práxis é antitética a esta posição católica: a filosofia da práxis não busca manter os “simples” da sua filosofia primitiva do senso comum , mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os simples não é para limitar a atividade científica e para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais.”


(Antonio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 103 – Civilização Brasileira, 2006.)

A luta das minorias

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

As minorias organizadas estão em destaque no Congresso. Na Câmara, a utilização da tática da obstrução parlamentar serviu para controlar a tentativa da maioria numérica de se impor, acima das negociações políticas. No Senado, a mesma tática, se não serviu para mudar a postura inflexível do governo de controlar com mão de ferro a CPI da Petrobras, dará à minoria oposicionista instrumentos de retaliação política. Na Câmara, o projeto de lista fechada com financiamento público de campanha foi enterrado diante da postura firme de oito partidos da base do governo, entre eles o PSB, PCdoB e PDT, que se dispunham a obstruir os trabalhos enquanto não fosse firmado um compromisso de que PT e PMDB, as maiores legendas da base, não tentariam aprovar mudanças eleitorais com o apoio da oposição.

DEM e PPS estavam empenhados na aprovação do voto em lista fechada, e o PSDB se preparava para aderir ao movimento, quando a pressão dos pequenos e médios partidos governistas implodiu a manobra.

No Senado, o DEM, ao ser informado de que o PMDB não mantinha a proposta de dar a presidência da CPI da Petrobras à oposição, anunciou que se manterá em obstrução, como maneira de responder ao rolo compressor governista.

A votação do Fundo Soberano, importante para o governo, estava ameaçada pela posição da minoria no Senado. Se continuar sem ser votado até o dia 1º de junho, perde a validade.

Ontem, por exemplo, nenhum dos integrantes dos oito partidos que se rebelaram na base do governo contra a lista fechada assinou presença na Câmara enquanto estavam reunidos com os líderes do governo e do PT para resolver a situação.

Com isso, deixaram claro que não estavam preocupados em perder eventual remuneração da sessão, pois nem sequer comunicaram formalmente à Mesa da Câmara que estavam em obstrução.

"Entrar em obstrução" na linguagem parlamentar significa se ausentar do plenário para impedir que as votações prossigam, por falta de número mínimo. Ou impedir votações com recursos regimentais que prorroguem indefinidamente a sessão.

"Fazer obstrução" é uma manobra prevista nos regimentos internos da Câmara e do Senado, assim como nas diversas casas legislativas regionais.

É uma maneira de demonstrar que a maioria numérica não se sobrepõe à negociação política, que nem sempre funciona a tese do mais forte esmagar o eventualmente mais fraco.

Isso já foi chamado de "ditadura das minorias", mas é uma manobra política legítima para impedir que a maioria esmague a minoria, assim como a CPI é um instrumento típico da oposição.

No Senado, onde a maioria governista é mais frágil ainda que na Câmara, o Palácio do Planalto está tentando controlar a CPI da Petrobras para não ter surpresas, abrindo mão de uma tentativa de negociação com a oposição para que os trabalhos da Comissão não se transformem em uma luta sangrenta às vésperas da eleição.

Na Câmara, a maioria esmagadora do governo cindiu diante da polêmica das listas fechadas, e deu-se um fato curioso: o PT e o PMDB unindo-se ao DEM e ao PPS, com o apoio possível do PSDB, teriam maioria para aprovar as mudanças.

Mas o governo perderia sua maioria, com muitos partidos pequenos e médios ameaçando partir para a retaliação parlamentar.

A insegurança política seria tremenda, mesmo que conseguissem aprovar os pontos da reforma que queriam, como o voto em lista e o financiamento público de campanha.

A saída política para o impasse foi tentar aprovar, ainda nesta legislatura, uma emenda constitucional dando ao Congresso a ser eleito em 2010 poderes constituintes em relação à reforma político-eleitoral, enumerando os artigos da Constituição que poderão ser revistos.

Mesmo essa mudança dificilmente encontrará consenso para ser aprovada, e o mais provável é que fique para o próximo Congresso a decisão sobre o que mexer para realizar a reforma política.
No Senado, o impasse sobre o controle político da CPI da Petrobras não inviabilizará sua implantação. A oposição decidiu participar dela mesmo com o governo controlando a convocação de testemunhas e dando o rumo às investigações.

Se o governo achou que com a exigência de ter o comando da CPI a inviabilizaria, enganou-se, mesmo que a mobilização de setores dos chamados "movimentos sociais" em vários pontos do país possa preocupar setores da oposição.

O senador José Agripino Maia, líder do DEM, acha que coonestar uma CPI "chapa branca", em que nada será investigado, só desgastará a oposição. Mas conta com o que chama de "evidências dos fatos" e com a opinião pública para tentar mudar a maioria governista em eventuais votações contra o governo.

Na verdade, a decisão da oposição de participar de qualquer maneira da CPI, ao mesmo tempo em que obstrui no plenário matérias de interesse do governo, deixou a maioria em uma situação delicada, pois interessaria aos governistas atrasar ao máximo a instalação da CPI, quem sabe até jogando para o segundo semestre o começo dos trabalhos.

A convocação do recesso em julho serviria para esfriar os ânimos políticos, sendo quase certo que o presidente do Senado, José Sarney, um aliado de primeira hora do governo, não autorizará o funcionamento da comissão no período de recesso.

Participar de uma CPI que terá um amplo controle do governo, sem muita convicção sobre seu resultado, não é uma boa perspectiva política para a oposição. Mas os choques entre PT e PMDB, que não foram superados, podem abrir brechas na armadura governista no decorrer dos trabalhos da CPI.

O PT na bandeja

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Menospreza a experiência do PMDB no ramo quem acredita que o partido pretenda, na CPI da Petrobrás, criar dificuldades para vender facilidades ao governo ao custo de uma diretoria na empresa.

Os dirigentes pemedebistas tergiversam, mas não mentem quando dizem que em matéria de cargos estão satisfeitos com seus seis ministérios, presidências e diretorias de estatais importantes, mais influência e presença "capilar" na estrutura federal Brasil afora.

Jogador profissional, o PMDB sabe a hora de parar. Consegue com rara precisão detectar a mudança do nome do jogo a fim de alterar a forma de jogar.

Seria tosco reivindicar a diretoria de Exploração e Produção justamente quando é criada a CPI, talvez o momento em que a Petrobrás esteja mais imune às investidas dos fisiologistas.

Como o PMDB não desperdiça munição com batalha perdida, evidentemente não põe a faca no pescoço do governo para obter a diretoria de "furar poço". Não porque despreze a iguaria, mas porque sabe da inutilidade do pleito, que, no entanto, tem lá sua serventia.

Serve para o governo fazer pose de altivo negando o que não lhe é pedido, e serve também para atrair as atenções enquanto o partido negocia discretamente o objeto de seu real interesse: a escalação do PT para o papel de mero coadjuvante no maior número possível de Estados em 2010.

A mercadoria não apenas é mais valiosa, como muito mais difícil de ser entregue pelo presidente Luiz Inácio da Silva que uma diretoria de estatal, mesmo se tratando da Petrobrás.

Sobre a empresa, o presidente tem ingerência absoluta. Para trocar um diretor, é só querer. A justificativa se ajeita, como se viu na troca do presidente do Banco do Brasil.

Agora, obrigar um partido a abrir mão de disputar eleições em que estarão em jogo por Estado o cargo de governador, duas vagas no Senado, representação nas Assembleias Legislativas e a bancada federal na Câmara dos Deputados, são outros quinhentos a serem muito bem medidos e pesados.

Entre vários outros motivos porque, se perder a Presidência da República, o PT vai precisar ser forte nos Estados e no Congresso. Nesse quadro de necessidades Lula está incluído: quando deixar a Presidência, vai precisar de um partido de peso para fazer política.

Essa história de que "Lula é maior do que o PT" e que pode deixar o partido de lado vale enquanto ele é a figura central da República, com presença garantida no noticiário por força do cargo. Quando deixar de ser, volta a depender da estrutura partidária, ainda que na condição de comandante em chefe com poderes absolutos.

Se o plano é mesmo tentar voltar ao poder em 2014, por mais razão Lula terá de contar com uma legenda influente. Para isso, é essencial a eleição de governadores, senadores, deputados estaduais e federais.

Aniquilado o PT, Lula fica politicamente manco.

Daí o dilema: se entrega o patrimônio ao PMDB, fica sem capital de giro para sobreviver na planície. Se não entrega, põe em risco a sobrevivência no Planalto.

O PMDB sabe muito bem como funcionam as coisas, pois vive delas há um bom tempo. Para ser um parceiro profissional valioso de qualquer governo, precisa se manter grande e forte. Principalmente no Congresso.

Não há outro meio de os partidos crescerem e se fortalecerem a não ser disputando eleições. Quem não disputa míngua. O PMDB escolhe não concorrer à Presidência. Prefere conquistar governos, prefeituras, grandes bancadas e, assim, assegurar lugar privilegiado no banco dos caronas federais.

Como supõe que Lula será um cabo eleitoral indispensável em 2010 - tendo ou não candidatura competitiva a presidente -, o PMDB quer o máximo de exclusividade possível sobre ele nas eleições estaduais. Para isso, o PT tem necessariamente de ficar em segundo plano.

Um exemplo: no Rio de Janeiro, Sérgio Cabral vai concorrer à reeleição e insiste em dar ao PT uma vaga para o Senado na coalizão, mas os petistas puxam a corda para o lado oposto e resistem à entrega do palanque de Lula para o PMDB do seu Cabral.

E aí se instala o grande enrosco, pois, a despeito dos sinais trocados, PT e PMDB querem desfrutar do mesmo bom-bocado.

Descompasso

O Brasil acumulou uma série de derrotas em escolhas de representantes para organismos internacionais, sempre sustentando candidaturas de brasileiros.

Se não retirar o apoio ao ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosny, à diretoria-geral da Unesco, se arrisca a incluir mais um fracasso na coleção, desta vez por ignorar candidaturas de dois brasileiros: o atual diretor adjunto da entidade, Márcio Barbosa, e o senador Cristovam Buarque.

É um caso raro de 100% no erro de cálculo. Algo nunca visto na história do Itamaraty.

Com a agravante de que a política externa foi a única área em que o governo Lula inovou em relação aos antecessores e trabalhou com ideias próprias.

PMDB pede a Lula PT fora em 10 estados

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Com o governo fragilizado pela CPI da Petrobras, o PMDB entregará ao presidente Lula uma lista de reivindicações para fechar aliança em 2010: vai exigir que o PT retire candidaturas em pelo menos 10 estados.

PMDB exige de Lula degola do PT

Aliado quer petistas fora da disputa de uma dezena de governos estaduais em 2010

Com o governo fragilizado por causa da criação da CPI da Petrobras no Senado, a cúpula do PMDB resolveu aproveitar o momento e dar um ultimato ao PT e ao presidente Lula sobre a disputa eleitoral de 2010 nos estados: vai entregar uma lista de reivindicações para fechar a aliança em torno da candidatura presidencial da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O PMDB quer que Lula sacrifique desde já candidaturas petistas que atrapalham os planos de líderes regionais do partido. A intenção do PMDB é levar as exigências a Lula ainda esta semana. O partido quer solução rápida em pelo menos uma dezena de estados onde há conflito entre PT e PMDB.

- Deixar esta questão para o próximo ano será desastroso. Isso não tem nada a ver com a CPI. Mas se a prioridade do PT não é o projeto presidencial de Dilma, o PMDB vai ficar livre. Há problemas em vários estados. Onde for razoável, seria importante o PT ceder para o PMDB nos estados - advertiu o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).

No Planalto, a pressão do PMDB não foi bem recebida, mas a ordem é não enfrentar o aliado e tentar empurrar as definições com a barriga até 2010. O PT, porém, já reage.

- É errado vincular esse momento de CPI com a negociação das alianças. Temos que priorizar o projeto nacional, mas o que o PMDB não pode é asfixiar o PT nos estados. Não podemos abrir mão de tudo, como exige o PMDB. Até porque, se a gente não ganha a presidência, o PT fica sem nada! - ressaltou o ex-líder do PT deputado Maurício Rands (PE).

Vagas para Senado serão negociadas

Segundo o PMDB, a situação com o PT só é pacifica em seis estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Amazonas, Goiás e Espírito Santo. Para assustar o governo, o PMDB passou a utilizar a matemática da convenção nacional do partido, com cerca de 800 votos. Dando a garantia de que, por enquanto, iriam com Dilma, avisa que são necessários pelo menos 500 votos de segurança. Mas aí vêm os problemas, dizem: a crise no Rio pode representar 80 votos a menos; a de Minas, uma baixa de 70 votos; a do Pará, 40 votos; e a de Mato Grosso do Sul outros 40 votos de convencionais.

Em Minas, o partido lembra pesquisas que apontam o ministro das Comunicações, Hélio Costa, como favorito ao governo. Mas o PT se divide entre o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social). Em Mato Grosso do Sul, o PMDB exige que o ex-governador Zeca do PT apoie a reeleição do governador André Puccinelli (PMDB). No Rio, quer a retirada definitiva da candidatura do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, em favor da reeleição de Sérgio Cabral (PMDB). No Pará, a tentativa é recompor a relação entre os dois partidos para que a governadora Ana Júlia (PT) apoie a candidatura do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) ao Senado.

O PMDB exige ainda composição para as vagas do Senado. De seus 19 senadores, pelo menos 15 disputam a reeleição. Desse total, nove devem enfrentar petistas. É o caso de Mão Santa (PMDB-PI), que disputa com o atual governador, Wellington Dias (PT); e de Almeida Lima (PMDB-SE), que enfrentará o ex-senador e presidente da BR Distribuidora José Eduardo Dutra (PT). Além disso, os peemedebistas lembram que o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), pode disputar a vaga com o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli; e o governador Roberto Requião (PMDB-PR) deve concorrer ao Senado contra o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

CPI na regra do jogo

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A CPI do Mensalão, a mais grave investigação conduzida sobre a ação da cúpula do Partido dos Trabalhadores no governo Lula, que teve claro potencial para atingir o Presidente da República, desenvolveu-se sob o comando do próprio governo investigado que também tinha a maioria no plenário da comissão. A CPI do PC, que levou um presidente da República ao impeachment e à renúncia, funcionou muito bem apesar de comandada por um político de partido aliado ao governo que apoiou o acusado até o fim.

O fato de a CPI da Petrobras ser dominada pelos partidos governistas, com presidência, relatoria, sub-relatorias, maioria do plenário ou seja lá o que mais for, não decreta, por antecipação, sua inutilidade. Não a vocaciona, também, ao signo do compadrio. O que pode determinar a relevância do trabalho é a natureza dos problemas que conseguir abordar.

É uma a CPI da Petrobras que se limitar ao levantamento de verbas de patrocínio para Ongs, mesmo que sejam em maioria as do PT, de sindicatos e do MST, ou as prefeituras do PT da Bahia, do Nordeste ou do Brasil. Esta é uma consequência do aparelhamento sindical e partidário da empresa e sua descambada para a política. A investigação segundo este modelo fica a um passo daquela inócua apuração do uso inadequado dos cartões corporativos e a dois passos daquilo que o deputado baiano de oposição, José Carlos Aleluia (DEM), tem chamado de CPI do Forró.

É outra a CPI da Petrobras que conseguir levar a uma investigação sobre os bilionários contratos da empresa, apurando, inclusive, se realmente existem os feitos sem licitação. Também consistente seria o inquérito sobre as decisões técnicas que, neste governo, acabaram se submetendo às injunções político-partidárias, como as facilidades e transigências especiais para os amigos Hugo Chaves e Evo Morales, por exemplo.

Um comando sério, competente, independe de ser de partido da situação ou da oposição, há os precedentes citados. Poderá conduzir as investigações de forma equilibrada e produtiva para todos. Não será a primeira vez que o investigado estará no comando da investigação, se for esta a opção final do governo que, de resto, tem maioria no Congresso para decidir o que quiser.

Há até quem avalie, e não são poucos, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá feito um favor ao DEM se confirmar que não aceita na presidência dos trabalhos o senador Antonio Carlos Magalhães Jr., o mais cotado durante toda a negociação entre os nomes da oposição para a tarefa.

Lula teria tomado a decisão, ou pelo menos comunicado ao ministro da articulação política e aos líderes, que a levaram ao Congresso, após reunião com José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras, e com José Eduardo Dutra, presidente da BR. O recuo nas negociações para dar a presidência à oposição foi interpretado, também, como indício de fechamento do governo no seu casulo por temer expor demais seu estilo administrativo.

O senador ACM Jr, embora considerado um político de pavio curto, é também avaliado como um dos mais equilibrados da oposição, um bom professor universitário que preza uma visão técnica das questões a que se dedica na política. O senador é baiano, colega de cátedra do presidente da Petrobras, e estas seriam características a avalizar a isenção.

Aleluia, do mesmo partido e do mesmo Estado de ACM Jr, não vê em nada disso um mal, ao contrário, poderia, a seu ver, ser a garantia de equilíbrio e serenidade na condução dos trabalhos. "O pior é ter alguém do governo sabotando a CPI, esvaziando os depoimentos, barrando investigações, vetando convocações ou engavetando papéis", compara o deputado . Se a CPI sofrer esta sabotagem, acreditam oposicionistas correligionários de Aleluia que estão em posição antagônica, aí mesmo é que é melhor não estar no seu comando, pois a sociedade perceberá o leilão ali instalado.

Ontem, o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal - os deputados, por guardarem certo distanciamento do calor dos fatos, estão vendo com mais nitidez a realidade - chamou a atenção para a falta de explicações da Petrobras, do governo e dos governistas sobre as questões de conteúdo já levantadas sobre a administração da empresa. Realmente não há como não notar: a Petrobras, desde que se iniciou o atual movimento pelas investigações, nada informa sobre as dúvidas levantadas. Não há certezas, também, sobre se o comando da Petrobras, de reconhecida soberba, fornecerá explicações e informações ao inquérito, seja ele conduzido por governistas ou oposicionistas.

"Pode acontecer tudo, o que inclui o nada", afirma o historiador e cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. Ele não vê a relevância que parte dos políticos - não todos nem a maioria - veem em ter um dos cargos de comando. Quando a maioria quer apurar, apura, quando quer participar, participa, diz o professor. As CPIs do Mensalão e do PC são os precedentes. A investigação não depende só do presidente e do relator. Se o presidente for da oposição, a maioria governista do plenário pode recorrer de todas as suas decisões. Se for do governo, a minoria oposicionista pode apresentar votos em separado e conseguir adesões para votá-los, obtendo maiorias em eventuais votações. Pode ir até ao Supremo se considerar-se tolhida.

O presidente e o relator podem muito, mas não podem tudo, diz Octaciano. Se for, então, para enterrar os trabalhos no nascedouro, é aí que a razão estará com os políticos de oposição que vinham defendendo a distância dos cargos de comando.

Segundo análise de Octaciano Nogueira, a empresa é maior que o Congresso, onde dificilmente haverá expertise técnica para analisar contratos bilionários e operações muito sofisticadas. Se ficarem os parlamentares patinando nos fáceis negócios da subvenção, a CPI vai se perder, embora haja consenso de que não se deve deixar sair barato o desmando neste pantanoso campo. Que, se existiu desde sempre, mais ainda agora com inédito aparelhamento político da estatal.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Reforma política fica para depois. De novo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Governo desiste de votar pontos polêmicos para não rachar base

Sem acordo entre os partidos que integram a base aliada governista, a Câmara vai deixar para 2011 a votação dos pontos mais polêmicos da reforma política. Líderes de partidos governistas desistiram ontem de tentar votar este ano projetos da reforma sobre os quais não há acordo entre as legendas da base – como a proposta que estabelecia o voto em listas partidárias fechadas. Há uma semana, o Informe JB havia adiantado que o presidente da Câmara, Michel Temer, deixaria a polêmica reforma para depois das eleições.

Os deputados pretendem colocar em votação até o final do ano, no plenário, somente pontos secundários da reforma, em que houver acordo, – especialmente o que estiver relacionado a mudanças no tempo de propaganda dos partidos no rádio e TV e as doações de pessoas físicas às campanhas. Como pelo menos cinco partidos da base não concordam com o projeto da lista fechada, o que na prática inviabiliza a votação do financiamento público das campanhas eleitorais, os principais eixos da reforma política ficaram para ser discutidos na Casa somente em 2011.
Isso porque os líderes governistas vão defender a aprovação de proposta de emenda constitucional do deputado José Genoino (PT-SP) que obriga os novos parlamentares eleitos em 2010 a realizarem, entre março e novembro de 2011, uma ampla reforma constitucional que incluiria mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro.

– O entendimento foi que vamos votar a adequação da legislação eleitoral para não deixar esse vácuo para o Tribunal Superior Eleitoral. Aprovamos a PEC do Genoíno para a reforma constitucional em 2011, e este ano só vamos levar ao plenário o que for de consenso. É ver o que pode ser construído e reunir votos – informou o líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

A polêmica principal esteve em torno da lista fechada, onde caberia à legenda reunir em uma lista os nomes dos seus filiados que serão eleitos para o Legislativo. O financiamento público de campanha, por sua vez, corre o risco de não ser discutido este ano porque está atrelado à aprovação das listas fechadas – uma vez que os partidos ficariam proibidos de receber dinheiro da iniciativa privada para disputarem as eleições e as doações públicas passam a ser feitas diretamente às legendas, e não mais aos candidatos.

Os líderes governistas decidiram recuar nos pontos polêmicos da reforma política depois que uma série de partidos da base aliada ameaçaram obstruir as votações no plenário caso o projeto das listas fechadas entrasse na pauta da Casa. O PT e o PMDB são favoráveis à votação das listas, mas acabaram cedendo aos apelos de legendas como o PTB, PSB, PR e PP para evitar um racha na base governista. Sem acordo, os dois maiores partidos da Câmara aceitaram ceder com o adiamento da votação do projeto das listas.

– Não queremos uma reforma aprovada por quatro ou cinco votos de diferença. Queremos construir um amplo acordo. A Câmara não pode parar, isso não é bom – justificou-se Alves.

O líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), disse que o PT e o PMDB corriam o risco de "perder o resto da base" caso insistissem na votação do projeto das listas.

– Não queremos levar rasteira do PT e do PMDB. Se eles votarem, vão perder o resto da base – afirmou. (Com agências)

Recuo de PT e PMDB enterra reforma política

DEU EM O GLOBO
Oposição critica decisão e ameaça obstruir as votações

BRASÍLIA. PMDB e PT recuaram, e mais uma vez está enterrado o debate da reforma política na Câmara. Sob pressão de oito partidos menores da base aliada (que somam 177 deputados), as duas legendas não assinaram o requerimento que permitiria a discussão, em plenário, da lista fechada de candidatos nas eleições proporcionais. Como alternativa, tentarão votar mudanças na lei eleitoral para 2010, para evitar que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleça regras. A oposição ameaça obstruir as votações.

- Qualquer reforma política, só se houver consenso da base - disse o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).

- O PT tem duas prioridades: fazer reforma política e trabalhar pela unidade da base. As duas têm o mesmo peso. Dificilmente aprovaríamos a reforma. Vamos trabalhar pela unidade e pelo Congresso revisor em 2011 - afirmou o presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP).

Em plenário, líderes do DEM, do PSDB e do PPS criticaram o recuo. E obstruíram a sessão de ontem. O líder do PSDB, José Aníbal (SP), avisou que não discutirá mais nada:

- Estavam nos convidando para uma farsa. Ao primeiro ranger dos dentes, o governo, que nunca teve compromisso com essa reforma, e os líderes dos maiores partidos refluíram.

Partidos rejeitam o voto fechado

DEU NA GAZETA MERCANTIL

A reforma política continua em discussão na Câmara dos Deputados. Ontem à tarde, oito partidos que são contra uma das principais propostas do texto, o voto em lista fechada, se encontraram para debater o tema.

A liderança do PSB promoveu a reunião, que tinha a finalidade de definir a estratégia para derrubar a proposta. Além do PSB, os sete partidos contrários, como o PR, o PP e o PDT, alegam que o voto em lista fechada tira do eleitor o direito de escolher seu candidato e fere os princípios democráticos.

O PSDB também se reuniu para definir a estratégia na análise da matéria. Até o momento, o partido não fechou questão na proposta e pode ser decisivo na hora da votação.

Em reunião de líderes na semana passada, ficou acordado que seria apresentado um requerimento de urgência à proposta de reforma política na sessão plenária de hoje. Com isso, a matéria teria uma tramitação mais rápida na Câmara dos Deputados. Mas, para aprovar esse requerimento, é preciso o voto da maioria: 257 deputados.

Tudo indicado, entretanto, que antes de ser colocado em votação, o tema demandará muitas negociações não apenas entre os partidos, governo e oposição, mas também dentro das legendas. Trata-se de um dos projetos mais polêmicos que tramita na Casa.

Governistas decidem não votar a reforma política

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Dez partidos governistas, incluindo o PT e o PMDB, decidiram não votar mais o projeto de reforma política. O motivo da decisão é a proposta que prevê a eleição por meio de lista partidária fechada

BRASÍLIA – Líderes de dez partidos governistas na Câmara, incluindo os dois maiores, PMDB e PT, decidiram ontem não votar mais o projeto de reforma política para preservar a coesão da base, fundamental para o projeto político do governo de garantir alianças para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. O principal motivo de discórdia é o item que prevê a eleição por meio de lista partidária fechada – quando o eleitor vota na legenda e não diretamente no candidato, ponto básico da proposta do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).

Em reação, o DEM, favorável ao projeto, começou a obstruir as votações do plenário. O impasse poderá levar à paralisia dos trabalhos na Câmara. Se por um lado a oposição vai obstruir para forçar a votação do projeto, por outro lado, PSB, PDT, PTB, PR, PP, PSC, PMN e PRB, que representam 177 deputados, ameaçam obstruir os trabalhos, caso a proposta entre na pauta, hoje. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), procura uma saída para essa obstrução geral na Casa.

O projeto elaborado pelo deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) a pedido de Temer enfrenta a resistência principalmente de partidos pequenos e médios que compõem a base do governo. Eles temem que o sistema de lista fechada acabe fortalecendo apenas os grandes partidos, com maior visibilidade e maior tempo de TV, e provocando o definhamento dos demais.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), ao concordar em enterrar a proposta, afirmou que o partido tem como prioridade a reforma política e a unidade da base. “Dificilmente conseguiríamos aprovar uma reforma política, porque há divisão entre os partidos. Vamos trabalhar pela unidade da base e o Congresso Revisor”, disse Berzoini, jogando para frente a discussão. “Qualquer proposta de reforma, só com o consenso da base”, afirmou o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

Para evitar o total abandono da reforma, os partidos da base resolveram apoiar a proposta do deputado José Genoino (PT-SP) de realizar um Congresso Revisor, de 15 de março a 15 de dezembro de 2011, para mudar as regras políticas. No Congresso Revisor, a aprovação das mudanças constitucionais se dá de forma mais fácil: por maioria absoluta e votação unicameral. A questão, no entanto, é polêmica e pode acabar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Tragédia de 2006 vai virar farsa em 2010

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É muito difícil que algum brasileiro - a não ser a banda bandalha do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) - tire proveito do funcionamento da comissão parlamentar de inquérito (CPI) instalada para investigar atividades suspeitas da maior estatal brasileira, a Petrobrás. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Democratas (DEM), que não conseguem se entender internamente, e muito menos entre eles, para fazer uma oposição minimamente atuante (são incapazes até de apresentar uma estratégia para a disputa de cargos na própria CPI), cantaram vitória de início. Mas não demoraram muito para "arrecuar os arfe" (como se diz na gíria futebolística, de preferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva) quando as tropas governistas apresentaram suas armas na guerra da falsificação política e da mistificação ideológica. Sua reação à estratégia de opinião pública do governo antecipa a guerra suja da sucessão presidencial em 2010.

E tudo indica que o PSDB, particularmente, e seu aliado, o DEM, não se prepararam adequadamente para enfrentar essa guerra suja. Não tanto por falta de prática, mas muito mais por carência de conhecimento histórico e de um mínimo de convicções até para defender alguns óbvios serviços que chegaram a prestar à cidadania - agora dá até para desconfiar que por acaso, sem querer ou por falta de algo diferente e melhor para propor.

A CPI é um instrumento desmoralizado. Dificilmente a CPI da Petrobrás produzirá efeitos de monta contra o uso deslavado de recursos públicos para financiar interesses privados. O máximo que pode ocorrer nas iniciativas deste gênero é, de um lado, provocar os meios de comunicação a buscar informações sobre a malversação de seus lucros e, de outro, expor seus membros à luminosidade dos holofotes, o que facilita uma futura vitória eleitoral e economiza recursos para a propaganda de suas candidaturas. No primeiro caso, o efeito já foi produzido: antes de a CPI começar a funcionar, a imprensa já começou a dar conta da prodigalidade com que a direção da Petrobrás, sob controle do Partido dos Trabalhadores (PT), desembolsa nosso escasso dinheirinho em projetos de compadres e ONGs de companheiros.

Foi tentando evitar isso - e talvez prenunciando a batalha que vai ter de travar para evitar que a banda bandalha do PMDB avance sobre as cadeiras em que os companheiros petistas estão sentados - que o governo federal recorreu à falácia publicitária ideológica para minar os efeitos deletérios destas revelações produzidas a pretexto da CPI, e não por ela. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com seu jeito de bispo da Pastoral da Terra, usou parte do próprio capital de credibilidade que tem fora do PT para participar da sórdida manipulação política de uma circunstância rotineira na administração pública. Porque é bom que se diga de passagem, pela importância que tem o tema, que não há nada de estranho e muito menos de "impatriótico" (termo usado indevidamente pelo presidente Lula em pessoa) na decisão do Poder Legislativo de investigar uma empresa pública.

Por mais lustrada que seja a imagem da Petrobrás, surgida na luta ideológica do "petróleo é nosso" dos tempos de Getúlio Vargas, cuja herança era renegada pelos petistas em seus primórdios de fantasia socialista, e por mais desacreditada que esteja a honra dos congressistas, estes têm mandato para devassar a Petrobrás e qualquer outra empresa pública em nome da cidadania.Passando por cima dessa obviedade ululante, o principal responsável pelo Orçamento da União juntou-se aos sindicatos e movimentos sociais domesticados na Esplanada dos Ministérios para combater a CPI fingindo defender o patrimônio coletivo da estatal do petróleo.

A principal bandeira de atitudes demagógicas como o abraço da sede da empresa no Rio e os discursos da cúpula do governo e do PT no Parlamento é a alegada tentativa de impedir que a oposição privatize a Petrobrás. Trata-se de uma dupla mentira: PSDB e DEM não querem privatizar a empresa nem o Banco do Brasil e, mesmo se quisessem, não poderiam. Primeiramente, porque não estão no governo nem têm maioria para impor emendas constitucionais no Congresso. Em segundo lugar, porque podem ser acusados de vários pecados, menos do de ímpeto suicida. E nenhum agrupamento político no Brasil sobreviveria a uma ideia tão estapafúrdia como essa.

Fica no ar uma questão: se a mistificação governista para ocultar revelações incômodas sobre o mau uso dos cofres da Petrobrás é tão grosseira, como consegue ser tão eficiente? Como o cinismo oficial consegue ser tão convincente? E a oposição, tão incompetente?

A sem-cerimônia com que o governo comete a patranha tem base num episódio histórico que está para se repetir. Na campanha presidencial de 2006, flagrado com as calças na mão por culpa dos "aloprados" que produziram um dossiê falso para impedir a inexorável eleição do tucano José Serra para o governo de São Paulo, os petistas espalharam a mentira de que o adversário de Lula na disputa presidencial, Geraldo Alckmin, do PSDB, privatizaria a Petrobrás e o Banco do Brasil. Os tucanos reagiram de forma tão estúpida (o candidato chegou a vestir uma camiseta da estatal petroleira) que deram ares de verossimilhança à calúnia. E ainda desperdiçaram a oportunidade de mostrar no palanque os benefícios notórios e notáveis da privatização feita no governo anterior em áreas como a telefonia e a distribuição de eletricidade.

Como no teorema marxista sobre o conceito hegeliano, a história agora promete se repetir tornando a tragédia de 2006 a farsa de 2010. Os governistas mentem e os oposicionistas não denunciam tal falsidade por incompetência, inapetência, ignorância e covardia.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

O Brasil como ele é

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - A derrota do governo Lula e de Ellen Gracie na disputa para obter uma vaga no Órgão de Apelação da OMC (Organização Mundial do Comércio) é uma aula de Brasil. Um retrato do atraso institucional em vigor no país.

O episódio também abriu uma fenda no suposto inabalável prestígio internacional de Lula. Já o Supremo Tribunal Federal aprovou tacitamente um novo código de conduta: os ministros podem prospectar novos empregos à vontade, inclusive quando faltam às sessões de trabalho da Corte.

O governo tenta despolitizar o fracasso. Ellen Gracie perdeu por não ser especialista em comércio internacional. Balela. Não havia segredo sobre o currículo da ministra. Nem sobre a intenção de Lula em emplacar sua oitava nomeação para o STF com a vaga que seria aberta.

Misturou-se política interna com externa. Deu tudo errado.

Esse caso põe em perspectiva o falatório palaciano sobre redesenhar a "geografia econômica internacional". O presidente viaja o mundo. Festeja ser chamado de "o cara" por Barack Obama.

Tomado pelo valor de face, Lula poderia nomear o próximo secretário-geral da ONU. Na prática, vê-se outra realidade. Os aliados EUA e a China votaram contra Ellen Gracie. No Supremo há outras coisas fora do lugar. É legítimo a ministra Ellen Gracie ambicionar outra ocupação.

Poderia então se aposentar. Neste ano, ela já faltou a 12 das 28 sessões plenárias do STF. A derrota desta semana é a sua segunda tentativa de trocar de emprego. No passado, já se frustrara ao buscar uma vaga na Corte de Haia.

Tudo somado, o governo queria uma vaga nova no STF. Uma ministra do Supremo desejava morar no exterior. Não deu certo desta vez. Mas eles são brasileiros. Não desistem nunca, diria Lula. Até porque, no Brasil, os padrões institucionais são elásticos o suficiente para permitir estripulias dessa ordem.

Estímulo à divisão racial no Brasil

Yvonne Maggie
Antropóloga
Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Desde que se aprovaram cotas nas universidades estaduais para negros e alunos de escolas públicas, em 2002, algumas modificações, como extensão a filhos de policiais e bombeiros, foram feitas, sempre por decisão da Assembléia Estadual do Rio de Janeiro (Alerj), nunca das próprias instituições.

Uma modificação bastante sensível foi a que definiu o que se entendia por negros, que era o conjunto estatístico de pretos e pardos, segundo o IBGE.

Desde então, o candidato que quisesse concorrer deveria se identificar como negro.

Mesmo assim, as cotas, sobretudo aquelas destinadas aos negros, continuam sendo ociosas; há menos beneficiados do que vagas.

Essa lei tem como propósito declarado estabelecer a equidade no acesso ao ensino público, mas não o cumpre. O objetivo que alcança não é de igualdade, mas da criação de uma sociedade dividida em negros e brancos.

A categoria "negro", em que os candidatos são induzidos a se inscrever para terem uma vantagem, serve para dividir os brasileiros em uma classificação bicolor que leva à mudança radical na nossa concepção identitária, produzindo mais desigualdades – além da desigualdade social, que já é enorme.

A liminar questiona a validade de se combater a desigualdade no acesso criando um mecanismo que produz outra – a desigualdade racial, porque as pessoas são obrigadas a se definir – e cujo resultado é tão pífio que o legislador talvez tenha refletido se vale a pena correr o risco de formar uma sociedade dividida legalmente entre brancos e negros em função de efeito tão reduzido.

As ações afirmativas e as políticas de reservas de vagas ou de distribuição de "Justiça" têm sempre que ser calculadas de acordo com os efeitos que elas podem produzir.

O efeito mais perverso dessa lei é que ela pode produzir algo que o Brasil não tem: o ódio racial.

Isso porque, quando as pessoas são induzidas a se definirem por pertencimentos raciais buscando direitos limitados a essas definições, imagino daqui a 20 anos quais serão as consequências.

Imagino que conflitos surgirão, e que não serão entre ricos e pobres, mas entre pobres e pobres.

Estado recorre para manter cotas no vestibular

Chico Otavio
DEU EM O GLOBO

Liminar que suspende a Lei 5.346 passa a valer a partir da publicação do acórdão, que sairá em dez dias

A Procuradoria Geral do Estado do Rio tenta impedir que a liminar concedida na segunda-feira pelo Tribunal de Justiça, suspendendo os efeitos da Lei 5.346 (que estabelece o sistema de cotas para o ingresso de estudantes carentes nas universidades estaduais), afete o vestibular em andamento. O recurso foi encaminhado ontem ao Órgão Especial do TJ, responsável pela liminar.
A medida passa a valer a partir da publicação do resultado na sessão, que vai acontecer em até dez dias. Até ontem, o desembargador responsável pela redação do acórdão, Murta Ribeiro, não havia recebido o pedido. Portanto, não há previsão sobre a data de sua apreciação.

Procuradoria tenta embargo para mudar a decisão

Num segundo momento, informou a assessoria de Comunicação do Palácio Guanabara, o estado entrará também com um embargo de declaração com efeito modificativo, mas a medida depende da publicação do acórdão. O argumento é que não há inconstitucionalidade nas cotas. A Assembleia Legislativa, parte vencida no processo, também poderá recorrer da medida.

Ao conceder a liminar, por maioria apertada, na ação de inconstitucionalidade movida pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP), os desembargadores concluíram que a Lei 5.346 fere o princípio da igualdade entre todos, prevista na Constituição estadual.

- As cotas, ao contrário dos objetivos, aprofundam o racismo dentro e fora das universidades. O aluno beneficiado fica marcado. É alvo de discriminação entre os colegas e no mercado de trabalho - disse Bolsonaro.

O relator do processo, desembargador Sérgio Cavalieri Filho, votou pelo indeferimento da liminar. Segundo ele, tal política de ação afirmativa tem por finalidade a igualdade formal e material. Mas a sua posição foi vencida pela maioria. Na sessão, o desembargador Walmir de Oliveira e Silva questionou o fato de a lei fixar categorias de carentes pelos critérios da cor da pele e etnia, por exemplo. Integrantes do Órgão Especial também criticaram a ausência de dispositivos para avaliara capacidade dos candidatos às cotas.

Esperança

DEU EM O GLOBO

EMBORA AINDA seja liminar, a decisão do Tribunal de Justiça do estado de suspender a aplicação do regime de cotas no preenchimento de vagas em universidades públicas fluminenses pode ser um decisivo divisor de águas.

O TJ dá ânimo a quem confia que o dispositivo constitucional da igualdade de direitos entre os brasileiros será defendido na Justiça.

E QUE a melhor política afirmativa a favor de segmentos marginalizados da população não é inocular o perigoso, errado e reacionário conceito de raças no país, mas investir de forma pesada na educação pública, sem revogar o conceito inarredável do mérito.

Reitor e ministro protestam e pedem debate

DEU EM O GLOBO

"Os desembargadores desconheciam que o vestibular está marcado"

O secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso, e os reitores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo) foram ontem ao Tribunal de Justiça para conversar com o presidente do órgão, Luiz Zveiter, sobre a suspensão da lei de cotas. O estado corre contra o tempo para evitar que a decisão altere o vestibular deste ano das três universidades estaduais.

- Esperamos que o TJ, se mantiver a decisão no julgamento do mérito, leve para o próximo vestibular e a lei não seja extinta. O debate precisa ser ampliado. A extinção pura e simples da lei de cotas é um retrocesso na inclusão do ensino superior - afirma o secretário, dizendo que não haverá alterações no primeiro exame de qualificação, em 21 de junho, já que a opção pelas cotas ocorre na segunda fase, em novembro.

O ministro da Igualdade Social, Edson Santos, também protestou. Assim que soube da liminar, ele telefonou para o governador Sérgio Cabral e o reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves:

- Fiquei sabendo após o fato consumado. Estranhei a celeridade do TJ na votação. Uma questão como essa, com impacto social tão grande, não pode ser decidida por liminar.
Uerj tem 400 processos contra cotas por ano

Favorável às cotas, o reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves, criticou o fato de a decisão do TJ já passar a valer a partir do vestibular deste ano.

- Os desembargadores, provavelmente, desconheciam que o vestibular já estava marcado e com edital pronto - reclama, alertando para o risco de a Uerj ser alvo de recursos impetrados por candidatos que recorreriam às cotas.

- Eles poderão ir à Justiça, posteriormente, por se sentirem prejudicados pela liminar - conclui o reitor, que critica a morosidado Supremo Tribunal Federal, que há sete anos está para julgar a constitucionalidade do sistema de cotas.

As universidade estaduais reservam 45% das vagas a cotistas (20% para afrodescedentes, 20% para alunos egressos de escolas públicas e 5% para portadores de deficiência, indígenas e filhos de policiais). Porém, o aluno deve ter renda inferior a R$960 per capita. Segundo Vieiralves, o percentual de cotas nunca foi totalmente preenchido na Uerj. Em 2009, apenas 28% dos alunos ingressaram pelo sistema.

A Uerj tem matriculados 14.854 não cotistas, 3.215 afrodescendentes, 4.509 oriundos da rede pública e 152 na cota de deficientes. Em média, 400 alunos não cotistas entram anualmente com processos contra a Uerj por não terem sido aprovados mesmo com pontuação maior que a de um cotista aprovado. Até hoje, nenhum ganhou a ação. Na Universidade do Norte Fluminense (Uenf), apenas 294 (16%) do total de 1.864 alunos matriculados são cotistas.

Liminar contra cotas traz dúvida a vestibular no Rio

Clarissa Thomé, Rio
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Número de inscritos no exame unificado de três instituições afetadas chega a 71 mil, o que gerou uma "situação absurda", diz reitor da Uerj

A decisão liminar do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que suspendeu o sistema de reserva de vagas para negros e estudantes da rede pública nas universidades estaduais do Rio, deixou na incerteza 71 mil estudantes. Esse é o número de inscritos no vestibular unificado, que seleciona alunos para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade do Estado do Norte Fluminense (Uenf) e Centro Universitário da Zona Oeste (Uezo). A primeira prova está marcada para o próximo dia 21 e os cartões de confirmação começaram a ser distribuídos ontem.

"Essa é uma situação absurda, inconveniente", disse o reitor da Uerj, Ricardo Vieiralves. "O sistema de cotas existe desde 2002 no Rio e uma decisão liminar, que não avaliou o mérito da causa, não pode mudar tudo no meio do processo."

Vieiralves critica a falta de leis sobre o tema. Um projeto de lei regulamentando a matéria tramita há 10 anos no Congresso. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não julgou uma ação direta de inconstitucionalidade, que desde 2004 questiona a validade da lei de cotas.

A Uerj enfrenta anualmente cerca de 400 ações impetradas por alunos que tiveram desempenho no vestibular superior ao dos cotistas, mas não conseguiram vaga.

"O STF não pode ficar protelando grandes decisões, que definem políticas de Estado", criticou Vieiralves.

A Procuradoria-Geral do Rio encaminhou ontem ao Órgão Especial do TJ uma petição, na qual solicita que a decisão sobre as cotas não tenha efeito no vestibular em curso. Os procuradores irão recorrer da decisão em outro momento.

"O importante é que a regra não vai ser mudada depois de começado o jogo", garantiu o secretário de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso.

A estudante de pré-vestibular Ana Clara Vargas, de 18 anos, que é contrária às cotas, disse que a liminar foi o assunto do dia entre estudantes. "Ela muda muita coisa. Para a medicina, por exemplo, há 56 vagas para não-cotistas e 46 para cotistas na Uerj. Se a liminar for mantida, a relação candidato-vaga cai vertiginosamente", observou.

O estudante Jhone Carlos Cruz, de 18 anos, defendeu as cotas. Aprovado em duas universidades federais, que não fazem reserva de vagas, ele optou por ingressar na Uerj pelo sistema de cotas: "É uma questão de autoafirmação. É um direito adquirido."

A liminar foi provocada por ação apresentada pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP). Ele alegou que a cota acirra a discriminação. "É preciso estabelecer a ordem e a Constituição", disse.

O teste de Obama

Panorama Econômico :: Mirian Leitão
DEU EM O GLOBO


Os testes nucleares da Coreia do Norte são o primeiro desafio grave de política externa do presidente Barack Obama. Temia-se que ele viesse do mundo muçulmano, mas veio de outro país hostilizado pelo velho governo. É também um desafio para a liderança da China na região. Do ponto de vista econômico, mesmo pequena e isolada, a Coreia do Norte cria mais um peso num organismo debilitado.

Ontem, caíram as moedas do Japão, Nova Zelândia, Indonésia, Malásia, Tailândia, Índia, Cingapura e Coreia do Sul. O mundo está em crise e há fundamentos econômicos para qualquer instabilidade, mas o aumento do risco não ajuda em nada o momento atual, que estava começando a ser visto como de superação do pior.

O mercado ficou de manhã preocupado com a nova fonte de problemas, mas à tarde estava comemorando a elevação da confiança dos consumidores americanos. Os dados são ambíguos porque ontem mesmo saiu a informação de queda de 19,1% dos preços dos imóveis no primeiro trimestre nos EUA. Mas o sentimento do consumidor falou mais alto e o mercado melhorou ao longo do dia. O assunto, entretanto, não é tão trivial quanto parece pelos voláteis indicadores das bolsas de valores.

O presidente norte-coreano pode estar se aproveitando da crise econômica para fazer seu jogo.

Os economistas já estão preocupados com a questão fiscal americana, com o déficit batendo em 13% até o final do ano. Tudo que Obama não precisa agora é mais uma frente de gastos, mais uma frente de batalha, mais um pântano no qual se afundar. Afinal, já há problemas suficientes internamente: todas as complicações que ainda sangram a economia.

Por isso, e por tudo o que ele se propõe a ser na política americana, Obama tentará a todo custo evitar um conflito, mas ao mesmo tempo não pode correr o risco de um moral hazard na área diplomática, porque se passar fraqueza, isso o fragilizará na disputa política interna. A embaixadora de Obama nas Nações Unidas, Susan Rice, fez um sinal de endurecimento, dizendo que o país está trabalhando com outros integrantes do Conselho de Segurança para uma rápida resposta que leve a Coreia do Norte "a pagar o preço" de seu desafio, mas ao mesmo tempo circulam informações de que os EUA estariam abertos a uma volta do governo da Coreia do Norte à mesa de negociação.

Por outro lado, a atitude da Coreia do Norte é um tiro contra a liderança que a China quer construir na região. É ela a promotora das negociações para a desnuclearização do país vizinho. Por isso, o desafio de Pyongyang provocou reação imediata dos chineses. Eles também não precisam, no meio de seus esforços de retomada do crescimento, de mais uma instabilidade.

A tragédia causada pelo governo norte-coreano é que ele atrapalha o futuro do seu próprio povo e também de outros países. Um governo stalinista em pleno século XXI é uma velharia espantosa. Tudo parece mofado, como os boatos sobre a saúde do ditador Kim Jong-il. Lembram o regime soviético e as doenças, sempre negadas, de seus governantes. É um país tão frágil economicamente, que aumentar seu isolamento pode produzir o que a China teme: a implosão do país com milhares de pessoas saindo por suas fronteiras, disse ontem o editor diplomático do "Telegraph", de Londres, David Blair.

A tese do analista é que a Coreia do Norte joga com o Ocidente usando a estratégia de ameaçar para conseguir concessões. O país fez um teste em 2006 e depois negociou o acordo de fevereiro de 2007, no qual prometia desmontar um dos seus reatores em troca de comida e combustível. O regime é um fantasma de si mesmo, tentando ameaçar o mundo, enquanto submete sua população ao sofrimento, à fome, ao isolamento e ao culto à personalidade. Na primavera de 2007, o país enfrentou inundações que reduziram ainda mais a oferta de alimentos interna, que é crítica pela falta de terras cultiváveis. O deplorável agora é que, desta vez, o país parecia caminhar para alguma racionalidade, até que, de novo, sacou do mesmo arsenal para ameaçar o mundo e ferir a si mesmo.

A Coreia do Sul tem um PIB per capita 15 vezes maior que o da Coreia do Norte. Não deixa de ter problemas políticos, como o suicídio do ex-presidente, ou problemas econômicos, com a recessão que enfrenta este ano e a crise de 1997 e 1998. Mas é um país pujante, de tecnologia de ponta, uma economia exportadora. Nos últimos 18 anos, o PIB da Coreia do Norte ficou estagnado, o da Coreia do Sul multiplicou por três. O PIB da Coreia do Sul é o 16º do mundo; o da Coreia do Norte é o 96º.

Obama tem que encontrar uma forma de tirar a economia da crise, mostrar que seu discurso de estender a mão ao mundo muçulmano, chamar adversários para a mesa de negociação e suspender a tortura e fechar Guantánamo tornarão o mundo um lugar mais seguro. Por isso, essa frente de problemas é tão indesejável e perturbadora.

O teste nuclear de uma ditadura desesperada, nos seus estertores, ameaçando o mundo, é um dado a mais de incerteza, numa economia que está justamente tentando superar o cenário nebuloso para iniciar a recuperação.

O baque alemão

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A economia alemã, a mais forte da Europa, está no seu pior momento desde que as Contas Nacionais começaram a ser medidas, em 1970.

Ontem, o governo alemão confirmou que o PIB no primeiro trimestre deste ano despencou 3,8% em relação ao PIB do trimestre anterior. É um número que aponta para um tombo neste ano entre 5% e 6%, em razão da queda de 9,7% das exportações e de uma selvagem redução de estoques por parte da indústria.

Estes não são só registros estatísticos. Carregam um pacote de escolhas e forte carga cultural. Para não dar a impressão de que este comentário vai exumar a Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant, vamos logo às explicações.

Os esquemas de estruturação da economia europeia, especialmente a alemã, ajudam a amortecer as crises. Construídas dentro dos princípios da social-democracia, as instituições preveem mecanismos automáticos de estabilização da renda e da atividade econômica. O desempregado, por exemplo, tem direito a um seguro-desemprego que, em alguns países, alcança até 80% do salário. É o que, nos momentos de turbulência financeira e de recessão, mantém a economia funcionando, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde o impacto sobre a renda do trabalhador é bem mais cruel.

Esses mecanismos do Estado do bem-estar (welfare state) operam como eficientes amortecedores da crise no seu início, mas tendem a acentuar a paradeira caso ela se prolongue, como agora, porque são temporários. Garantem a renda parcial do desempregado durante período que varia entre 6 e 11 meses, mas, passado esse tempo, o jogam na rua da amargura, justamente num momento em que o Estado está mais carente de recursos porque aumentou dramaticamente suas despesas com socorros oficiais e, também, com esse dispêndio social automático extra.

A atual situação das finanças públicas dos países europeus é delicada. Na zona do euro, só o déficit público (diferença entre o que os Estados arrecadam e o que gastam) deve ultrapassar 1 trilhão de euros (US$ 1,4 trilhão) neste ano. Medido de outra forma, esse valor corresponderá a 5,3% do PIB em 2009 e a 6,5% do PIB em 2010, como se pode depreender pelas projeções da Comissão Europeia. Para entender a magnitude desse rombo, basta levar em conta que uma das três condições definidas pelo Tratado de Maastricht para que um país pudesse adotar o euro em 1999 foi apresentar um déficit público não superior a 3% do PIB. De lá para cá a deterioração fiscal é de quase 100%. (Ver tabela.)

O desemprego também não dá sinais de arrefecimento. Cresceu em todos os países da União Europeia. Em alguns atingiu níveis particularmente altos, como Espanha (17,4%), Bélgica (11,2%) e Grécia (9,1%). Na Espanha, onde cerca de um terço da força de trabalho vive de contratos temporários e não tem acesso a seguro-desemprego, o número de inativos dobrou em apenas um ano.

Esta não deixa de ser uma crise dos países ricos. É a primeira vez em 50 anos que a União Europeia volta esperanças para fora de suas fronteiras. Espera a recuperação americana e torce quase desesperadamente para que os países emergentes, especialmente China, Índia, Brasil e Rússia, assumam a função de locomotivas da economia mundial.

Confira

Bumbum de fora - "É quando a maré baixa que se descobre quem está nadando nu", disse o bilionário Warren Buffett.

A queda dos juros vai mostrando quem vai ser apanhado pelado. Na lista estão os benefícios dos fundos de pensão e da aposentadoria complementar; os spreads dos bancos; as taxas de administração dos fundos de investimento.

E tem mais: os consórcios; os juros cobrados pelos cartões de crédito; o comércio e a indústria que vivem mais do retorno financeiro do que do seu negócio; os encargos dos depósitos judiciais; o imposto excessivo na renda fixa.

Máquinas em parafuso

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mais afetada pela baixa do investimento e da exportação, indústria de máquinas volta a vender e empregar menos

A INDÚSTRIA de máquinas chegou a dizer que a discreta melhora de março indicava um "fundo do poço". Mas, em abril, o tempo fechou para os produtores de bens de capital. Vendas e emprego voltaram a piorar, inclusive em relação a março. A direção da Abimaq foi nesta semana pedir ao BNDES apoio a um plano de emergência. Abimaq é a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos.

As queixas da Abimaq são as de sempre. "Perdemos negócios para americanos, alemães e italianos por causa de imposto. Posso dizer que, na ponta do lápis, perdemos por causa de imposto. Desde metade de 2008, tenho visto isso acontecer cada vez mais. Nesses casos, tínhamos preço igual ou melhor. E nem estou falando de câmbio. Temos visto empresas praticamente fecharem por causa de câmbio", afirma Luiz Aubert Neto, presidente da Abimaq.De setembro a abril, ao lado da indústria de metalurgia e de máquinas e equipamentos elétricos, a de máquinas e equipamentos foi a que registrou o maior baixa da produção, segundo o IBGE -mais que o dobro do recuo médio mensal da indústria.

As importações de bens de capital cresceram 24% no acumulado de 12 meses até abril (em quantidade); as exportações caíram 7,7%. Entre os componentes do PIB (pela ótica da demanda), o investimento, que inclui máquinas e equipamentos, foi o que levou o maior tombo no trimestre final de 2008. Não deve ter sido diferente no início de 2009. O subsetor de máquinas para a indústria de bens de consumo é o que mais apanha, segundo a Abimaq.As empresas ligadas à Abimaq já demitiram cerca de 20 mil dos 250 mil trabalhadores que chegaram a empregar, no pico, em outubro de 2008. Segundo a associação, o salário médio dos trabalhadores do setor é o dobro da média dos rendimentos das seis regiões metropolitanas onde o IBGE levanta dados.

Mario Bernardini, assessor econômico da direção da Abimaq, diz que "resolver o câmbio é sonho, mas com impostos se pode fazer algo. Mas o governo escolhe setores de maneira arbitrária e não pensa no conjunto da cadeia industrial [referindo-se à isenção de impostos para carros e alguns eletrodomésticos, com a qual concorda, aliás]". No plano da Abimaq, grosso modo, pede-se que os compradores de máquinas possam usar imediatamente os créditos fiscais. Querem dois anos de carência para recolher ICMS, IPI, PIS e Cofins devidos entre junho de 2009 e maio de 2010, além de redução a zero do IPI ainda restante sobre alguns produtos. Do BNDES, querem financiamento de 100% de máquinas para a renovação da indústria, mais carência de amortização e juros do financiamento.

Mesmo com um pacote desses, é difícil acreditar na retomada do investimento: a capacidade ociosa da indústria é grande, a queda da exportação de manufaturados é brutal e a crise vai durar nos países clientes das fábricas brasileiras. Mas, apesar do debate inconclusivo (por falta de dados melhores) sobre a especialização precoce da indústria nacional, o tombo das máquinas foi especialmente feio. E se trata de um miolo sofisticado da cadeia produtiva. Sem indústria de máquinas e equipamentos, o país vai, por exemplo, importar toda a infra do pré-sal?

Meu tempo é hoje

Paulinho da Viola
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O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Live

Cassandra Wilson
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Tradição vira fricção na voz de Cassandra

Jotabê Medeiros, Buenos Aires
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Ela faz shows em SP e no Rio e diz que toda música popular está relacionada

Nos anos 80, Cassandra Wilson foi uma das fundadoras do movimento M-Base, que misturava a cultura musical africana com o funk e o jazz de vanguarda. A voz "enfumaçada" (como costumam definir), a postura cool, o olhar de mormaço e uma formação musical complexa a tornaram uma rara unanimidade. Em 1995, ganhou o primeiro Grammy, pelo disco New Moon Daughter. Os críticos a colocaram no ponto mais alto do jazz vocal, de onde não saiu até agora - é a mais celebrada cantora do gênero da atualidade.

Ao longo da carreira de rara unanimidade, ela só vem alargando essa fronteira. Agora, aos 54 anos, Cassandra chega ao Brasil a bordo do novo disco, Loverly, que lhe valeu o Grammy de melhor cantora de jazz este ano. Canta amanhã à noite no Bourbon Street, sexta no HSBC Brasil e domingo no Rio.

Na quinta-feira à noite, foi aplaudida de pé no Teatro Gran Rex, em Buenos Aires. Cerca de 40 minutos depois de sair do palco dançando de chinelas Havaianas, recebeu a reportagem do Estado em seu camarim, para uma conversa. Serviu vinho branco para acalmar o interlocutor e falou do seu sonho de conhecer Salvador, na Bahia.

Seu show começa como uma festa africana, entre o Mali de Amadou e Mariam e o Senegal de Youssou N'Dour, e termina em batucada. No meio disso, há blues,a música brasileira e pop. É proposta sua, construir uma ponte para se compreender a música de origem africana?

É como um guia para entender a diáspora africana da música, porque toda música é relacionada. Essa bagagem traz a marca do que nós sofremos, às vezes, e também das nossas alegrias. Se a compreendemos melhor, podemos entender o que fomos antes. A fonte é comum.

E a música brasileira, como entra?

A retenção cultural da música é muito forte em seu País. É tudo muito mais natural para vocês. Os americanos têm um jeito de sempre tentar elaborar intelectualmente antes, ou então não conseguem entender. Nós lutamos muito entre Ocidente e Oriente, entre valores europeus e africanos. Na música, é preciso sentir. Por isso, a tarefa às vezes é mostrar que não há barreiras entre essas tradições, exceto na cabeça da gente.

A sra. já veio ao Brasil antes, em 1994. Do que se lembra?

Sim, fui substituindo Mel Tormé, que ficou doente. Foi uma viagem muito rápida, não tive muito tempo para conhecer nem ouvir muita coisa. Dessa vez, terei um dia de folga no Rio, quero sair para conhecer. Tem dois lugares na minha lista que sonho em conhecer no mundo: Salvador, no Brasil, e Havana, em Cuba. Salvador, me disseram que tem uma festa lá, de Iemanjá, que é muito linda.

Dizem que essas cidades, junto com New Orleans, representam o mais sofisticado em mistura musical.

Sim, New Orleans também é fascinante. Eu nasci em Jackson, Mississippi, a duas horas e meia de New Orleans, e tenho uma forte ligação também com a cultura musical daquela região dos Estados Unidos. Foi lá na minha cidade natal que gravei parte do disco que é a base desse show, Loverly.

Foi daí que veio essa atmosfera de blues que permeia o show?

O blues atravessa toda minha experiência como cantora. Está na minha origem. Mas não só. Sinto atração também pela música latina, pela música brasileira, a bossa nova, o samba.

Sempre dizem que a sra. faz também uma ponte entre o pop, quando canta músicas dos Beatles, por exemplo, e o jazz.

A plateia nunca pergunta se o que estou cantando é jazz ou alguma outra coisa. Só querem algo que os emocione, apenas isso. Parte do trabalho de um músico é atualizar o passado, fazer novas leituras à luz de novos instrumentos e uma nova realidade. Isso é o jazz. É uma disciplina, algo que fazemos para comunicar com nossa música, abrir possibilidades. É mais um estilo do que uma forma. É um enfoque, uma maneira de compreender a música, que é contínua, não é estanque.

A sra. canta uma música de Luiz Bonfá, Manhã de Carnaval (de Orfeu Negro), e pronunciou direitinho o nome dele durante o show.

Eu soube da música brasileira muito cedo em minha vida. Meu pai, que era músico, ouvia muito. Tinha discos de Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Jobim. Eu adorei quando ouvi pela primeira vez aquele disco da Astrud Gilberto com o Stan Getz. Eu compreendi a importância do samba bem cedo, e soa natural para mim cantar MPB. Não é um modismo. Mas não é música brasileira o que eu canto, eu sei disso. É uma combinação do som da música brasileira com peças do jazz tradicional.

A sra. também chamou a atenção de duas pessoas na plateia, pedindo que elas desligassem suas câmeras. "Esteja aqui", a sra. disse para eles. Não gosta da tecnologia?

Para nós, que estamos no palco, o show é um ritual. A câmera incomoda, significa que aquela pessoa não está ali naquele momento. É algo rude, porque se você se dispõe a participar de um ritual, todo mundo deve estar ali. Gosto da tecnologia, acho que é imprescindível. Melhora o som, ajuda a que o show não tenha falhas. Mas há momentos em que ela não é necessária. Não quero a tecnologia na hora em que estou fazendo amor com meu marido. A imagem no YouTube substitui a experiência de ver o show com os próprios olhos e os sentidos?

O repórter viu o show em Buenos Aires a convite do Bourbon Street Music Club

o que ela canta

Caravan

A sleeping bee

Lover come back

Black Orpheus (Orfeu Negro)

St. James Infirmary

Harvest Moon

Pony Blues

Wichita Lineman

Till there was You

Dust my Broom

Arere

A Banda

HERLIN RILEY: O baterista Herlin Riley é o mais famoso do grupo de Cassandra Wilson. Integrou o célebre trio do pianista Ahmad Jamal, além de ter gravado com Doctor John e Wynton Marsalis.

MARTIN SEWELL: O guitarrista é também o diretor artístico do show. Já tocou com Jack DeJohnette e Joe Lovano, entre outros. Usa diversas guitarras, elétricas e acústicas, no show.

REGINALD VEAL : O contrabaixista Veal também tocou com os Marsalis, e ainda com Marcus Roberts, Wycliffe Gordon , Wessell Anderson, Eric Reed.

LEKAN BABALOLA: O percussionista nascido na Nigéria e criado em Londres, estudioso da cultura ioruba, é quem dá o tom afrobeat ao show.

JONATHAN BATISTE : O grupo se completa com o jovem pianista Jonathan Batiste, de 23 anos, integrante de uma das mais tradicionais famílias de músicos de New Orleans, e que incursiona, em carreira-solo, pelo soul, funk e hip-hop. Já tocou com Allen Toussaint e Harry Connick Jr.

Blues antigos são revistos com balanço do Harlem

Jotabê Medeiros
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

A voz é bluesy, falsamente indolente, e o slide guitar "estica" as notas, tudo com um sabor do piano boogie-woogie de um dos integrantes da famosa família Batiste de New Orleans, o garoto Jonathan.

Ao longo do show, as guitarras e o "bottle neck" de Marvin Sewell fazem a cama para a voz de Cassandra deitar e rolar. A noite é aberta com uma visão "malinesa" do clássico de Duke Ellington, Caravan. O duque vai à savana. Só os músicos estão em cena, e vão preenchendo os espaços aos poucos, como se pintassem um quadro ao vivo.

Aí entra a diva, e todo seu magnetismo fica evidente na sequência de canções que vêm: A Sleeping Bee (letra de Truman Capote para composição de Harold Arlen), Lover Come Back to Me (releitura cassandrística para música de 1928 que foi gravada por Billie Holiday e Doris Day, entre outros) e a doçura familiar de Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá.

O lado, digamos assim, pop de Cassandra comparece com Till There Was You, de Lennon e McCartney (da qual o mineiro Beto Guedes fez versão que tornou muito populares aqui os versos "Nem o sol, nem o mar, nem o brilho das estrelas...").

Ela continua a friccionar a tradição com o balanço do Harlem, onde vive. A próxima canção tradicional a ser reexaminada é Pony Blues, composta por Charley Patton em 1929. Momentos absolutamente hipnóticos: primeiro, quando ela canta St. James Infirmary, blues de autor anônimo do começo do século 20 que Louis Armstrong tornou célebre; segundo, no final, com o rito ioruba Arere, no bis.

Cassandra, que canta com um tapete grande sob os pés, tira os sapatos e dança com seu vestido rosa, recolhendo-se ao fundo do palco. Os músicos vão saindo aos poucos, ficando somente o percussionista ao final. A voz da cantora, grave e modulada com extrema delicadeza, parece ainda encher o palco enquanto a plateia bate com os pés no chão pedindo para um novo bis, que não virá.

Antonio Candido agrada plateia em aula bem-humorada

Raquel Cozer
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada


Mais célebre crítico literário do país falou sobre o livro epistolar "Pio & Mário'

Estudo sobre troca de cartas entre fazendeiro e Mário de Andrade era projeto da ensaísta Gilda de Mello e Souza, que morreu em 2005

"Eu me sinto aqui um pouco como um mero substituto", disse o mais importante crítico literário do país, Antonio Candido, 90, anteontem, a um teatro Anchieta bastante cheio.

Quase 200 pessoas estavam no auditório, em São Paulo, para ouvi-lo falar sobre o livro "Pio & Mário - Diálogo da Vida Inteira" (Sesc SP/ Ouro sobre Azul, 424 págs., R$ 96).

O autor de "Formação da Literatura Brasileira" (1959), que teve ajuda para subir ao palco, referia-se ao fato de o recém-lançado volume ter sido um projeto ao qual sua mulher, Gilda de Mello e Souza (1919-2005), dedicou anos da vida.

"Procurarei seguir as ideias da Gilda, a partir do material que ela reuniu", disse ele ao público, que incluía o crítico literário Roberto Schwarz, o diretor do Museu Lasar Segall, Jorge Schwartz, e a escritora Lygia Fagundes Telles, entre outros.

Sobrinha-neta do fazendeiro Pio Lourenço Corrêa (1875-1957), Gilda tinha o intuito de escrever um estudo sobre as dezenas de cartas trocadas entre ele e o escritor Mário de Andrade (1893-1945). Ela morreu antes de finalizar a introdução.A coordenação foi assumida então pela filha do casal, Ana Luisa Escorel, editora da Ouro sobre Azul. E Antonio Candido dedicou-se a escrever os traços biográficos de Pio Lourenço.

"Desconhecido"

"Quis falar sobre ele, e não sobre o Mário, porque o Mário todos conhecem", explicou.

Esse "desconhecido", a quem o escritor se dirigia como "tio Pio", era na verdade casado com uma prima de Mário, Zulmira, e amigo do pai dele, Carlos Augusto de Andrade.

A correspondência entre os dois durou de 1917 até a morte do modernista e foi "diferente da maior parte das outras dele, por não ter sido com outro escritor, e por ser a mais longa."

À moda de seu famoso texto "A Vida ao Rés-do-Chão", em que celebra a "despretensão" da crônica como gênero literário, Candido apresentou Pio Lourenço Corrêa num relato bem-humorado, contando apenas fatos pitorescos de sua vida.

Lembrou, por exemplo, a insistência do fazendeiro em provar que o nome de sua cidade natal, Araraquara, significa "cova onde nasce o sol", e não "cova das araras" -de nota de rodapé, a tese virou livro, "Monografia da Palavra Araraquara", com quatro edições.

"Provar isso ocupou a vida toda dele. Achava que o povo do Brasil inteiro estava interessado nisso", disse Candido, arrancando gargalhadas do público.O crítico ressaltou também que o fazendeiro, "um pouco maníaco" pela perfeição, tinha um "talento linguístico excepcional" e o usava em longas discussões com o amigo famoso.

Em carta de 1917, por exemplo, Pio aconselha a Mário que, numa segunda edição do livro "Há uma Gota de Sangue em Cada Poema", retire os circunflexos da contração "pela": "Foi um lapso, bem sei: mas muito repetido, e deu-me na vista".

Candido destacou ainda a "tensão estilística" perceptível entre os dois. "Pio era um cultor do vernáculo, e o Mário queria subverter o vernáculo. De maneira que ele realmente não gostava das coisas que o Mário escrevia. Achava "Macunaíma" uma coisa horrível."